Old School Nerds

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segunda-feira, 30 de agosto de 2010

The Crazies

Refilmagem de clássico do Romero é forte em vários aspectos.

George A. Romero é um dos diretores criativos na indústria do cinema. Apesar de só fazer filmes de zumbis, é nas metáforas políticas de seus filmes que o diretor se distancia consideravelmente dos outros filmes de mortos-vivos. Um grande exemplo disso é que, antes de A Noite dos Mortos-Vivos, filme de terror era algo obscuro, restringindo-se a fantasias toscas com zíper á mostra. Adicionando uma conotação social no meio da suas tramas, Romero criou ali a Bíblia do Zumbi, o que determinaria o que deveria ser feito ou não dali pra frente. Apesar de ser famoso pela Trilogia dos Mortos, os clássicos A Noite dos Mortos-Vivos, O Despertar dos Mortos e O Dia dos Mortos, Romero produziu outros trabalhos interessantíssimos como O Exército do Extermínio(The Crazies), que demonstra os efeitos que uma epidemia catastrófica causaria numa pequena cidade americana. Então, com tantos sucessos, Romero começou a ter seus filmes refilmados pela Hollywood atual. Após o bacana Madrugada dos Mortos, que Zack Snyder filmou em 2004 com um respeito gigantesco pelo legado do mestre, surge agora o remake de The Crazies, com o desnecessário título A Epidemia aqui no Brasil.

E se Madrugada dos Mortos atualizava os elementos típicos de Romero para a ação e sátira atual, The Crazies tem um respeito ainda maior pela obra original, criando um filme de zumbis á moda antiga. Se Snyder criou em 2004 um filme que pegava as sátiras implícitas de Romero e as escancarava e modernizava, o diretor Breck Eisner mantém o modo clássico de fazer a crítica. E aí já temos o primeiro acerto do filme: inovar, mas bebendo da fonte do passado. Em tempos dos zumbis rapidinhos de Extermínio, dos hilariantes raivosos de Zumbilândia e a claustrofobia insana dos possuídos de REC, é esse The Crazies que traz infectados(chamarei de zumbis apenas pra ilustrar, mas não são mortos-vivos em questão) mais críveis e ameaçadores, mais humanos até. Não que a fortíssima metáfora dramática-social de Extermínio entre em questão aqui(até porque o filme de Danny Boyle é melhor), mas no design assustadoramente real dos zumbis, The Crazies é melhor. E essa leve mudança no design explica muito do que o filme representa: um perigo real e incontrolável, angustiante e que emprega tensão o tempo inteiro justamente por poder vir de absolutamente qualquer lugar.

A trama segue a fictícia Ogden Marsh, o arquetipo de cidade americana sulista com tradições antigas. Quando o Xerife David Dutton(Timothy Olyphant) está indo a um jogo de baseball no campo da cidade, ele percebe que há uma pessoa entrando no meio do jogo, com uma shotgun na mão e pronto pra atirar. Entrando no campo para impedir o homem de estragar o jogo, David percebe que aquele dali é um bom homem conhecido seu chamado Rory Hamill. Porém, Rory age estranho e aponta a espingarda pra David, ele se vê sem opção e atira. Então, triste e amargurado por ter matado um amigo(mesmo tendo feito a coisa certa, como disse sua mulher), David segue sua vida. Tudo muda então quando ele descobre que os sinais vitais de Rory estavam normais. Quando começa a achar tudo muito estranho, surgem outros homens com essa anomalia. Após isso, começa a derrocada de Ogden Marsh até o fundo do poço, com David, sua mulher Judy(Radha Mitchell), Becca(Danielle Panabaker) e Russell(Joe Anderson) tentando fugir da tal epidemia do título nacional, que tem explicações tão bizarras quanto a ação do governo na pequena cidadezinha.

A princípio, a trama de The Crazies pode ser vista como trivial(começa com um simples infectado, temos uma ação que desperta sentimento de culpa no protagonista) e pode até ser. Porém, além de ser difícil errar com a estrutura comum a filmes do gênero, The Crazies ainda inova em diversos pontos. Se os novos filmes de infecção buscam novos horizontes pra a estrutura, o roteiro escrito pela dupla Scott Kosar e Ray Wright reescreve O Exército do Extermínio mantendo as características do original e, mesmo assim, tendo liberdade pra criar um produto novo. Algumas soluções do roteiro no filme também são extremamente criativas, como o início. Ao som da excelente We'll Meet Again, tão bem empregada aqui quanto em Dr. Strangelove, um pequeno panorama da lenta e rural Ogden Marsh é realizado. O próprio fato da cidade ser criada, exatamente pra ser uma metonímia do povo rural americano, é inteligente(e não estava no original). Aliando todas essas soluções interessantes que podem ser percebidas com um pouco de atenção ás metáforas totalmente intactas presentes no filme de 1973, temos uma ficção científica de zumbis que se propõem a não só trazer a velha tradição romeriana pro cinema atual como faz pensar.

A construção de personagens é um dos fatores que são anteriormente testados e dão a dose certa de profundidade aos 4 principais. Apesar de não ser tão espetacular quanto a ambientação, a construção é precisa no seu propósito principal(usado em diversos clássicos do gênero): criar o máximo de laços com os personagens com a intenção de potencializar emocionamente o final. Se a dupla não inova ao escrever essas passagens, pelo menos mantém o filme com um ritmo competente. E aí entra outro fator do roteiro que merece uma citação: a proposta de atravessar diversos gêneros. The Crazies é, em sua essência, uma sci-fi de infecção, com certeza. Mas o roteiro, talvez por achar que o drama dos personagens iniciais seria arquetípico, acaba incorporando o Horror pra criar passagens verdadeiramente antológicas, como uma sequência claustrofóbica no lava-jato. A tensão é crua, realista, angustiante. Sinceramente, eu devo exaltar que esse foi o filme que mais me deixou nervoso em uns 2 anos, pelo menos. Terror empregado pra auxiliar a narrativa, sem passagens gratuitas, coisa de quem entende o que faz mesmo. Sem a irritante enrolação de exemplares idiotas de terror, como Atividade Paranormal e O Mistério das Duas Irmãs, The Crazies se sobressai.

Impressionante constatar que, apesar de haver erros em The Crazies(talvez o único que mereça ser citado é a adoção da trivialidade de estrutura, com a fuga de certos personagens), esses são vastamente compensados pelo horror expressivo que o roteiro emprega, assim como o embasamento político que o filme tem. Além de fincar seus pés como um exemplar importante pros filmes de infecção, The Crazies se consolida como um dos mais tensos e mais interessantes terrores modernos, fazendo com que a transição de gênero(já presente na espetacular obra-prima Inception) seja a principal marca e o principal acerto do brilhante roteiro da dupla, que é promissora, Scott Kosar e Ray Wright.

Porém, se The Crazies fosse só um roteiro impressionante, não poderia fazer muita coisa. Nas mãos de um diretor ruim, um roteiro pode ser implodido. Fora que, pra pessoas que pensam em cinema como arte que abre um leque de abertas demonstrações de estilo de um diretor(como eu, que considero o diretor um legítimo Autor), um filme deve, sempre, ter uma direção cuidadosa e nunca seguir "direções de aluguel", em filmes de produtor. Aqui é um caso que alia os dois espectros. O diretor Breck Eisner dirigiu o inexplicável Sahara, um blockbuster comum, mal divulgado, com atuações na média e cacoetes de aventura, um legítimo filme estúpido de produtor, com orçamento gigantesco(veja bem, é crível dar 160 Milhões de orçamento pra um diretor no primeiro filme? Pois é, em Sahara deram). 5 Anos depois, parece que o incrivelmente talentoso diretor aprendeu. E agora com um orçamento 8 vezes menor.

Utilizando uma estética diferente, o Scope, Breck Eisner cria uma atmosfera toda particular a tal metonímia que é Ogden Marsh. Tudo se move lentamente lá, tudo parece que tem um ritmo estranho e sempre parece que algo está errado com o ambiente. Pode haver qualquer coisa em qualquer lugar. Com essa solução inteligente de usar esse tipo de câmera, Eisner cria tensão em absolutamente tudo, fazendo com que essa pequena cidade seja um campo de horrores prestes a ser aberto. Sua direção é consistente, com takes interessantes e uma direção de atores competente. O uso, por exemplo, do zoom é outro acerto marcante nessa direção maravilhosa, que é o melhor fator do filme. O zoom serve aqui para trocar, constantemente, o foco da imagem. Em uma cena particular, em que são apontadas metralhadoras pra câmera, o uso do zoom é incrível, trocando o foco do rosto dos soldados pro cano das armas. Excelente, de encher os olhos. Fora isso, Eisner ainda é criativo em elaborar ângulos de câmera que possibilitam sustos sem apelar pra som subindo ou escuro. Duas dessas cenas, pelo menos, Eisner usa a diferença de perspectiva do foco para mascarar um segundo elemento em tela. Fantástico.

Nas outra características técnicas, temos competência também. A trilha de Mark Isham pode até ser esquematizada, com notas clássicas e conhecidas do grande público do cinema, mas serve pra manter a tensão quando necessário, o que basta em um filme como The Crazies. Não é necessário ser Hans Zimmer ou Clint Mansell pra criar notas que demonstrem transição de cena, o que tem muito aqui. A fotografia é bem utilizada e tem uma tonalidade esbranquiçada e suja, se alternando. A edição também é bem utilizada quando necessária, por exemplo, num momento de susto. Nada além do bom, mas as vezes é o que se basta. Como cereja do bolo, os já citados infectados, que tem uma maquiagem boa e que soa muito convincente, dando um ar de realismo áquelas criaturas que metem bastante medo. Além disso, temos uma ou duas cenas em que efeitos especiais são necessários e eles fazem a parte deles sem comprometer(até muito bem, considerando o baixíssimo custo de 20 Milhões do filme).

As atuações de The Crazies fazem parte do pacote comum de filmes de zumbi. Temos o competente Timothy Olyphant, que já provou que consegue ser um vilão bom de filmes de ação(em Duro de Matar 4.0) e ainda ser um bom herói de ação(sua robótica e marcante atuação no esquecível Hitman). Aqui, ele abre margens pra uma atuação que passa emoção normalmente, naturalmente. Não chega a ser o extremo de filmes como Pi, em que a insanidade do protagonista é latente, mas também não chega a passar uma falta de realismo. Uma atuação competente e precisa, sem extrapolar. Radha Mitchell também segue essa linha, restringindo de uma forma inofensiva o seu enorme talento. Joe Anderson cria um personagem mais difícil, por causa de uma pequena virada de comportamento no meio da película. No início ele segue a linha do casal de protagonista, atuando na medida. Quando há a virada, ele faz uma atuação segura e boa, sem roubar a cena mas também sem soar ridículo. Danielle Panabaker pouco tem pra fazer então apenas atua com naturalidade. Somando tudo isso, temos um belo elenco de filmes de infecção, que não roubam a cena(o que pode tirar o foco da narrativa) mas passam um realismo e apego necessário.

