Old School Nerds

Old School Nerds

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Elefante

Voyeur de um Réquiem.

John é um adolescente comum. Algo o aflige, mas não se sabe o que é. Ele está chegando no colégio, dirigindo o carro, pois seu pai não está bem o bastante pra conduzir. Elias também é comum, gosta de fotografia e passear no parque. Sua afeição pela arte é grande a ponto de abordar um casal desavisado para uma breve sessão de fotos. Acadia, amiga de John, o consola pelo seu choro contido, mesmo sem saber porque. Depois, vai para seu seminário sobre opção sexual. Nathan, garoto atlético e jogador de futebol, sai do campo para falar com sua namorada. Ainda que levemente assediado por três amigas populares, ele parece gostar de sua namorada. Percebe o elogio e deixa ele para trás, sem foco. Não teve importância. O que é importante fica em foco.

Já Michele é uma "freak". Ela não está satisfeita com algo, mas também, no fundo, é comum. Insatisfeita com seu modo de vida, um dilema crescente. Porém, ela percebe algo no campo de futebol. O céu está bonito e enigmático hoje. Ele passa normalmente, tranquilo. Está como qualquer outro dia, comum, mas carrega de alguma forma, uma atmosfera.

Parece que alguma coisa importante vai acontecer.

Elefante, o brilhante filme de Gus Van Sant, coloca sua alma nos adolescentes de Portland em um dia normal no High School americano. Angustiados, felizes ou indiferentes, todos ali compartilham da tal atmosfera. Muitos a presenciam, poucos a sentem. O palco é o Colégio, mas o que é um palco além de uma mera alegoria? Comuns ou não, os personagens são o que importa. Eles é que ficam no foco das lentes de Van Sant.

Num ambiente tão vasto quanto o colégio, é difícil manter o controle sobre tudo. O plano fantástico no campo de futebol se foca em um ponto só. De vez em quando, aparece um ou outro jogador, mas o jogo está acontecendo à direita da câmera. Não adianta, pode-se tentar o quanto quiserm, nem tudo fica no enquadramento. Algo pode estar acontecendo por aqui e não se pode nem prever ou imaginar. É aqui que Michele toma o plano, no seu centro. Temos alguém importante o suficiente. Tão importante que o foco vai para ela.

Essa lógica visual de Van Sant com o magistral fotógrafo Harris Savides é precisa. Seus personagens, sempre, estão no plano principal, no foco. Como David Fincher fez em A Rede Social, o fundo é distorcido. Porém, se na obra-prima do ano passado a distorção era para ilustrar que o mundo exterior não importava para o egocentrista Mark Zuckerberg, aqui em Elefante o fundo não é focado porque simplesmente ele não importa.

A narrativa não convencional, que mais observa seus personagens que os analisa, que mais retrata um dia normal do que conta uma história, acaba dando liberdades para Van Sant utilizar da criatividade para montar, dirigir e desenvolver a sua crônica. Armado de uma montagem inventiva, dele próprio, Van Sant vai e volta com frequência no tempo. Dando margem para diversos pontos de vista, o diretor divide a estrutura em capítulos não-numerados com o nome dos personagens-chave. Cada passo que John, Nathan, Elias, as amigas e Michelle dão, é motivo de registro. A foto que Elias tirou de John pode ter sido agora para eles, mas para Michelle, essa foto só é vista perto do final. John pode ter brincado com o cachorro agora, mas só depois que as amigas viram. O longa não tem pressa: conta os momentos de cada personagem dando total atenção, se desviando apenas para ir para outro.

Essa observação é rica e executada de maneira incrível, porém numa tragédia, o motivo é o mais triste. E em Elefante, saber o final da projeção torna a experiência muito mais angustiante. Como o Irreversível do genial Gaspar Noé, o filme utiliza dos sentimentos do público com a tragédia para tornar a experiência, em teoria catártica, em uma tristeza crescente. Como disse Hitchcock uma vez (adaptado) "um susto é momentâneo, mas a expectativa de saber dele dura eternamente." Ambos os filmes utilizam de uma montagem rebuscada para impor sua motivação. Se distanciam, porém, na abordagem delas; se Noé inverte seu filme para emocionar, Van Sant usa de seu final conhecido para o mesmo. Para quem conhece, não há problema: o diretor encaixa a entrada dos atiradores no colégio pouco antes de introduzí-los na película.

