Ridley
Scott tangencia tema e repete fórmula na volta à consagrada franquia.
Alien - O
Oitavo Passageiro foi um sucesso em 1979, tendo perdurado pelas décadas como um
clássico da ficção científica de horror. Com uma ambientação claustrofóbica e angustiante
, o segundo longa de Ridley Scott como diretor trazia um desenho de produção
muito criativo e que colaborava substancialmente para o terror sugerido pelo
filme - o design criado por H.R. Giger
para as criaturas é um marco que ainda ecoa nas memórias de quem assistiu ao
filme. Contudo, junto com o trunfo visual, aquilo que fez Alien se tornar um
referencial memorável foi sua narrativa :desenvolvida sem se apressar – mas
também não perdendo sua urgência latente –
a película estrelada por Sigourney Weaver criava uma crescente de
tensão, inquietando os espectadores conforme cada personagem caía em detrimento
do alienígena que os atacava. A habilidade ao tratar a história e seus
elementos e o talento na direção por parte de Scott fizeram do filme uma obra
que não envelhece em efeito.
Após
várias continuações – a de maior sucesso sendo aquela conduzida por James
Cameron, Aliens (onde o cineasta introduziu os personagens do primeiro film a
uma trama de blockbuster) - a série acabou sendo sucateada progressivamente até
culminar em produtos desastrosos como os Alien vs.Predador. Então, em 2012,
mais de 30 anos após seu debute na franquia, Ridley Scott retorna para o
charmoso universo de Alien em Prometheus . Com um discurso que o filme dialogaria com os
princípios da humanidade e com a origem extraterrestre da vida no planeta
Terra, o longa possuía uma nova e promissora proposta narrativa que abriria
novos horizontes para a franquia que parecia já calejada nos últimos tempos.
Entretanto, tudo que Prometheus poderia alcançar em tela com sua sugestão de temática
acaba sendo o principal motivo responsável pelo resultado final problemático.
Não digo
aqui que o filme sofre pela expectativa disposta sobre ele, ou pelo hype que criou com sua bela campanha de divulgação
– até porque nenhum projeto deve ser julgado de acordo com as esperanças
subjetivas de cada um, tendo em vista que isso influenciaria a análise final,
tanto para melhor quanto para pior . O fato é que Prometheus abre sua história
com uma sede de descoberta, repleta de
uma indagação filosófica básica e milenar sobre a origem da vida humana, e
termina por desenvolver o filme subaproveitando o tão valioso tema. Na trama,
que se passa antes dos acontecimentos do primeiro Alien, um jovem casal de
arqueólogos descobre, no ano de 2089, um padrão nas escavações de sociedades
antigas, que evidenciam irrefutavelmente
a ligação do nosso planeta com alguma constelação distante. Na esperança
de comprovar a sua tese de que os seres humanos foram criados por algum ser
inteligente presente naquela localidade , os arqueólogos embarcam numa viagem
patrocinada pela companhia Weyland
Corporation , cujo interesse na descoberta se destina para a cura de
enfermidades humanas . Chegando lá, a expedição se defronta com uma espécie
aparentemente extinta, e outra estranha forma de vida que começa a ameaçar a
integridade de todos os tripulantes.
O roteiro
assinado por Jon Spaiths (responsável por cometer A Hora da Escuridão) e
revisado por Damon Lindelof ( louvado pela série Lost) tende inicialmente a
buscar as motivações mais existenciais para encaixar o desenvolvimento de
Prometheus . É sempre interessante ver uma ficção científica que se preocupe,
mais do que com seus efeitos especiais, com seus méritos narrativos,
principalmente quando sua trama se encarrega de destrinchar um tópico tão relevante
e estimulante quanto o da origem da vida. Inicia-se muitíssimo bem, mas parece
perder o foco ao longo da exibição. Infelizmente, a didática de questionamentos
e exploração do tema se arrefece em determinado ponto – os personagens parecem
satisfeitos o suficiente com certas descobertas, quando, na verdade, deveriam
se sentir estimulados a realizar novas perguntas, afinal o que desenvolve um
tema são justamente elas.
A partir
daí o longa se estabelece realizando um suspense , com a infecção dos
tripulantes e a tensão criada para sobreviver naquele meio hostil. Basicamente
uma repetição da fórmula utilizada para consagrar O Oitavo Passageiro mais de 30 anos atrás. O
filme não carece de idéias para recorrer a tal recurso; mais parece que os
realizadores tiveram receio de desenvolve-las por completo em apenas um filme.
A didática das espécies – o alienígena humanóide branco e o verme em formato de
cobra - e suas motivações para tomarem ou
não certas atitudes formam um ótimo caldo nutritivo para idéias – idéias essas que os
realizadores acharam melhor deixarem para serem desenvolvidas em possíveis
futuras continuações. Optaram assim, por tangenciar temas fundamentais, e
embasar o longa no local seguro da tradição da franquia.