Visto tudo isso, The Crazies é uma coleção de vitórias. Um filme acima da média, que dá um novo fôlego ao explorado gênero de filmes de epidemia. Um exemplo a se seguir. Se espelhando nas regras do passado, Breck Eisner, Scott Kosar e Ray Wright criam um produto extremamente satisfatório, que consegue ter embasamento político interessante e uma crítica a sociedade belicista e até mesmo ao posto de Xerife do Mundo que os Estados Unidos impõe. Com certeza, o mestre George A. Romero deve estar muito feliz agora. Primeiro por ter tido seu filme refilmado num resultado tão satisfatório. Segundo porque, depois de tantos anos tendo que se contentar com seus filmes de Zumbi sendo jogados no mercado direto em vídeo(ou com divulgação ridícula), ele vê sua obra sendo influência pra o cinema atual. A obra de Romero é tão vasta que já provou que pode ser atualizada em Madrugada dos Mortos. Mas é aqui que vemos o quão visionário foi esse legítimo autor. Os elementos que ele utilizou há 40 anos, acreditem, continuam a frente do nosso tempo. The Crazies merece a visita ao cinema, mesmo com alguns pequenos defeitos. Esses são facilmente eclipsados pelos acertos múltiplos.

**** 4 Estrelas

Old School Trailers - Parte 1

The Old School Trailers


Hoje, estreia uma nova coluna no Old School Nerds. Com a quantidade sensacional de novos trailers(alguns, épicos) que vem sendo lançados ultimamente, ainda mais nessa época de filmes 3-D aos montes, Old School Trailers falará sobre os trailers que tem sido lançados recentemente e podem empolgar ou não.
A cada post, falaremos de 6 trailers diversos.

Nessa Parte 1, falaremos dos seguintes trailers:

Black Swan - Novo filme do grande Darren Aronofsky - Análise dos dois editores.

Sucker Punch - O comentado blockbuster de Zack Snyder - Análise de Gabriel.
Tron Legacy - A continuação do sucesso da Disney em 1982 - Análise de Joaquim.

127 Hours - Novo filme do oscarizado Danny Boyle - Análise dos dois editores.

Resident Evil 4 - Continuação da franquia baseada no amado jogo da Konami - Análise de Gabriel

e

A Lenda dos Guardiões - Animação ambiciosa de Zack Snyder - Análise de Joaquim.

Black Swan
Análise Gabriel: O trailer do novo filme de Darren Aronofsky é o melhor do ano, demonstrando a maravilha de película que vem por aí. Temos uma Natalie Portman angustiada numa bela volta do diretor aos dramas de suspenses urbanos e que mexem com a mente do protagonista, como Pi e Requiem Para um Sonho. Pode vir um novo clássico daqui ,naquela que pode ser, tranquilamente, a 5ª Obra-Prima na carreira do gênio.

Nota: 5 Estrelas

Análise Joaquim: O primeiro trailer de Black Swan já deixa bem claro as suas pretensões : Ser mais uma obra-prima de Darren Aronofsky. A trama é praticamente uma mistura de todos os seus filmes , e nos deixa abismado quando acabamos de assistir. O delírio gradativo se apresenta ao som de uma trilha sonora profunda e sombria de Clint Mansell, e a direção de Aronofsky só parece melhorar a cada película . A cena do "Attack it", já é um das mais esperadas do filme.

Nota: 5 Estrelas


Sucker Punch

Análise:
O novo filme de Zack Snyder, o primeiro com uma ideia original do diretor, tem grande potencial. É extremo e psicodélico a níveis estratosféricos e é um trabalho arriscadíssimo, pois tem ação de blockbuster, mas uma identidade enorme, provando que o diretor trabalha melhor com abertas demonstrações de seu próprio estilo. Pode vir um excelente filme, com visuais espetaculares.

Nota: 5 Estrelas







Resident Evil 4 - Recomeço

Análise:
O novo filme da franquia Resident Evil pode ser considerado o meu guilty-pleasure do ano. Os motivos são vários, até porque os capítulos anteriores da franquia só podem ser considerados, no máximo, divertidinhos. Porém, o trailer demonstra que a produção tem tido um cuidado impecável tecnicamente, com uma direção boa, fotografia excelente e uma ambientação com tonalidades brancas que vale a pena conferir. E, claro, tem 3 dos meus pontos fracos: Ambientes Brancos, Chuva e Câmera lenta.

Nota:
3 Estrelas



A Lenda dos Guardiões

Análise:
O próximo filme de Zack Snyder apresenta no seu belo trailer todo o estilo de seu criador , apesar de nem estampar que é o diretor de 300 e Watchmen que dirigirá a animação de aventura. Com belas imagens aéreas e passagens que remetem diretamente a 300, podemos ter certeza que este é mais um filme imperdível. Se na telinha de computador é bom, nos cinemas em 3D só tende a melhorar. Pelo menos no visual - arrojado e realista - este filme já parece ser uma vitória.

Nota: 4 Estrelas


127 Hours

Análise Gabriel:
O trailer do novo de Danny Boyle agrada bastante. A montagem ágil, com tom descontraído e característico do diretor(que tem aptidão pela montagem rápida, como em Slumdog Millionaire), auxiliado pela trilha espetacular fazem desse filme um potencial candidato a obra-prima no ano que vem. James Franco também está fantástico.
Nota: 5 Estrelas

Análise Joaquim:
O primeiro trailer de 127 horas, novo do recém-oscarizado Danny Boyle, é genial e cria expectativa grande. Ágil, tendo como pano de fundo belas paisagens paradisíacas, o filme parece não assumir o tom melodramático que um diretor menos inventivo poderia tentar empregar. Com montagem rápida, um James Franco competente e uma trilha SENSACIONAL e viciante, o vídeo nos deixa num grande aguardo para o que Boyle vai querer apresentar.
Nota: 5 Estrelas


Tron Legacy

Análise: O segundo trailer de Tron Legacy já seria magnânimo apenas por sua direção imponente e trilha grandiosa. Entretanto, a continuação do sucesso de 82 tem mais a mostrar. Com uma história inicial que não dá muita margem para clichês, o vídeo mostra detalhes embasbacantes e efeitos divinos. O Jeff Bridges digital é perfeito, incrível e absolutamente real. A apreensão é alta e justifica o filme ser uma das maiores expectativas do ano. Imagina quando virmos o espetacular jato de luz no cinema? É esperar e desfrutar.


Nota: 5 Estrelas



Até a próxima parte da sessão, trazendo mais trailers.

sábado, 21 de agosto de 2010

Garotas sem Rumo

Stephen Gaghan escreve de forma caricata drama com estética de telefilme.

Stephen Gaghan é um bom escritor, isso é inegável. Ele tem em seu currículo o espetacular filme panorama Traffic e o competente porém mal-explorado Syriana. Um escritor que eu não diria que é irregular, mas um cara competente que cometeu pequenos erros. Porém, quando vemos Garotas sem Rumo, nem reconhecemos Gaghan direito. Afinal, é fácil notar a forma panorâmica e de introdução que vemos no início do filme, mas é difícil perceber algum traço da genial construção de personagens de Syriana e Traffic. Quando Gaghan tenta se aprofundar em algo na película, nada dá muito certo. Talvez dê pra colocar a culpa em Jessica Kaplan, dona do primeiro roteiro que ganhou o tratamento de Gaghan em 2003, ano da morte da garota, num acidente de avião. E aí, tudo até ficaria bem compreensível: Kaplan escreveu o roteiro baseado no que ela via no dia-a-dia, com 14 anos, cometendo falhas de construção de roteiro que só poderiam ser explicadas por um roteiro escrito por uma amadora dessa idade.

Porém, apesar de parecer um filme bem fraco, uma tentativa pior ainda de Aos Treze, o filme tem seus méritos. Algumas cenas, principalmente as iniciais, demonstram uma boa ambientação ao mundo das aparências de Los Angeles e da fútil vidinha rica dos adolescentes de lá. Além disso, situações são demonstradas muito bem, apesar da clara falta de realismo. Mas lá pro minuto 20, aparecem algumas incongruências que fazem o filme derrapar, mas jamais implodir.

A trama segue os adolescentes de Los Angeles e suas emoções, suas insatisfações com a vida e com seus pais, uma espécie de Patricinhas de Beverly Hills pesado e dramático. Encarando um modo de vida alternativo por medo de viver uma realidade desoladora e angustiante(pra eles), um grupo de jovens capitaneados por Allison(Anne Hathaway) e Em(Bijou Phillips) tem uma personalidade que prefere o modo gangster de viver, imitando porto-riquenhos e negros que são os chefes do gangsta way of life nos USA. De seu modo de vestir até seu modo de falar e se comportar, os jovens exageram a ponto de dizer que gostam muito mais de sua personalidade caricata e exagerada de gangster do que sua própria existência como brancos. Porém, quando está saindo com a "gangue", Allison vê que seu namorado Toby(Mike Vogel), quando vai comprar uma droga, acaba sendo ridicularizado pelo gângster porto-riquenho Hector(Freddy Rodriguez). A partir daí, Allison vê que seu mundo é apenas de mentira e que os verdadeiros gângsters estão nas ruas, longe do mundinho rico e restrito da alta Los Angeles. Começa a aproximação de Allison e Em até os porto-riquenhos.

O filme parece seguir por uma linha em que vai mostrar a realidade nua e crua dos mimados adolescentes entediados, condenando esse modo de vida, mas o texto de Gaghan parece estar mais preocupado em humanizar os bandidos do que condenar a ação de Allison e seus amigos. Até aí, tudo bem, afinal o texto se assume no final, quando Hector diz para Allison: "Você não é real, eu sou real, nada em você é real". Trata-se então, claramente, de um filme que quer distanciar os gangsters poser dos de verdade. Porém, a veia do filme-denúncia aparece claramente(e não é só uma vez). No final do filme, é passado novamente o vídeo gravado por Eric(Matt O'Leary), um sinal de que esse cinema quer contar uma história, mas quer conscientizar os mimados da alta roda que querem ir pro gueto. Logo, já soaria meio indecisa essa decisão do filme em atirar pra todos os lados.

