Old School Nerds

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quinta-feira, 5 de julho de 2012

O Espetacular Homem-Aranha

Bom blockbuster de verão reinventa o Amigão da Vizinha - mas com roteiro burocrático.

Muito se questionou sobre a necessidade de um reboot para uma franquia tão jovem quanto a de Homem-Aranha. O sucesso arrebatador (e um tanto inesperado) do primeiro filme acabou gerando frutos: não só ajudou a consolidar o gênero nas telas como conseguiu render duas sequências que arrecadaram pouco mais de 1,5 bilhão de dólares juntas. A produção do último capítulo da trilogia foi conturbada, porém. O apressado cronograma (a estreia do terceiro filme fora definida ANTES do lançamento de Homem-Aranha 2), misturado á uma pressão constante dos produtores, acabou por limitar o controle criativo do diretor Sam Raimi. Vitimando, assim, a qualidade do fraquíssimo terceiro segmento. Sendo assim, entende-se a necessidade mercadológica em prosseguir a franquia com um reboot: não havia muitos caminhos a serem trilhados após o insosso final. Com a saída de Raimi, o superprodutor Avi Arad anunciou o reinício, roteirizado por James Vanderbilt (roteirista requisitado e profílico, indo de Zodíaco a Violação de Conduta).


Após uma produção folgada, sem pressa, o filme ganha uma massiva campanha de divulgação. Mas seria essa a tal "historia nunca contada" do Aranha? Do ponto de vista cinematográfico, seria O Espetacular Homem-Aranha (curiosamente, um título mais operístico que o do primeiro filme) uma válida experiência?

O desenvolvimento de Peter Parker, apesar de aparentar mais extenso, é um tanto semelhante ao de Homem-Aranha 1. Temos a presença do bullying; a vingança contra Flash Thompson; o amor platônico pela garota da sala; a situação com os tios. É no tom que há a diferença. Muitos acusam o filme de Marc Webb como “desnecessário”, mas mesmo falho, essa nova abordagem não soa idêntica ao filme de Raimi. É como se fossem as mesmas situações, mas com um olhar diferente.

Desde os breves créditos iniciais, já se percebem as intenções da estrutura do longa. A estilizada abertura, cheia de teias e ligações, sugere uma historia toda conectada entre si. O que, por sua vez, parece uma mania dos roteiristas atuais, que seguem essa tendência que os produtores parecem gostar tanto. Entende-se aí a contratação de Vanderbilt: veterano em roteiros policiais "intelectuais", cheios de suas viradas em estrutura (Violação de Conduta, o ultimate filme de reviravoltas, é um roteiro original de Vanderbilt), o roteirista abraça a tentação de interligar tudo no passado e presente de Peter Parker.

Oposto em tom e mais focado nesse tipo de narrativa falsamente intrincada, o novo Aranha conta com uma atmosfera muita mais sisuda que a da primeira trilogia. E mesmo mais sério e sóbrio, o filme de Webb é muito menos dramático que o de Raimi. Há pelo menos três situações dramáticas bem semelhantes aos filmes anteriores e, em todas elas, o peso não é sentido como no filme de 2002.

Mas antes do fundo dramático, há a problemática estrutura. Tentando interligar todas as pontas da narrativa possíveis, o roteiro de Vanderbilt, Alvin Sargent e Steve Kloves encontra nas coincidências o seu fio da trama. Quando estoura o cano da casa, Peter encontra a maleta do pai. Maleta essa que tem um símbolo estranho, junto com fórmulas. Símbolo este que Peter encontra ao esbarrar no advogado de Norman Osborn, que estava (que coincidência!) levando esses documentos naquela exata hora. Hora esta em que ele visita um viveiro de aranhas radioativas. Esta fórmula dos símbolos que, estudada por Peter, é solucionada para que Curt Connors possa realizar sua teoria. A já citada “teia de acontecimentos” incomoda, apesar de ser admitida e adorada pelos roteiristas. Quando Peter fala com o Capitão Stacy sobre o Lagarto, o policial explicita: “então quer me dizer que Connors, brilhante mentor de minha filha, é esse monstro?”. Fora que, por Deus, se você fosse um super-herói mascarado, você colocaria seu nome na câmera na hora de ir atrás do vilão? A mudança de foco no drama é o que salva o script mal-construído.

O que nos leva á tal crise de identidade do adolescente. Peter encara a máscara em certa cena, como se fosse uma maldição. Essa direção, de um menino aprisionado por não saber quem é, é levada a exaustão. “Sei qual é seu nome, mas quero saber se você sabe”, diz Gwen. Peter é amargurado por isso e, mesmo que desenvolvido sem muito capricho, o conceito é interessante.

O desenvolvimento dos personagens, mesmo falho, acaba se tornando a maior força de O Espetacular Homem-Aranha. E o elenco envolvido, todo muito bem dirigido por Webb, só ressalta isso. Andrew Garfield está perfeito no papel, Emma Stone é novamente adorável, e a química dos dois atores nas cenas de romance transpira na tela. Martin Sheen exala segurança como Tio Bem, o tornando inclusive o mais humano dos personagens. E mesmo ecoando a esquizofrenia de Willem Dafoe no primeiro filme, Rhys Ifans se demonstra um bom vilão e suas cenas como Curt Connors são bem fundamentadas e discutidas pelos personagens envolvidos. E isso reforça a qualidade de atuação de Ifans, já que o Lagarto de CGI raramente convence, soando inclusive tolo nas suas tentativas de diálogo (e se salvando, pra variar, na pancadaria).

