Fornecendo críticas há 2 anos, o OSN é uma colaboração de Gabriel Papaléo e Joaquim Pedro, onde o Cinema é o assunto principal a ser analisado, debatido e admirado.
Old School Nerds
segunda-feira, 30 de agosto de 2010
The Crazies
George A. Romero é um dos diretores criativos na indústria do cinema. Apesar de só fazer filmes de zumbis, é nas metáforas políticas de seus filmes que o diretor se distancia consideravelmente dos outros filmes de mortos-vivos. Um grande exemplo disso é que, antes de A Noite dos Mortos-Vivos, filme de terror era algo obscuro, restringindo-se a fantasias toscas com zíper á mostra. Adicionando uma conotação social no meio da suas tramas, Romero criou ali a Bíblia do Zumbi, o que determinaria o que deveria ser feito ou não dali pra frente. Apesar de ser famoso pela Trilogia dos Mortos, os clássicos A Noite dos Mortos-Vivos, O Despertar dos Mortos e O Dia dos Mortos, Romero produziu outros trabalhos interessantíssimos como O Exército do Extermínio(The Crazies), que demonstra os efeitos que uma epidemia catastrófica causaria numa pequena cidade americana. Então, com tantos sucessos, Romero começou a ter seus filmes refilmados pela Hollywood atual. Após o bacana Madrugada dos Mortos, que Zack Snyder filmou em 2004 com um respeito gigantesco pelo legado do mestre, surge agora o remake de The Crazies, com o desnecessário título A Epidemia aqui no Brasil.
E se Madrugada dos Mortos atualizava os elementos típicos de Romero para a ação e sátira atual, The Crazies tem um respeito ainda maior pela obra original, criando um filme de zumbis á moda antiga. Se Snyder criou em 2004 um filme que pegava as sátiras implícitas de Romero e as escancarava e modernizava, o diretor Breck Eisner mantém o modo clássico de fazer a crítica. E aí já temos o primeiro acerto do filme: inovar, mas bebendo da fonte do passado. Em tempos dos zumbis rapidinhos de Extermínio, dos hilariantes raivosos de Zumbilândia e a claustrofobia insana dos possuídos de REC, é esse The Crazies que traz infectados(chamarei de zumbis apenas pra ilustrar, mas não são mortos-vivos em questão) mais críveis e ameaçadores, mais humanos até. Não que a fortíssima metáfora dramática-social de Extermínio entre em questão aqui(até porque o filme de Danny Boyle é melhor), mas no design assustadoramente real dos zumbis, The Crazies é melhor. E essa leve mudança no design explica muito do que o filme representa: um perigo real e incontrolável, angustiante e que emprega tensão o tempo inteiro justamente por poder vir de absolutamente qualquer lugar.
A trama segue a fictícia Ogden Marsh, o arquetipo de cidade americana sulista com tradições antigas. Quando o Xerife David Dutton(Timothy Olyphant) está indo a um jogo de baseball no campo da cidade, ele percebe que há uma pessoa entrando no meio do jogo, com uma shotgun na mão e pronto pra atirar. Entrando no campo para impedir o homem de estragar o jogo, David percebe que aquele dali é um bom homem conhecido seu chamado Rory Hamill. Porém, Rory age estranho e aponta a espingarda pra David, ele se vê sem opção e atira. Então, triste e amargurado por ter matado um amigo(mesmo tendo feito a coisa certa, como disse sua mulher), David segue sua vida. Tudo muda então quando ele descobre que os sinais vitais de Rory estavam normais. Quando começa a achar tudo muito estranho, surgem outros homens com essa anomalia. Após isso, começa a derrocada de Ogden Marsh até o fundo do poço, com David, sua mulher Judy(Radha Mitchell), Becca(Danielle Panabaker) e Russell(Joe Anderson) tentando fugir da tal epidemia do título nacional, que tem explicações tão bizarras quanto a ação do governo na pequena cidadezinha.