E para criar expectativa, há o apego á imagem. Van Sant e Savides vão seguindo seus personagens com parcimônia, indo á todos os cantos do colégio, porque não querem perder um só detalhe. Não têm para um cineasta algo mais belo que uma imagem. Os planos-sequência são, em sua essência, a demonstração máxima de amor á imagem. O corte seria, interpretando, a morte de um instante. Em Elefante, a urgência é pertinente: a morte não seria só do instante.

A tal atmosfera do dia, estranha, começa a ganhar contornos aos 45 minutos. Já havíamos visto Alex e Eric, mas não os conhecíamos. O primeiro, apenas um estranho no ninho, vítima do bullying, provavelmente novo no colégio. Observador, inteligente, frio. O colégio o incomoda. O segundo é pouco abordado, distante, desligado, pouco inteligente. Ambos gostam de cultura. E de armas.

Porém, quando vamos para a casa de Alex, Van Sant começa uma jogada interessante. Além de desenvolver seu clímax, o diretor e roterista especula os motivos daquilo. Alex vê um documentário sobre nazismo passando na TV. Toca seu piano com competência, mas com raiva. Lê livros. Odeia o Bullying. Joga games violentos (Van Sant mostra um trecho do massacre em primeira pessoa, sendo sugestivo brilhantemente). E, principalmente, como dito anteriormente, gosta de armas. Sem ter uma resposta definitiva, Van Sant sugere todas. Mas não é por isso que não tem uma preferida. Após entrar no site de venda de armas, o tempo se fecha. Começa o fim, o tempo de mudança, a melancolia se instala. Começa a Agnus Dei da missa Elefante.

E quando conhecemos o porquê disso tudo, momentos se tornam eternos na mente. O desenvolvimento de personagens em Elefante é tão esplêndido porque ele não precisa de arcos para existir; só precisa de singelos instantes. É John tendo seu último instante inocente no filme, devidamente registrado na precisa câmera lenta do filme. É ver Michelle, sempre enquadrada de perto, num plano aberto na quadra, sabendo que ali é que ganha sua liberdade. É ver Elias revelando suas amadas fotos. Ver as três amigas almoçando, aparentemente de maneira trivial. Ou Nathan conversando com sua namorada. Ou Alex tapando seus ouvidos para evitar o barulho caótico e uníssono do espetáculo farreliano das aparências: o refeitório do colégio. E, até mesmo, o instante mais honesto da produção; nunca beijados, Alex e Eric se beijam. Não por serem homossexuais ou por desejo, mas por simples conveniência. A morte é certa, pra que pudores? Há apenas o momento.

No massacre, o caos se instala de verdade. Os planos teóricos se tornam práticos. A falta de ética se torna imoralidade. Por amar cada vítima ali, Van Sant tenta ser frio para não privilegiar ninguém. É nesse clímax que conhecemos a personificação da mensagem do diretor. Benny surge, assim, com uma hora de filme, ajudando Acadia. Ele anda em seu traje amarelo, curioso, para saber o que está acontecendo. Ele acabou de surgir. E se torna, perigosamente, o foco do enquadramento. Triste saber o quão efemêra essa tal de Vida é.

E se há frieza, é porque todos, sem exceção, são vítimas. Alex anda no corredor com seu fuzil de assalto. Ele mira no campo do enquadramento. Ele fica ao fundo, pois o foco é a arma. Se a High School é vítima de Alex, não seria Alex uma vítima da arma?

