Old School Nerds

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sábado, 7 de agosto de 2010

Inception - Crítica 2

Christopher Nolan mistura conceitos cult e gênero de ação em melhor ficção científica da década.

Desde seus primeiros filmes, Christopher Nolan sempre se afeiçoou por tramas inteligentes, intrincadas , que possuíssem um alto tom de seriedade , e que, acima de tudo, desafiassem a mentalidade de quem as assiste. Depois de estreiar na direção com Following, Nolan fez um de seus melhores filmes, Memento, em 2000. Baseado em uma história contada por seu irmão, ele dirigiu o cult de forma interessantíssima, e deu um nó na cabeça de seus espectadores, com um roteiro tão bem amarrado e extremamente original (que acabou rendendo uma indicação ao Oscar). Nessa ocasião, Nolan fez um filme que dialogava sobre a mente humana, sobre amnésia , com uma trama de suspense que inquieta quem assiste. Em 2005, depois de fazer Insônia, Nolan finalmente conseguiu um trabalho que o colocasse em maior evidência : Batman Begins. Com seu bom desempenho, o cineasta não se limitou a dirigir a franquia, e apresentou em 2006 outro filme instigante mentalmente : O Grande Truque. Depois disso, ele foi arrebatado de vez pelo cinema comercial com o sucesso de The Dark Knight, que todo mundo conhece. Com a confiança dos estúdios hollywoodianos em qualquer projeto que quisesse desenvolver, Christopher Nolan pôs então em prática um projeto que desenvolvia há dez anos . Inception, outro projeto que falava sobre a mente, dessa vez a tratando como uma extensão física. Aproveitando o dinheiro que poderia desfrutar, ele não esqueceu seu passado, e fez um projeto digno do início de sua carreira.

E isso já era de se esperar, mesmo meses antes de assistir ao filme. Logo na primeira notícia que circulou dizendo sobre o projeto, a expectativa surgiu. As idéias geradas pelo cuidadoso diretor sempre são geniais, e uma que vem sendo gerada há dez anos não poderia ser ruim. Durante meses , tudo que rondava o nome Inception ficou em sigilo. A trama permanecia um mistério, e por muito tempo, tudo que sabíamos era que se tratava de “uma ficção científica ambientada na arquitetura da mente” , como foi divulgado durante muito tempo por vários sites de entretenimento. Aos poucos, o primeiro teaser foi lançado e após dois meses, o primeiro trailer . Descobrimos então que o filme lidava sobre o mundo dos sonhos, sobre roubos dos mesmos. Entretanto, não se sabia ao certo qual trama o diretor e escritor teria desenvolvido . Com a apreensão e curiosidade dos fãs, a trama enfim foi liberada . O que se revelou foi uma história aparentemente arquetípica, digna de blockbusters. Ledo engano, entretanto. Após assistir a Inception, vemos que o que poderia parecer clichê, se desenvolve como drama original e bem fundamentado . O que soava como apenas um filme de roubo pela sinopse, é na verdade, um filme sobre os sonhos, que didatiza conceitos sobre esse mundo novo, e que utiliza o roubo como meio por onde chegar ao drama, meio por onde chegar as suas idéias e conceitos. O roubo é apenas um pano de fundo. Portanto, se a pergunta inicial é se Inception é tudo o que se esperava, a resposta é que sim. Aliás, mais do que se esperava.

A trama segue Dom Cobb (Leonardo DiCaprio), um extrator que invade a mente de determinadas pessoas em busca de informações sigilosas, que possam ser vendidas para concorrentes ou rivais. Basicamente, funciona como uma espionagem industrial, mas que acontece dentro da mente dessas pessoas enquanto elas sonham. Um dia , entretanto, Cobb é chamado para fazer um serviço diferente do normal. Saito (Ken Watanabe), um alvo seu, solicita que ele realize uma inserção. Ao invés de roubar uma idéia, Cobb precisará plantar uma . Em troca, ele terá sua vida antiga de volta, e poderá “voltar pra casa”. Para tanto, ele recruta uma jovem e promissora arquiteta para sonhos, Ariadne(Ellen Page). Ao seu lado, na equipe, ele também tem o homem-sombra Arhur( Joseph Gordon-Levitt) responsável por investigar a vida dos alvos, e o falsificador Eames (Tom Hardy) que assume a personalidade de outras pessoas durante os sonhos. Juntos, precisam inserir uma idéia na mente do alvo da vez (Cilian Murphy) .