A coisa piora quando é constatado que o texto de Gaghan não só atira pra todos os lados, como fica na superfície de todos eles. Temos um caso paradoxal de rico que quer ser bandido, que é exemplificado pela conversa de Allison e Eric. Enquanto Allison parece só discursar como uma vadia mimada que quer apenas um pouco de emoção, Eric tenta alertá-la sobre sua patética vida. A discussão poderia, sim, abrir uma brecha pra um momento de introspecção da personagem, mas corta-se logo isso quando na próxima cena, vemos Allison indo ao gueto, sem ao menos pensar sobre o que diabos ela estaria fazendo. Podendo investir num lado dramático, que se aprofundaria em construção de personagens, o roteiro nega isso por ter uma precária construção e se preocupa mais em ser um GTA poser. Continuando sua empreitada por atirar pra tudo que vê e nada acertar, Gaghan então cria um final para a jornada de Allison e Em. Porém, esse fim depende de um apego prévio aos personagens, pra potencializar o que está ocorrendo na tela, coisa de que o filme carece. Afinal, o final do filme começa com cerca de 50 minutos, o que impede a mínima preocupação com o personagem. O espectador fica, sem dúvida, nem aí pro que vai acontecer com as protagonistas.

Já o lado caricatual que citei no início do texto, é uma constante em Garotas sem Rumo. Gaghan escreve as passagens iniciais, de introdução, com certa destreza, criando uma atmosfera necessária. Porém, é nos personagens que o roteiro volta a escorregar. Criando personagens caricatuais e que não demonstram a mínima empatia, aliado a eles brotarem e sumirem na tela inexplicavelmente quando o filme muda para a discussão moral de Allison e Em, o roteiro falha nesse quesito, apenas entretendo rapidamente com essas passagens que poderiam até chocar, mas são risíveis. A bagunça se intensifica em uma emblemática cena final, que três gangsters ricos miram suas armas pra câmera, falando como bandidos de TV e prometendo vingança com frases de efeito que não colam e SE LEVANDO A SÉRIO. Sim, um filme que escreve o caricato e é atuado de forma séria. Um drama risível, sem focar em um só tema.

Depois de tantos erros, seria difícil apontar um só acerto em Garotas sem Rumo. Mas justamente o fato que tanto prejudica o filme de se tornar marcante é o que torna ele, mesmo forçando a barra e sendo generoso, aceitável. Por fazer várias perguntas e criar uma atmosfera de um legítimo GTA, o roteiro se torna uma experiência que, quando não se leva a sério, diverte de forma quase sádica os cinéfilos que procuravam naquilo TUDO, ABSOLUTAMENTE TUDO, menos um filme caricato sobre um tema tão sério quanto a incursão de pessoas com oportunidade no mundo da criminalidade. Rir pra não chorar é o grande lema pra se assistir Garotas sem Rumo. Umas parcas ceninhas boas não salvariam o filme do ridículo não fosse essa epifania de qualidade ás avessas, uma incursão inconsciente no caricato.

Tecnicamente, o filme apresenta um novo paradoxo. Temos a direção de Barbara Kopple, que alterna de forma estilosa entre o documental de um Traffic e o agressivo de um Escafandro e a Borboleta, criando alguns momentos que são registrados de forma precisa e cinematograficamente satisfatórios. Acompanhando a direção, temos uma edição precisa, que lembra trabalhos consagrados como o de Traffic. Porém, o paradoxo se cria quando temos uma ridícula fotografia que emula vários telefilmes toscos de Los Angeles. Se um Dante Spinotti consegueria tirar nuances espetaculares dessa verdadeira metrópole, nesse filme o máximo que conseguimos é um clima interessante em algumas cenas noturnas, uma fotografia suja e esverdeada que apesar de boa, demonstra a falta de uniformidade na fotografia, alternando entre o OK e o ridículo. Se mudanças bruscas de fotografia geralmente podem ser espetaculares nas mãos de alguns caras competentes, aqui soa imbecil e patético, uma tremenda barbeiragem. Pífia, uma fotografia que extrai uma ou duas boas imagens, mas falha grandiosamente em extrair 85 minutos de pura falta de estética.

Aliada a essa fotografia, temos a trilha sonora. E aqui temos um caso peculiar: O tema do filme estragou grandiosamente o talento do compositor. Cliff Martinez, ótimo compositor dos filmes antigos do Soderbergh, é conhecido por seu talento em criar melodias minimalistas e contemplativas nos filmes de circuito independente, onde ele opera. Logo, são criadas trilhas marcantes e leves como Solaris e Narc. Se Cliff segue uma linha do gênio Clint Mansell na trilha construída, sua escolha de músicas teve de ser restrita. O filme trata sobre a cultura do hip-hop. E é extremamente triste ver tanta música ruim e mal introduzida por um cara tão completo como Martinez, o que soa risível o fato dele estar DESCONFORTÁVEL em seu trabalho. Acho que a dificuldade de um homem estar desconfortável no trabalho que ama é tão grande que isso só poderia ocorrer num festival de bizarrices extremas e contrastantes como Garotas sem Rumo. Se o roteiro já é uma salada que não se decide entre o tosco e o imperdível, a estética do filme só reforça esse lado. Parece até mesmo um trabalho independente e ruim de um Linklater, com direção boa, mas uma fotografia baratíssima.

As atuações de Garotas sem Rumo são, como tudo no filme, um festival que vaga em algum lugar entre dois espectros distintos. Anne Hathaway, aqui recém-saída da "franquia" Diário da Princesa, está em plena ascenção. No mesmo ano de sua atuação boa em Brokeback Mountain, a atriz já prova que tem competência e tem o melhor papel do elenco, mesmo sem passar do aceitável. Algumas cenas, como a do quarto com Em, exigiam uma atuação desmitificadora, uma nova chance que o roteiro dava ao filme de ganhar profundidade em personagens. Porém, o próprio texto não segura a cena e nem Anne consegue fazer muita coisa. O texto tenta tanto, de todas as formas, estragar o filme que Anne começa a cantar uma música de rap em vez de se aprofundar no âmago do personagem. Se pensarmos que aquela ali não é uma profissional competente como Anne Hathaway e é uma atriz qualquer de filmes independentes baratos, poderemos achar genial. Bijou Phillips, egressa dos filmes do diretor Larry Clark e conhecida por seu papel em Hostel Part II, mantém seu padrão. Nada além do normal, mas interessante. Freddy Rodriguez se sai melhor, atuando de forma aceitável como o gângster, passando realismo.

Porém, temos inexplicáveis atuações de Joseph Gordon-Levitt e Channing Tatum. Os dois atores, principalmente o cada vez melhor Levitt, tem competência suficiente pra segurar um papel, por menor que ele seja. Mas aqui, as atuações são tão caricatuais, tão falsas, tão estúpidas, que não dá pra achar nem um pingo de realismo naquilo. Levitt, quando perguntado se gosta de alguma coisa "branca" nele, fala que prefere tudo dos negros, mas só gosta de seu traseiro branco. Nada além de um What the Fock?! pro momento. Se passasse pelo menos com realismo esse seu sentimento, tudo soaria absurdo e realista, o que chocaria. Porém, Levitt parece ter tanta confiança naquele texto estranho e caricato que Gaghan escreveu que acredita de forma debochada naquilo, atuando de forma entre o automático e o bizarramente esdrúxulo. Já Channing Tatum está mais inexplicável ainda, levando em conta o fato de que ele deve aparecer em 5 minutos de filme, sem a menor relevância, servindo como um brucutu que serve de escada pra ridícula cena do quarto de hotel, que envolve Mike Vogel, Tatum e Levitt.

No veredito, é duro aceitar o que Garotas sem Rumo quer passar. Tem atuações burocráticas, uma estética que não se decide entre o elegante e o kitch e um roteiro que mira todos os pontos que pode, mas não se aprofunda em absolutamente nada. Um legítimo filme que fica na superfície. E, que por isso, ganhe alguns pontos. Insinuando um milhão de coisas, Garotas sem Rumo pelo menos entretem. E quando digo isso de um drama que joga com o filme-denúncia e o estudo de personalidade, é bizarro demais. Talvez, por um sentimento sádico e uma extrema boa vontade de minha parte em considerar que a entrada inconsciente no mundo caricatual que o roteiro tem seja plenamente compatível com a situação das protagonistas. Force a barra e considere que todos aqueles personagens estão atuando de forma tosca propositalmente. Apenas assim para considerar Garotas sem Rumo uma experiência digerível.

*** 3 Estrelas

sábado, 14 de agosto de 2010

Os Mercenários

Stallone junta astros e fogos de artifício em só mais um dos bons e velhos filmes de heróis brutamontes.

Nos meados da década de 80, Hollywood passava por uma época onde era governada pelos blockbusters. Boa partes desses , pertenciam ao gênero do “herói brucutu”, onde o mocinho principal era simplesmente invencível, e capaz de arrasar exércitos inteiros de inimigos desleais, fossem eles latinos ou coreanos, traficantes ou sequestradores. Filmes como Rambo, Comando Para Matar e Duro de Matar faziam sucesso com suas tramas parecidas e incrivelmente explosivas. As motivações dos protagonistas, sempre as mesmas – agente especial que precisa desbaratinar um exército rebelde, oficial da marinha que busca vingança pessoal, policial lutando contra narcotraficantes, etc . Entretanto, depois de atingir seu auge, o sub-gênero foi perdendo força gradativamente ao lono dos anos 90 . Afinal, tudo que é mais do mesmo acaba cansando, e o público foi deixando de lado tais tipos de produção, que acabaram sendo marginalizadas do mundo do cinema. Hoje em dia, o mais próximo que você vai chegar de produções recém lançadas deste tipo são nas locadoras, com filmes direto em vídeo de Steven Seagal e Wesley Snipes da vida.

Entretanto, o gênero de ação descerebrada deixou “órfãos” muitos atores oitentistas. Alguns, como Schwarzenegger, seguiram com sua carreira e hoje vivem bem. Outros porém, não tiveram tanta sorte e hoje vievem do mercado das locadoras. Sendo um bom saudosista que foi marcado na sua essencia com os filmes do gênero, Sylvester Stallone não poderia dar as costas para suas origens e sua nostalgia por seus filmes de ação o levaram a trazer , duas décadas depois do seu auge, mais um filme de ação de “exército de um homem só”. No caso de Os Mercenários, o exército não é de um só, mas de vários. O intento de Stallone com seu novo filme – o qual co-roteiriza, dirige e estrela – era de unir todos os astros do cinema blockbuster, bater no liquidificador das explosões e tiroteios, e ver o bicho que dá. E podemos dizer que as homenagens e explosões são satisfatórias, mas que o filme não consegue fazer muito mais que isso.

A trama – tão exagerada e rasa quanto seu casting pedia – mostra o grupo de mercenários de Barney Ross ( Sylvester Stallone) sendo contratado para derrubar o ditador de uma ilha latina chamada Vilena. Na primeira investida que Ross faz lá com seu parceiro, Christmas(Jason Statham) eles conhecem uma bela rebelde chamada Sandra(Gisele Itié). Ao irem embora, não a resgatam, pois a moça decide ficar e lutar. Então, Ross decide voltar á ilha com seus soldados, sendo motivado por um sentimento de redenção antes deconhecido.

