Jim Jarmuch cria inspirado mix de culturas em drama samurai.
Importante realizador independente americano, Jim Jarmusch é conhecido por seus filmes com personagens cativantes, cenário dramático e poderosos estudos sociais. Logo, seu cinema proporcionou longas elogiadíssimos como Sobre Cafés e Cigarros e o recente Flores Partidas. Em 1999, um longa de Jarmusch custou minúsculos 2 Milhões de Dólares para a produtora e tinha como protagonista um ótimo e pouco conhecido Forest Whitaker, futuro ganhador do Oscar, por O Último Rei da Escócia. Nas suas mãos, um dos roteiros mais criativos da década: Um mix de filmes de máfia, ação, drama, suspense e samurai. Logo, na tela aparecem a todo momento culturas distintas. Negros, Italianos, americanos nativos e uma filosofia samurai precisa, seguida pelo misterioso Ghost Dog, o personagem de Whitaker. Juntando tudo isso, poderia surgir um filme maçante e descompassado(como os recentes Um Olhar do Paraíso e Nine). Porém Jarmusch trata seu roteiro com tanto esmero que isso transforma Ghost Dog num filme memorável.
A trama conta a história de Ghost Dog(Forest Whitaker), um assassino de aluguel da máfia que se tornou o que ele é ao ser salvo anos atrás por Louie(John Tormey). Logo, ele é chamado para um novo trabalho, seu 14º assassinato. Porém, o serviço foi executado com uma pequena falha: A filha do mafioso, que não estaria no local, estava. Assim, Ghost Dog começa a ser perseguido pela máfia, mesmo com Louie tentando convencer os mafiosos que tudo tinha dado errado naturalmente, sem nenhuma culpa de Ghost Dog. Até aí, seria uma trama com pouco diferencial de estrutura. Porém, há várias peculiaridades que constroem a mitologia fantástica do filme: Ghost Dog segue um forte código samurai, em que o mundo era bem melhor na época do Japão Feudal. Os mafiosos se levam a sério, tentando se parecer com a elegância marcante de um Vito Corleone, porém não passam de um bando de pé de chinelo desorganizados, sem a mínima honra ou código de ética. Sendo assim, a trama foge extremamente do lugar comum, com apenas algumas poucas situações que podem ser consideradas clichê ou previsíveis.
O roteiro de Ghost Dog é bonito, poético, violento e até mesmo emocionante. A condução de personagens de Jarmusch é notável e uma de suas marcas aqui. A aura de mistério de Ghost Dog é construída sem esquematismos e os clichês presentes no cinema comercial. Sua vida é pesada, poética e extremamente contemplativa e Jarmusch é feliz em pontuar as cenas do protagonista com as sensacionais frase de Hagaruke, icônica obra de samurai do Japão antigo. As frases, precisas ao pontuar todo o código de ética do samurai negro, são completamente dentro do contexto e ajudam a construir o personagem. Além disso, elas se comparam as frases dúbias de obras como Watchmen, em que os pequenos detalhes representam o todo da trama. São elas que representam o desejo de Ghost Dog de voltar ao Japão feudal e, principalmente, trazer de volta a honra aos ridículos mafiosos atuais. Fora toda a construção de Ghost Dog, o roteiro ainda nos brinda com um retrato mezzo realista mezzo caricato e muito honesto das diversas culturas presentes no solo americano. Os diálogos de Ghost com o sorveteiro francês são excelentes e cheio de humor. Apesar de estruturalmente ter alguns erros(uma ou outra situação previsível), o roteiro é soberbo e do início até o poderoso e poético final, é bem-sucedido.
Tecnicamente, Ghost Dog também agrada. A direção de Jarmusch privilegia os atores e seu roteiro, fazendo apenas um feijão com arroz competente e seguro. A edição de Jay Rabinowitz é ótima e trabalha com bastantes fade in-out, o que cai como uma luva aqui. Além disso, dá uma fluidez excelente ás cenas. A trilha de RZA é boa também, pois mescla as melodias características de cada cultura sem soar preconceituoso ou caricato(o que frequentemente ocorre). Fora que as musicas-tema do protagonista agradam bastante nas cenas de treinamento samurai, no terraço. A fotografia de Robby Fueller é linda e tem tons sombrios que representam bem o sentimento vigente na trama e ainda dá uma bela homenagem a New Jersey, onde foi filmado o longa. Seus tons meio acinzentados privilegiam e contemplam a vista de metrópole com vários prédios que a cidade dá. Além disso, New Jersey foi um local perfeito para se filmar(apesar de nunca ser citada no filme): é vazia, com distintas culturas, lugares variados e cinza, bem cinza.
Nas atuações, Ghost Dog não precisava fazer nada demais. Forest Whitaker é o filme desde o primeiro instante e faz aqui sua melhor atuação. Não a melhor, não a mais imersiva no personagem(essas duas são em Rei da Escócia), mas a mais bonita, sentimentalista e de coração. Um ator soberbo, no seu auge. John Tormey não faz nada demais além de fazer um impotente mestre para Ghost Dog. Destaques para as atuações de cada mafioso, que dá um retrato bem exagerado de cada um deles, mas sem cair no hilário ou no ridículo. O talentoso Isaach de Bankolé, o sorveteiro, tem uma competência acima do normal e indica isso nas suas cenas. Além disso, ele constrói uma persona adorável, mesmo ela tendo uma relevância pequena na trama.
Sendo assim, Ghost Dog pode não ser um dos maiores exemplares de filmes dramáticos ou um dos melhores filmes independentes da história, porém entra na seleta lista de filmes mais inventivos e presta uma lindíssima homenagem ao cinema do Samurai, um dos maiores seleiros de técnica e narrativa do cinema. Kurosawa abriria um sorriso agora.
***** 5 Estrelas
Belíssima crítica!
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