Um Aranha mais brincalhão, que se diverte ao balançar em “teias” de ferro e extravasa suas piadas na roupa vermelha e azul, acaba soando um tanto novidateiro. Ao acordar, a demonstração de raiva pelo sono através dos poderes rende uma engraçada cena, além da fome gigantesca de Peter ao chegar de sua primeira jornada com os poderes (o que me fez testemunhar um herói quase drogado, o que não deixa de entreter). A teia de vibrações, construída por ele, também empolga (e nos lembra da inteligência de Peter). E pra qualquer fã, ver um Aranha magrelo, soltando suas teias pelo lançador no céu de Nova York, nunca deixa de empolgar. Mas o interessante é que faltou justamente uma essência ao herói. Há apenas uma cena, a do filho do bombeiro (que, COINCIDÊNCIA!, salva nosso herói mais tarde), que nos faz lembrar do que é feito o Amigão da Vizinhança – o que é muito pouco. Sem ser contagiado pela ciência de suas responsabilidades, o Peter Parker de 2012 perde força e não sente as dores do que é renunciar sua vida pelo herói. A cena responsável por isso, com Gwen, idêntica a do filme original, não carrega a mesma angústia que tinha com Mary Jane no Aranha de Raimi.

A diferença no tom do novo filme, que torna o reboot um tanto válido, se deve muito a dois fatores em especial: a busca pelo realismo (provavelmente após o sucesso do Batman de Nolan) e o diferente desenvolvimento de Peter Parker. Ainda que, como já dito, diversas passagens sejam bem parecidas, o foco no drama do protagonista é outro: a busca pela identidade. E nesse ponto, a verossimilhança merece crédito. Mesmo que aqui e ali soe genérico (mas não menos eficiente) como o uso dos celulares no clímax, esse realismo é realçado pela atuação muito boa de Garfield - e funciona. Desde ás solitárias passagens pelo colégio do início até a presença constante da câmera no quarto de Peter, o filme ecoa a geração de A Rede Social. A condição social do jovem cientista é sentida por toda a primeira hora de projeção, mesmo quando Peter encontra o doutor Connors (rendendo excelentes interações). Porém, algumas cenas acabam perdendo sua força devido á preguiça do script.

Cenas essas que, pelo seu reducionismo, acabam soando alheias no meio da introdução. Peter acaba sendo abordado como um loser típico, sem muitas diferenças em relação ao arquétipo. Quando vai buscar seu material no armário, há um casal se beijando e impedindo a passagem; ao ver o nerd sendo humilhado pelo valentão, Peter toma partido e acaba apanhando – e ganhando a atenção da mocinha. Fora isso, o núcleo dos tios Parker é bem menos competente que no filme de 2002 na tarefa de evocar as responsabilidades de Peter com sua família. Além disso, Ben e May perdem as características básicas na trama estrutural (demonstrar a relação de valores para o protagonista se tornar um herói) e terminam como meros tutores do jovem. Justamente por isso, (OH! MAJOR SPOILER!) a morte de Ben é muito menos sentida que no longa original.

Mas talvez, a maior falha de Kloves, Vanderbilt e Sargent seja em quem é o tal Homem-Aranha. Em certo ponto, um personagem diz para Parker: “Essa Cidade precisa de você”. Vendo a projeção (e como Peter se tornou o heroi), nunca sentindo a mudança que o Aranha traz e sem saber de sua tarefa quase compulsória como vigilante de Nova York, fica a dúvida: precisa mesmo?

E se o roteiro trabalha com temas interessantes mas carece de um cuidado maior, a estética visual se apresenta completamente oposta ao filme de Raimi – e igualmente excelente. O Techno-coro criado por James Horner, numa trilha á antiga, funciona mesmo sem criar um tema específico pro herói. A direção de arte do recém-falecido J. Michael Riva investe em um ar mais científico e cria ambientes assépticos, contemporâneos e belíssimos, como o laboratório da Oscorp e o magnífico prédio, todo baseado em vidro. Ainda com uma fotografia estupenda de John Schwartzmann, abundante em tons sóbrios e sombria na medida certa (e munido da resolução monstruosa da excelente câmera Red One), o filme possui na direção segura de Marc Webb um ponto chamativo.

Mesmo que ainda falte certa sensibilidade em reconhecer uma solução estúpida e ignorá-la (lagartos em todo o lugar, a analogia peixe/lagarto na hora do jantar, a marcha dos lagartos na teia), Webb demonstra bom olho estético. Mais arrojado que o diretor de aluguel comum que os estúdios contratam, Webb cria soluções visuais interessantes para a ação do filme e demonstra a segurança de seu debut, 500 Dias com Ela, na hora de dirigir seus atores. Tanto a sequência na escola quanto o enérgico clímax (a cena de Emma se escondendo do Lagarto é excelente) são favorecidos pelos ângulos elegantes e montagem limpa que Webb prefere. Com destaque, ainda, para as boas transições de cena que Webb e seu editor Alan Edward Bell criam, como o link do prédio sendo clicado e tomando a tela inteira logo depois. Além disso, inspirado nas melhores fases de Todd McFarlane nas HQs do herói, o diretor cria quadros memoráveis com as estilosíssimas poses do Aranha (o que rende o último frame do longa, que busca encerrar esse primeiro filme com a maior solenidade possível). E para fechar: o novo sentido de aranha é muito, muito legal. Será uma boa aposta a volta de Webb para o segundo(há ecos do Duende Verde em pelo menos dois lugares), e inevitável, filme.

Se a tarefa foi apresentar um Homem-Aranha mais crível para o novo público, até que O Espetacular Homem-Aranha funciona: definitivamente, o Peter de Andrew Garfield e o de Tobey Maguire são diferentes. Essa abordagem jovem, mais realista e menos operística e de homenagem, funciona para o tempo atual e ainda diferencia bastante os dois trabalhos. Ainda que não seja um espetacular e perfeito filme do que é um super-herói de verdade, o novo Aranha ao menos é seguro. Mas é mais que um script mais completo e menos preguiçoso o que melhorará essa futura franquia, assim como é mais que uma busca de identidade pela alma de Peter Parker.

