Depois de Following, em 1998, Christopher Nolan começou a entrar no mundo do cinema com mais visão, com o genial Memento. Depois de se tornar famoso por Batman Begins e atingindo o ápice de sua carreira em Batman O Cavaleiro das Trevas(o melhor filme de 2008), Nolan resolve voltar a sua maneira de descansar entre os filmes do Batman. Se em 2006 tínhamos o competente e instigante O Grande Truque, agora temos Inception. Provavelmente, a história intrincada do mundo dos sonhos não atrairia tanta atenção assim na divulgação. Seria algo como aconteceu com Matrix, uma divulgação ok com um boca a boca excelente que ajudou a renovar a bilheteria do filme a cada semana. Mas como o filme é do agora superstar Nolan, a Warner resolveu bancar sua ideia e, além de um gordo orçamento de 200 Milhões, deu cerca de 100 Milhões pra marketing. Logo, o filme está a 3 semanas no Top 10 de bilheterias americanas, atraindo um público em massa, digno de blockbuster arrasa-quarteirão, um reflexo da popularidade que Nolan conseguiu até mesmo com o público médio de cinema.
Porém, a expectativa virava mistério pra quem acompanhar de perto os detalhes do filme anteriormente divulgados. Um teaser intrigante, uma ideia fabulosa e poucas informações da trama. Até que quando a trama foi divulgada, 40 dias antes do lançamento do filme, a expectativa baixou um pouco, afinal a trama parecia arquetípica, mas com os sonhos envolvidos, poderia ficar intrincada ao extremo e, apesar de ser uma história de roubo, envolvia crimes em um território desconhecido, o que é sempre complexo de se lidar. E agora Inception estreia nos cinemas brasileiros. E devo dizer: Christopher Nolan criou um produto a altura da expectativa, em qualidade e em complexidade. O roteiro é absurdamente genial, com a história do roubo servindo de pano de fundo pro verdadeiro propósito do filme: O mundo dos sonhos. Aqui, o sonho é tido como uma coisa colonizada, algo acessável e com um arquitetura fabulosa. E, se há momentos em que as leis da física são testadas no filme, todas fazem sentido. É um roteiro que inova em suas situações e inova em seus conceitos, afinal o sonho já foi trabalhado outras vezes mas nunca com um roteiro redondo e amarrado como o de Nolan. E sobre a complexidade, bom, o filme é complexo sim, mas não é difícil de entender e nem forçado afinal Nolan cria tudo aquilo pra nos ambientar em seu mais novo mundo.
A trama segue Dom Cobb (Leonardo DiCaprio), é um ladrão especializado em extração, o roubo de segredos valiosos das profundezas do inconsciente durante o sono com sonhos, quando a mente está mais vulnerável. Na sua equipe, temos o falsificador Eames(Tom Hardy), o arquiteto Nash(Lukas Haas) e o homem-sombra Arthur(Joseph Gordon-Levitt), um homem responsável por procurar os alvos da equipe. A habilidade de Cobb e sua equipe o tornou peça fundamental no mundo da espionagem industrial e quando um trabalho dá errado, ele vira um fugitivo internacional. Cobb tem sua chance de redenção, porém, quando um alvo seu, Saito(Ken Watanabe), o oferece um trabalho que pode dar-lhe sua vida de volta, se ele conseguir o impossível: inserção. Ao invés do roubo perfeito, a tarefa de Cobb e sua equipe não é roubar uma ideia, mas plantar uma no subconsciente da pessoa. Pra essa nova tarefa, Cobb chama uma nova arquiteta, a criativa Ariadne(Ellen Page), para planejar os sonhos do alvo da inserção(Cilian Murphy).
Como percebe-se pela trama, o roteiro é complexo, apesar de ser um filme de roubo com algumas situações anteriormente testadas. E essas situações são totalmente modificadas desde o ponto que o mundo dos sonhos está ali. Ao contrário do que ocorre na maioria dos filmes de ficção, Nolan coloca o pano de fundo como o fato que realmente importa no filme, criando um produto único. E se há algum motivo pra questionar o filme por seguir uma trama trivial de roubo, é infundado pelas decisões que o filme tomam. Por exemplo, a cena final, que deixa bem claro que aquilo dali é importante pelos sonhos e não pelo roubo em si. Porque Inception existiria muito bem sem o roubo, mas não existiria sem os sonhos. Além disso, Nolan gasta a primeira hora do filme apenas pra ambientar o espectador no mundo, o que pode decepcionar um pouco quem esperava ação logo de cara. Mas como bom criador de mundos, Nolan apenas gasta o tempo necessário pra ambientar a todos no seu mundo, já dando pistas do que ocorrerá pela frente.