Assim, Elefante convida seu espectador para sua missa fúnebre. Te convida para ser o voyeur de um réquiem para um sonho. Van Sant ama seus personagens incondicionalmente, não quer se distanciar deles, mas quando é necessário, a câmera tem que ir embora. Se distanciar, vagarosamente, porque não quer ir, mas precisa. O personagem, dentro de um conveniente freezer, se tornou frio demais para ser visto. O personagem em foco não é mais alguém para se amar ou observar. É alguém que não dá pra compreender, um monstro, um ser que não pode ser explicado porque não tem uma só explicação. É alguém que pode ser diferente a cada visão, que pode ser sentido por um grupo de homens*, mas que não pode ser entendido porque pode haver diversos motivos, mas pode não haver nenhum. Ele tem diversas formas, mas nenhuma é definitiva. Nada além de especulações. Alguém que observamos, mas não enxergamos; que tocamos, mas não entendemos.

Um Elefante.

***** 5 Estrelas

* Obs.: http://migre.me/5KYYN

terça-feira, 20 de setembro de 2011

Confiar

O distópico conto de fadas de David Schwimmer.

Annie é uma menina de 14 anos. Ela é esportiva, feliz, gosta de se exercitar, cuida de sua saúde muito bem. Mas gosta de chats também. A eficiente sequência pré-título funciona justamente para nos mostrar bem a personalidade da adolescente. E é esse chat, aparentemente inofensivo, que se tornará o motivo de uma ruína. Uma extensão da vida real, já que Annie não consegue encontrar um menino bom fora do computador. A falta de confiança na sociedade, a descrença em sua geração. E essa descrença a leva a caminhos extremos. Não apenas a garota, mas sua família inteira.

E é sobre isso que Confiar fala. Ele fala de inocência perdida, melodrama, obsessão e amor. Mas fala, sobretudo, sobre confiança.

A família de Annie é feliz. Dá à menina o suporte, tanto emocional quanto de criação, máximo que ela precisa. Porém, se o tópico envolvendo sexualidade é bem natural com o filho mais velho, com a menina, dos recém-completados 14 anos, é mais difícil. Não que seja algo intocável, que é proibido até mesmo de comentar, mas o sexo torna-se desnecessário ao debate devido á personalidade fechada da adolescente. Meiga, retraída, reservada, Annie não gosta do senso comum das garotas mais "maduras" que discutem o sexo em suas minúcias com uma naturalidade estranha aos olhos dela. Não que ela seja a nerdy freak maniqueísta tipíca dos filmes reducionistas (o que, com certeza, mataria um projeto como Confiar desde a concepção), mas apenas uma garota diferente das outras. Por isso mesmo que, ao ver uma garota de sua idade com os seios de fora, em cima de um touro mecânico, a reação não é de repulsa; é de graça.

Porém, existe Charlie. Compreensivo, atlético, bonito. E o único que entende os dilemas e questionamentos de Annie. Trocando confidências com o garoto de 16 anos, a menina vê na sua vida pacata e calma um refúgio. Vendo naquele relacionamento virtual um futuro promissor (e é angustiante ver a felicidade meiga de Annie ao pensar com carinho no "menino"), a adolescente começa a se abrir mais sentimentalmente para o garoto de 20 anos. "Por quê você continua mentindo?", ela pergunta chorando para a voz inacessível do telefone, quando revela ter 25 anos. Mas o amor e inocência são maiores que isso e o encontro se torna inevitável. Para o cético espectador, não é surpreendente quando avistamos o homem de meia idade no shopping. Mas o rosto sofrido de Annie não poderia ser mais doloroso.

O homem ganha voz e expressão. E um rosto. Seu poder coercitivo é enorme e não tarda para Annie entrar em seu carro. A pacata trilha da vida da garota encontrava um novo caminho, que não poderia ser mais doloroso (filmar o extenuante exame no corpo de Annie através dos passos em relatório é uma sacada excepcional). O maniqueísmo não dá as caras. A dor é visceral.

