Old School Nerds

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sábado, 24 de abril de 2010

Zona Verde

Ou como jogar Call of Duty com o Bourne no comando.

Diretor conceituado, perfeccionista e arrojado, Paul Greengrass sempre tomou conta de seus projetos de perto, sempre tomando as rédeas do roteiro quando encontra algo errado. Quando teve seus primeiros filmes, como Domingo Sangrento, o roteiro era seu ou tinha bastante sua marca. Quando começou a ganhar nome, principalmente em 2004, em Supremacia Bourne, o roteiro fugiu das suas mãos, mas ele continuava com sua marca nos filmes. Sua câmera tremida já estava se tornando sua marca registrada e, em O Ultimato Bourne, essa marca ficou consolidada. Tão consolidada que, vendo Guerra ao Terror, muitas pessoas podem desconfiar que Bigelow usou o estilo Greengrass de filmar. Porém, o estilo de direção de Greengrass não significa muito com um roteiro ruim de base. Logo, quando foi anunciado Green Zone, eu resolvi ver quem era o roteirista. Afinal, em Bourne, Greengrass contava com mestres como Scott Z. Burns e Tony Gilroy e em Domingo Sangrento e United 93, o roteiro era de sua autoria. E aí, quando eu vi "escrito por Brian Helgeland", eu quase tive um desmaio. Pra quem não conhece, Helgeland é responsável pelos scripts de O Sequestro do Metro 1 2 3, O Troco e Assassinos, três filmes que não são fracos, mas são péssimos comparados a filmografia brilhante de Greengrass.

E agora, Zona Verde estreia no Brasil, acompanhado por críticas mistas nos Estados Unidos. Seria o novo filme de Greengrass ou um filme de Helgeland, dirigido por Greengrass?

A trama, conhecida do grande público, segue a Invasão Americana no Iraque. A partir daí, ela segue uma linha mais ficcional. Roy Miller(Matt Damon) é um subtenente do Exército Americano que chefia uma equipe de soldados que procura as tais armas de destruição em Massa que os Estados Unidos foram lá pegar. Porém, depois de receber 3 pistas falsas de um informante desconhecido, ele começa a desconfiar de que tudo ali é mentira e que o motivo da invasão é outro. Quando tenta dizer sua opinião a Clark Poundstone(Greg Kinnear), seu superior e um dos chefes da Invasão, ele é calado e desencorajado. Porém, ele atrai a atenção de Martin Brown(Brendan Gleeson), um agente da CIA que quer entender o que acontece ali também. Logo, eles descobrem que tudo o que foi dito é uma teia de mentiras e que tudo aquilo ali é por algo maior e mais sombrio, sem o papo de armas químicas e democracia(algo que Poundstone quer tanto reforçar). Fora eles, ainda há a jornalista Lawrie Dayne(Amy Ryan), que tenta descobrir quem é a fonte do governo que está contando detalhes obscuros da invasão.

Se a trama parece intrincada e complexa, não se engane. É apenas um filme de ação acima da média que se finge de complexo. Os arquetípicos personagens que Helgeland cria podem até fazer coisas impressionantes inicialmente(afinal, é um filme que envolve espionagem), mas todas são previsíveis se formos ver no âmago. O roteiro de Helgeland já tem esse defeito, mas a coisa piora quando o filme se desenvolve. Se no início o roteiro nos apresenta um interessante ensaio sobre a Guerra do Iraque, com a rotina dos soldados e as tais fontes falsas sendo questionadas a todo momento por Miller, ele se desenvolve mal, virando uma trama de suspense que se esforça para parecer interessante e imprevisível, mas não consegue. Até parece que Helgeland quis fazer um Bourne do Iraque a partir do segundo ato. Miller chama a responsabilidade pra si e seu núcleo se funde com o núcleo de Martin Brown, soando algo forçado. Com tantos homens capacitados e graduados(inclusive Brown, citado como um especialista no Oriente Médio), pra que eles vão precisar de um soldadinho pé-de-chinelo? É a tal mania de roteiro de filme caro: Já que é o Matt Damon, não podemos fazer dele um cara menos que "fodão".

Alguns erros estruturais também incomodam. Quando um carro, comandando uma frota de tanques, vai mais rápido que um time de helicópteros, tem algo errado. Lastimável o fato de Helgeland ter transformado um projeto pequeno sobre a Guerra em um mega Blockbuster de tiroteios e porradaria. Além disso, o roteiro tem um erro primário. Se decidiu transformar o filme num thriller baseado em personagem, ele deveria ter uma carga dramática e uma aura mais destacada. Mas não, Helgeland não percebe isso. Sendo assim, um personagem sem carisma e comum poderia funcionar no panorama inicial da Guerra, mas transformando o filme em algo diferente, ele se esquece da virada do personagem. Logo, Roy Miller é um personagem extremamente sem sal e tem uma enorme falta de carisma. Os outros coadjuvantes também não se sobressaem, sendo estereótipos. Lawrie é a repórter, Martin é o agente do bem e Clark é o poderoso almofadinha que é mal e mimado. Assim, Helgeland estraga o potencial de um excelente tema, mas isso não impede de criar um divertido thriller recheado de ação. As situações não são ridículas e, com suspensão de crença, é até legal de assistir os feitos heróicos de Roy Miller.

Muitos tem culpado Greengrass de falhas de continuidade e besteiras de roteiro. O que ninguém percebe é que o máximo que o diretor poderia ter feito é uma direção fantástica. E com relação a isso, não dá pra reclamar de Greengrass. Seu inegável estilo de direção, com a tal câmera tremida, é fantástico e a ação é muito bem coordenada, como sempre. E aqui há um elemento que agrada ainda mais: nas cenas mais calmas, Greengrass optou por uma direção que abusa de zooms, tornando os fatos ainda mais documentais. Apesar de não ser condizente com o desenvolvimento da trama(afinal, ela esquece o compromisso com a realidade e resolve fazer um pipocão de ação), a direção é ótima e sacia os fãs do diretor. A edição do oscarizado Christopher Rouse é precisa e auxilia bem o estilo entrecortado que Greengrass usa. A trilha sonora de John Powell apresenta a competência habitual do compositor, mas é bem previsível, copiando um estilo de suspense que era utilizado em Bourne. Em alguns trechos, até parece que Powell utilizou as notas que ele havia composto na trilogia do espião. Um ponto que se sobressai tecnicamente é a fotografia de Barry Ackroyd. O fotógrafo de Guerra ao Terror, que merecia ter ganho o Oscar pelo trabalho anterior, cria uma fotografia soberba aqui. Valorizando tons verdes do Iraque, a fotografia é belíssima e faz parecer um cenário de guerra de jogo, o que não é necessariamente ruim.