Outro trunfo de Nolan é a criação de personagens. Cobb pode até ser um herói com motivos previsíveis(ele quer voltar pra sua família), mas quando se olha mais de perto, dá pra ver que algo o atormenta. Assim como Cobb, temos Arthur. Um coadjuvante excelente que serve tanto pra espalhar as informações para os leigos no assunto quanto ajudar grandiosamente nos sonhos, potencializando isso na sequência final. Eames é o falsificador e seu jeito meio blasé e sua habilidade interessantíssima o fazem de um personagem que é o mais cool do filme, sem descambar pro engraçadinho. Porém, se todos esses personagens servem pra delimitar o mundos dos sonhos, pela seriedade que cada um tem sobre seu trabalho, um novo personagem chega pra bagunçar um pouco isso: Ariadne. Ela é a visão leiga do mundo, uma arquiteta que vê nos sonhos uma possibilidade infinita de criação e se encanta com isso. Nolan não só cria situações excelentes como dá ambições críveis pra seus personagens. Mas o destaque dramático do filme é a personagem Mal, de Marion Cotillard. No filme, ela não é só a esposa de Cobb mas algo muito maior e excelente. Uma grande sacada do diretor.
Se o roteiro é impecável em todos os aspectos, inclusive dramaticamente(criamos laços com os personagens e o roteiro ainda emprega tensão), o filme é brilhante também tecnicamente. Nolan pode até não ser conhecido por sua direção, mas ela é brilhante. Se nos takes mais parados ele emprega uma direção diferente da de Cavaleiro das Trevas, na ação é que ele se diferencia mais ainda do filme anterior. Vertiginosa, a direção é fantástica, com destaque pra cena da escada de Penrose e as sequências de efeitos especiais, assim como a câmera na mão empregada nas ruas de Paris. Auxiliando a direção, temos a ótima edição de Lee Smith, que tem a fluidez necessária pras cenas de ação. Porém, dois fatores se destacam com a direção de Nolan: Trilha Sonora e Fotografia. Hans Zimmer cria uma trilha completa, com todos os fatores que se esperam dela. Músicas icônicas, que ajudam o clima tenso que permeia o filme. Já a fotografia de Wally Pfister é mais impressionante ainda, com tons escuros, lembrando quase um noir de ficção-científica. Balanceada na medida certa, a fotografia merecia ganhar o Oscar até agora.
Embasbacante também, ao menos pra quem gosta de arquitetura e cenários pesados e fortes, temos a direção de arte. Os prédios, na maioria gélidos, tem tons variados de azul e cores escuros, mas variando também para o azul claro como na primeira sequência da escada de Penrose. Excelente. E tudo isso é potencializado pelos efeitos especiais contundentes do filme, que servem pra deslumbramento visual e impacto como também servem pra cada detalhe da trama, tendo uma importância inestimável. Porém, não é como Avatar, que os efeitos servem pra deslumbrar criar o mundo que serve de pano de fundo pra trama. Aqui o negócio é mais sério, pesado, frio, com o pano de fundo sendo a trama e os efeitos tendo participação em cada detalhe. E não estou dizendo apenas dos magníficos efeitos da criação dos sonhos, mas dos efeitos práticos, como o truque de câmera da escada ou as câmeras super lentas pra diminuir o ritmo do sonho. E ainda tem a excelente mixagem de som, barulhento e fortíssima candidata ao Oscar, com tiros se espalhando pelos subwoofer do cinema. De encher os olhos.
Atuações também são o forte de Inception. Nolan chamou um time de primeira pros personagens. Leonardo diCaprio, um ator que eu gosto muito mas que não acho que convença tanto assim, tem uma atuação excelente aqui, mesmo sendo a pior do filme. Com uma densidade dramática inesperadamente grande, o ator faz um trabalho impecável. Ellen Page também está excelente, não apenas sendo uma sidekick do mocinho, como o trailer aparenta. Marion Cotillard tem uma atuação divina, sendo melhor aproveitada aqui do que em Inimigos Públicos. Fora a importância que o personagem já tem, que Marion só aumenta com dramaticidade. Joseph Gordon-Levitt aqui se consolida como um grande ator novamente e demonstra que não só tem carga pra segurar um grande vilão em Batman 3 como também é um ótimo herói de ação. Seu jeito mais franzino dá imprevisibilidade, que na cena do hotel se demonstra. Porém, a melhor atuação é de Tom Hardy, o astro de Bronson, em ascenção. Sem cair no lugar comum do alívio cômico, o personagem poderia soar Kitch, mas é altamente estiloso, com o carisma na medida.
No final das contas, Inception é um filme que deve ser visto e revisto. Não só pra absorver todos os conhecimentos do filme(o que dá pra fazer tranquilamente em uma primeira visita), mas pra aproveitar novamente essa verdadeira viagem imersiva que Christopher Nolan proporcionou. Amnésia, filme que trabalhava com a montagem ao contrário e a estrutura de quebra-cabeça, é quase um aquecimento pra essa ideia madura intelectualmente, com o criador tendo pleno controle de toda sua obra. Divertido e emocionante, sem igual, Inception agrada demais. Pra entender o filme, nada de impressionante, basta querer pensar. E, se quiser, o espectador terá uma experiência sem igual.
Um grande parabéns a Christopher Nolan, que junto com Darren Aronofsky e Tarantino, é o cineasta com mais talento atualmente. Um parabéns por ter criado um filme tão icônico, melhor até mesmo que as obras-primas que são O Grande Truque e Amnésia. E, pensando que esse é apenas um filme que o cineasta fez pra descansar do Batman, fico pensando o que vem a seguir. Depois de Grande Truque, veio Cavaleiro das Trevas. Tenho até medo de pensar no que pode vir depois dessa maravilha de filme. Chega logo 2012.
***** 5 Estrelas - Obra-Prima
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