A princípio, a trama de The Crazies pode ser vista como trivial(começa com um simples infectado, temos uma ação que desperta sentimento de culpa no protagonista) e pode até ser. Porém, além de ser difícil errar com a estrutura comum a filmes do gênero, The Crazies ainda inova em diversos pontos. Se os novos filmes de infecção buscam novos horizontes pra a estrutura, o roteiro escrito pela dupla Scott Kosar e Ray Wright reescreve O Exército do Extermínio mantendo as características do original e, mesmo assim, tendo liberdade pra criar um produto novo. Algumas soluções do roteiro no filme também são extremamente criativas, como o início. Ao som da excelente We'll Meet Again, tão bem empregada aqui quanto em Dr. Strangelove, um pequeno panorama da lenta e rural Ogden Marsh é realizado. O próprio fato da cidade ser criada, exatamente pra ser uma metonímia do povo rural americano, é inteligente(e não estava no original). Aliando todas essas soluções interessantes que podem ser percebidas com um pouco de atenção ás metáforas totalmente intactas presentes no filme de 1973, temos uma ficção científica de zumbis que se propõem a não só trazer a velha tradição romeriana pro cinema atual como faz pensar.
A construção de personagens é um dos fatores que são anteriormente testados e dão a dose certa de profundidade aos 4 principais. Apesar de não ser tão espetacular quanto a ambientação, a construção é precisa no seu propósito principal(usado em diversos clássicos do gênero): criar o máximo de laços com os personagens com a intenção de potencializar emocionamente o final. Se a dupla não inova ao escrever essas passagens, pelo menos mantém o filme com um ritmo competente. E aí entra outro fator do roteiro que merece uma citação: a proposta de atravessar diversos gêneros. The Crazies é, em sua essência, uma sci-fi de infecção, com certeza. Mas o roteiro, talvez por achar que o drama dos personagens iniciais seria arquetípico, acaba incorporando o Horror pra criar passagens verdadeiramente antológicas, como uma sequência claustrofóbica no lava-jato. A tensão é crua, realista, angustiante. Sinceramente, eu devo exaltar que esse foi o filme que mais me deixou nervoso em uns 2 anos, pelo menos. Terror empregado pra auxiliar a narrativa, sem passagens gratuitas, coisa de quem entende o que faz mesmo. Sem a irritante enrolação de exemplares idiotas de terror, como Atividade Paranormal e O Mistério das Duas Irmãs, The Crazies se sobressai.
Impressionante constatar que, apesar de haver erros em The Crazies(talvez o único que mereça ser citado é a adoção da trivialidade de estrutura, com a fuga de certos personagens), esses são vastamente compensados pelo horror expressivo que o roteiro emprega, assim como o embasamento político que o filme tem. Além de fincar seus pés como um exemplar importante pros filmes de infecção, The Crazies se consolida como um dos mais tensos e mais interessantes terrores modernos, fazendo com que a transição de gênero(já presente na espetacular obra-prima Inception) seja a principal marca e o principal acerto do brilhante roteiro da dupla, que é promissora, Scott Kosar e Ray Wright.
Porém, se The Crazies fosse só um roteiro impressionante, não poderia fazer muita coisa. Nas mãos de um diretor ruim, um roteiro pode ser implodido. Fora que, pra pessoas que pensam em cinema como arte que abre um leque de abertas demonstrações de estilo de um diretor(como eu, que considero o diretor um legítimo Autor), um filme deve, sempre, ter uma direção cuidadosa e nunca seguir "direções de aluguel", em filmes de produtor. Aqui é um caso que alia os dois espectros. O diretor Breck Eisner dirigiu o inexplicável Sahara, um blockbuster comum, mal divulgado, com atuações na média e cacoetes de aventura, um legítimo filme estúpido de produtor, com orçamento gigantesco(veja bem, é crível dar 160 Milhões de orçamento pra um diretor no primeiro filme? Pois é, em Sahara deram). 5 Anos depois, parece que o incrivelmente talentoso diretor aprendeu. E agora com um orçamento 8 vezes menor.
Utilizando uma estética diferente, o Scope, Breck Eisner cria uma atmosfera toda particular a tal metonímia que é Ogden Marsh. Tudo se move lentamente lá, tudo parece que tem um ritmo estranho e sempre parece que algo está errado com o ambiente. Pode haver qualquer coisa em qualquer lugar. Com essa solução inteligente de usar esse tipo de câmera, Eisner cria tensão em absolutamente tudo, fazendo com que essa pequena cidade seja um campo de horrores prestes a ser aberto. Sua direção é consistente, com takes interessantes e uma direção de atores competente. O uso, por exemplo, do zoom é outro acerto marcante nessa direção maravilhosa, que é o melhor fator do filme. O zoom serve aqui para trocar, constantemente, o foco da imagem. Em uma cena particular, em que são apontadas metralhadoras pra câmera, o uso do zoom é incrível, trocando o foco do rosto dos soldados pro cano das armas. Excelente, de encher os olhos. Fora isso, Eisner ainda é criativo em elaborar ângulos de câmera que possibilitam sustos sem apelar pra som subindo ou escuro. Duas dessas cenas, pelo menos, Eisner usa a diferença de perspectiva do foco para mascarar um segundo elemento em tela. Fantástico.