As atuações de Zona Verde são burocráticas. Matt Damon faz um trabalho razoável. Afinal, Damon já provou ser um excelente ator, dramático ou de ação, e aqui faz a linha de ação. Não que ele atue mal, mas é apenas na média, sem surpresas nenhumas, sendo apenas o habitual cara durão. Greg Kinnear também não ajuda. Ele, por si só é um ator limitado e não faz nada além do esquecível(sua melhor atuação é em O Matador e ele não passa do mediano). Aqui, ele faz o almofadinha metido que dá raiva e não acrescenta nada pro filme. Horrível atuação e caricata ao extremo, causando risadas involuntárias. Amy Ryan também faz um papel estranho. Aqui, a atriz que já provou ter densidade dramática suficiente pra roubar a cena, o que já lhe rendeu uma indicação ao Oscar(merecida, aliás), faz um papel arquetípico e sem oferecer muito. O único que tem uma ótima atuação no filme é o fantástico Brendan Gleeson, que segura o papel como poucos e apresenta uma atuação muito acima da média, roubando o filme em algumas partes. E isso é outro defeito de Zona Verde: já que Helgeland decidiu fazer um filme de herói de ação, ele deveria transformar Roy Miller em um personagem carismático. E em Zona Verde, nenhum personagem é carismático.

No final das contas, Zona Verde não é um mau filme e também não dá raiva de ver, mas causa decepção para um trabalho de alguém do gabarito de Paul Greengrass. Um excelente ensaio sobre a Guerra do Iraque se perde na ganância do roteirista em tornar tudo aquilo uma mera desculpa para transformar um cara normal em herói fantástico. Isso é uma pena para quem exige muito, mas quem está procurando apenas uma diversão semanal ou um filme de pancadaria desenfreada, Zona Verde é uma boa pedida. Um futuro campeão de locações, um novo favorito do tiozinho da prateleira dos lançamentos, que se amarra numa ação com cara durão.

*** 3 Estrelas

sexta-feira, 23 de abril de 2010

A Lista de Shindler

O Spielberg Oscarizado.

Steven Spielberg surgiu na década de 70 dirigindo o filme Tubarão, um suspense de sucesso arrebatador que deu origem aos blockbusters, que mais tarde, dariam um fim no cinema de arte. Depois de Tubarão, Spielberg dirigiu tantos outros sucessos que mais tarde, se tornariam clássicos. Contatos Imediatos e E.T são exemplos de filmes spielberguianos da era de ouro, películas pelas quais o diretor obteve suas primeiras indicações ao Oscar , sem levar nenhuma, entretanto . Porém , se Spielberg almejou tamanho sucesso de sua carreira e hoje é conhecido mundialmente como um dos maiores cineastas da história, boa parte se deve aos seus primeiros sucessos, mesmo que esses não tenham recebido o maior reconhecimento crítico americano. Spielberg, entretanto, ainda queria isso.

No início dos anos 90, então, era possível vislumbrar uma mudança nos enfoques da filmografia do diretor . A mudança de estilo seria ainda mais confirmada nos anos seguintes, com o lançamento de O Resgate do Soldado Ryan , por exemplo . Duas direções soberbas e bons projetos, mas que configuravam um estudo maior de Spielberg nas técnicas de direção, uma mudança de estilo de escolha de projetos, um viés mais adulto, uma tentativa de Spielberg de ser reconhecido agora não mais por seus blockbusters, mas sim por sua qualidade no cinema artístico. Tudo isso começou com A Lista de Schindler. Desde o tipo de fotografia empregado até a longa duração (3 horas e 10 minutos), o projeto nasceu com ambições altas de se tornar um novo épico clássico exaltado por críticos de todo o mundo. Afinal, o tema era o mais propício : O Holocausto nazista visto de maneira essencialmente dramática. Depois de mais de dez anos de seu lançamento, revistas e sites especializados em cinema(Como a Empire) colocam A Lista de Shindler como um dos 50 maiores filmes de todos os tempos, concretizando o objetivo de Spielberg ao começar a rodar o filme.

Adaptado do livro A Arca de Schindler, o filme conta a história de Oskar Schindler, um empresário membro do partido nazista, que , durante a Segunda Guerra contrata vários judeus para trabalhar em suas indústrias , e consforme eles são sistematicamente presos e levados para campos de trabalho forçado, se vê impulsionado a salvar seus então empregados, nem que tenha que salvá-los comprando um por um . Tendo a trama baseada em fatos reais, o filme não fica modorrento e consegue manter sua dinâmica durante toda a duração. O roteiro, mesmo relatando histórias que realmente existiram , consegue dividir o filme em atos bem separados e bem registrados por Spielberg . O primeiro ato baseia-se na introdução dos personagens e foca-se na vida de Schindler(Liam Neesson) conhecendo o líder do Judenrat de Cracóvia(comitê dos judeus), Itzhak Stern (Ben Kingsley). Já o segundo ato centraliza-se no horror sofrido pelos judeus, apresentando o personagem de Ralph Fiennes, o Capitão Amon Göth, o líder do campo de trabalhos forçados para onde os operários de Shindler vão. Esse segundo ato é estendido por todo o filme e é nele que se centram as grandes mudanças vividas pelos personagens, e essa é aliás, a ênfase dramática do filme.