Aliás, é em maniqueísmo que Confiar encontra seu extremo oposto. O filme, realista na construção de seus personagens e situações, não cria máscaras nos diálogos referentes aos adolescentes. Diferente de um filme como As Melhores Coisas do Mundo, Confiar demonstra a futilidade de maneira mais sutil, sem jogar tão na cara. Se no exemplar brasileiro a futilidade é perigosamente romantizada, aqui a imparcialidade é essencial, ao analisar o conceito sem julgá-lo certo ou errado. E isso já evita que o filme, com um tema pungente e vigente, imploda em sua falta de transparência. Portanto, não se estranha o imediatismo que o filme passa. Quando o filme começa, Charlie já é amigo de Annie e tem uma relação próxima á ela. David Schwimmer, investindo no melodrama, está mais interessado nas fraturas que o pedófilo deixará do que no ato de aproximação da vítima com o criminoso. Se há um erro ou outro (habilidoso agente do FBI esquece sua maleta num encontro?), é pouco para destruir a interessante crônica com tom de fábula distópica. Todos os arcos na introdução, emocionais ou narrativos, são diretos ao ponto, o que é fruto da cautela (e compromisso com o realismo) dos realizadores.

O que nos leva à técnica apurada do projeto. Essa fidelidade com o conceito da Verossimilhança não se restringe apenas ao bom roteiro escrito por Andy Bellin e Robert Festinger. O diretor Schwimmer, dando aqui seu primeiro grande passo como diretor após o fraco Maratona do Amor, consegue utilizar uma eficaz lógica interna ao focar nos seus personagens com enquadramentos rígidos, sempre retratando bem a frieza necessária ao filme. Além disso, Schwimmer é competente ao usar de um realismo sem utilizar a câmera na mão, um recurso que qualquer diretor com senso técnico menos apurado usaria. O diretor também é eficaz ao utilizar a montagem de Douglas Crise, acrescida com soluções visuais, para causar momentos emocionais, como o dilema de Annie ao ser convidada para se encontrar com Charlie pela primeira vez. Soberba também é a passagem em que Annie insiste em manter as aparências do que ocorreu, ao falar em off que está tudo bem, mesmo chorando compulsivamente no vestiário feminino. Schwimmer demonstra habilidade nessas passagens e encaixa um perfeito equilíbrio entre técnica e emoção.

Fundamental também, na ótica verossímel de Schwimmer, é a fotografia do ótimo Andrzej Sekula, que utiliza de uma iluminação mais sutil para registrar os momentos mais tensos dos dias de tempestade da família Cameron. Guardando uma linguagem visual mais elaborada apenas pros momentos de impacto (o foco de Annie na luz durante o estupro, a luz divina que banha o rosto ainda virginal da garota em seu quarto), o que demonstra a inteligência do casamento entre técnica e roteiro, em prol do realismo. Tudo para tornar mais pesado o drama de Annie.

O choque na família é mais forte ainda. Fugindo de um esquemático e óbvio caminho que o filme poderia tomar, se focar apenas no estupro, Schwimmer acha mais interessante estudar as consequências do ato. Lynn, a mãe, se entrega a dor ao ficar de mãos atadas. Como mulher, o sofrimento é mais captado pela figura materna. Will, o pai, encara enraivecido o fato e, em busca de uma cruzada desesperada por vingança, se esquece que a maior vítima está no quarto ao lado do seu. Não respeita os pedidos clementes da filha (como não contar ao irmão o que ocorreu), não entende a dor real do imbróglio (seriam as fraturas apenas carnais?). O terror de sua personalidade acaba retratado por uma sequência-delírio exagerada, em que Will finalmente se vinga. Bem mais brilhante, porém, é a festa de seu trabalho, em que vemos um Clive Owen com os olhos desgastados, "vendo" um cartaz de sua filha, com roupas íntimas. O orgulho de pai, que se considera culpado por não proteger seu bem maior, acaba ultrapassando o senso urgente de compreensão. Annie perdeu sua virgindade, sim, mas precisa de apoio. Está apaixonada.