Falha, então, aonde o original mais triunfava. A melhoria será a compreensão dos envolvidos de qual é o peso real de ser o Homem-Aranha.

*** 3 Estrelas - Mediano

domingo, 10 de junho de 2012

Prometheus

Ridley Scott tangencia tema e repete fórmula na volta à consagrada franquia.

Alien - O Oitavo Passageiro foi um sucesso em 1979, tendo perdurado pelas décadas como um clássico da ficção científica de horror. Com uma ambientação claustrofóbica e angustiante , o segundo longa de Ridley Scott como diretor trazia um desenho de produção muito criativo e que colaborava substancialmente para o terror sugerido pelo filme  - o design criado por H.R. Giger para as criaturas é um marco que ainda ecoa nas memórias de quem assistiu ao filme. Contudo, junto com o trunfo visual, aquilo que fez Alien se tornar um referencial memorável foi sua narrativa :desenvolvida sem se apressar – mas também não perdendo sua urgência latente –  a película estrelada por Sigourney Weaver criava uma crescente de tensão, inquietando os espectadores conforme cada personagem caía em detrimento do alienígena que os atacava. A habilidade ao tratar a história e seus elementos e o talento na direção por parte de Scott fizeram do filme uma obra que não envelhece em efeito.

Após várias continuações – a de maior sucesso sendo aquela conduzida por James Cameron, Aliens (onde o cineasta introduziu os personagens do primeiro film a uma trama de blockbuster) - a série acabou sendo sucateada progressivamente até culminar em produtos desastrosos como os Alien vs.Predador. Então, em 2012, mais de 30 anos após seu debute na franquia, Ridley Scott retorna para o charmoso universo de Alien em Prometheus .  Com um discurso que o filme dialogaria com os princípios da humanidade e com a origem extraterrestre da vida no planeta Terra, o longa possuía uma nova e promissora proposta narrativa que abriria novos horizontes para a franquia que parecia já calejada nos últimos tempos. Entretanto, tudo que Prometheus  poderia  alcançar em tela com sua sugestão de temática acaba sendo o principal motivo responsável pelo resultado final problemático.

Não digo aqui que o filme sofre pela expectativa disposta sobre ele, ou pelo hype  que criou com sua bela campanha de divulgação – até porque nenhum projeto deve ser julgado de acordo com as esperanças subjetivas de cada um, tendo em vista que isso influenciaria a análise final, tanto para melhor quanto para pior . O fato é que Prometheus abre sua história com uma sede de descoberta,  repleta de uma indagação filosófica básica e milenar sobre a origem da vida humana, e termina por desenvolver o filme subaproveitando o tão valioso tema. Na trama, que se passa antes dos acontecimentos do primeiro Alien, um jovem casal de arqueólogos descobre, no ano de 2089, um padrão nas escavações de sociedades antigas, que evidenciam irrefutavelmente  a ligação do nosso planeta com alguma constelação distante. Na esperança de comprovar a sua tese de que os seres humanos foram criados por algum ser inteligente presente naquela localidade , os arqueólogos embarcam numa viagem patrocinada pela companhia  Weyland Corporation , cujo interesse na descoberta se destina para a cura de enfermidades humanas . Chegando lá, a expedição se defronta com uma espécie aparentemente extinta, e outra estranha forma de vida que começa a ameaçar a integridade de todos os tripulantes.

O roteiro assinado por Jon Spaiths (responsável por cometer A Hora da Escuridão) e revisado por Damon Lindelof ( louvado pela série Lost) tende inicialmente a buscar as motivações mais existenciais para encaixar o desenvolvimento de Prometheus . É sempre interessante ver uma ficção científica que se preocupe, mais do que com seus efeitos especiais, com seus méritos narrativos, principalmente quando sua trama se encarrega de destrinchar um tópico tão relevante e estimulante quanto o da origem da vida. Inicia-se muitíssimo bem, mas parece perder o foco ao longo da exibição. Infelizmente, a didática de questionamentos e exploração do tema se arrefece em determinado ponto – os personagens parecem satisfeitos o suficiente com certas descobertas, quando, na verdade, deveriam se sentir estimulados a realizar novas perguntas, afinal o que desenvolve um tema são justamente elas.

A partir daí o longa se estabelece realizando um suspense , com a infecção dos tripulantes e a tensão criada para sobreviver naquele meio hostil. Basicamente uma repetição da fórmula utilizada para consagrar  O Oitavo Passageiro mais de 30 anos atrás. O filme não carece de idéias para recorrer a tal recurso; mais parece que os realizadores tiveram receio de desenvolve-las por completo em apenas um filme. A didática das espécies – o alienígena humanóide branco e o verme em formato de cobra  - e suas motivações para tomarem ou não certas atitudes formam um ótimo caldo nutritivo  para idéias – idéias essas que os realizadores acharam melhor deixarem para serem desenvolvidas em possíveis futuras continuações. Optaram assim, por tangenciar temas fundamentais, e embasar o longa no local seguro da tradição da franquia.

O traço dos filmes de 1979 e 86 é presente, e se desenham como uma rédea que retém o avanço da narrativa em outros caminhos, deixando-a “presa” nos elementos dos originais . Em vez de evoluir, portanto, Prometheus parece estagnar; patina a narrativa e repete o que já foi visto décadas antes. A influência é grande até mesmo no subtexto. Nos dois primeiros longas do Alien, a mensagem de cunho feminista era um tanto clara: No de Ridley Scott, a crise de autoridade, a mulher que não era respeitada; no posterior filme de James Cameron, a dissertação sobre maternidade : a filha que Ripley não viu crescer, a menina que perdeu os pais, o confronto emblemático com a fértil Rainha Alien.  Em Prometheus, as facetas de Ellen Ripley nos dois filmes são formadas em personagens diferentes : as protagonistas Elizabeth Shaw (Noomi Rapace) e Meredith Vickers ( Charlize Thron). Shaw tem o semblante frustrado por não poder ser mãe, e tem experiências desagradáveis com esse desejo; Vickers é a autoridade máxima, exercendo seu poder e reproduzindo uma atitude empregada por Ripley no primeiro filme : Se manifestar contra a entrada de um tripulante contaminado na nave.