Portanto, é de se perceber que apesar de se retratar uma época e de eventos que mudaram a humanidade por completo , o centro de toda a história é o próprio Schindler , que tem suas concepções de mundo completamente alteradas durante toda a exibição. No início Schindler recrutou vários judeus para trabalhar para ele, apenas por que era mais baratos que os demais . Quando ele vê um massacre sofrido pelos judeus quando foram todos levados sumariamente para o campo de trabalho forçado, ele vislumbra uma criançinha, uma menina de casaco vermelho ( que se sobressai diante da fotografia preto e braco). Esse momento vai servir como uma chave, uma senha, que para a mudança sentimental sofrida por Schindler muitos minutos a frente no filme. Assim, com todos os seus operários presos , ele vai tentando aos poucos recuperá-los, ainda com um discurso ''comercial'', mas já muito mais tocado com a realidade dos judeus , e com um toque muito mais humano ao seu discurso. No momento em que vê o casaco vermelho junto num dos amontoados de corpos no campo do capitão Göth, Schindler se entrega de corpo e alma- e não precisa de nenhuma fala que mostre seus sentimentos, definidos inteligentimente numa imagem - numa tentativa , dessa vez completamente altruísta e sentimental, de salvar todos seus antigos operários, nem que precise falir para tal feito.

Sendo Shindler o protagonista e a engrenagem por qual boa parte da trama gira em torno, seria impossível não mitifica-lo. Mas não ocorre a arquetipização do personagem, e nem o endeusamento de um mocinho perfeito. Sendo esse um filme baseado em fatos , isso seria claramente burrice por parte do diretor . Schindler no filme é um homem consciente de suas responsabilidades para com os seus trabalhadores, mas não larga sua personalidade e suas particularidades para tanto. Há, na última cena de Schindler no filme, um pequeno melodrama. Mas aquilo é o ápice da emoção do protagonista em relação a sua missão, patindo dos horrores sofridos pelo povo que ajuda, passando pela construção da Lista e culminando na despediada em questão.

No geral, o filme também não se esquece de mostrar a realidade e o cotidiano dos campos de trabalho forçado. E Spielberg usa de ironias semelhantes às presentes nos 20 minutos iniciais de O Resgate do Soldado Ryan, um de seus filmes posteriores - como quando o soldado tira o capacete e logo depois é atingido na cabeça- para pontuar a vida tanto dos guardas quanto dos prisioneiros, não somente ilustrando essa relação e esse cenário da época( que só enriquece o filme), mas também apresentando e familiarizando diversos personagens para o espectador. Um exemplo é quando um garotinho , fugindo dos guardas , tenta se esconder em vários locias, mas todos já estão ocupados por outras crianças que se recusam a compartilhar o local com ele, decide então se refugiar dentro de uma fossa, e ao cair dentro da banheira de esgoto, descobre que já existem outras pessoas se escondendo lá.

A Lista de Schindler é em suma, um dos grandes filmes de Spielberg, e merceria até mesmo uma colocação entre 100 os melhores filmes já feitos , por todos os seus cuidados, mas não entre os 50 melhores filmes já feitos. Não acho que seja para isso tudo. Provavelmente, foi colocado lá por todo o hype criado por ser considerado um dos melhores filmes de Spielberg. Spielberg, aliás, dirige aqui soberbamente. Não utiliza os maneirismos que são visíveis em alguns de seus outros filmes, e opta aqui por um estilo baseado na direção de atores e no enquadramento sistematicamente belo de seus takes. Basicamente , um estilo clássico, que implica num agraciamento dos críticos mundiais e no recebimento de vários Oscars, muito merecidos, por sinal. Somando a isso uma trilha composta com maestria por John Williams, que faz mais um de seus temas imortais, e a fotografia genial de Janusz Kamiński - que ao colocar no meio dos preto e branco destacados um tom leve de cinza faz parecer que o filme se passa na época da história- e temos então um filme tecnicamente perfeito.

As atuações também tem destaque imenso. Um elenco escalado com precisão difícil de se encontrar. Liam Nesson consegue entrar no personagem com naturalidade incrível , consegue convencer e confirmar seu talento. Sem dúvida é o seu melhor papel, e uma indicação ao Oscar justíssima. Acompanhando seu talento, vem o sempre competente Ralph Fiennes, que encorpora toda a magnitude do seu vilão de corpo e alma. A sede de matar e seu desinteresse pelas vítimas são tão tangíveis que justificam sua indicação ao Oscar.

Não considero A Lista de Schindler um filme que se encaixe entre os 50 melhores filmes de todos os tempos. Entretanto, os elogios são muitos, devido a altíssima qualidade do filme, sendo então não um demérito do filme em si, mas sim um mérito maior a outros filmes não introduzidos nesses tipos de listagem. Mas, é claro que o filme é marcante, e se consolida fortemente na memória de quam assistiu. No geral, A Lista de Schindler é um filme que dialoga com a relação e interligações dos grandes eventos - nesse caso o Holocausto de nazistas contra judeus - e as pessoas que direta ou indiretamente estão envolvidos com ele. Mostra como OskarSchindler marcou seu nome na história com seus feitos, e , com esse filme, como Spielberg conseguiu seu primeiro Oscar .

5 Estrelas*****

Obs: Não merece entrar como um dos 50 melhores filmes de todos os tempos, pois há outros filmes superiores.

terça-feira, 13 de abril de 2010

Metrópolis

Fritz Lang cria obra impossível de ter uma digna frase de abertura.