O apoio da psicóloga, as reflexões angustiadas da protagonista e seu olhar perdido. Tudo é importante para reconstruir uma personalidade que conheceu, da maneira mais pesada possível, a crueldade do ser humano. Crueldade essa que acaba acometendo seu pai, tão animalesco quanto o desprezível pedófilo. Porém, quando o baque é entendido, quando o choque de realidade atinge em cheio o coração da menina, não é o abraço da psicóloga que vai curá-la. Não é o amor incondicional de sua mãe, que tenta lidar com a tragédia da melhor maneira possível. É o amor ao seu pai perdido, que se deixou destruiu por um erro incontrolável. O pai está certo em ter raiva? Sim, com certeza. Ele viu uma face mais chocante da filha, ao ler a conversa do chat ("Nossa filha parece uma atriz pornô!" grita Owen, com um ódio retumbante e medonho). Mas um pai, mesmo na situação mais extrema, deve saber que nenhuma vingança substitui o amor pela sua prole. Nada corrompe o senso de um homem correto. E isso é o que torna, como demonstra o breve tape nos créditos, Will e Charlie como nêmesis.

A conversa na escada é fantástica por fechar o problema, mesmo que da maneira mais difícil possível, marcada á ferro e fogo na alma do espectador. Liana Liberato, brilhante e digna de diversas premiações, demonstra mais maturidade que todos em cena nos 104 minutos de projeção. Racional, mesmo com ódio, a menina ensina a seu pai o que deve ser feito na situação. E o abraço na beira da piscina, depois do parecer emocionado de Will, não poderia ser mais bonito. A confiança deve voltar. Will deve se lembrar de quem é sua filha e Annie deve se lembrar que é seu pai. Ambos devem voltar a ser confidentes.

O bom Confiar pode até ter seus problemas estruturais esporádicos, mas sabe o que pensa e o que tem para dizer.

**** 4 Estrelas

domingo, 18 de setembro de 2011

Bridesmaids

Produção de Judd Apatow subverte a comédia feminina .

Quando vamos falar de comédia, um tópico já precisa ser deixado bem claro : de modo geral , aquelas voltadas ao público feminino - as famosas comédias românticas - são terrivelmente ruins. Pode parecer uma generalização , mas na verdade é pura estatística . A cada Diário de Bridget Jones lançado , temos hordas de mediocridades - vide A Proposta - e também verdadeiros atentados terroristas á intelectualidade - consulte os trabalhos recentes de Katherine Heigl . Atualmente , não podemos dizer que a situação melhorou de forma agradável - a moda de filmes ''mulher bomba-relógio'' , chegou até no Brasil , com desastres lamentáveis como Qualquer Gato Vira-Lata . Moda essa, aliás , que surgiu justamente dos longas protagonizados por Heigl .

Ironicamente , a atriz que cometeu pérolas como A Verdade Nua e Crua e Par Perfeito, foi revelada nas telonas justamente por um dos criadores mais inventivos e originais da atualidade : o aclamado Judd Apatow . Detentor de personagens verdadeiros e que roubam a atenção do espectador justamente por sua tridimensionalidade singular , - algo difícil de se encontrar no mercado do cinema - Apatow mal sabia que estava trazendo ao mundo em Ligeiramente Grávidos uma atriz que viria a produzir - e atuar - comédias femininas desprezíveis e imbecis . Com Bridesmaids , em 2011, o produtor parece vir trazer um pedido de desculpas , e também um desvio necessário ao fluxo que as comédias destinadas ás mulheres seguiam .

Escrito por Annie Mumolo e Kristen Wigg - esta também protagoniza a película - Bridesmaids trás um tema surradíssimo, clássico de comédias destinadas ao público feminino, trabalhado anteriormente em diversas ocasiões : o dilema da mulher balzaquiana e o casamento . Justamente por estabelecer uma premissa já tão conhecida pelos espectadores , Bridesmaids trás desde sua concepção um espírito de subverter o gênero, ainda mais tendo alguém do estilo de Apatow apadrinhando a produção . A trama , como já é de costume dos filmes de Judd Apatow , não representa grandes diferenciais na sua estrutura , mas ao revelar seus personagens e suas interações minuciosas, ganha grandeza .