No desenvolvimento de personagens, Prometheus tem sua principal figura no andróide David. Com motivações diversas, percebemos o personagem de Michael Fassbender como um ser complexo, aparentemente alheio a emoções, e que  justamente por isso pode desenvolver com retidão sua sede por conhecimento, despertada no ambiente ao seu redor. Apesar disso, ainda há idéias que ficam pelo caminho, nesse aspecto. O sintético vivido por Fassbender, talvez o mais profundo em interpretações e interesses - apesar de ser um andróide  - tem dilemas morais e existenciais talvez mais fortes até do que  aqueles que os humanos ao ser redor apresentam. Um paralelo facilmente traçável, mas que mais uma vez fica apenas na sugestão. Muitos pontos  filosóficos cruciais em Prometheus ficam retidos em meros diálogos, enquanto muitos minutos preciosos de tela são gastos em cenas desnecessárias para a narrativa – como a da operação realizada em Shaw, por exemplo, que explicita a necessidade do roteiro em criar um paralelo com o tom gore dos dois primeiros filmes, temendo criar seu próprio destino como obra auto-suficiente. 

Além deste tom pouco corajoso, que vitima vôos mais altos do longa, ainda há erros básicos na construção do script – fruto da provável falta de experiência de Jon Spaiths – como a maneira apressada que o filme se apresenta. Talvez justamente essa pressa tire um pouco da grandiosidade dos eventos mostrados pelo filme, e acabe por diminuir algo importantíssimo em qualquer ficção científica : a atmosfera. Além disso, Spaiths usa de reviravoltas completamente desnecessárias e que complicam a unidade emocional do filme, que é mais comprometida ainda por diálogos  expositivos. Mais revisão não faria mal a ninguém.

O visual do filme - todo gravado com câmeras 3D - é, em contraponto, um desbunde. Com um design de produção rico em detalhes - tanto aqueles que simulam a nave quanto aqueles que remontam locais naturais, como as cavernas - provavelmente o projeto vai ser indicado ao Oscar nos quesitos técnicos, tendo franca chance de vitória. A maquiagem soberba é sutil nas suas ações, mas auxilia profundamente em cada personagem. O semblante asséptico de David auxilia na esplêndida composição da personagem de Fassbender.  Os efeitos especiais – outros favoritos para o Oscar desde já – são obras inesquecíveis, infalíveis e  fundamentais para a composição do universo do filme, e para que o espectador compre o mesmo. Combinados com um 3D funcional – que tem seus momentos-chave na exposição de hologramas, usando bem o conceito de terceira dimensão – e uma direção bastante segura e estudada por parte de Scott, os efeitos visuais de Prometheus são o ponto alto do longa, permanecendo na mente de quem assiste por um bom tempo após a projeção.

Com uma proposta interessante, mas sem colocá-la efetivamente na projeção , Prometheus não segue seus elementos filosóficos e seus questionamentos, deixando muitos conceitos promissores pelo caminho, e outros subentendidos para um próximo capítulo . Com um respeito e certo embasamento demasiadamente grande aos filmes originais - incluindo o destino de certos personagens - Prometheus acaba em última análise tendo uma atitude temerosa, não alcançando os objetivos traçados e se contentando numa reprodução bem executada das fórmulas dos filmes anteriores. Ambição não alcançada, e que fica postergada pra um possível próximo filme.

3 Estrelas *** 6/10.




domingo, 12 de fevereiro de 2012

A Invenção de Hugo Cabret

Scorsese reapresenta ao cinema a palavra sonho com homenagem sem precedentes.

Muito antes de se tornar cineasta, Martin Scorsese sempre foi um cinéfilo inveterado. Pode parecer o caminho natural das coisas - um apaixonado por cinema seguir a carreira de diretor - mas a verdade é que existe muita gente por trás das câmeras que não conhece de fato a história do cinema. Scorsese sempre foi um devoto da Sétima Arte, e possui cultura cinéfila suficiente para esbanjar em seus diversos filmes . Não a toa é o cineasta das referências, que tem ciência do percurso da arte ao longo dos anos, além de contribuir fazendo parte dela como um dos expoentes mais talentosos da cinematografia norte-americana de todos os tempos.

Considerado por muitos o melhor cineasta vivo, sem dúvida não havia opção mais sábia para a direção d'A Invenção de Hugo Cabret do que o talentosíssimo nova-iorquino nascido no Queens. Mais do que traquejo no manuseio das câmeras, o filme baseado no livro homônimo de Brian Selznick precisava de alguém que verdadeiramente respirasse cinema para coordená-lo. Sem conhecer a obra original , confesso que assim que Scorsese comprou os direitos de adaptação do livro para o cinema, pairou sobre mim e outros colegas uma grande nuvem de desconfiança. Afinal , por mais aficcionado que um sujeito seja por sua arte, há naturalmente limites para trafegar sobre gêneros - e se existe alguém com gênero bastante definido em sua carreira, esse alguém é Martin Scorsese.

Mean Streets, Taxi Driver, Touro Indomável, Bons Companheiros, Gangues de Nova York e Os Infiltrados são exemplos fortes da nada leve lista de filmes que compuseram a respeitosa carreira de Scorsese. A brutalidade se tornou inerente a suas composições nas telas, muito porque Scorsese a vivenciou durante seu crescimento na violenta região conhecida antigamente como Little Italy. Como um diretor tão brutal e ''censura R'' poderia aceitar dirigir um longa teoricamente infantil? E, ainda por cima, utilizando uma tecnologia muito controversa nos dias de hoje - o 3D. Afinal, Scorsese representa uma entidade clássica , e se render a uma experiência que gerou tantos subprodutos fúteis e caça-níqueis nos últimos anos era algo , no mínimo, questionável.