O cinema, criado há cerca de 110 anos, foi evoluindo com os anos. Quando em 1902 George Mèlles apresentou-nos Viagem á Lua, ele não poderia imaginar que seus elaborados efeitos se transformariam na embasbacante armadura do Homem de Ferro ou que se poderia criar com esses efeitos um mundo inteiro. A mídia foi se tornando popular com o tempo, entretendo o público com o belo preto-e-branco saltando das telas nos primeiros cinemas. Lá pelos anos 20, quando Chaplin já tinha criado algumas películas e a União Soviética nos apresentava Sergei Eisenstein, a Alemanha se consolidava como um verdadeiro seleiro de obras de artes expressionistas. Em 22, foi lançado Nosferatu, de F.W Murnau, lendário cineasta que morreu na tenra idade de 42 anos. Em 1927, um outro cineasta expressionista fazia seu novo filme, um dos mais caros da História até a época, feito com 5 Milhões de Marcos Alemães. Essa obra era de Fritz Lang, um reconhecido gênio hoje em dia e ela se chamava METRÓPOLIS.
A obra, que tinha efeitos especiais elaborados e avançados pra época, mostrava uma distópica cidade do futuro(o ano nunca é citado, mas fica claro que é depois de 2000) .

E hoje, estamos em 2010. Bem, como diabos pode esse resenhista, nascido em 1995, ter visto ela hoje e ter resolvido escrever sobre ela? Simples. Eu me impressionei tanto com essa obra-prima muda que acho que deveriam passar na TV até hoje esse filme. Lá dos primórdios do cinema vem uma das obras mais inspiradas e emocionantes, que impacta até hoje quem assiste. Impressiona também por ser feita há 90 anos e mesmo assim tratar de assuntos que soam tão díspares isolados mas que na obra se encaixam perfeitamente e são abordados sem clichês. Metropólis te entrega um roteiro que mescla Alienação, opressão, escravidão, autoritarismo, amor, poesia, homens-máquina, futuro e humanos, principalmente humanos. Trata também sobre obsessão e um apego emocional enorme aos mortos, como o cientista do filme. Logo, uma obra marcante ao extremo. Mas Metropolis não é só mensagens de roteiro.

A trama segue o mimado Freder(Gustav Frölich), filho de Joh Fredersen(Alfred Abel), o chefe da corporação que comanda Metrópolis. Freder está no Clube dos Filhos(mais precisamente nos Jardins Eternos), lazer dos mimados filhos dos chefões da cidade, quando vê Maria(Brigitte Helm), uma humilde professora que estava carregando os filhos dos operários até ali. Então, Freder a segue e vê pela primeira vez o que regia a cidade construída por seu pai: um grupo de operários, seguindo uma rotina quase escrava, manejando as enormes e pesadas máquinas que fazem Metrópolis funcionar. Logo, quando está embasbacado com a situação que ali vê, Freder percebe que a temperatura de uma das máquinas aumentou de forma fatal, explodindo vários operários e causando o caos. A correria é generalizada e os humildes e exaustos operários escapam do fogo.

Quando tudo é controlado, Freder vai avisar tudo o que viu para Joh, que entende tudo e acha normal. Então, seus empregados chegam com notícias dos operários e Joh, insatisfeito com um deles, o demite para as máquinas. Freder, chocado, troca de lugar com o homem e vira um operário. A partir disso, Freder começa a experimentar as sensações da maioria das pessoas de Metrópolis, as desfavorecidas e nos confins da Cidade dos Operários, ele vê que Maria mantém a fé nos trabalhadores, dizendo que um dia, uma espécie de Messias irá chegar para os salvarem. Paralelo a isso, o obcecado cientista Rotwang(Rudolf Klein-Rogge) trás a vida seu novo experimento: um homem-máquina. Seu objetivo é recriar Hel, sua obsessão e a mulher morta de Joh. E a partir daí, a forma como as duas tramas se encaixam é sensacional, de tirar o fôlego.

O roteiro de Metrópolis é a coisa que mais impressiona. Escrito por Lang e sua mulher, Thea von Harbou, o roteiro é bem-sucedido nas situações e nos diálogos(são os textos entre o filme, afinal ele é mudo). Se os personagens são construídos com maestria, há uma perfeita situação para equiparar a genialidade. Logo, cada fotograma do filme é marcante. O início, feito com destreza, vai contando cada passo da cidade e nos dá uma panorama do ambiente do filme, o que se tornará crucial lá pelo meio da película. A impactante cena inicial, mostrando os operários em um movimento uniforme, alienado e medonho, é um reflexo do panorama feito. As mensagens sobre alienação e opressão são contadas de maneira explícita e são a maioria até o meio da película. A partir do meio, Fritz Lang nos mostra o verdadeiro sentido do filme, que é completamente diferente do que imaginávamos, mas estava implícito a todo momento. Uma digna demonstração de que os roteiristas não perderam controle do filme em momento algum. Nos diálogos, se começa a poesia do filme. Alguns momentos são de pura genialidade, como uma conversa entre Joh e seu empregado. "Onde está meu filho?" "Amanhã, senhor, a cidade inteira irá lhe fazer essa pergunta." Fora esse exemplo, ainda há as frases finais, que já entram pra História do Cinema como demonstração genial de poesia no meio do caos. As situações de Metrópolis trazem os sentimentos implícitos. Rotwang e seu robô são obsessão, os Operários são alienação e escravidão, Joh é autoritarismo e Freder e Maria são amor. Todas as partes do filme representam algo e lá no fundo podem ser interpretadas de outra maneira e isso é uma das maiores vitórias que posso exaltar em Metrópolis.

Tecnicamente, Metrópolis faz um justo paralelo ao seu excelente roteiro. A direção de Lang é precisa e sem muitos movimentos, bem contemplativa. A trilha sonora, que pontua o filme inteiro, é enorme, sobe quando precisa e faz melodias que agraciam os ouvidos e não se repetem ao longos dos 126 minutos de película. E isso é um elogio e tanto, afinal, 126 minutos de música aleatória e sem parar é bem difícil de não cair no lugar comum. A fotografia de Karl Freund, Günther Rittau e Walter Ruttman tem imagens icônicas e coloca um preto-e-branco saturado que consegue ser bonito. Mesmo sem cores, é impossível não distinguir o que a fotografia faz para representar como robótica é a tal Metrópolis. A edição é o fator mais estranho do filme. Lembrando a Nouvelle Vague(quando a edição(corta) era(corta) meio(corta) assim(corta)), é cheia de cortes arruptos e sem continuidade. Porém, como alguns trechos do filme foram perdidos, nada mais previsível isso acontecer.