A história de Os Mercenários é simples, batida e extremamente saudosista a todos os filmes de ação da década de oitenta. Se em alguns projetos tinhamos a trama de vingança, e em outros a necessidade de destroçar inimigos do “american way of life”, aqui temos a mistura dos dois. O real diferencial do filme de Stallone, afinal, não está na sua originalidade de roteiro – até porque ela não existe - mas sim no potencial simbológico que ele tem. Não é negócio para o diretor criar uma história original, mas sim unir tudo que já foi feito no sub-gênero e dar vida a um gigante no terreno da ação descerebrada. Essa é , acima de tudo, a proposta do filme em si. E, encarando assim, ele até funciona . A ação não soa repetida, entretém e faz o filme passar rápido . Se você sentar na poltrona, e, depois do fim da exibição, não achar que se passaram mais que 35 minutos, não estranhe . Os Mercenários passa num tiro, consegue prender a atenção do espectador durante todos seus 103 minutos e satisfaz perfeitamente quem só procura uma diversão passageira e sanguinolenta.O filme se assume assim, e tem compromisso em não se levar a sério - sem cair para o lado da sátira, no entanto.

Entretanto, não pode-se fechar os olhos para o fato do filme ter uma história dispensável, e que, se ele passa numa velocidade gigantesca em frente aos nosso olhos, também passa rápido pela nossa cabeça, sem deixar muitos marcos ou lembranças maiores. De fato, é até admissível que sua trama seja rasa, contudo, o filme não consegue se sobressair nos outros aspectos do roteiro, como na criação de situações – todas muito convecionais- ou de personagens –idem. É basicamente o que aconteceu com o projeto Grindhouse. Enquanto Tarantino homengeou o trash com um roteiro repleto de situações e personagens originalíssimos, Rodriguez acabou fazendo apenas mais um filme digno da Grindhouse. Dá pra se dizer que Os Mercenários acabou sendo só mais um filme de ação explosiva, e que não subiu um patamar além – até porque, Stallone não é nenhum Tarantino.

É possível dizer que este é o tipo de filme que abraça mais quantidade do que qualidade . Quanto mais atores musculosos e pirotecnias forem colocadas, melhor. O que foi cotado para fazer a diferença no filme é a quantidade de estrelas colocadas em cena, e não a cena em si.O retrato disso é o fato do filme ser pensado em função de seus atores, e não o contrário. Infelizmente, um filme desses nunca vai emergir completamente da superficialidade , mas pode ser encarado como diversão acima da média, como o filme mesmo tende a propor.

Já uma parte muito positiva neste projeto é a direção de Stallone. Seu modo de coordenar o set é preciso para esse filme. Os cortes rápidos típicos da década de 80 estão presentes nas cenas de tiroteio e explosão, mas dessa vez combinados com o estilo mais atual de jogo câmera, onde há os efeitos de tremor, e takes mais ousados e plásticos . Já nas cenas iniciais, Stallone joga um pouco com o estilo documental, mostrando que pode fazer além do trivial por trás das câmeras. Na frente delas, aliás, Stallone está bem como sempre, e deixa seus atores a vontade para atuar, apesar de alguns deles – como Steve Austin e Dolph Ludgren – estarem mais canastrões do que nunca.

No geral, Os Mercenários acerta na boa condução de sua ação e nas boas homenagens ao gênero tão querido por tantos. Isso não impede, no entanto, que o filme fique na simples superfície do que vem sendo feito há 20 anos , e não se diferencie muito dos outros filmes do gênero. Basicamente, a única real diferença entre este e tantos outros, é a sua grandeza – afinal, essa película une quase todos os heróis brutamontes que já passaram pelas telas, mas não faz nada muito mais relevante que isso. Pelo menos todos eles juntos divertem, explodem e matam, um pouco mais do que separados.

3 Estrelas *** Nota 5,5

terça-feira, 10 de agosto de 2010

Traffic

Porque ninguém sai limpo.

O diretor Steven Soderbergh também começou de baixo, como diretor independente. Um dos mais influentes diretores do circuito americano de filmes premiados, fez em 89 um filme chamado Sexo, Mentiras e Videotape. A arrebatadora estreia rendou fama pro diretor e ainda teve o gabarito de ter ganho uma Palma de Ouro em Cannes. Porém, o diretor perdeu um pouco de seu prestígio com o passar dos anos e só conseguiu uma certa visão depois em 1998, quando lançou o mediano filme de romance e roubo Irresistível Paixão, com George Clooney(Hoje seu sócio na Section Eight, sua produtora) e Jennifer Lopez, uma adaptação do romance de Elmord Leonard. Voltando finalmente á superfície do mundo do cinema, Soderbergh resolveu dirigir, depois do elogiado The Limey, dois filmes no ano 2000: Traffic e Erin Brockovich. A sua iniciativa deu resultado, afinal, os dois filmes foram indicados ao Oscar, sendo que Soderbergh concorreu contra si mesmo na disputa de Melhor Diretor, feito raro. E, definitivamente, a volta triunfal do diretor valeu a pena. E até mesmo nesse ano ficou evidente a opção do diretor em alternar produtos comerciais(A trilogia dos Homens) e independentes(Bubble). Logo, Erin e Traffic são filmes bem diferentes já que o primeiro é um filme mais comercial, mais de personagem, quase feito pra Julia Roberts ganhar o Oscar.

Já Traffic é outra história. É um panorama impressionante sobre as drogas, envolvendo a fronteira Estados Unidos-México de forma interessantíssima. Seus personagens também são envolventes e extremamente críveis, interpretado por um time de profissionais competentes que devem ter esquecido de certos privilégios pra atuar nessa estupenda e ousada película. Definitvamente, Soderbergh venceu seu Oscar com louros merecidos.

A trama, que se desenvolve paralelamente por vários núcleos, segue os 3 protagonistas do filme: Javier Rodriguez(Benicio del Toro), Robert Wakefield(Michael Douglas) e Helena Ayala(Catherine Zeta-Jones). Javier é um policial incorruptível que, junto com seu parceiro Sanchez(Jacob Vargas), são chamados pra trabalhar numa força tarefa do General Arturo Salazar(Tomás Milián), o grande chefe anti-drogas do país. Robert é um juíz que é chamado pra ser o Czar das Drogas americano, o posto de Salazar no México e Helena é a mulher de Carlos Ayala(Steven Bauer), o maior distribuidor de drogas do Cartel Obregón nos Estados Unidos. Mas tudo dá errado quando problemas atingem os 3: Javier não sabe mais qual é o verdadeiro propósito de sua missão, Robert tem problemas pessoais com sua mulher e a filha problemática e Helena se vê entrando num mundo desconhecido apenas pra descobrir o ramo que seu marido trabalhava quando ele é preso. Porém, as histórias nunca se cruzam diretamente, sendo ligada apenas por coadjuvantes como os agentes do FBI, Gordon(Don Cheadle) e Castro(Luís Guzmán), que investigam Ayala; o matador dos Obregón, Francisco Flores(Clifton Collins Jr.) e o próprio General Salazar.

A história parece extremamente difícil de acompanhar, porém é fácil detectar as pequenas peças que colam todo o grande panorama que é Traffic. Complexa sim, pois é intricada a ponto de uma ação á milhares de quilômetros influenciar um juíz de Ohio, mas não difícil. Até porque Stephen Gaghan, o habilidoso roteirista, tem cuidado em colocar o público no meio do mundo do tráfico, apresentando informações, que os personagens citam, que até parecem irrelevantes mas são fundamentais na hora de entender o panorama que o escritor idealizou. Fora isso, o roteirista parece entender os problemas dos envolvidos no tráfico muito bem, criando situações de risco críveis e que a todo momento testam o caráter dos personagens. Um claro exemplo é a saída encontrada por Helena ao descobrir que ele é um traficante dos pesados. Sem dúvida, sua decisão entra na história como uma das mais corajosas vistas no cinema recente. Mas além dela, Rodriguez e Wakefield também são testados de forma angustiante e que faz eles repensarem seu caráter e até mesmo se há espaço pra hipocrisia nesse mundo(coisa que se potencializa com o final do arco do Juiz).

Além da realidade das ações dos protagonistas, ainda temos um time de coadjuvantes sensacional. As melhores cenas ficam entre os agentes do FBI, que se vêem num mundo que a cada dia que passa fica mais desconhecido pra eles. Destaque para seus debates sobre como eles fracassam tanto contra esses traficantes, o que gera um sentimento até maior de respeito a esses agentes. No núcleo deles, ainda temos o matador Flores, que aparece pouco, mas marca presença com estilo. Porém, se o roteiro poderia soar um tanto limitado em se aprofundar tanto em personagens e esquecer de ligar as tramas(o que poderia implodir fatalmente um filme de panorama), Gaghan ainda cria passagens antológicas, como a conversa de Helena com o traficante ou a conversa de Robert com o amigo de sua filha, interpretado por Topher Grace. Mais que isso, ele cria um universo riquíssimo em detalhes, escrevendo passagens de tempo e espaço com uma fluidez pouco vista. E tudo isso em 146 minutos, o que soa quase irreal até, tamanha a quantidade de informações embasadas ali colocadas. Se algumas decisões de roteiro, como o rápido aprendizado de Helena sobre drogas ou a sorte como fator decisivo em uma cena de tiroteio seguido por bomba num carro, soam um tanto forçadas, elas são eclipsadas pela verdadeira aula de tráfico e roteiro que Traffic representa. E ainda tem um fator brilhante: Os mexicanos de Traffic falam espanhol o filme todo! Sim, um filme americano falado em espanhol em 25% da película.

Tecnicamente, Traffic tinha uma responsabilidade enorme, ao transcrever o maravilhoso e quase-perfeito roteiro de Gaghan. Porém, tudo é suprido. A direção de Soderbergh é a melhor de sua carreira, talvez até melhor que a direção soberba de Solaris. Seus takes conseguem enquadrar com maestria, filmar de forma crua e ainda impor um tom documental em certos pontos do filme. Direção criativa ao extremo, com a devida coroação. Auxiliando ainda a narrativa, temos uma fotografia de Peter Andrews(é o Soderbergh, disfarçado, com pseudônimo), primorosa desde o primeiro frame. Ao pontuar de forma clara cada parte da trama, a fotografia entra no filme como uma inteligente solução visual para representar o que é cada núcleo. No México, temos um ambiente feio, quente, árido, com um filtro de câmera amarelado que privilegia o deserto. Nos Estados Unidos, com Robert, temos um filtro azul, que retrata um ambiente comum e gélido, onde as aparências importam mais, um típico local americano. Já no núcleo Ayala, temos uma fotografia pesada, contrastada, que esquenta a cada minuto. Fantástica e genial, a fotografia oscarizada mereceu. Poucas vezes se viu uma fotografia participar tanto de um filme como aqui.