Mas a verdade é que não se pode julgar nada antes da hora. A Invenção de Hugo Cabret revela-se mais um marco emocionante e desde já inesquecível da estupenda cinematografia de Martin Scorsese. Uma película simples, porém jamais rasa, que trata das origens da história do cinema, ao contar a paixão de um menino pela mágica sala escura que revela histórias - e se a narrativa de Hugo Cabret , a princípio, não tinha nada que combinasse com Scorsese, já podemos ver por aqui que semelhanças existem, e ao longo da projeção, amontoam-se.

Roteirizado pelo hábil John Logan - mente responsável por Rango, outra filme que soube lidar de maneira sutil e eficaz com referências ao cinema - A Invenção de Hugo Cabret narra a história de Hugo (Asa Butterfield), um menino que vive entre as paredes da estação de trem de Paris , tratando para que os relógios daquele lugar não parem. Ele tem o propósito de consertar um misterioso autômato encontrado por seu falecido pai, e , para isso, faz pequenos roubos na loja de Papa Georges (Ben Kingsley). Determinado a cumprir seu objetivo, ele é ajudado pela afilhada de Georges, Isabelle (Chole Moretz) que possui ,curiosamente, uma chave que se encaixa perfeitamente na fechadura do autômato.

O script do longa certamente não é seu ponto alto, repleto de situações já conhecidas e com uma narrativa esquematizada, mas não era possível sair desse sistema : Hugo é , antes de mais nada, um filme de homenagem aos antigos clássicos, tendo assim seu foco não em reinventar a roda, mas em analisá-la da maneira mais saudosista e interesante, conseguindo trazer para as novas gerações a história da origem da Sétima Arte de maneira tocante, emocional e sutil. Diferente de outro longa desta temporada que remonta a clássicos, como O Artista, Hugo não utiliza das técnicas da época para reforçar sua nostalgia e escancarar suas referências. Usa uma história paralela, para contar sobre os acontecimentos da vida de Georges Mélies, por exemplo. Não apela, por tanto, nem aponta setas luminosas para sua "ousadia". Apenas trata com carinho os entraves reais da vida dos pioneiros do cinema, utilizando de outra narrativa tocante para tanto.

Aliás, esse paralelo traçado entre o cinema antigo e a narrativa contada pelo próprio filme é bastante chamativo. Há personagens coadjuvantes aos montes que servem de link direto ou indireto à personas ou situações do cinema do final do século XIX ou das décadas de 10, 20 e 30. O personagem de Sacha Baron Cohen, por si só, é a encarnação do humor físico desempenhado na época de Charles Chaplin; todo o esquema de atuações do elenco de apoio suporta as referências aos primórdios do Cinema, onde o humor e os trejeitos um pouco exagerados eram considerados base.

Mas talvez o que mais mexa com o espectador seja a noção da paixão que Scorsese possui por sua profissão. Quando citei que era de se estranhar alguém como o diretor realizar um filme "destinado ao público infantil", era porque simplesmente não havia assistido ao longa. A Invenção de Hugo Cabret tem muito em comum com a vida de Scorsese , ligações que vão desde de sua infância até sua vida recente. Hugo, afinal, é um menino deslumbrado por cinema, que ficava encantado quando seu pai o levava a uma sala de exibição. Ora, a conexão que isto tem , não só com amantes de cinema ao redor do mundo, mas principalmente com Martin Scorsese aprimorando sua cinefilia ainda jovem, é claríssima, e gera um força emotiva incrível, que se origina desse belo subtexto.

Ainda temos também, a história de Georges Méliès. Aqueles que viveram com tamanha paixão e dedicação ao cinema como Méliès, são pertencentes a um grupo seleto de artistas . O homem foi testemunha e agente importantíssimo nos primórdios da Sétima Arte, realizador de centenas de filmes, passando por um fase negra quando vendeu as películas de suas produções para empresas que as derreteram para a criação de calçados. Não cabe a mim dizer se Scorsese é tão inclinado como Méliès foi para o cinema; comparações do tipo sempre serão nascentes de polêmicas desnecessárias. O que fica claro para nós, entretanto, quando vemos Méliès trabalhando em seu estúdio construído com paredes de vidro, é a imagem de um artista inebriado com sua obra - e é inevitável não ter um insight neste momento que nos remeta a Scorsese, que deixa um manifesto de amor à hoje subestimada Sétima Arte, tratada como comércio por tantos pseudo-diretores.

No geral, é isso que o filme é : uma grande mensagem de afeto ao cinema. Tal mensagem é representada pelo amor de personagem a personagem; pelo carinho de Hugo com seu autômato; pela persistência de cada um por seu objetivo - assim como nunca Hugo desiste de reaver seu caderno, os verdadeiros cineastas nunca desistiram do verdadeiro valor do cinema. Por vezes, nos enxergamos em mero exercício sensorial durante a projeção : analisando as referências metalinguísticas inspiradas - como nas cenas onde Hugo está prestes a ser atropelado por um trem, remetendo à primeira exibição dos irmãos Lumière - ou pelos gracejos simples de um ou outro personagem .

Nos perdemos também pelas belas imagens que o 3D primoroso do filme exibe: Scorsese realiza aqui seu primeiro trabalho com o 3D estereoscópico, e logo de cara faz uma das melhores apresentações tridimensionais que o cinema já viu . Sabe como passar as noções de profundidade, revelando que parece mesmo ter se dedicado a estudar a técnica, e consegue aplicar a tridimensionalidade até para realçar o drama de seus personagens - a neve contínua, a fumaça aparecendo em momentos oportunos - demonstrando que Hugo é , mais do que Avatar ou qualquer outro filme, um projeto realmente pensado para o 3D. Há passagens na trama que têm seu potencial dramático atingido apenas se assistidas com a tecnologia. Momentos singelos, que não devem ter sua surpresa estragada sendo contados aqui . Tudo isso, aliado a um design de produção soberbo, produz fotogramas de beleza surpreendente. Note também a inteligência da direção de arte ao aliar todo o cenário/instrumentos antigos com uma paleta de cores vivas que transmitem o "sonho" dentro da cabeça de uma criança.