Visualmente, o trabalho enche os olhos. As maquetes filmadas, representando Metrópolis, também são fantásticas, tamanha a visão de Lang em criar o ambiente retrô-moderno, com prédios enormes e ruas futurísticas, no alto, basicamente constituídas por pontes de concreto. As cenas internas, maioria no filme, também são ricas em detalhes. A sala de Joh, o laboratório de Rotwang e a Cidade dos Operários são belíssimas e fazem juz ao dinheiro gasto no filme. Excelente direção de arte. Os efeitos também são ricos pois são tocantes. Mesmo em 27, eles são verossímeis e, apesar de ridículos hoje em dia, é bem difícil saber como tudo foi feito de maneira tão impressionante na época.

As atuações de Metrópolis são igualmente poderosas. Gustav Frölich atua de maneira teatral, circense até. Cheio de tiques e movimentos velozes, ele até lembra um Johnny Depp em fase caricata. Soaria ridículo se o ator não tivesse tanta competência. Brigitte Helm impressiona também, atuando até melhor que Frölich. O nível de exigência de seu papel é enorme e a virada de comportamento de Maria na trama é captada com extrema beleza por Helm. Emotiva quando exigida e caricata quando exigida. Alfred Abel faz a melhor atuação do filme. Seu Joh Fredersen é angustiado demais(e as feições clássicas de Abel só fazem o sentimento ser potencializado) e tem seus problemas expostos durante a trama, o que aumenta o nível de atuação, exigindo uma virada do personagem(uma constante em Metrópolis). Sem dúvida, o melhor. Além disso, Rudolf Klein-Rogge faz um cientista ótimo no início, que tem uma carga de dramacidade pequena. Mas quando se exige um homem obsessivo(olha a virada de personagem novamente), Rudolf capricha e faz uma atuação segura.
Não bastasse ser impecável em todos os quesitos, Metrópolis ainda tem atuações excelentes, com soberbos profissionais.

Sem dúvida um clássico, uma obra-prima, Metrópolis deve entrar na lista de qualquer cinéfilo de melhores filmes da História e é uma recomendação mais que máxima pra quem ainda não foi agraciado por Lang e sua trupe com seu deleite visual. Um filme visionário ao extremo, que tratou de alienação antes de tudo feito, tratou de obsessão antes de tudo feito e ainda tem doses poéticas nos seus diálogos. Em tudo, a frente de seu tempo.
Fritz Lang conseguiu criar uma obra que deixa cada fotograma ser inesquecível. E o melhor: num filme em que no minuto 3 ele já impressiona por sua coragem, vale a pena sentar, entrar e apreciar a viagem chamada Metrópolis.

***** 5 Estrelas

quinta-feira, 8 de abril de 2010

Ghost Dog

Jim Jarmuch cria inspirado mix de culturas em drama samurai.

Importante realizador independente americano, Jim Jarmusch é conhecido por seus filmes com personagens cativantes, cenário dramático e poderosos estudos sociais. Logo, seu cinema proporcionou longas elogiadíssimos como Sobre Cafés e Cigarros e o recente Flores Partidas. Em 1999, um longa de Jarmusch custou minúsculos 2 Milhões de Dólares para a produtora e tinha como protagonista um ótimo e pouco conhecido Forest Whitaker, futuro ganhador do Oscar, por O Último Rei da Escócia. Nas suas mãos, um dos roteiros mais criativos da década: Um mix de filmes de máfia, ação, drama, suspense e samurai. Logo, na tela aparecem a todo momento culturas distintas. Negros, Italianos, americanos nativos e uma filosofia samurai precisa, seguida pelo misterioso Ghost Dog, o personagem de Whitaker. Juntando tudo isso, poderia surgir um filme maçante e descompassado(como os recentes Um Olhar do Paraíso e Nine). Porém Jarmusch trata seu roteiro com tanto esmero que isso transforma Ghost Dog num filme memorável.

A trama conta a história de Ghost Dog(Forest Whitaker), um assassino de aluguel da máfia que se tornou o que ele é ao ser salvo anos atrás por Louie(John Tormey). Logo, ele é chamado para um novo trabalho, seu 14º assassinato. Porém, o serviço foi executado com uma pequena falha: A filha do mafioso, que não estaria no local, estava. Assim, Ghost Dog começa a ser perseguido pela máfia, mesmo com Louie tentando convencer os mafiosos que tudo tinha dado errado naturalmente, sem nenhuma culpa de Ghost Dog. Até aí, seria uma trama com pouco diferencial de estrutura. Porém, há várias peculiaridades que constroem a mitologia fantástica do filme: Ghost Dog segue um forte código samurai, em que o mundo era bem melhor na época do Japão Feudal. Os mafiosos se levam a sério, tentando se parecer com a elegância marcante de um Vito Corleone, porém não passam de um bando de pé de chinelo desorganizados, sem a mínima honra ou código de ética. Sendo assim, a trama foge extremamente do lugar comum, com apenas algumas poucas situações que podem ser consideradas clichê ou previsíveis.

O roteiro de Ghost Dog é bonito, poético, violento e até mesmo emocionante. A condução de personagens de Jarmusch é notável e uma de suas marcas aqui. A aura de mistério de Ghost Dog é construída sem esquematismos e os clichês presentes no cinema comercial. Sua vida é pesada, poética e extremamente contemplativa e Jarmusch é feliz em pontuar as cenas do protagonista com as sensacionais frase de Hagaruke, icônica obra de samurai do Japão antigo. As frases, precisas ao pontuar todo o código de ética do samurai negro, são completamente dentro do contexto e ajudam a construir o personagem. Além disso, elas se comparam as frases dúbias de obras como Watchmen, em que os pequenos detalhes representam o todo da trama. São elas que representam o desejo de Ghost Dog de voltar ao Japão feudal e, principalmente, trazer de volta a honra aos ridículos mafiosos atuais. Fora toda a construção de Ghost Dog, o roteiro ainda nos brinda com um retrato mezzo realista mezzo caricato e muito honesto das diversas culturas presentes no solo americano. Os diálogos de Ghost com o sorveteiro francês são excelentes e cheio de humor. Apesar de estruturalmente ter alguns erros(uma ou outra situação previsível), o roteiro é soberbo e do início até o poderoso e poético final, é bem-sucedido.