Ainda em quesitos Oscarizados, temos um fator esquisito e curioso. A edição de Stephen Mirrione é muito boa, sim, dá ritmo ao filme muito bem. Porém, fica explícita a predileção da Academia por edições de cortes abruptos, que beiram a falha de continuidade. Já é a segunda vez que um editor(a primeira foi com Thelma Schoomaker, dos filmes do Scorsese) que corta rápido demais ganha o Oscar. Por isso, se você leitor quiser virar editor, corte a mesma cena duas vezes pra dar ideia de que houve edição. O Oscar virá. A trilha sonora de Cliff Martinez é a cereja do bolo. Colaborador antigo de Soderbergh(fez esse, Sexo Mentiras, Schizopolis, Kafka e mais outros, mas parou em Solaris) o compositor independente se firmou ainda mais como um compositor diferenciado. Com notas minimalistas, simples, com sons que vão do leve e calmo ao leve e extremamente tenso, a trilha impõe muito bem o tom do filme, a cada momento. Fora o sensacional Leitomotif do filme, que é uma graça aos ouvidos.

As atuações de Traffic são, também, bem acima da média. Michael Douglas, em muitas oportunidades um cara caricato e em outras um ás da atuação, faz um papel da segunda opção aqui. Robert Wakefield é um personagem difícil mas que é encarnado com a devida competência de um inspirado Douglas. Robert é tridimensional e isso é o maior elogio que posso falar para Douglas. Benicio del Toro, que ganhou o Oscar de coadjuvante aqui, faz jus a sua estatueta. Falando espanhol o filme todo, com uma atuação monstruosa e hipnótica, Del Toro faz todos os olhares de Rodriguez parecerem reais. Um pouco abaixo dos dois primeiros temos Zeta-Jones, que atua muito bem(de forma genial, considerando seu nível como atriz) e convence. Nos coadjuvantes, temos destaque pra Don Cheadle, que pode até encarnar um personagem que parece arquetípico, mas tem densidade dramática suficiente pra carregar suas cenas. E destaque pra Erika Christensen, numa atuação embasbacante como a filha de Robert. Suas cenas como drogada são algumas das melhores do filme.

Traffic então é uma película arrasadora. Igualmente ambicioso e competente, o filme não só é um exemplo como narrativa como é um deleite aos olhos, sendo tecnicamente impecável. Aqui, temos Soderbergh em sua melhor fase, que infelizmente começou a cair, mudando até mesmo seu estilo de direção. Um dos grandes vencedores do Oscar 2001 é, sem dúvida arrebatador. E se Gaghan escorrega em alguns pequenos elementos que dependem da suspensão de crença, problema controlado. Afinal, não é todo dia que podemos ver um tecelão com pleno controle de sua costura, que pode até ter um ou dois pontos mal bordados, mas que é lindíssimo como um todo. Uma pena Soderbergh ter mudado seu estilo. Apesar de continuar realizando bons filmes como O Desinformante, ele poderia estar realizando algumas contemporâneas obras-primas.

***** 5 Estrelas

sábado, 7 de agosto de 2010

Inception - Crítica 2

Christopher Nolan mistura conceitos cult e gênero de ação em melhor ficção científica da década.

Desde seus primeiros filmes, Christopher Nolan sempre se afeiçoou por tramas inteligentes, intrincadas , que possuíssem um alto tom de seriedade , e que, acima de tudo, desafiassem a mentalidade de quem as assiste. Depois de estreiar na direção com Following, Nolan fez um de seus melhores filmes, Memento, em 2000. Baseado em uma história contada por seu irmão, ele dirigiu o cult de forma interessantíssima, e deu um nó na cabeça de seus espectadores, com um roteiro tão bem amarrado e extremamente original (que acabou rendendo uma indicação ao Oscar). Nessa ocasião, Nolan fez um filme que dialogava sobre a mente humana, sobre amnésia , com uma trama de suspense que inquieta quem assiste. Em 2005, depois de fazer Insônia, Nolan finalmente conseguiu um trabalho que o colocasse em maior evidência : Batman Begins. Com seu bom desempenho, o cineasta não se limitou a dirigir a franquia, e apresentou em 2006 outro filme instigante mentalmente : O Grande Truque. Depois disso, ele foi arrebatado de vez pelo cinema comercial com o sucesso de The Dark Knight, que todo mundo conhece. Com a confiança dos estúdios hollywoodianos em qualquer projeto que quisesse desenvolver, Christopher Nolan pôs então em prática um projeto que desenvolvia há dez anos . Inception, outro projeto que falava sobre a mente, dessa vez a tratando como uma extensão física. Aproveitando o dinheiro que poderia desfrutar, ele não esqueceu seu passado, e fez um projeto digno do início de sua carreira.

E isso já era de se esperar, mesmo meses antes de assistir ao filme. Logo na primeira notícia que circulou dizendo sobre o projeto, a expectativa surgiu. As idéias geradas pelo cuidadoso diretor sempre são geniais, e uma que vem sendo gerada há dez anos não poderia ser ruim. Durante meses , tudo que rondava o nome Inception ficou em sigilo. A trama permanecia um mistério, e por muito tempo, tudo que sabíamos era que se tratava de “uma ficção científica ambientada na arquitetura da mente” , como foi divulgado durante muito tempo por vários sites de entretenimento. Aos poucos, o primeiro teaser foi lançado e após dois meses, o primeiro trailer . Descobrimos então que o filme lidava sobre o mundo dos sonhos, sobre roubos dos mesmos. Entretanto, não se sabia ao certo qual trama o diretor e escritor teria desenvolvido . Com a apreensão e curiosidade dos fãs, a trama enfim foi liberada . O que se revelou foi uma história aparentemente arquetípica, digna de blockbusters. Ledo engano, entretanto. Após assistir a Inception, vemos que o que poderia parecer clichê, se desenvolve como drama original e bem fundamentado . O que soava como apenas um filme de roubo pela sinopse, é na verdade, um filme sobre os sonhos, que didatiza conceitos sobre esse mundo novo, e que utiliza o roubo como meio por onde chegar ao drama, meio por onde chegar as suas idéias e conceitos. O roubo é apenas um pano de fundo. Portanto, se a pergunta inicial é se Inception é tudo o que se esperava, a resposta é que sim. Aliás, mais do que se esperava.

A trama segue Dom Cobb (Leonardo DiCaprio), um extrator que invade a mente de determinadas pessoas em busca de informações sigilosas, que possam ser vendidas para concorrentes ou rivais. Basicamente, funciona como uma espionagem industrial, mas que acontece dentro da mente dessas pessoas enquanto elas sonham. Um dia , entretanto, Cobb é chamado para fazer um serviço diferente do normal. Saito (Ken Watanabe), um alvo seu, solicita que ele realize uma inserção. Ao invés de roubar uma idéia, Cobb precisará plantar uma . Em troca, ele terá sua vida antiga de volta, e poderá “voltar pra casa”. Para tanto, ele recruta uma jovem e promissora arquiteta para sonhos, Ariadne(Ellen Page). Ao seu lado, na equipe, ele também tem o homem-sombra Arhur( Joseph Gordon-Levitt) responsável por investigar a vida dos alvos, e o falsificador Eames (Tom Hardy) que assume a personalidade de outras pessoas durante os sonhos. Juntos, precisam inserir uma idéia na mente do alvo da vez (Cilian Murphy) .

Primeiramente, é precio ser dito que o roteiro de Inception é complexo, sim. Isso não é novidade nos filmes de Christopher Nolan, que leva para as telas histórias intrincadas desde sempre . Aqui, a complexidade não podia ficar de fora, afinal este é um tipo de filme que cria todo um mundo novo, e por vezes seu roteiro apresenta diferentes camadas, diferentes realidades e vários núcleos a serem apresentados. Entretanto, nada que não consiga ser assimilado pelo espectador. Pelo contrário, Christopher Nolan consegue ajudar quem assiste, e a tarefa de compreender o que ele quer passar fica muito mais fácil . O que Nolan não faz – e ainda bem que não- é mastigar informações para o espectador. Como é falado sempre, é ótimo ver quando o realizador trata seu público com inteligência, e este cineasta é experiente nesse assunto. A primeira coisa que nos enche os olhos em Inception são seus conceitos. Apesar de já ter sido explorado anteriormente nas mãos de outros cineastas, o mundo dos sonhos de Chris Nolan é original, e tem o estilo e a marca registrada do cineasta . Aliás, todo o modo como os sonhos são explorados aqui é original. Vendo o filme, nos deparamos com situações inovadoras e que geram interesse imediato para os apreciadores de boa ficção científica. Totens, sonhos que se desfazem, e sonhos dentro de sonhos são alguns exemplos de conceitos recorrentes no filme. São conceitos intelectuais primorosos que acarretam admiração infindável quando compreendidos por completo.

Outro ponto sensacional deste roteiro tão bem escrito são as inversões de gênero propostas. Geralmente, filmes blockbusters apresentam um objetivo , um MacGuffin, que vale tudo para o personagem, e nada para nós. Inicialmente, ao sermos apresentados ao filme, pensamos que o MacGuffin seria a família de Cobb, e que ela seria a “desculpa” para a ação. Entretanto, da forma como o filme anda, nos damos conta que o ornamento dramático é maior do que a “aventura” em si, e logo percebemos que o MacGuffin é a ação, é a inserção, e o que realmente importa para nós é o drama - bem fundamentado e desenvolvido, por sinal – de Cobb e sua família. E se , no fim das contas, o drama é o cerne do filme, qualquer afirmação de que Inception é um puro e simples filme de assalto cai por terra. Além disso, Inception consegue aumentar de ritmo com o tempo. Como uma boa ficção científica, no início, somos apresentados às regras do jogo. Geralmente, em filmes de sugestão de mundo novo (como Distrito 9, por exemplo), a película começa a mil por hora, nos encantando com todas as suas regras e detalhes inventivos, e , quando precisa desenvolver sua história de fato, perde ritmo e também alguns pontos valiosos. Em Inception, é tudo ao contrário. O filme, quando sugere seu mundo, segue em velocidade calma, até parecendo estar arrastado. Entretanto, quando vai contar sua história, todos os conceitos adquiridos na sua primeira parte são executados e elevados ao mais alto dos expoentes, criando um deslumbramento sem igual. E caso o espectador não entenda o desde já famoso final do filme, não estranhe. Aquele frame final não faz parte de nenhum enigma, nenhuma charada. É apenas uma graça de Christopher Nolan com seu público, como em O Grande Truque. Só que desta vez, o final é dúbio, e é de maneira proposital .Logo, a resposta só será respondida pela cabeça de quem assiste.