Outro aspecto que nos deixa completamente extasiados na projeção são suas atuações. Se Asa Butterfield consegue prender toda a atenção dos espectadores a si, revelando ter uma presença de cena admirável, principalmente para um ator de sua idade, as coisas ainda melhoram com sua química nada forçada com a talentosa Chloe Moretz. Os dois levam suas cenas adiante com fluidez invejável, o que torna a experiência do filme ainda mais orgânica. Aliás, outro que se revela completamente entregue a seu papel - o mais delicado, já que trata de uma figura histórica - é Ben Kingsley, que exibe seu carisma costumeiro, encarnando o turbilhão de emoções que seu personagem se submete, mas tendo êxito, principalmente, ao trazer a vida a paixão que este tinha por sua arte.

A Invenção de Hugo Cabret é uma homenagem sem precedentes, filme que se revela extremamente vistoso e sentimental à primeira vista, porém se torna mais terno e importante depois de certo tempo. É uma daquelas apresentações que nos lembram do que a Sétima Arte realmente é feita - de idéias e de trabalho duro. Inspiração e transpiração nos trazem a um limiar de sucesso no cinema, que é o patamar o qual qualquer realizador deveria querer chegar : o de sonho . Não estou dizendo aqui que Scorsese é arrogante o bastante para ter a audácia de ensinar a alguém como transmitir a magia do cinema; mas fazê-la ficar eternizada é um bom e bem-vindo lembrete.

5 Estrelas ***** - Muito Bom.

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Histórias Cruzadas

Filme hipócrita sobre o racismo encontra em seus personagens interlocutores natos de uma mensagem ás avessas.

Para angariar prêmios, principalmente aqueles estadunidenses, um filme americano muita das vezes precisa ter mais do que "apenas" qualidades técnicas e narrativas. É preciso ter uma mensagem, uma lição de moral, e ajuda muito se esta for sentimentalóide, com um cunho de crítica social e política. Funciona para ganhar admiradores ao redor do mundo, e também para faturar alguns mui bem vindos carecas dourados . Sempre foi assim em Hollywood, e e a tendência é continuar - não necessariamente o melhor filme ganha, mas aquele que cativa mais os jurados. Afinal de contas, o Oscar nada mais é que uma grande eleição. Deste modo, criar uma produção com apelo emocional, anexado de um pseudo-ativismo político por direitos humanitários é um passo enorme para atrair a atenção para si. Se a vitória não vem, pelo menos as indicações chegam aos montes.

Neste aspecto, Histórias Cruzadas é uma falha de proporções épicas , pois compromete sua desde já clichê intenção inicial de criar um manifesto apelativo pela luta contra o racismo, através de uma narrativa que vergonhosamente pinta os negros como seres acovardados e sem força própria na árdua tarefa de ter seus direitos reconhecidos. No entanto, se há alguém que pode bater de frente com o racismo e ainda de quebra ser a "mocinha" da história, essa pessoa é uma menina loira , de olhos azuis, interpretada pela bela Emma Stone.

Pode até ser involuntário, mas a mensagem que o filme de Tate Taylor transmite é completamente oposta a qualquer princípio de libertação dos negros - as empregadas negras não são agentes ativos em sua jornada de encontro à civilidade reconhecida ; são criaturas amendrontadas que acham sua "salvadora" em Eugenia "Skeeter" Phelan (Stone), uma moça que retorna ao Mississipi depois de estudar em outro estado, e não está acostumada mais aos hábitos discriminatórios de sua região natal. Ou seja, a personagem interpretada por Stone nada mais é que uma versão estrangeira da nossa já conhecida Sinhá Moça, e se no Brasil a protagonista é branca por motivos de "venda" da personagem para o público - leia-se : discriminação - não parece ser muito diferente no longa norte-americano.

Na trama, somos introduzidos a uma destas empregadas negras chamadas de maids ou helpers - por isso o título original The Help . Aibileen Clark (Viola Davis) é uma empregada de meia idade com uma história de vida sofrida que passou toda a vida criando os filhos brancos de seus patrões. A atenção dedicada ás crianças é tamanha que elas enxergam em Aibileen uma mãe, já que a negra é quem educa e dispensa a maior parte do tempo com os pequenos . Ela e Minny (Octavia Spencer) são duas amigas de profissão que sofrem com o racismo extremo de socialites como Hilly Holbrook (Bryce Dallas Howard) . Depois de eventos mais explícitos e cruéis de discriminação racial, as duas negras decidem ajudar na reportagem de Skeeter sobre a vivência das maids de Mississipi : relatam o que presenciaram, o que fizeram, e o que sofreram trabalhando para os brancos.

O principal problema do roteiro adaptado de Tate Taylor -não li o livro "The Help" em que ele se baseia - é sua gritante hipocrisia quanto ao seu principal tema : a questão racial. Obviamente ele tem em sua proposta mostrar o combate à discriminação - porém se o seu objetivo é esse, seu discurso cinematográfico , na prática , soa diferente : quem precisa ser a voz de expressão e de salvação para as afro-americanas é uma escritora branca. Não importa se a intenção é essa , mas a mensagem que fica é "Pessoas brancas resolvem o racismo", denotando uma suposta incapacidade por parte dos negros em resolverem seus próprios problemas. Julgá-los como incapazes é, ironicamente, de um racismo tão grande quanto aquele que o filme "julga" combater.

