Old School Nerds

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domingo, 10 de junho de 2012

Prometheus

Ridley Scott tangencia tema e repete fórmula na volta à consagrada franquia.

Alien - O Oitavo Passageiro foi um sucesso em 1979, tendo perdurado pelas décadas como um clássico da ficção científica de horror. Com uma ambientação claustrofóbica e angustiante , o segundo longa de Ridley Scott como diretor trazia um desenho de produção muito criativo e que colaborava substancialmente para o terror sugerido pelo filme  - o design criado por H.R. Giger para as criaturas é um marco que ainda ecoa nas memórias de quem assistiu ao filme. Contudo, junto com o trunfo visual, aquilo que fez Alien se tornar um referencial memorável foi sua narrativa :desenvolvida sem se apressar – mas também não perdendo sua urgência latente –  a película estrelada por Sigourney Weaver criava uma crescente de tensão, inquietando os espectadores conforme cada personagem caía em detrimento do alienígena que os atacava. A habilidade ao tratar a história e seus elementos e o talento na direção por parte de Scott fizeram do filme uma obra que não envelhece em efeito.

Após várias continuações – a de maior sucesso sendo aquela conduzida por James Cameron, Aliens (onde o cineasta introduziu os personagens do primeiro film a uma trama de blockbuster) - a série acabou sendo sucateada progressivamente até culminar em produtos desastrosos como os Alien vs.Predador. Então, em 2012, mais de 30 anos após seu debute na franquia, Ridley Scott retorna para o charmoso universo de Alien em Prometheus .  Com um discurso que o filme dialogaria com os princípios da humanidade e com a origem extraterrestre da vida no planeta Terra, o longa possuía uma nova e promissora proposta narrativa que abriria novos horizontes para a franquia que parecia já calejada nos últimos tempos. Entretanto, tudo que Prometheus  poderia  alcançar em tela com sua sugestão de temática acaba sendo o principal motivo responsável pelo resultado final problemático.

Não digo aqui que o filme sofre pela expectativa disposta sobre ele, ou pelo hype  que criou com sua bela campanha de divulgação – até porque nenhum projeto deve ser julgado de acordo com as esperanças subjetivas de cada um, tendo em vista que isso influenciaria a análise final, tanto para melhor quanto para pior . O fato é que Prometheus abre sua história com uma sede de descoberta,  repleta de uma indagação filosófica básica e milenar sobre a origem da vida humana, e termina por desenvolver o filme subaproveitando o tão valioso tema. Na trama, que se passa antes dos acontecimentos do primeiro Alien, um jovem casal de arqueólogos descobre, no ano de 2089, um padrão nas escavações de sociedades antigas, que evidenciam irrefutavelmente  a ligação do nosso planeta com alguma constelação distante. Na esperança de comprovar a sua tese de que os seres humanos foram criados por algum ser inteligente presente naquela localidade , os arqueólogos embarcam numa viagem patrocinada pela companhia  Weyland Corporation , cujo interesse na descoberta se destina para a cura de enfermidades humanas . Chegando lá, a expedição se defronta com uma espécie aparentemente extinta, e outra estranha forma de vida que começa a ameaçar a integridade de todos os tripulantes.

O roteiro assinado por Jon Spaiths (responsável por cometer A Hora da Escuridão) e revisado por Damon Lindelof ( louvado pela série Lost) tende inicialmente a buscar as motivações mais existenciais para encaixar o desenvolvimento de Prometheus . É sempre interessante ver uma ficção científica que se preocupe, mais do que com seus efeitos especiais, com seus méritos narrativos, principalmente quando sua trama se encarrega de destrinchar um tópico tão relevante e estimulante quanto o da origem da vida. Inicia-se muitíssimo bem, mas parece perder o foco ao longo da exibição. Infelizmente, a didática de questionamentos e exploração do tema se arrefece em determinado ponto – os personagens parecem satisfeitos o suficiente com certas descobertas, quando, na verdade, deveriam se sentir estimulados a realizar novas perguntas, afinal o que desenvolve um tema são justamente elas.

A partir daí o longa se estabelece realizando um suspense , com a infecção dos tripulantes e a tensão criada para sobreviver naquele meio hostil. Basicamente uma repetição da fórmula utilizada para consagrar  O Oitavo Passageiro mais de 30 anos atrás. O filme não carece de idéias para recorrer a tal recurso; mais parece que os realizadores tiveram receio de desenvolve-las por completo em apenas um filme. A didática das espécies – o alienígena humanóide branco e o verme em formato de cobra  - e suas motivações para tomarem ou não certas atitudes formam um ótimo caldo nutritivo  para idéias – idéias essas que os realizadores acharam melhor deixarem para serem desenvolvidas em possíveis futuras continuações. Optaram assim, por tangenciar temas fundamentais, e embasar o longa no local seguro da tradição da franquia.