O traço
dos filmes de 1979 e 86 é presente, e se desenham como uma rédea que retém o
avanço da narrativa em outros caminhos, deixando-a “presa” nos elementos dos
originais . Em vez de evoluir, portanto, Prometheus parece estagnar; patina a
narrativa e repete o que já foi visto décadas antes. A influência é grande até
mesmo no subtexto. Nos dois primeiros longas do Alien, a mensagem de cunho
feminista era um tanto clara: No de Ridley Scott, a crise de autoridade, a mulher
que não era respeitada; no posterior filme de James Cameron, a dissertação
sobre maternidade : a filha que Ripley não viu crescer, a menina que perdeu os
pais, o confronto emblemático com a fértil Rainha Alien. Em Prometheus, as facetas de Ellen Ripley nos
dois filmes são formadas em personagens diferentes : as protagonistas Elizabeth
Shaw (Noomi Rapace) e Meredith Vickers ( Charlize Thron). Shaw tem o semblante
frustrado por não poder ser mãe, e tem experiências desagradáveis com esse
desejo; Vickers é a autoridade máxima, exercendo seu poder e reproduzindo uma
atitude empregada por Ripley no primeiro filme : Se manifestar contra a entrada
de um tripulante contaminado na nave.
No
desenvolvimento de personagens, Prometheus tem sua principal figura no andróide
David. Com motivações diversas, percebemos o personagem de Michael Fassbender
como um ser complexo, aparentemente alheio a emoções, e que justamente por isso pode desenvolver com
retidão sua sede por conhecimento, despertada no ambiente ao seu redor. Apesar
disso, ainda há idéias que ficam pelo caminho, nesse aspecto. O sintético
vivido por Fassbender, talvez o mais profundo em interpretações e interesses - apesar
de ser um andróide - tem dilemas morais
e existenciais talvez mais fortes até do que
aqueles que os humanos ao ser redor apresentam. Um paralelo facilmente
traçável, mas que mais uma vez fica apenas na sugestão. Muitos pontos filosóficos cruciais em Prometheus ficam
retidos em meros diálogos, enquanto muitos minutos preciosos de tela são gastos
em cenas desnecessárias para a narrativa – como a da operação realizada em
Shaw, por exemplo, que explicita a necessidade do roteiro em criar um paralelo
com o tom gore dos dois primeiros
filmes, temendo criar seu próprio destino como obra auto-suficiente.
Além deste
tom pouco corajoso, que vitima vôos mais altos do longa, ainda há erros básicos
na construção do script – fruto da provável falta de experiência de Jon Spaiths
– como a maneira apressada que o filme se apresenta. Talvez justamente essa
pressa tire um pouco da grandiosidade dos eventos mostrados pelo filme, e acabe
por diminuir algo importantíssimo em qualquer ficção científica : a atmosfera.
Além disso, Spaiths usa de reviravoltas completamente desnecessárias e que
complicam a unidade emocional do filme, que é mais comprometida ainda por
diálogos expositivos. Mais revisão não faria mal a ninguém.
O visual
do filme - todo gravado com câmeras 3D - é, em contraponto, um desbunde. Com um
design de produção rico em detalhes - tanto aqueles que simulam a nave quanto
aqueles que remontam locais naturais, como as cavernas - provavelmente o
projeto vai ser indicado ao Oscar nos quesitos técnicos, tendo franca chance de
vitória. A maquiagem soberba é sutil nas suas ações, mas auxilia profundamente
em cada personagem. O semblante asséptico de David auxilia na esplêndida
composição da personagem de Fassbender. Os efeitos especiais – outros favoritos para o
Oscar desde já – são obras inesquecíveis, infalíveis e fundamentais para a composição do universo do
filme, e para que o espectador compre o mesmo. Combinados com um 3D funcional –
que tem seus momentos-chave na exposição de hologramas, usando bem o conceito
de terceira dimensão – e uma direção bastante segura e estudada por parte de
Scott, os efeitos visuais de Prometheus são o ponto alto do longa, permanecendo
na mente de quem assiste por um bom tempo após a projeção.
Com uma
proposta interessante, mas sem colocá-la efetivamente na projeção , Prometheus
não segue seus elementos filosóficos e seus questionamentos, deixando muitos
conceitos promissores pelo caminho, e outros subentendidos para um próximo
capítulo . Com um respeito e certo embasamento demasiadamente grande aos filmes
originais - incluindo o destino de certos personagens - Prometheus acaba em
última análise tendo uma atitude temerosa, não alcançando os objetivos traçados
e se contentando numa reprodução bem executada das fórmulas dos filmes
anteriores. Ambição não alcançada, e que fica postergada pra um possível
próximo filme.
3 Estrelas
*** 6/10.