Além disso, a atitude um tanto covarde das negras do filme não parece se encaixar com nenhum dos princípios de resistência à segregação : Nem o confronto direto defendido por Malcolm X, nem a atitude de convivência pacífica, mas mantendo seu ativismo, de Martin Luther King Jr. A postura das negras parece acomodada, sem ímpeto, necessitando da "boa vontade" de uma jovem de olhos claros para tirá-las de seu lugar. Em uma análise detalhada, Histórias Cruzadas tem muito de um discurso misógino - afinal, tanto Martin Luther King Jr. e J.F Kennedy, que têm suas mortes apontadas no filme, foram homens que se mantiveram contra o sistema segregatório vigente ; eles sim, foram ativistas, lutaram, e viraram mártires.

Não só isso retrata o contexto misógino presente no longa ; a boa moça Skeeter, que aparece no início como um despontar de vigor da força feminina, disposta a trabalhar, fumar , mas sem se preocupar pela ausência de um namorado - status exigido naquela época, para um provável futuro casamento - demonstra sua hipocrisia quando chamada para sair com um homem : muda de humor, fica animada, arruma uma bela roupa, alisa o cabelo e corre para o carro. Onde estava a forte moça independente? São várias rachaduras que se apresentam aos poucos nos discursos de The Help, que demonstram toda a sua falsidade ; no fundo, é uma história feita para a elite caucasiana, que subestima as minorias e acredita na "boa ação" dos ricos e brancos para com os pobres negros.

E tudo piora com a presença de personagens unidimensionais que podem ser rotulados com facilidade extrema . Basta um olhar direcionado a Emma Stone para ver nela a protagonista boazinha -note, uma protagonista branca num filme sobre negros - , e não demora também para enxergarmos na personagem de Dallas Howard uma "vilã" típica. As personas aqui são falsas como o cabelo cheio de laquê das dondocas retratadas.

Entretanto, essa proposta esteriotipadora funciona em determinadas situações, e embora cause momentos constrangedores - a negra viciada em frango frito; Aibileen falando "You is smart", é o ápice do senso comum sobre os afroamericanos - gera personagens interessantes, como a deslocada Celia Foote (Jessica Chastain) socialite que não é aceita por suas companheiras de classe. Celia é o esteriótipo da patricinha voluptuosa, cheia de chiliques, mas que você vê no primeiro instante que tem "bom coração". A performance de Jessica Chastain em cima da persona evoca toda a verdade que é inerente ao personagem esteriotipado, e leva todos os trejeitos e caras e bocas a um patamar elevado, dando literalmente vida ao esteriótipo. Dessa forma, é interessante que numa determinada cena-chave, Celia esteja embriagada - é possível hiperbolizar ainda mais a personagem, notando o estudo atencioso da atriz para captar este exagero e transmiti-lo, mostrando um pouco de verossimilhança brotando do arquétipo.

E se Jessica Chastain auxilia na modelagem de sua personagem, Viola Davis também contribui vigorosamente para a construção de Aibileen. Apesar da mensagem do filme subestimar o poder de sua etnia, Aibileen nunca demonstra ser uma mulher frágil , apesar de transparecer seu sofrimento e suas emoções apenas com um olhar. Davis mostra cada sentimento da persona que encarna , mas sua face reluta em sorrir, ou chorar, tentando manter a expressão séria : o velho hábito de sentir dor ás escondidas, tendo que tocar a vida mesmo com o coração partido. Aliás, a cena em que Aibileen conta da morte de seu filho como uma mulher forte que suporta a dor, deve ser a sequência com grande responsabilidade por suas indicações em tantos prêmios. Octavia Spencer faz bem o seu trabalho, é uma boa coadjuvante e retrata com veracidade Minny Jackson, mas não justifica ser a franca favorita em tantas premiações.

Com um design de produção primoroso, que remonta à época com perfeição, e uma direção de arte caprichosa , Histórias Cruzadas peca muito também por não possuir um diretor experiente: um cidadão com traquejo atrás das câmeras talvez soubesse onde não pesar tanto a mão, para não soarem tão apelativas certas cenas. Taylor não interfere no filme, não tenta dar sua colaboração como autor, ou tentar transmitir algo com seus takes. Pouco também influenciaria no discurso incorreto que Histórias Cruzadas tem, e que quase o implode como produção.

2 Estrelas ** - Fraco

sábado, 14 de janeiro de 2012

Sherlock Holmes - O Jogo de Sombras

Holmes. Sherlock Holmes.

O primeiro Sherlock Holmes de Guy Ritchie foi um bom início para uma renovação do personagem , que veio muito bem a calhar . Os contos de Sir Arthur Conan Doyle eram de um suspense muito mais cadenciado, e o Sherlock retratado originalmente tinha uma seriedade britânica típica . Obviamente a persona encarnada por Robert Downey Jr. teria uma irreverência moderna, que revitalizaria a franquia nas telonas . No primeiro capítulo, basicamente o que funcionou de melhor foi a intenção. Não que o longa de 2009 seja ruim, longe disso. O problema foi justamente a falta de apuro no roteiro estrutural, que apresentava problemas sutis de organização - como um acúmulo de sequências de ação no terceiro ato - e a irritante insistência de explicar cada um dos eventos ocorridos , dando ares de um verdadeiro "Scooby Doo" á narrativa . Além disso, a trama pouco envolvente também não gerava muito interesse . Realmente memorável era a performance de Downey Jr. - que rendeu ao ator o Globo de Ouro no ano seguinte - e a parceria muito carismática com Jude Law.