Tecnicamente, Ghost Dog também agrada. A direção de Jarmusch privilegia os atores e seu roteiro, fazendo apenas um feijão com arroz competente e seguro. A edição de Jay Rabinowitz é ótima e trabalha com bastantes fade in-out, o que cai como uma luva aqui. Além disso, dá uma fluidez excelente ás cenas. A trilha de RZA é boa também, pois mescla as melodias características de cada cultura sem soar preconceituoso ou caricato(o que frequentemente ocorre). Fora que as musicas-tema do protagonista agradam bastante nas cenas de treinamento samurai, no terraço. A fotografia de Robby Fueller é linda e tem tons sombrios que representam bem o sentimento vigente na trama e ainda dá uma bela homenagem a New Jersey, onde foi filmado o longa. Seus tons meio acinzentados privilegiam e contemplam a vista de metrópole com vários prédios que a cidade dá. Além disso, New Jersey foi um local perfeito para se filmar(apesar de nunca ser citada no filme): é vazia, com distintas culturas, lugares variados e cinza, bem cinza.

Nas atuações, Ghost Dog não precisava fazer nada demais. Forest Whitaker é o filme desde o primeiro instante e faz aqui sua melhor atuação. Não a melhor, não a mais imersiva no personagem(essas duas são em Rei da Escócia), mas a mais bonita, sentimentalista e de coração. Um ator soberbo, no seu auge. John Tormey não faz nada demais além de fazer um impotente mestre para Ghost Dog. Destaques para as atuações de cada mafioso, que dá um retrato bem exagerado de cada um deles, mas sem cair no hilário ou no ridículo. O talentoso Isaach de Bankolé, o sorveteiro, tem uma competência acima do normal e indica isso nas suas cenas. Além disso, ele constrói uma persona adorável, mesmo ela tendo uma relevância pequena na trama.

Sendo assim, Ghost Dog pode não ser um dos maiores exemplares de filmes dramáticos ou um dos melhores filmes independentes da história, porém entra na seleta lista de filmes mais inventivos e presta uma lindíssima homenagem ao cinema do Samurai, um dos maiores seleiros de técnica e narrativa do cinema. Kurosawa abriria um sorriso agora.

***** 5 Estrelas

sexta-feira, 2 de abril de 2010

Apenas o Fim

O mais bonito longa já feito no Brasil chega pra locação.

A geração dos Anos 90 sempre foram meio esquecidas. Sem grandes acontecimentos, sem grandes ídolos... Mas foi, sem dúvida, uma das épocas mais férteis a nível cultural, principalmente em cinema. Foi nos 90's que surgiu fantásticos diretores como Christopher Nolan, Quentin Tarantino e Darren Aronofsky. E, além de tudo, haviam elementos nerds na cultura pop dessa década que ficaram marcados até hoje. Porém, essa geração tão influente culturalmente foi pouco retratada nas telas americanas. Os dois diretores que fazem isso e que tem mais visão no mercado são Tarantino e Kevin Smith. Um influenciado pela mania cinéfila e filmes dos anos 60-70-80, mas com tramas noventistas. Outro com tramas noventistas e influenciado pela cultura dos anos 80-90. Já aqui no Brasil, fica muito mais difícil. Geralmente, aqui temos apenas duas categorias de filmes: Comédias globais e filmes-denúncia. As comédias quase sempre são execráveis, porém os filmes-denúncia são uma boa pedida(apesar de tudo estar se esgotando, vide Salve Geral). Assim, logo temos um mercado desgastado em cinema. A única produção que ofereceu alguma novidade nos últimos 2 anos foi o mediano Besouro, que mesclava novela das seis com pancadaria de Hong Kong(pouca pancadaria, vale dizer).

Então, chegou agora, lá da PUC do Rio de Janeiro, um garoto estudante chamado Matheus Souza. Quando a poderosa produtora Mariza Leão chegou na PUC e viu o filme do garoto, resolveu distribuí-lo. O longa, chamado Apenas o Fim, agora estava pronto para ser lançado no grande circuito do Brasil. Com Gregório Duvivier e Érika Mader, dois amigos de teatro do diretor, o longa já merece destaque por ter sido feito com o orçamento de uma rifa de garrafa de whiskey. E esse longa é o que determina bem o que foi os Anos 90 para a juventude nerd do Brasil. Nada de cantores-ídolos drogados, pegação ou festas ploc que varavam a madrugada. Em Apenas o Fim, tudo isso tem um valor menor que uma action-figure do Fanático. Logo, é o primeiro longa que retrata essa geração, que pode se considerar homenageada. Mas seria Apenas o Fim apenas um filme de um estudante que resolveu falar sobre cinema?

Não. Não mesmo. Além de tudo, Apenas o Fim é o mais bonito poema de amor já feito no Brasil.

A trama, simplória e objetiva, começa com Tom(Gregório Duvivier) indo para uma prova na sua faculdade de cinema. Quando ele está entrando, sua namorada(Érika Mader) chega e o avisa que irá embora, pra sempre. Tom não acredita e continua indo para a prova, porém ela o avisa q ele nunca mais a verá e ela vai embora mesmo. Então, ela faz uma proposta: Ela tem uma hora até ir e pergunta para Tom se ele quer ir pro quarto deles e transar até a partida ou debater sobre o relacionamento até o fatídico adeus. Optando pela segunda opção, Tom começa a passear pela universidade com sua amada. Começa a partir daí um brilhante e lindo debate sobre cultura, amor, renúncia e humor.