Nolan ainda aproveita para , na segunda metade do filme, criar um clímax gigante, que apresenta núcleos paralelos entre si. Deste modo, o diretor pode variar entre os vários núcleos e fazer cortes que vão desde a ação de um personagem, até a conversa de outro, sendo que todos os caminhos convergem para um só destino. Foi exatamente isso que ele fez em The Dark Knight, e deu muito certo. Aqui, o resultado também ficou muito interessante. Mas claro, tudo isso não funcionaria se os seus personagens não fossem bem criados. A construção de personagens de Inception também é impecável, como o filme. Cobb, o protagonista, tem em sua base o que todo o personagem de Nolan tem : É humano, errante, mas que assume a responsabilidade quando precisa. Foge do lugar comum do herói pelo drama que sofre com a sua família. Não é nada apelativo, e extremamente coerente. Outra relação que nos deixa congelados na poltrona, é a de Cobb com sua mulher, Mal (Marion Cotillard). Nessas partes do filme, vemos a instabilidade em que Cobb vive. A originalidade brota nas seqüências em que os dois estão juntos, e o roteiro ganha muitos pontos com isso.

Na direção , Christopher Nolan prefere não abusar . Aqui , ele dirige se assemelhando muito com o que fez em The Dark Knight . Um modo de filmar estiloso, que enquadra decentemente todos os atores em cena , e que não soa repetitivo no emprego de seus closes nas cenas de diálogo. De fato, Nolan prefere utilizar seus takes mais difereciados em cenas-chave, como a da escada Penrose, -que já nos deixava com vertigens nos trailers –e nas cenas de ação. O modo como o cineasta consegue dirigir sequências de ação é espantoso. Nas seqüências da neve, Nolan mostra que consegue acompanhar tiroteios e explosões como muita gente não sabe fazer, e não nos deixa perdidos no meio do caminho. E talvez a parte mais interessante(visualmente) do filme seja a luta com gravidade zero nos corredores. Mesmo que os cenários girem, a câmera segue o sentido da gravidade, o que acaba gerando belas imagens vertiginosas.

Na parte técnica, o filme apresenta um apuro genial. A trilha de Hans Zimmer não para de tocar o filme todo ,e apresenta o mesmo ritmo dos dois filmes do Batman, só que desta vez com um peso maior nos acordes , que faz estremecer a sala do cinema. A fotografia de Wally Pfister, colaborador mais que freqüente de Christopher Nolan , é a segunda melhor da parceria até aqui, perdendo só para a de The Dark Knight. Passa uma elegância que, aliada aos belos cenários e figurinos, gera imagens esteticamente perfeitas. Já os efeitos, mesmo não tendo sido feitos por nenhuma das grandes do mercado , possui qualidade avançadíssima. Todos eles tem praticidade no filme, e não estão ali para ostentar. Todas as seqüências que precisam de efeitos os exploram muito bem, e eles estão de fato em sintonia com a mensagem do filme.

E outro ponto que precisa ser destacado em Inception é o seu casting. Há anos não se via um elenco tão estelar e eficiente ao mesmo tempo. Leonardo DiCaprio, que é um dos grandes de Hollywood mas dificilmente consegue passar uma tridimensionalidade aos seus personagens , tem pontos no filme que surpreendem. Ele tem seus momentos, mas quando enfrenta um Michael Caine em cena, é facilmente engolido pela naturalidade do ator inglês. O filme também reserva a boa atuação de Joseph Gordon-Levitt, que vem ganhado espaço desempenhando papéis diversos, e aqui só mostra sua competência habitual. Mas, sem dúvidas, a atuação do filme é de Tom Hardy, que faz o falsificador. Tendo um papel engraçado mas ao mesmo tempo de homem sacana, Hardy convence , e passa uma verdade sem parecer que está atuando. Um bom marco para um ator em ascensão .

Num apanhado geral , Inception impressiona por ter um roteiro tão inteligente e desafiador combinado com conceitos de mundo tão intrigantes.É uma mistura de idéias cult com recursos de blockbuster.O resultado não podia ser melhor. Nolan consegue nos trazer um filme inteligente, do tipo que faltava no mercado há tempos. O espectador que estiver com a cabeça preparada para pensar vai conseguir compreender todo o filme, e se sentirá louvado pelo modo inteligente como é tratado. Avaliando os anos que se passaram , é fato que a última grande ficção científica original e inventiva foi Matrix, lançado em 1999. E se já estamos em 2010, e nada de tão grandioso chegou até o dado momento, uma verdade precisa ser constatada : Inception é a melhor ficção científica de nossa década, e só tende a ser mais admirada ao longo dos anos.

5 Estrelas ***** Obra-Prima

Inception - Crítica 1

Christopher Nolan e a melhor ficção científica em anos.

Depois de Following, em 1998, Christopher Nolan começou a entrar no mundo do cinema com mais visão, com o genial Memento. Depois de se tornar famoso por Batman Begins e atingindo o ápice de sua carreira em Batman O Cavaleiro das Trevas(o melhor filme de 2008), Nolan resolve voltar a sua maneira de descansar entre os filmes do Batman. Se em 2006 tínhamos o competente e instigante O Grande Truque, agora temos Inception. Provavelmente, a história intrincada do mundo dos sonhos não atrairia tanta atenção assim na divulgação. Seria algo como aconteceu com Matrix, uma divulgação ok com um boca a boca excelente que ajudou a renovar a bilheteria do filme a cada semana. Mas como o filme é do agora superstar Nolan, a Warner resolveu bancar sua ideia e, além de um gordo orçamento de 200 Milhões, deu cerca de 100 Milhões pra marketing. Logo, o filme está a 3 semanas no Top 10 de bilheterias americanas, atraindo um público em massa, digno de blockbuster arrasa-quarteirão, um reflexo da popularidade que Nolan conseguiu até mesmo com o público médio de cinema.

Porém, a expectativa virava mistério pra quem acompanhar de perto os detalhes do filme anteriormente divulgados. Um teaser intrigante, uma ideia fabulosa e poucas informações da trama. Até que quando a trama foi divulgada, 40 dias antes do lançamento do filme, a expectativa baixou um pouco, afinal a trama parecia arquetípica, mas com os sonhos envolvidos, poderia ficar intrincada ao extremo e, apesar de ser uma história de roubo, envolvia crimes em um território desconhecido, o que é sempre complexo de se lidar. E agora Inception estreia nos cinemas brasileiros. E devo dizer: Christopher Nolan criou um produto a altura da expectativa, em qualidade e em complexidade. O roteiro é absurdamente genial, com a história do roubo servindo de pano de fundo pro verdadeiro propósito do filme: O mundo dos sonhos. Aqui, o sonho é tido como uma coisa colonizada, algo acessável e com um arquitetura fabulosa. E, se há momentos em que as leis da física são testadas no filme, todas fazem sentido. É um roteiro que inova em suas situações e inova em seus conceitos, afinal o sonho já foi trabalhado outras vezes mas nunca com um roteiro redondo e amarrado como o de Nolan. E sobre a complexidade, bom, o filme é complexo sim, mas não é difícil de entender e nem forçado afinal Nolan cria tudo aquilo pra nos ambientar em seu mais novo mundo.

A trama segue Dom Cobb (Leonardo DiCaprio), é um ladrão especializado em extração, o roubo de segredos valiosos das profundezas do inconsciente durante o sono com sonhos, quando a mente está mais vulnerável. Na sua equipe, temos o falsificador Eames(Tom Hardy), o arquiteto Nash(Lukas Haas) e o homem-sombra Arthur(Joseph Gordon-Levitt), um homem responsável por procurar os alvos da equipe. A habilidade de Cobb e sua equipe o tornou peça fundamental no mundo da espionagem industrial e quando um trabalho dá errado, ele vira um fugitivo internacional. Cobb tem sua chance de redenção, porém, quando um alvo seu, Saito(Ken Watanabe), o oferece um trabalho que pode dar-lhe sua vida de volta, se ele conseguir o impossível: inserção. Ao invés do roubo perfeito, a tarefa de Cobb e sua equipe não é roubar uma ideia, mas plantar uma no subconsciente da pessoa. Pra essa nova tarefa, Cobb chama uma nova arquiteta, a criativa Ariadne(Ellen Page), para planejar os sonhos do alvo da inserção(Cilian Murphy).

Como percebe-se pela trama, o roteiro é complexo, apesar de ser um filme de roubo com algumas situações anteriormente testadas. E essas situações são totalmente modificadas desde o ponto que o mundo dos sonhos está ali. Ao contrário do que ocorre na maioria dos filmes de ficção, Nolan coloca o pano de fundo como o fato que realmente importa no filme, criando um produto único. E se há algum motivo pra questionar o filme por seguir uma trama trivial de roubo, é infundado pelas decisões que o filme tomam. Por exemplo, a cena final, que deixa bem claro que aquilo dali é importante pelos sonhos e não pelo roubo em si. Porque Inception existiria muito bem sem o roubo, mas não existiria sem os sonhos. Além disso, Nolan gasta a primeira hora do filme apenas pra ambientar o espectador no mundo, o que pode decepcionar um pouco quem esperava ação logo de cara. Mas como bom criador de mundos, Nolan apenas gasta o tempo necessário pra ambientar a todos no seu mundo, já dando pistas do que ocorrerá pela frente.

Outro trunfo de Nolan é a criação de personagens. Cobb pode até ser um herói com motivos previsíveis(ele quer voltar pra sua família), mas quando se olha mais de perto, dá pra ver que algo o atormenta. Assim como Cobb, temos Arthur. Um coadjuvante excelente que serve tanto pra espalhar as informações para os leigos no assunto quanto ajudar grandiosamente nos sonhos, potencializando isso na sequência final. Eames é o falsificador e seu jeito meio blasé e sua habilidade interessantíssima o fazem de um personagem que é o mais cool do filme, sem descambar pro engraçadinho. Porém, se todos esses personagens servem pra delimitar o mundos dos sonhos, pela seriedade que cada um tem sobre seu trabalho, um novo personagem chega pra bagunçar um pouco isso: Ariadne. Ela é a visão leiga do mundo, uma arquiteta que vê nos sonhos uma possibilidade infinita de criação e se encanta com isso. Nolan não só cria situações excelentes como dá ambições críveis pra seus personagens. Mas o destaque dramático do filme é a personagem Mal, de Marion Cotillard. No filme, ela não é só a esposa de Cobb mas algo muito maior e excelente. Uma grande sacada do diretor.

Se o roteiro é impecável em todos os aspectos, inclusive dramaticamente(criamos laços com os personagens e o roteiro ainda emprega tensão), o filme é brilhante também tecnicamente. Nolan pode até não ser conhecido por sua direção, mas ela é brilhante. Se nos takes mais parados ele emprega uma direção diferente da de Cavaleiro das Trevas, na ação é que ele se diferencia mais ainda do filme anterior. Vertiginosa, a direção é fantástica, com destaque pra cena da escada de Penrose e as sequências de efeitos especiais, assim como a câmera na mão empregada nas ruas de Paris. Auxiliando a direção, temos a ótima edição de Lee Smith, que tem a fluidez necessária pras cenas de ação. Porém, dois fatores se destacam com a direção de Nolan: Trilha Sonora e Fotografia. Hans Zimmer cria uma trilha completa, com todos os fatores que se esperam dela. Músicas icônicas, que ajudam o clima tenso que permeia o filme. Já a fotografia de Wally Pfister é mais impressionante ainda, com tons escuros, lembrando quase um noir de ficção-científica. Balanceada na medida certa, a fotografia merecia ganhar o Oscar até agora.

