Wes Craven de volta á boa forma.
Quando a volta de Wes Craven, o tóxico A Sétima Alma, chegou aos cinemas, foi uma decepção geral. Percebeu-se o que o diretor queria fazer, criar um novo serial killer maníaco para as telas, mas sua proposta foi extremamente mal-sucedida pelos péssimos diálogos e, principalmente, por levar a sério uma estrutura que ele mesmo satirizou anteriormente, na trilogia Pânico. A trilogia, por sua vez, estava prestes a se revitalizar, com os Irmãos Weinstein querendo um reboot o mais rápido possível. Porém, Craven não queria isso. Já que era pra reiniciar/continuar tudo, que fosse ele, o criador da série junto com Kevin Williamson. Então, nada seria melhor pra Craven que voltar á série que fazia graça justamente com que ele errou no filme passado. E na busca de atrair novos públicos, a campanha de divulgação toma como slogan a frase: Nova década, novas regras. Porém, essa frase, que é dita no filme mais de uma vez, não significa nada nesse novo Pânico. As regras antigas continuam vigentes e provam que o que assustava em 96, assusta ainda hoje. O que se renova é o elenco e a forma como a trama é mediada.
O começo do filme investe no que Williamson criou no próprio segundo filme: a série Stab. Retratada em tela de forma hilária, o conceito aparece apostando na mesma metalinguagem que a trilogia tratava tão bem. O conceito é devidamente explicado para o público atual(o que só mantinha a ideia de apresentar a série pra nova década), o que não causa incômodo algum pra quem já o conhece. Então, após essa introdução, surge uma grande cena com Ghostface e surge o título na tela, atropelando tudo. Interessante notar que Craven e Williamson corrigiram, aqui, o pequeno erro do primeiro filme, quando o título surgia de cara, antes do alarde da cena inicial com Drew Barrymore. Esse início, aliás, é bem parecido com o do filme de 96. Não apenas testando(e provando) que sua fórmula continua dando certo, Williamson parece querer desenferrujar a si mesmo, após 13 anos longe da série(Ehren Kruger ass[ass]inou o terceiro filme). Logo, não dá pra negar que os realizadores não querem, embora o marketing diga o contrário, criar novas regras pra essa década. O que funcionou no primeiro filme, a receita metalinguística da trama policial, é feito novamente.
E Williamson continua se desenferrujando ao criar novos personagens adolescentes e demonstrar que ainda consegue criar afiadíssimas conversas críveis áquele universo. Tendo bastante cautela antes de introduzir Sidney na trama, o escritor mostra que a cidade foi bem afetada pela série Stab de formas que não soam gratuitas. Os Ghostfaces nos postes e a Stab-a-thon são as melhores. Os já ambientados na série vão perceber que a construção de personagens pode até ter sido atualizada, mas não muda em nada. Hayden Panattiere substitui Rose McGowan, Emma Roberts substitui Neve Campbell e os cinéfilos do clube substituem Randy. Já os não-iniciados também vão reconhecer, já que Williamson volta a mastigar as referências. Quando Roberts está no quarto com seu namorado e a janela está aberta, Sidney fala que "você me lembra muito eu no passado". Desnecessário, ainda que uma divertida referência ao primeiro.
Continuando nesse campo, Williamson aposta pesado na nostalgia. A mira ruim de Ghostface, que tinha que acertar ou bem de perto ou errar acertando no ombro, não só é satirizada como vira detalhe crucial pra trama. Suas aparições continuam a ser divertidas, mas são sempre escancaradas. A aparição na Stab-a-thon, por exemplo, é bem tosca. E são esses pequenos elementos que constroem Ghostface como um dos Serial Killers mais legais do cinema, com o roteiro tornando-o não só vulnerável(o quanto que ele sempre apanha de Sidney é incrível) como engraçado por si só(tropeçar não é uma novidade pro vilão).
Se os primeiros filmes criticavam o esquema óbvio das mortes em slasher movies(numa época em que o gênero era popular), o novo Pânico critica as franquias que preferem mostrar vísceras que pregar sustos. Jogos Mortais 4 "não é assustador, é nojento", a franquia Premonição idem. Tudo isso dito pelo roteiro de Williamson enquanto os personagens usam constantemente seus celulares e IPhones pra mediar a tensão. Essa é a coisa mais inovadora no quarto filme, em termos narrativos. Se antes a presença de Ghostface demorava mais a se espalhar, aqui todos sabem de tudo na hora, com os eletrônicos sempre em mãos. O ápice dessa atualização é o que o maníaco faz pra mostrar seus assassinatos: câmeras, que levam direto pra internet. A atualização dos diálogos já era esperada, mas ao adotar elementos novos á estrutura antiga, Pânico 4 até soa inovador perto dos remakes da Platinum Dunes(Sexta-Feira 13, Hora do Pesadelo). Os personagens fanáticos por cinema determinam que os assassinatos são com "novas regras". Ainda que equivocado, afirmar isso acaba não sendo tão errado assim, ao vermos que o filme não acaba na festa e sim após ela. A indispensável reviravolta final, mania de tantos filmes atuais(não só de terror), aparece aqui também, o que prova novamente que Williamson e Craven não perderam a mão. Nem no terror, nem na sátira.
Enquanto Williamson cria passagens hilárias(a morte de um dos policiais é impagável) e estrutura seu filme de forma bem coesa, Wes Craven prova que conhece como ninguém a arte de assustar uma pessoa, ainda que não filme com o vigor do filme de 96. Em algumas cenas, é visível o que Craven "esqueceu" com o tempo. A insistência em dirigir as cenas de terror com a câmera parada, ainda que de forma velada, representa a atual falta de tato de Craven. A angústia causada pelo diretor ao seguir os personagens com uma câmera que entortava frequentemente, dava uma sensação de terror que nunca é igualada em Pânico 4. Claro que estamos falando de uma direção excelente que privilegia cada passagem pra criar um clima de suspense sem jogar na cara, mas comparada á direção de tirar o fôlego do Pânico 1, aqui Craven demonstra perder força. A fotografia de Peter Deming, que está na série desde o 2, é mais ensolarada que a sombria fotografia cinzenta do primeiro filme. O bom é que esse ensolarado se restringe as cenas de interação entre os adolescentes, o que não torna incômoda a mudança leve para uma palheta mais escura nas cenas noturnas de morte. Craven usa das sombras pra ocultar algumas coisas e ainda recria a excelente passagem do "namorado preso na cadeira" no meio da história, mas não usa mais a trilha de Marco Beltrami, meio apagado aqui, pra criar a tensão que esta causava no primeiro.
Terminando inferior ao primeiro apenas por diminuir consideravelmente o ritmo em seu segundo ato e por erros como o de revelar a motivação do assassino, Pânico 4 termina muito bem e coloca novamente a franquia nos eixos, pra que torçamos por uma continuação. Ainda que Emma Roberts definitivamente não saiba atuar fugindo de sua personagem padrão, o resultado envolvendo-a é legal e o clímax, muito parecido com o do primeiro, sai um pouco prejudicado apenas pela artificialidade da atuação da mesma. E explicando o que apontei anteriormente, mesmo que tenha dado razões para o assassino ser assim(o que, ironicamente, vai de encontro ao que foi dito no primeiro filme), o filme honra muito bem o legado de Ghostface. Um dos mais divertidos filmes de terror recentes.
O que Pânico 4 fez foi o que Sidney Prescott atribuiu, numa passagem que gera boas risadas, como primeira regra de um remake: "Don't fuck the original". Mais coerente, impossível.
**** 4 Estrelas
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