Ao fim da exibição do primeiro filme, ainda surgia um grandioso gancho para continuação . Embora o fato de perder tempo num filme incutindo nele sugestões de um próximo capítulo possa parecer um tanto estressante, ficava a esperança de que um longa futuro pudesse aproveitar o carisma de seus personagens e aplicá-lo numa trama inteligente, e que demonstrasse um pouco mais de esmero nas suas construções narrativas. Podemos dizer que essa expectativa é um tanto quanto correspondida em Sherlock Holmes - O Jogo de Sombras. Embora ainda permaneça com alguns dos defeitos do orginal, esta nova produção dirigida por Ritchie é mais sofisticada que a que a precede - e isso gera um gás muito favorável e necessário á franquia do detetive inglês.

A história da vez trás para as telas o arqui-inimigo de Holmes , o professor Moriarty (Jared Harris) como ameaça a nível mundial . Em 1891 , a Europa está a beira de uma guerra entre suas principais potências - e Alemanha e França são as grandes candidatas a iniciar o conflito a qualquer momento. Através de atentados contínuos por meio de bombardeios á determinados locais, Moriarty parece estar inflamando as desavenças internacionais para ver as batalhas serem declaradas o quanto antes . Cabe a Sherlock Holmes e seu ajudante John Watson (Jude Law) desvendarem o plano do vilão, e impedirem que ele atinja sua meta.

Escrito por Kieran e Michelle Mulrooney - mais eficientes que o trio o qual elaborou o script do primeiro filme - o roteiro deste segundo Sherlock apresenta muitas melhorias em relação ao original, e a mais notável delas é a sua mais coerente estrutura de arcos, fruto de uma mente criativa mais organizada do que aquela que concebeu o primeiro longa . Desta vez , o projeto se firma mais constante e estável do que o anterior, e seu desenvolvimento, apesar de esquemático, favorece uma melhor apreciação de suas cenas , conseguindo distribuí-las de maneira uniforme e bem pensada, culminando num belo clímax sem soar apressado, muito menos entediante.

Dito isso, também é preciso reconhecer que só a presença de James Moriarty já acrescenta muito mais fervor á película . O clássico nêmesis de Holmes abre brechas para um embate de nível muito mais elevado . Isso já era inerente ao personagem, sem o toque dos roteiristas . Estes, contudo, têm habilidade suficiente para construir o personagem no cinema de maneira redonda, sem exageros megalomaníacos, porém possuindo frieza e inteligência bastante consideráveis, servindo de contraponto ideal para o astuto protagonista. Aliás, o vilanesco Moriarty é um dos grandes responsáveis pela melhor parte não só do filme, mas também de toda a franquia até aqui - o grande clímax do já clássico jogo de xadrez. Possuindo o melhor tom de suspense de toda a projeção , carrega o aspecto legítimo de tensão dos contos de Sherlock Holmes originais. O ponto alto do filme, que foi projetado com talento pela dupla responsável pelo roteiro.

Entretanto, é impossível negar a presença de alguns erros remanescentes do longa anterior. As constantes explicações que didatizavam desnecessariamente o contexto do filme , permanecem, permitindo que a franquia continue com o cheiro familiar do Dogue Alemão que desmascara vilões em desenhos animados. Ademais, a narrativa também peca pelo desenvolvimento de seus novos coadjuvantes . Embora tenha uma participação importante em determinada parte da trama, a cigana Simza (Noomi Rapace) esmorece em momentos cruciais, não conseguindo sustentar sua relevância - culpa não da belíssima e talentosa atriz sueca, mas sim do roteiro, que torna sua participação menor e não dedica atenção necessária á personangem . Outro que parece um bônus no filme é Stephen Fry, interpretando Mycroft, o irmão de Sherlock. Apesar de divertido, o personagem se monta subaproveitado, servindo apenas como alívio cômico pontualmente.

Entretanto, se personagens secudários não são tão bem valorizados, temos na contramão protagonistas de grande apelo ao público - a química indiscutível entre Law e Downey Jr. está ainda mais forte neste capítulo - e as atuações da dupla, á vontade como de costume, beneficiam muito na lapidação contínua de suas personas . Outro que consegue transmitir toda a personalidade daquele que encarna nas telas é Jared Harris. O ator de Mad Men tem sucesso ao passar ao público a mentalidade fria e genial de seu personagem. Sem exarcebar para o caricato, mas também não dando margem para uma insensibilidade inexpressiva - como Michael Nyqvist fez no recente Missão Impossível 4 - o inglês adere ao caráter de seu personagem, com todo o mérito, a expressão "sem pontas soltas".

Cabe a Guy Ritchie filmar o satisfatório roteiro com seus maneirismos típicos , usando e abusando dessa vez da câmera lentíssima - como na espetacular sequência na floresta, onde nossos protagonistas são alvos de metralhadoras, e os disparos podem ser acompanhados pelas câmeras de 1000 quadros por segundo, que foram usadas nessa ocasião. Várias oportunidades da câmera lenta "clássica" são aproveitadas em diversos combates muito bem capturados- e tudo soa ainda mais interessante com a trilha de Hans Zimmer, que mantém o tema do original, mas produz variações que acompanham o ritmo do filme - e é muito sonora e empolgante a trilha no momento em que Holmes trava uma luta pelo cassino . A bela direção de arte parece ainda mais grandiloquente e bem realizada que a do primeiro filme, e isso se deve provavelmente ao aumento do orçamento.

Apesar de uma aventura esquemática, Sherlock Holmes - O Jogo de Sombras, ainda é um produto escapista muito mais bem realizado que seu antecessor. Usando um ritmo acelerado que não cessa, esta obra consegue de vez estabelecer uma "mitologia" para a franquia de um Sherlock renovado e a cada episódio mais moderno. Um verdadeiro James Bond da Inglaterra Vitoriana. Para este Holmes bonachão e aventureiro concebido por Downey Jr., só faltam os gadgets, cujo a época não permite a introdução . E , com a muito provável vinda de um terceiro filme para a série, parece que Guy Ritchie saiu do nicho de filmes de gângsters , para cair em blockbusters de época.

3 Estrelas *** - Bom.