Primeiramente, é precio ser dito que o roteiro de Inception é complexo, sim. Isso não é novidade nos filmes de Christopher Nolan, que leva para as telas histórias intrincadas desde sempre . Aqui, a complexidade não podia ficar de fora, afinal este é um tipo de filme que cria todo um mundo novo, e por vezes seu roteiro apresenta diferentes camadas, diferentes realidades e vários núcleos a serem apresentados. Entretanto, nada que não consiga ser assimilado pelo espectador. Pelo contrário, Christopher Nolan consegue ajudar quem assiste, e a tarefa de compreender o que ele quer passar fica muito mais fácil . O que Nolan não faz – e ainda bem que não- é mastigar informações para o espectador. Como é falado sempre, é ótimo ver quando o realizador trata seu público com inteligência, e este cineasta é experiente nesse assunto. A primeira coisa que nos enche os olhos em Inception são seus conceitos. Apesar de já ter sido explorado anteriormente nas mãos de outros cineastas, o mundo dos sonhos de Chris Nolan é original, e tem o estilo e a marca registrada do cineasta . Aliás, todo o modo como os sonhos são explorados aqui é original. Vendo o filme, nos deparamos com situações inovadoras e que geram interesse imediato para os apreciadores de boa ficção científica. Totens, sonhos que se desfazem, e sonhos dentro de sonhos são alguns exemplos de conceitos recorrentes no filme. São conceitos intelectuais primorosos que acarretam admiração infindável quando compreendidos por completo.

Outro ponto sensacional deste roteiro tão bem escrito são as inversões de gênero propostas. Geralmente, filmes blockbusters apresentam um objetivo , um MacGuffin, que vale tudo para o personagem, e nada para nós. Inicialmente, ao sermos apresentados ao filme, pensamos que o MacGuffin seria a família de Cobb, e que ela seria a “desculpa” para a ação. Entretanto, da forma como o filme anda, nos damos conta que o ornamento dramático é maior do que a “aventura” em si, e logo percebemos que o MacGuffin é a ação, é a inserção, e o que realmente importa para nós é o drama - bem fundamentado e desenvolvido, por sinal – de Cobb e sua família. E se , no fim das contas, o drama é o cerne do filme, qualquer afirmação de que Inception é um puro e simples filme de assalto cai por terra. Além disso, Inception consegue aumentar de ritmo com o tempo. Como uma boa ficção científica, no início, somos apresentados às regras do jogo. Geralmente, em filmes de sugestão de mundo novo (como Distrito 9, por exemplo), a película começa a mil por hora, nos encantando com todas as suas regras e detalhes inventivos, e , quando precisa desenvolver sua história de fato, perde ritmo e também alguns pontos valiosos. Em Inception, é tudo ao contrário. O filme, quando sugere seu mundo, segue em velocidade calma, até parecendo estar arrastado. Entretanto, quando vai contar sua história, todos os conceitos adquiridos na sua primeira parte são executados e elevados ao mais alto dos expoentes, criando um deslumbramento sem igual. E caso o espectador não entenda o desde já famoso final do filme, não estranhe. Aquele frame final não faz parte de nenhum enigma, nenhuma charada. É apenas uma graça de Christopher Nolan com seu público, como em O Grande Truque. Só que desta vez, o final é dúbio, e é de maneira proposital .Logo, a resposta só será respondida pela cabeça de quem assiste.