Embasbacante também, ao menos pra quem gosta de arquitetura e cenários pesados e fortes, temos a direção de arte. Os prédios, na maioria gélidos, tem tons variados de azul e cores escuros, mas variando também para o azul claro como na primeira sequência da escada de Penrose. Excelente. E tudo isso é potencializado pelos efeitos especiais contundentes do filme, que servem pra deslumbramento visual e impacto como também servem pra cada detalhe da trama, tendo uma importância inestimável. Porém, não é como Avatar, que os efeitos servem pra deslumbrar criar o mundo que serve de pano de fundo pra trama. Aqui o negócio é mais sério, pesado, frio, com o pano de fundo sendo a trama e os efeitos tendo participação em cada detalhe. E não estou dizendo apenas dos magníficos efeitos da criação dos sonhos, mas dos efeitos práticos, como o truque de câmera da escada ou as câmeras super lentas pra diminuir o ritmo do sonho. E ainda tem a excelente mixagem de som, barulhento e fortíssima candidata ao Oscar, com tiros se espalhando pelos subwoofer do cinema. De encher os olhos.

Atuações também são o forte de Inception. Nolan chamou um time de primeira pros personagens. Leonardo diCaprio, um ator que eu gosto muito mas que não acho que convença tanto assim, tem uma atuação excelente aqui, mesmo sendo a pior do filme. Com uma densidade dramática inesperadamente grande, o ator faz um trabalho impecável. Ellen Page também está excelente, não apenas sendo uma sidekick do mocinho, como o trailer aparenta. Marion Cotillard tem uma atuação divina, sendo melhor aproveitada aqui do que em Inimigos Públicos. Fora a importância que o personagem já tem, que Marion só aumenta com dramaticidade. Joseph Gordon-Levitt aqui se consolida como um grande ator novamente e demonstra que não só tem carga pra segurar um grande vilão em Batman 3 como também é um ótimo herói de ação. Seu jeito mais franzino dá imprevisibilidade, que na cena do hotel se demonstra. Porém, a melhor atuação é de Tom Hardy, o astro de Bronson, em ascenção. Sem cair no lugar comum do alívio cômico, o personagem poderia soar Kitch, mas é altamente estiloso, com o carisma na medida.

No final das contas, Inception é um filme que deve ser visto e revisto. Não só pra absorver todos os conhecimentos do filme(o que dá pra fazer tranquilamente em uma primeira visita), mas pra aproveitar novamente essa verdadeira viagem imersiva que Christopher Nolan proporcionou. Amnésia, filme que trabalhava com a montagem ao contrário e a estrutura de quebra-cabeça, é quase um aquecimento pra essa ideia madura intelectualmente, com o criador tendo pleno controle de toda sua obra. Divertido e emocionante, sem igual, Inception agrada demais. Pra entender o filme, nada de impressionante, basta querer pensar. E, se quiser, o espectador terá uma experiência sem igual.

Um grande parabéns a Christopher Nolan, que junto com Darren Aronofsky e Tarantino, é o cineasta com mais talento atualmente. Um parabéns por ter criado um filme tão icônico, melhor até mesmo que as obras-primas que são O Grande Truque e Amnésia. E, pensando que esse é apenas um filme que o cineasta fez pra descansar do Batman, fico pensando o que vem a seguir. Depois de Grande Truque, veio Cavaleiro das Trevas. Tenho até medo de pensar no que pode vir depois dessa maravilha de filme. Chega logo 2012.

***** 5 Estrelas - Obra-Prima

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Caramelo

Drama libanês Almodóvariano fala de mulheres arquetípicas.

O cinema de Pedro Almodóvar é de um gênero só. Isso poderia soar ruim em mãos barbeiras, mas o cineasta, apesar de eu não ser fã, é habilidoso com a arte de falar sobre mulheres. Dono de um respeitável currículo, que tem filmes cultadíssimos como Fale com Ela, Má Educação e Volver, o cineasta fala sobre mulheres e ainda inclui um pouco de sua paixão por cinema em alguns filmes. Um grande exemplo disso é Abraços Partidos, que basicamente não existiria sem a cinefilia do diretor. Caramelo, filme libanês da escritora-atriz-diretora Nadine Labaki, é um legítimo discípulo de Almodóvar, mas sem a paixão pelo cinema. Aliado ao tema típico do cineasta, o primo oriental era pra ser um filme mais humano, mais sincero sobre as mulheres. Afinal, ninguém melhor que as mulheres pra contar a história centrada em mulheres. Porém, Caramelo soou como um passatempo divertido que apenas vê cada mulher de uma maneira superficial.

A trama gira em torno de 5 mulheres, que compartilham suas experiências, seus traumas, suas felicidades e realizações num salão no centro de Beirute. Em meio a isso, temos muitos diálogos que abordam a cosmética do local e os dilemas das 5 mulheres, protagonizadas pela sofrida Layale(Nadine Labaki), a chefe do salão, que usa o tal caramelo do título como artigo cosmético e tem como admirador o policial Youssef(Adel Karam). Rima(Joanna Moukarzel) é uma mulher apaixonada por uma linda cliente. Nisrine(Yasmine Al Masri) está prestes a casar, mas tem um segredo imperdoável. Jamale(Gisèle Aouad) é uma atriz que está sofrendo com os efeitos do envelhecimento e Rose(Sihame Haddad) é uma idosa vaidosa que está querendo dar uma nova chance ao amor.

Se o filme libanês aborda um tema tão feminino e tão íntimo, presumia-se que fosse feito um retrato realista e dramático da mulher, com revelações corajosas e uma construção de personagens marcante. Porém, Labaki e Rodney El Haddad, os roteiristas, se preocupam mais em criar um panorama interessante pra um típico drama açucarado demais, romântico demais. Os conflitos das personagens são arquetípicos, o que não ajuda. Sendo assim, o fato do Líbano ser um país diferente (uma alegoria de mulheres, um território de diferentes culturas, um interessante local onde mulheres de burca e de decotes andam na mesma esquina) é totalmente esquecido e os dramas retratados poderiam ser passados em qualquer lugar do mundo, o que tira um pouco o valor do filme. Porém, mesmo com todos esses problemas, o longa consegue entreter e tem situações que, apesar de previsíveis, valem o ingresso.

Um grande exemplo desse sub-aproveitamento do tema é a construção de personagens. Layale, personagem encarnado pela diretora, é a Penélope Cruz do Oriente Médio. Dos dramas relacionados a homens casados até o modo sensual e bruto de se vestir, Layale emula Penélope em todas as situações. Como citei anteriormente, os conflitos não convencem justamente por essa construção precária. Rima é a lésbica incompreendida, mulher forte que luta numa sociedade opressora. Nisrine é a moça casta que está pra casar, mas não é mais virgem e isso a incomoda. Jamale é a típica mulher que vive do mundo de aparências e, quando começa a envelhecer, se vê sem chão. O único drama que realmente merece uma atenção especial é o de Rose, senhora idosa que cuida de sua irmã doente e tem que escolher entre o homem que ama e cuidar da irmã. Porém, mesmo sendo todas essas situações já testadas anteriormente, o filme é interessante por rolar por 96 minutos sem cansar e diverte, faz com que ganhemos empatia pelas personagens, mesmo elas sendo muito previsíveis.

Seguindo o roteiro, a parte técnica do filme se restringe a pensar que "em time que tá ganhando não se mexe". Como os filmes de Almodóvar tem um visual interessante, Nadine Labaki faz questão de usá-lo. Sua direção tem takes legais, dando uma fluência boa as cenas e enquadrando bem. Seu olhar particular para as mulheres também ajuda na hora de um close ou de uma cena dramática. Filmadas com precisão e delicadeza, as mulheres do filme são bem registradas pela contemplativa câmera de Labaki, que nisso inova um pouco o filme. Porém, a fotografia segue Almodóvar sem piedade. Yves Sehnaoui registra a cidade do Líbano com cores tipicamente espanholas, como a saturação meio sépia, amarelada com takes alaranjados. Comum, copiada, mas que funciona. Outro ponto destacado é a trilha sonora. Khaled Mouzanar cria notas bonitas e que ajudam a criar um clima bom ao filme e inova ao não impor um leitmotif ao filme, porém não sai nada acima do normal, acima da média. Um fator bom, mas comum.

Nas atuações, Caramelo ganha mais pontos. Nadine Labaki roteirista cria um personagem comum, mas Nadine Labaki atriz crê tanto nesse clichê que atua com precisão excelente. Em uma cena, em que Layale atende a mulher do seu amante(olha o clichê aí de novo), Nadine atua muito bem, demonstrando que acredita no seu personagem, acima de seus defeitos de construção. Yasmine Al Nasri até atua bem, mas não sai do normal. Joanna Mourkazel atua muito bem e se destaca em suas cenas, dando uma veracidade a elas, com uma certa emoção. Aqui, Joanna faz o que Meryl Streep fez em Simplesmente Complicado: Bela atuação em personagem ruim. Gisèle Aouad faz a atuação mais perdida do filme, sem ter uma ambição fixa e sem encontrar o equilíbrio emocional que o personagem precisava. Já Sihame Haddad faz uma atuação tocante, dando um carisma infinito a sua simpática personagem. As cenas em que Rose redescobre o poder de amar estão entre as melhores do filme, o que é fortemente melhorado por Sihame.

Num apanhado, Caramelo se mantém na média e entretem. Sem dúvida, o filme é divertido e a questão interessante para os mais atentos é debater os problemas do filme, que não chegam a incomodar, mas que impedem o filme de ser um belo panorama da mulher libanesa, impede Caramelo de ser pra mulher o que Traffic foi pras drogas. Até pode ser discutível o fato do filme ser açucarado demais e ter uma visão muito superficial das coisas(Layale é brinquedo do amante justo num filme sobre mulheres), mas sem dúvida o final feliz do filme é tudo o que o público alvo quer. Algo romântico e otimista, tudo o que é preciso num romance. Caramelo poderia ser grande, mas se restringiu ao mediano. É uma pena? Sim. Mas a questão não é observar Caramelo como um filme ambicioso e fraco e sim como diversão passageira. Tudo se deve a expectativa inicial em relação a película. Gostar ou não do filme virou uma questão de perspectiva.

*** 3 Estrelas

Fúria pela Honra

Estranho drama sino-americano tem belas imagens, mas escorrega.