Nela , conhecemos Annie (Kristen Wigg) uma mulher solteira de 30 e poucos anos , que não tem um relacionamento sério , e apenas é a ''peguete'' de Ted ( Jon Hamm , em aparição hilária e não creditada) . Ainda frustrada pela falência de sua loja de doces , Annie encontra felicidade na companhia da amiga de infância Lilian (Maya Rudolph) . Tudo começa a mudar , entretanto , quando Lilian é pedida em casamento . Quando os preparitivos começam , também se iniciam os pesadelos de Annie , que se entristece por não ter um namorado . Helen ( Rose Byrne) dondoca arrogante que preparará o casamento, vira amiga inseparável de Lilian , gerando desgoto e ciúmes por parte de Annie . Então , entre reuniões para damas de honra e chás de panela, começam as gags .

Num cenário atual onde comédias para macho fazem sucesso de público e por ventura também de crítica - Se Beber, Não Case ! é o exemplo mais citado - entra em cena uma comédia destinada ao público feminino , mas que trás um bom humor e gags de qualidade tão elevada quanto aquelas do filme de Todd Phillips . É explícito de onde Bridesmaids bebe da fonte . A cena emblemática : O grupo de mulheres que protagoniza o filme (a noiva mais 5 damas de honra) anda em câmera lenta , unido , com uma música estilosa ao fundo . Sobra espaço até pra gordinha engraçada do grupo levar uma pochete cruzada na barriga - algo que o personagem de Zack Galifianakis já eternizou em Hangover . Além dessas referências claríssimas , é também muito interessante ver como um filme teoricamente ''feito pra mulher'' usa e abusa de palavrões sem pudor , otimizando todos para construções de ótimas gags . Há até humor escatológico bem utilizado - e sabemos a linha tênue que separa o hilário do estúpido , quando o assunto é gross humor .

Mas o que nos faz comprar a idéia de Bridesmaids é sua verdade . Realismo que não encontramos em enlatados - os da TV e os do cinema . Não é a toa que Judd Apatow topou produzir o projeto . Seu olhar tridimensional ao retratar personagens encontra reflexo no roteiro do longa . Por seus trunfos de criar personas cristalinas , o script de Bridesmaids só aumenta em comparação com similares . Só para tomar um exemplo, comparemos este filme com Sex and The City - e aqui me prenderei a avaliar apenas a obra cinematográfica , e não a série de TV . Ora , os dois produtos tem tramas semelhantes - a ''já não tão balzaquiana'' Sarah Jessica Parker também estava a procura de um marido no longa de 2008 - mas desenvolvimentos completamente diferentes . Sex and The City se mostra extremamente superficial em duas vias : tanto naquela que se refere ao sexo , mas também naquela que trata de suas personagens - que , convenhamos , são meras peruas que não despertam muito além do que pena , por suas vidas fúteis . Em Bridesmaids , o elo criado com o espectador é mais fundo, pois a construção das personas é mais verdadeira . É possível perceber isso nos diversos diálogos sinceros entre as protagonistas . São toques sutis , mas muito significativos .

Só que nem tudo são flores, em Bridesmaids . Apesar de , desde já , ser uma comédia importantíssima por subverter um gênero que andava muito mal das pernas , o roteiro estrutural é levado por uma estrada que não inventa , e se demonstra um tanto quanto comum . Se na hora de desenvolver personagens há o sucesso , com atuações muito interessantes - destaque para o talento de Kristen Wigg para a comédia - o mesmo brilho não surge na hora de prender cada gag e cada personagem numa história em si . Entre momentos hilariantes e diálogos interessantes , há um vazio de história , que se baseia simplesmente na disputa entre duas mulheres pela amizade de uma terceira . Assim , o longa perde fôlego ao longo da exibição , se tornando uma obra mais modesta do que dava a impressão de ser .

Usando a linguagem de televisão desde o primeiro frame do filme , o diretor egresso dos seriados de TV , Paul Feig , consegue sucesso ao aplicar seu modo de dirigir séries como The Office , em diversas sequências de Bridesmaids . Afinal, em The Office a vergonha alheia dita as risadas , e aqui também funciona assim .