Nolan ainda aproveita para , na segunda metade do filme, criar um clímax gigante, que apresenta núcleos paralelos entre si. Deste modo, o diretor pode variar entre os vários núcleos e fazer cortes que vão desde a ação de um personagem, até a conversa de outro, sendo que todos os caminhos convergem para um só destino. Foi exatamente isso que ele fez em The Dark Knight, e deu muito certo. Aqui, o resultado também ficou muito interessante. Mas claro, tudo isso não funcionaria se os seus personagens não fossem bem criados. A construção de personagens de Inception também é impecável, como o filme. Cobb, o protagonista, tem em sua base o que todo o personagem de Nolan tem : É humano, errante, mas que assume a responsabilidade quando precisa. Foge do lugar comum do herói pelo drama que sofre com a sua família. Não é nada apelativo, e extremamente coerente. Outra relação que nos deixa congelados na poltrona, é a de Cobb com sua mulher, Mal (Marion Cotillard). Nessas partes do filme, vemos a instabilidade em que Cobb vive. A originalidade brota nas seqüências em que os dois estão juntos, e o roteiro ganha muitos pontos com isso.

Na direção , Christopher Nolan prefere não abusar . Aqui , ele dirige se assemelhando muito com o que fez em The Dark Knight . Um modo de filmar estiloso, que enquadra decentemente todos os atores em cena , e que não soa repetitivo no emprego de seus closes nas cenas de diálogo. De fato, Nolan prefere utilizar seus takes mais difereciados em cenas-chave, como a da escada Penrose, -que já nos deixava com vertigens nos trailers –e nas cenas de ação. O modo como o cineasta consegue dirigir sequências de ação é espantoso. Nas seqüências da neve, Nolan mostra que consegue acompanhar tiroteios e explosões como muita gente não sabe fazer, e não nos deixa perdidos no meio do caminho. E talvez a parte mais interessante(visualmente) do filme seja a luta com gravidade zero nos corredores. Mesmo que os cenários girem, a câmera segue o sentido da gravidade, o que acaba gerando belas imagens vertiginosas.

Na parte técnica, o filme apresenta um apuro genial. A trilha de Hans Zimmer não para de tocar o filme todo ,e apresenta o mesmo ritmo dos dois filmes do Batman, só que desta vez com um peso maior nos acordes , que faz estremecer a sala do cinema. A fotografia de Wally Pfister, colaborador mais que freqüente de Christopher Nolan , é a segunda melhor da parceria até aqui, perdendo só para a de The Dark Knight. Passa uma elegância que, aliada aos belos cenários e figurinos, gera imagens esteticamente perfeitas. Já os efeitos, mesmo não tendo sido feitos por nenhuma das grandes do mercado , possui qualidade avançadíssima. Todos eles tem praticidade no filme, e não estão ali para ostentar. Todas as seqüências que precisam de efeitos os exploram muito bem, e eles estão de fato em sintonia com a mensagem do filme.

E outro ponto que precisa ser destacado em Inception é o seu casting. Há anos não se via um elenco tão estelar e eficiente ao mesmo tempo. Leonardo DiCaprio, que é um dos grandes de Hollywood mas dificilmente consegue passar uma tridimensionalidade aos seus personagens , tem pontos no filme que surpreendem. Ele tem seus momentos, mas quando enfrenta um Michael Caine em cena, é facilmente engolido pela naturalidade do ator inglês. O filme também reserva a boa atuação de Joseph Gordon-Levitt, que vem ganhado espaço desempenhando papéis diversos, e aqui só mostra sua competência habitual. Mas, sem dúvidas, a atuação do filme é de Tom Hardy, que faz o falsificador. Tendo um papel engraçado mas ao mesmo tempo de homem sacana, Hardy convence , e passa uma verdade sem parecer que está atuando. Um bom marco para um ator em ascensão .

Num apanhado geral , Inception impressiona por ter um roteiro tão inteligente e desafiador combinado com conceitos de mundo tão intrigantes.É uma mistura de idéias cult com recursos de blockbuster.O resultado não podia ser melhor. Nolan consegue nos trazer um filme inteligente, do tipo que faltava no mercado há tempos. O espectador que estiver com a cabeça preparada para pensar vai conseguir compreender todo o filme, e se sentirá louvado pelo modo inteligente como é tratado. Avaliando os anos que se passaram , é fato que a última grande ficção científica original e inventiva foi Matrix, lançado em 1999. E se já estamos em 2010, e nada de tão grandioso chegou até o dado momento, uma verdade precisa ser constatada : Inception é a melhor ficção científica de nossa década, e só tende a ser mais admirada ao longo dos anos.

5 Estrelas ***** Obra-Prima

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