Alguns filmes estrangeiros conseguem ser destaques nos Estados Unidos. Geralmente, isso ocorre com 1 ou 2 filmes de países exóticos a cada 5 anos. A Coréia do Sul faz sucesso, trazendo filmes como Mother, O Hospedeiro e Oldboy para a América e ter dado visão a seus icônicos criadores, Bong Joon-Ho e Park Chan-Wook. O Brasil já teve um momento assim, com Cidade de Deus e a merecida indicação de Fernando Meirelles ao Oscar e agora é a vez de um filme chinês ganhar um pouco de repercussão. Fúria pela Honra, péssimo título para Dark Matter(a matéria negra do espaço, tema recorrente do filme), é um pequeno drama feel good que conseguiu um prêmio em Sundance e passou pelo resto dos EUA. Ainda mais, o filme tem Meryl Streep, conhecida por selecionar a dedo seus roteiros, o que faz a expectativa pro filme só aumentar. Tudo bem ensaiado para um excelente drama indie, certo? Pois é, certas coisas são relativas.

A trama, que vai da comédia a tragédia, segue um brilhante estudante chinês, Liu Xing(Liu Ye), que vai para os Estados Unidos para estudar na Universidade de Iowa. Como seu professor, ele terá Jacob Reiser(Aidan Quinn), um homem que Liu admira muito por ter desenvolvido uma Teoria das Cordas, que influenciou diretamente a sua teoria sobre a Matéria Negra do espaço. Junto com seus 3 amigos, ele vai tendo suas aventuras pela América, enquanto conhece uma garota que ele se apaixona e uma mulher chamada Joanna Silver(Streep), que adora a Cultura Chinesa e se afeiçoa ao estudante. Porém, quando Liu desenvolve sua teoria, desperta a inveja dos acadêmicos e isso resulta numa série de eventos imprevisíveis.

Olhando a história, ela resultaria facilmente num clichê ambulante, uma típica história de jornada que até gera carisma e conquista o público pela emoção mas irrita os críticos por ser tão arquetípica. Infelizmente, Fúria pela Honra trabalha muito com isso, afinal, as partes que Liu está com seus amigos são previsíveis e testadas anteriormente em qualquer filme de jornada ao país estrangeiro. Se há alguma coisa em que o filme se sobressai são nas partes da emoção, em que Liu Ye atua com uma entrega tocante, fazendo bem o papel do estudante nos dias mais difíceis de sua vida.

Porém, se as partes emocionais até tocam, não se pode dizer o mesmo do roteiro estruturalmente. Pífio, o roteiro constrói personagens com desleixo e vemos até uma Meryl Streep apagada num papel sem razão de existir. Joanna Silver não serve pra nada no filme e estranho ver uma profissional do calibre de Streep se sujeitar a atuar num desastre de personagem desses. Aliado a isso, temos uma indecisão constante na constatação de gênero do filme. Digo, ele começa como uma comédia feel good, passa pro drama leve, vai pro drama forçado e termina como um bizarro e risível filme de psicopata. As viradas no comportamento do protagonista são tão convincentes quanto a originalidade do roteiro de Avatar. O pacato estudante, que se preocupa tanto com a família a ponto de negar sua fase difícil pra ela(mentindo nas cartas), vira um cara perturbado. E o pior: sem um motivo realmente plausível. Fora os clichês absurdos, tipo ele citar que quer o Nobel e casar com uma americana loira, pra depois cortar pra ele conhecendo uma americana... Loira! Mal planejado desse jeito, o roteiro deveria ter sido no mínimo polido pra haver uma estrutura decente. Estranho ver como um filme tão esquisito pode ter sido apreciado pelos festivais na América. Vai ver é o final, vingativamente americano.

Pra não dizer que o filme é fraquíssimo, a estética é bem apurada. A direção do diretor de óperas Chen Shi-zheng é boa e bem contemplativa. Com takes bonitos e dando uma boa valorizada a algumas imagens, a direção faz um papel importante, segurando o filme como pode. Aliado a isso, a fotografia também é maravilhosa e tem tons cinzentos que combinam bem com o filme. Parece que está sempre algo nublado, o que na tela fica bonito. Mesmo com a direção de arte fazendo o filme parecer feito pra tevê em alguns momentos, a fotografia compensa. O mesmo, porém, não se pode dizer da trilha sonora. Assim como o próprio filme, ela tem seus momentos bons(sinfonias bonitas e tocantes, em takes abertos de natureza), mas tem momentos muito vergonhosos, quando tenta forçadamente extrair alguma emoção da situação, mesmo ela sendo pouco profunda. Nas cenas felizes, a trilha também é forçada e risível em certos pontos.

Nas atuações, Liu Ye que rouba a cena. Seu jeito meio desengonçado, o inglês burocrático e um olhar meio empolgado meio perdido fazem uma atuação que não consegue sustentar o filme, mas pelo menos faz muito bem sua parte. Aidan Quinn, por outro lado, faz um sujeito caricatual, que começa muito legal e faz a linha do sábio cool, mas termina como um invejoso arrogante e pouco inteligente(mais uma virada de personagem sem sentido). Seguindo Quinn, temos uma perdida e irreconhecível Streep, no pior papel de sua carreira. Streep até tenta ir bem, mas acho que o próprio roteiro fez ela, visivelmente, falar suas falas sem ter crença nelas. Daria até pra falar que essa foi uma atuação pra pegar o cheque rápido, se não fosse o valor baratíssimo do filme.

No geral, Fúria pela Honra poderia até ser um descontraído filme de jornada ou um pesado filme sobre a queda do protagonista. Como escolhe ficar no meio termo e exagera coisas desnecessárias(aquele final é intragável), o filme é um esquecível e hypado estrangeiro fraco. Com uma trama como essas, não dava pra fazer muito. Mas daí cobri-la com situações fracas e viradas de personagem toscas? Aí é algo até amador.

** 2 Estrelas

domingo, 1 de agosto de 2010

Salt

Fotocópia repleta de plot-twists não tem motivo pra existir.

Kurt Wimmer conseguiu colocar seu nome em evidência pela primeira vez quando escreveu e dirigiu em 2002, o filme Equilibrium. Bom longa com ideias interessantes para uma ficção científica de alienação. Com boa direção e ação bem coreografada, aquele poderia ser o ponto de partida principal de um diretor promissor. Entretanto, projetos seguintes mostrariam que Wimmer não possuia o talento esperado. Depois de escrever e dirigir o cretino Ultravioleta, ele roteirizou filmes fracos como Reis da Rua e Código de Conduta. Logo, estaria provado que Wimmer estava mais para um diretor de um filme só - que nem é tão bom assim- e um roteirista medíocre. Aproveitando o verão americano recheado de blockbusters, e algumas estrelas consagradas em busca de trabalho, os estúdios hollywoodianos financiaram o mais recente projeto de Kurt Wimmer - Salt.

Entretanto, o escalado para dirigir o longa foi o bom Phillip Noyce, o qual tem bom retrospecto na direção de dramas e suspenses . Faltava a escolha de um ator principal, já que originalmente a personagem Salt era um homem. O nome de Tom Cruise foi cogitado, e o filme foi pensado para o ator. Porém, Cruise fez escolha melhor , e decidiu participar de outro blockbuster - Encontro Explosivo - e deixou o projeto. Ora, era preciso o nome de outra estrela consagrada para atrair público para o projeto. Angelina Jolie se mostrou disponível, e foi contratada para o projeto. Após assistir a Salt, é possível entender porque Cruise abandonou o filme. O longa é um blockbuster esquecível como Encontro Explosivo, mas sofre de um mal ainda pior. Carece de originalidade, não consegue por em prática decentemente o que copiou, e enche a tela de reviravoltas.

A trama , regurgitada de filmes de espionagem ( e descaradamente chupada da franquia Bourne) segue a espiã da CIA Evelyn Salt (Angelina Jolie) que, antes de fazer uma viagem importante, é surpreendida pelo achado de um desertor russo. Esse desertor conta uma história dizendo que vários espiões russos foram trazidos para os EUA quando pequenos, para realizarem missões contra a pátria americana quando chegasse o chamado ''dia X''. Depois disso, ele diz que Salt é um desses espiões , e que realizará uma missão naquele dia. A partir daí, Salt começa a ser caçada por seus superiores ,enquanto precisa provar sua inocência e encontrar seu marido.

O roteiro escrito por Wimmer apresenta falhas logo de início, pela trama fraca e batida. O velho esquema de espião excepcional que precisa provar sua inocencia e vencer aqueles que o perseguem já não funciona mais. Tal tipo de história já foi explorada magistralmente pela trilogia Bourne, e um repeteco mal feito não atrai a ninguém. Entretanto, Wimmer não se contém em apenas copiar a história, e copia também situações consagradas. Deste modo, fica complicado tirar algum proveito da película, ainda mais quando o elemento que já não é original se mostra ruim. Os personagens não convencem, suas motivações são simplórias – principalmente a motivação final de Salt – e o filme excede em plot-twists. Sendo o artifício mais barato e simples para roteiristas que não têm idéias para finais de filmes, Kurt Wimmer mostra não ter quase idéia nenhuma. Se contadas, as reviravoltas presentes em Salt quase enchem os dedos de uma mão, e estão lá para tentar passar a impressão de inteligencia para o público, quando na verdade sua única utilidade é sacramentar a mediocridade da história. Tudo isso, com a proposta de se levar a sério. Porém, qualquer chance de levar Salt a sério fica pelo caminho ao longo do filme.

E, se a história é uma xerox ruim dos filmes de espionagem, a direção de Phillip Noyce segue pelo mesmo caminho. O cineasta aplica o mesmo estilo de Paul Greengrass em o Ultimato Bourne, com a câmera tremida e um estilo documental em alguns momentos, com zoons e afins. Ao invés de seguir o caminho de um James Mangold em Encontro Explosivo, com uma direção estilosa tirando imagens belas e plásticas, Noyce segue o padrão Greengrass, e não tem a destreza suficiente para retirar todo o potencial das cenas de ação. Como tudo no filme, a direção também é uma cópia ineficiente.

Na parte técnica, pouco também a se aproveitar. A trilha de James Newton Howard está estranhamente ruim, sem emoção e sem ritmo. Faz o feijão com arroz de maneira ruim, e passa quase desapercebida, pois quando percebemos o que ouvimos, não gostamos muito. Já nas atuações, Angelina Jolie não faz mais do que o normal. Fica no piloto automático o filme todo, e nas partes onde sua dramaticidade precisa aparecer , vemos apenas caras e bocas que não convencem. Todos os outros atores seguem no mesmo ritmo, contribuindo para o fracasso do longa.

Ao sair da sessão de Salt, ficamos com a sensação de termos visto uma cópia mal executada de filmes bons de espionagem. Uma história fraca, colocada de uma maneira séria, que beira a canastrice. Logo, vem a pergunta “ Porque então existe Salt?” “Para fazer dinheiro”, é a resposta. Mas se nem isso o filme fez, é melhor esquecer de vez a película, e constatar que mais uma vez Kurt Wimmer provou ser um péssimo roteirista.

1 Estrela * Nota 2,0