Nada de negativo, entretanto, tira a força simbólica que Bridesmaids tem . Em tempos onde há roteiristas cretinos fazendo humor fácil e babaca para encaixar no suposto '' gosto'' das mulheres em geral , é muito bom ver obras subvertendo gêneros e ganhando reconhecimento com isso - Bridesmaids faturou muito nos EUA , tanto em crítica , como em público . Em vez de preparar cotas para um tipo de comédia ''para mulheres'' no mercado do cinema , é muito melhor retratar o quanto de humor tipicamente masculino elas conseguem desenvolver por si próprias . Afinal, não é isso que é igualdade dos sexos?

3 Estrelas ***

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Estrada para Ythaca

O Homem e o Luto na terra do Sol.

A Natureza, em sua essência gloriosa, é implacável. Ainda que sempre em equilíbrio, numa harmonia de fazer inveja ao Homem (como Terrence Malick nos ensinou), Ela nunca se desviou de algum plano para ajudar o humano. Quando estamos em paz com ela, claro que há a retribuição, mas quando vamos de encontro com a mesma, estamos perdidos.

O que nos leva ao fabuloso Estrada para Ythaca. Aqui, a Natureza deixa o Homem de lado para ele amadurecer sozinho, por sua conta. Ainda que seja um constante plano de fundo (como provam os belos enquadramentos rígidos, que abrem o epílogo), a Natureza não toma partido aqui. Ela é responsável por ser palco para as lamentações dos 4 protagonistas, mas não interrompe nunca a jornada existencial dos amigos. Porém, mesmo que não tenha papel central na trama (se é que há alguma), a mesma é claramente uma fonte de conhecimento, digna de respeito, para os Irmãos Pretti e Primos Parente. Quando é necessário saber a vastidão da Natureza, o plano é aberto. Mas basta que o sofrimento de um personagem se torne evidente, que a câmera se fecha nele, com um zoom incisivo.

O que abre o interessante e complexo estudo da tristeza proposto pelos diretores. O foco é nessas pessoas, perdidas na vida, após a perda de seu grande amigo. Pessoas essas que, falíveis como as outras, tentam esquecer a dor com o que podem: a bebida e a música.

Até logo, até logo, companheiros/O nosso afastamento passageiro/É sinal de um encontro no futuro. A perda foi triste, sofrida para os amigos, mas não parece ter sido tão trágica quanto parece. Júlio, o amigo feliz, da foto da abertura, parece ser o dono do poema inicial. Ele sai tranquilo, mas não deixa os quatro numa boa situação. Claramente deprimidos, com um visual desleixado, barbas desgrenhadas e roupas jogadas, os homens se entregam ao Luto sem pensar duas vezes. A música é melancólica, não ajuda de jeito algum. Mas a bebida, aqueles 4 copos de cerveja, é a responsável pela partida para a tal Ythaca, o centro de reabilitação humana, esse misterioso lugar que é mais enigmático que aparenta.

E no início, logo se dá o primeiro sinal do papel que a bebida tem no filme. Um elemento usado para esquecer, claro, mas principalmente um transformador de caráter. Ao beber, os 4 amigos roubam o Corsa de algum desafortunado. O carro, transporte mágico para Ythaca, conduz os homens ao local. A jornada não é fácil (nem todos querem adentrar no desconhecido), mas basta um pouco de racionalidade para entender que o Luto é complicado - e uma jornada para combatê-lo é tão intrincada como.

Sendo intrincada, é necessário abrir mão de alguns luxos para viver. Recorrendo á Natureza em seus mais miúdos exemplos (os gravetos e o fogo), os amigos já começam a espiritual entrada no âmago humano. Além disso, os Irmãos e Primos diretores vão mais além ao optar por uma fotografia que, ainda que impecável, é bem econômica, servindo como uma bela metáfora para seu Luto e Descoberta filmado (e para seu paupérrimo orçamento). É necessário abrir mão de certos excessos, como narrativa convencional, fotografia iluminada, nomes dos personagens ou mesmo uma trilha elaborada.