O traço dos filmes de 1979 e 86 é presente, e se desenham como uma rédea que retém o avanço da narrativa em outros caminhos, deixando-a “presa” nos elementos dos originais . Em vez de evoluir, portanto, Prometheus parece estagnar; patina a narrativa e repete o que já foi visto décadas antes. A influência é grande até mesmo no subtexto. Nos dois primeiros longas do Alien, a mensagem de cunho feminista era um tanto clara: No de Ridley Scott, a crise de autoridade, a mulher que não era respeitada; no posterior filme de James Cameron, a dissertação sobre maternidade : a filha que Ripley não viu crescer, a menina que perdeu os pais, o confronto emblemático com a fértil Rainha Alien.  Em Prometheus, as facetas de Ellen Ripley nos dois filmes são formadas em personagens diferentes : as protagonistas Elizabeth Shaw (Noomi Rapace) e Meredith Vickers ( Charlize Thron). Shaw tem o semblante frustrado por não poder ser mãe, e tem experiências desagradáveis com esse desejo; Vickers é a autoridade máxima, exercendo seu poder e reproduzindo uma atitude empregada por Ripley no primeiro filme : Se manifestar contra a entrada de um tripulante contaminado na nave.

No desenvolvimento de personagens, Prometheus tem sua principal figura no andróide David. Com motivações diversas, percebemos o personagem de Michael Fassbender como um ser complexo, aparentemente alheio a emoções, e que  justamente por isso pode desenvolver com retidão sua sede por conhecimento, despertada no ambiente ao seu redor. Apesar disso, ainda há idéias que ficam pelo caminho, nesse aspecto. O sintético vivido por Fassbender, talvez o mais profundo em interpretações e interesses - apesar de ser um andróide  - tem dilemas morais e existenciais talvez mais fortes até do que  aqueles que os humanos ao ser redor apresentam. Um paralelo facilmente traçável, mas que mais uma vez fica apenas na sugestão. Muitos pontos  filosóficos cruciais em Prometheus ficam retidos em meros diálogos, enquanto muitos minutos preciosos de tela são gastos em cenas desnecessárias para a narrativa – como a da operação realizada em Shaw, por exemplo, que explicita a necessidade do roteiro em criar um paralelo com o tom gore dos dois primeiros filmes, temendo criar seu próprio destino como obra auto-suficiente. 

Além deste tom pouco corajoso, que vitima vôos mais altos do longa, ainda há erros básicos na construção do script – fruto da provável falta de experiência de Jon Spaiths – como a maneira apressada que o filme se apresenta. Talvez justamente essa pressa tire um pouco da grandiosidade dos eventos mostrados pelo filme, e acabe por diminuir algo importantíssimo em qualquer ficção científica : a atmosfera. Além disso, Spaiths usa de reviravoltas completamente desnecessárias e que complicam a unidade emocional do filme, que é mais comprometida ainda por diálogos  expositivos. Mais revisão não faria mal a ninguém.

O visual do filme - todo gravado com câmeras 3D - é, em contraponto, um desbunde. Com um design de produção rico em detalhes - tanto aqueles que simulam a nave quanto aqueles que remontam locais naturais, como as cavernas - provavelmente o projeto vai ser indicado ao Oscar nos quesitos técnicos, tendo franca chance de vitória. A maquiagem soberba é sutil nas suas ações, mas auxilia profundamente em cada personagem. O semblante asséptico de David auxilia na esplêndida composição da personagem de Fassbender.  Os efeitos especiais – outros favoritos para o Oscar desde já – são obras inesquecíveis, infalíveis e  fundamentais para a composição do universo do filme, e para que o espectador compre o mesmo. Combinados com um 3D funcional – que tem seus momentos-chave na exposição de hologramas, usando bem o conceito de terceira dimensão – e uma direção bastante segura e estudada por parte de Scott, os efeitos visuais de Prometheus são o ponto alto do longa, permanecendo na mente de quem assiste por um bom tempo após a projeção.

Com uma proposta interessante, mas sem colocá-la efetivamente na projeção , Prometheus não segue seus elementos filosóficos e seus questionamentos, deixando muitos conceitos promissores pelo caminho, e outros subentendidos para um próximo capítulo . Com um respeito e certo embasamento demasiadamente grande aos filmes originais - incluindo o destino de certos personagens - Prometheus acaba em última análise tendo uma atitude temerosa, não alcançando os objetivos traçados e se contentando numa reprodução bem executada das fórmulas dos filmes anteriores. Ambição não alcançada, e que fica postergada pra um possível próximo filme.

3 Estrelas *** 6/10.