Já que Apenas o Fim é um filme universitário, tecnicamente não é de se esperar nada. Por isso, todas as cobranças caem por cima do roteiro. E, é com alegria que digo que o roteiro compensa qualquer erro técnico. Escrito por Matheus Souza, o roteiro é fantástico em todos os sentidos. Estruturalmente, segue a linha de Antes do pôr-do-Sol: Um enorme diálogo sobre relacionamento, entre dois apaixonados. E isso é mais uma vez bem explorado, afinal, a conversa consegue ir pra todos os prós e contras da relação nos curtos 80 minutos de filme. Além disso, o filme dá umas pausas para flashbacks de momentos bons do casal, que servem para nos apegarmos com eles e sabermos um pouco mais de suas vidas. Construção de personagens excelente. Já nos diálogos, o roteiro demonstra ainda mais sua competência, sendo algo único no Brasil até hoje. Tom, nerd assumido, fala sobre muitas referências pop da sua geração enquanto tenta encontrar motivos para sua namorada o largar. A personagem de Érika Mader, sem nome, segue a linha misteriosa. Seus diálogos deixam claro que ela ama Tom, porém ela fala que não foi feliz com ele(e que nem será no seu destino futuro). Uma grande personagem dúbia, com suas emoções e ambições. Humana como poucas.

Além disso, o filme é bonito pois trata o amor com honestidade pouco vista. 500 Dias com Ela, por exemplo, é um dos filmes que podemos comparar a esse. Durante todo o filme, o espectador vai se apegando ao modo carinhoso entre os dois protagonistas e ao amor sincero que um sente pelo outro. E, além disso, o filme joga bastante a questão de como um nerd com "os óculos do avô" conseguiu uma mulher tão maravilhosa como aquela. Ao longo do filme, vemos que eles se equiparam(e ficam ótimos juntos). Em uma cena especial, que faz saltar lágrimas dos olhos, Tom vai ao banheiro e sua namorada o espera do lado de fora. A repercussão do ato é mostrada aos acordes-tema do filme e segue a reação de cada um deles. Bela, muda e poética, a cena já entra no imaginário do cinema nacional por sua carinhosa sensibilidade. Além de tudo, Matheus Souza põe dois outros personagens em determinados pontos da película: uma amiga de Tom e um amigo "pegador" de Tom. É incrível como os estereótipos ficam tão bem construídos na mão do novato escritor. Se a amiga é mostrada caricatualmente, o amigo é um cara que identificamos nos dias de hoje. No meu caso, ele me lembrou um colega de colégio, adepto do mundo das aparências e metido a pegador. Genial, Matheus joga nas telas o verdadeiro retrato jovem de hoje em dia.

Tecnicamente, pouco a se falar. A direção de Matheus Souza é boa e, apesar de parecer amadora em alguns pontos, é rica e competente. A fotografia e edição do filme são comuns e caseiras também. Fora isso, algumas partes em preto e branco são bonitas e bem feitas. Apenas isso. Espera-se agora que Matheus ganhe uma nova chance, com uma excelente equipe e câmeras, algo mais profissional.

As atuações do filme se resumem a Érika e Gregório. Nathália Dill(a amiga) e o amigo de Tom nada fazem demais, além de alguns coadjuvantes no final. Érika é fantástica e atua na medida, contruindo um personagem fabuloso, em conjunto com o roteiro. A atriz, que tinha papéis de pouca expressão em novelas globais e na série da HBO Mandrake, rouba a cena aqui. Um achado futuro para o cinema. Já Gregório Duvivier é de um talento embasbacante. O ator, pouquíssimo conhecido, entra no personagem de forma competente e faz parece que ele é mesmo Tom(que por sua vez parece muito ser um alter-ego de Matheus Souza). Fora que suas expressões faciais são fantásticas e dão a dose exata de sentimentalismo e humor que o filme exige. Definitivamente, Apenas o Fim também chama a atenção pelas atuações.

Apenas o Fim é um excelente exemplar de que a nova geração de cineastas brasileiros pode surpreender e emocionar. Fico muito mais tranquilo sabendo que depois de Meirelles, Walter Salles e José Padilha, temos o espetacular Matheus Souza. Fantástico esse trabalho de estreia, um honesto retrato de uma geração pouco comentada pelo cinema e pela sociedade. Todos os cinéfilos e noventistas podem chorar de emoção: Finalmente, fomos honrados aqui no nosso país. Finalmente, pudemos ouvir alguém falar de Godard, Transformers e Power Rangers em português.

***** 5 Estrelas

Os Infiltrados


O merecido reconhecimento de um mestre.

Se existe um grupo de cineastas que fizeram por toda sua vida trabalhos geniais, obras marcantes, mas não obtiveram tal reconhecimento em Hollywood, certamente Martin Scorsese se encaixa nele. Talento nato na direção, Scorsese surgiu como diretor no período da Nova Hollywood, uma época de mudanças drásticas nos filmes comerciais americanos, e fez diversos filmes que foram verdadeiros marcos na história do cinema, e apesar de muito cultuados posteriormente, não levaram os prêmios americanos mais importantes-O Oscar, principalmente -. A partir, daí, a cada filme fantástico que Scorsese fazia e não conseguia arrancar um Oscar, reforçava mais o tabu da falta do prêmio da Academia. Em 2006, porém, isso estava para mudar.

Baseado numa história de um aclamado filme japonês sobre policiais e bandidos infiltrados, o roteiro de Os Infiltrados foi escrito por William Monaham, que escreveu o mesmo sem assistir a obra original, algo louvável, evita inspirações desnecessárias, e adapta para o universo americano com mais liberdade e criatividade . A história ganha, nas mãos de Monaham, um aspecto americanizado extremamente natural e interessante. Os núcleos abordados são da polícia de Boston e da máfia irlandesa local . Não poderia ser mais apropriado Scorsese pegar o posto de direção, já que um dos seus filmes anteriores , o nomeado ao Oscar Gangues de Nova York, já dialogava sobre a temática dos imigrantes irlandeses nos EUA. Some isso a temática violenta já associada facilmente a Scorsese, e a premissa se torna um prato cheio para referências e maneirismos do diretor.