O que nos leva ao filme-manifesto. Funcionando como um verdadeiro movimento de cinematografia, inspirado no Cinema contemporâneo sensorial dos asiáticos, Estrada para Ythaca alcança ainda a difícil proeza de lutar por um novo modo de fazer filmes e encaixar isso no próprio roteiro. Filmes puramente ideológicos, como Os Idiotas de von Trier, acabam soando catárticos pela catarse, o que não poderia ser pior. Já Ythaca adentra o Cinema Novo brasileiro sem medo algum, sem medir suas consequências, sem se amarrar a qualquer trivialidade. A novidade, que é o grande motivo desse argumento, é que nós somos tão novatos nesse tipo de filme quanto os amigos são na Estrada do título. Enquanto eles adentram a espiral confusa para Ythaca, nós adentramos o Cinema perigoso, divino e maravilhoso.

O fato da viagem ser tão mental quanto física é vital. Assim como temos a tristeza, que volta e meia volta, arrasadora, temos também o problema físico, como um pneu furado na estrada. A viagem é lenta, porque tem que ser, porque a dor demora a curar. Enquanto mentalmente o estímulo é crescente, fisicamente o esforço é mínimo. Pouco acontece visualmente em tela porque muito acontece espiritualmente em Estrada para Ythaca.

"Se morrer, nessa vida, não é novo/tampouco há novidade em estar vivo". Não há mesmo novidade em estar vivo, o que o ritmo lentíssimo e cuidadoso prova. Há muita novidade, sim, quando se trata dos dilemas filosóficos humanos. A bebida volta a se manifestar na emblemática dança das sombras, iluminada pelos faróis. O Luto parece ter sumido, com a alegria momentânea dos pobres homens. Porém, é só o dia raiar que a melancolia volta. E é com dor que acompanhamos o desajeitado consolo de um amigo ao outro, desesperado, sentado no chão de terra. Aquelas sombras são apenas... sombras. Sombras dos verdadeiros homens, que por sua vez são aqueles que aparecem de dia, reunindo-se, seja para uma refeição ou para trocar o já citado pneu do carro.

A alegria das sombras pode ter sido por um motivo banal (o fator de sempre, a bebida), mas ela é contagiante. Após a dança, tudo muda. A tristeza permanesce, mas a razão começa a aflorar. A emoção, antes na profunda depressão, agora se torna uma melancólica nostalgia. A refeição final é a preparação máxima, o preparatório para o ritual principal, a corrida na estrada de terra. Pouco importa a profusão de luzes enigmáticas que testemunhamos; o que importa é que os quatro saíram renovados. A barba assume o papel de mártir e some assim que necessário o seu afastamento.

Júlio observa, tranquilamente, a paz interior dos seus queridos amigos. Quando eles se livram do único fator que ainda os prendia à melancolia, fica claro que a jornada foi completada - com sucesso. Agora, a regra é usar esse fator para celebrar. Um abraço cela tudo. Afinal, "É preciso estar atento e forte/não temos tempo de temer a morte".

"Eu não tenho a menor ideia de onde nós vamos", diz um amigo num trecho do filme. Nem nós, espectadores. Onde é Ythaca, e como ela nos influencia, não importa. O importante é que a jornada valeu a pena.

"Mantenha sempre Ythaca em sua mente/Chegar lá é sua meta final,/Mas não tenha pressa na viagem/Ythaca terá lhe dado a linda viagem/Sem ela você nunca teria partido/E ela não poderia dar-lhe mais.../Tão sábio que serás, com todo conhecimento,/Já terás entendido o que significa Ythaca"

É na terra do Sol que o Luto vira Saudade. Aproveite a viagem. O caminho não é fácil, mas a recompensa é eterna.

A Estrada é a da Vida, mas o que seria Ythaca? Ythaca é qualquer lugar. É a transcendência do ser humano. É o ápice de tudo.

**** 4 Estrelas