A premissa em si não é complexa, e ,superficialmente, poderia ser considerada apenas de mais um filme policial comum. Entretanto, todo o desenvolvimento em cima da trama estrutural simplesmente eleva o filme da mediocridade. A história mostra a vida de dois homens com objetivos alheios, mas carmas semelhantes. De um lado, Billy Costigan ( Leonardo DiCaprio), um descendente de irlandeses que tem na sua árvore genealógica um emaranhado de conexões criminosas, mas , mesmo assim, quer entrar para a polícia estadual. Ele, diferente de toda a família, quer entrar para o lado da lei e da ordem, e um dos modos de servir ao estado seria infiltrar-se na gangue do grande chefe da máfia irlandesa Frank Costello(Jack Nicholson). Costello, por sua vez, criou um garoto da sua vizinhança, chamado Collin Sullivan (Matt Damon) para, no futuro, poder entrar na polícia, e servir como um informante a Costello.

Os detalhes , em sua maioria, é que transformam Os Infiltrados um suspense policial tão diferenciado. O cerco se fecha gradativamente, sem pressa, mostrando ao longo dos 151 minutos de filme toda a dualidade dos infiltrados . Chamados de ''ratos'' por serem os dedo-duros das corporações -tanto a criminosa quanto a policial - os dois protagonistas sempre vão e vem dos dois mundos, mas sempre estão a um passo de serem pegos.É mais um caso de filme policial bem programado, com sub-tramas que interessam e objetividade na dose certa.O suspense da trama é muito bem desenvolvido, também, por toda a compreensão do universo colocado no papel. Nada ali é colocado de maneira burra, e ao mesmo tempo que um dos infiltrados ataca, sua defeza fica a mostra, colocando tudo a perder.

Fica a quilômetros do filme, entretanto, a mudança de lado de algum dos dois. Os lados estão bem definidos e a única dúvida existente é a dos outros personagens, que não sabem em quem podem confiar, afinal desconhecem quem são os traidores. Essa dúvida, aliás, é o que dá o tom ao filme todo. Sempre que Costigan ou Sullivan agem como traidores nas corporações que se infiltraram, a verdade ameaça aparecer, podendo acabar com os planos dos dois. Um jogo de xadrez bem delineado que realça cada vez mais a dualidade referida linhas acima. A própria persoangem de Vera Farmiga serve para isso: mostrar a simetria nas relaçõies dos ratos. E se todo o filme corre no estilo Michael Mann, onde um dos dois lados vai ganhar o duelo, o final não poderia se diferenciar mais.

Apesar do grande apuramento que o roteiro apresenta, esse é o tipo de filme que podemos encher a boca e falar: é mais do diretor. Ainda mais se o diretor for um Martin Scorsese. Todas as qualidades que botam o roteiro um patmar acima dos demais do gênero merecem ser divididas com a direção sublime que Scorsese apresenta. O suspense que o roteiro contém é muito bem lidado pelo cineasta, que consegue criar clímaxes e dar a inquietação necessária ao espectador durante as cenas. Toda a simbologia presente no filme também é de responsabilidade do ótimo cineasta . No início do filme, a cena começa fechada, num fundo preto, onde só se ve o personagem de Damon. Logo depois, a cena se abre, mostrando que naquele momento ainda é fácil se camuflar. Mais tarde, o efeito é usado de novo, de forma contrária( a cena começa aberta e se fecha num dos ''ratos'') mostrando que naquele momento, o cerco para descobrir o X9 só se fecha cada vez mais . O resto varia de planos muito belos, que enquadram todos com talento de sobra, movimentações de câmera que só embelezam mais a técnica do filme e cortes rápidos que não deixam o filme passar devagar. Há ainda, claro , referencias a filmes anteriores do diretor, mas dessa vez, de forma mais contida.

Mas passar por Os Infiltrados e não falar das atuações é impossível. Jack Nicholson usa de um estilo ecêntrico, como de costume, e consegue roubar a cena de costume. Daria até para indicar ao Oscar, mas a Academia já deve ter ficado cansada por tantas vezes. DiCaprio atua na medida, não fazendo nada além da atuação padrão. Apresenta um nível bom, mas se se esforçace mais , o resultado poderia ser melhor . Fora Nicholson, os grandes destaques ficam para Matt Damon e Mark Wahlberg. Damon consegue passar uma dissimulção maravilhosa, atuação sublime, mostrando que pode tanto convencer como espião do bem como criminoso disfarçado. Uma das maiores atuações da carreira. Wahlberg também é engolido pelo personagem e consegue se destacar com uma atuação bem realista, diferente dos seus outros trabalhos. Mereceu a indicação ao Oscar, apesar de não se a melhor atuação do filme. Sem dúvida, sem essa escolha fenomenal de atores o filme não teria todo o seu potencial explorado.

No final das contas, a técnica de Os Infiltrados é muito competente sim, mas serve apenas de cereja no bolo de um filme com profissionais excelentes e história bem desenvolvida. A fotografia suja nas ruas e limpa nos ambientes mais fechados é maravilhosa, e tem uma beleza como poucas. A edição premiada de Thelma Shoonmaker é muito inventiva em certos pontos, mudando o jeito de determinada cenas e segurando com competencia outras. Erra só na continuidade de certas sequencias, erros bobos, mas que poderiam ter sido evitados. Já a trilha de Howard Shore mistura momentos de músicas tranquilas com músicas mais agressivas, variando de acordo com o momento que o filme se encontra.

Certamente, Os Infiltrados não é o melhor filme de Scorsese e também não é sua melhor direção. É provavelmente o melhor trabalho recente do diretor, mas não se compara a um Taxi Driver ou a direção inventiva de um Touro Indomável. O fato de Os Infiltrados ganhar 4 Oscar- entre eles os mais importantes, de Direção e Filme - é justíssimo. Deveras, merecia no ano em que disputou, e Scorsese foi o que mais se destacou em 2006. Porém o gosto que fica é que foi feita uma justiça por tudo que Martin Scorsese fez pelo cinema em toda sua carreira. O reconhecimento tardio - mas pelo menos em vida - a um dos maiores mestres do cinema americano e internacional.

5 Estrelas *****