Nas outra características técnicas, temos competência também. A trilha de Mark Isham pode até ser esquematizada, com notas clássicas e conhecidas do grande público do cinema, mas serve pra manter a tensão quando necessário, o que basta em um filme como The Crazies. Não é necessário ser Hans Zimmer ou Clint Mansell pra criar notas que demonstrem transição de cena, o que tem muito aqui. A fotografia é bem utilizada e tem uma tonalidade esbranquiçada e suja, se alternando. A edição também é bem utilizada quando necessária, por exemplo, num momento de susto. Nada além do bom, mas as vezes é o que se basta. Como cereja do bolo, os já citados infectados, que tem uma maquiagem boa e que soa muito convincente, dando um ar de realismo áquelas criaturas que metem bastante medo. Além disso, temos uma ou duas cenas em que efeitos especiais são necessários e eles fazem a parte deles sem comprometer(até muito bem, considerando o baixíssimo custo de 20 Milhões do filme).
As atuações de The Crazies fazem parte do pacote comum de filmes de zumbi. Temos o competente Timothy Olyphant, que já provou que consegue ser um vilão bom de filmes de ação(em Duro de Matar 4.0) e ainda ser um bom herói de ação(sua robótica e marcante atuação no esquecível Hitman). Aqui, ele abre margens pra uma atuação que passa emoção normalmente, naturalmente. Não chega a ser o extremo de filmes como Pi, em que a insanidade do protagonista é latente, mas também não chega a passar uma falta de realismo. Uma atuação competente e precisa, sem extrapolar. Radha Mitchell também segue essa linha, restringindo de uma forma inofensiva o seu enorme talento. Joe Anderson cria um personagem mais difícil, por causa de uma pequena virada de comportamento no meio da película. No início ele segue a linha do casal de protagonista, atuando na medida. Quando há a virada, ele faz uma atuação segura e boa, sem roubar a cena mas também sem soar ridículo. Danielle Panabaker pouco tem pra fazer então apenas atua com naturalidade. Somando tudo isso, temos um belo elenco de filmes de infecção, que não roubam a cena(o que pode tirar o foco da narrativa) mas passam um realismo e apego necessário.
Visto tudo isso, The Crazies é uma coleção de vitórias. Um filme acima da média, que dá um novo fôlego ao explorado gênero de filmes de epidemia. Um exemplo a se seguir. Se espelhando nas regras do passado, Breck Eisner, Scott Kosar e Ray Wright criam um produto extremamente satisfatório, que consegue ter embasamento político interessante e uma crítica a sociedade belicista e até mesmo ao posto de Xerife do Mundo que os Estados Unidos impõe. Com certeza, o mestre George A. Romero deve estar muito feliz agora. Primeiro por ter tido seu filme refilmado num resultado tão satisfatório. Segundo porque, depois de tantos anos tendo que se contentar com seus filmes de Zumbi sendo jogados no mercado direto em vídeo(ou com divulgação ridícula), ele vê sua obra sendo influência pra o cinema atual. A obra de Romero é tão vasta que já provou que pode ser atualizada em Madrugada dos Mortos. Mas é aqui que vemos o quão visionário foi esse legítimo autor. Os elementos que ele utilizou há 40 anos, acreditem, continuam a frente do nosso tempo. The Crazies merece a visita ao cinema, mesmo com alguns pequenos defeitos. Esses são facilmente eclipsados pelos acertos múltiplos.
**** 4 Estrelas
Old School Trailers - Parte 1
Nota: 5 Estrelas
Análise Joaquim: O primeiro trailer de Black Swan já deixa bem claro as suas pretensões : Ser mais uma obra-prima de Darren Aronofsky. A trama é praticamente uma mistura de todos os seus filmes , e nos deixa abismado quando acabamos de assistir. O delírio gradativo se apresenta ao som de uma trilha sonora profunda e sombria de Clint Mansell, e a direção de Aronofsky só parece melhorar a cada película . A cena do "Attack it", já é um das mais esperadas do filme.
Nota: 5 Estrelas
Sucker Punch
Análise:
O novo filme de Zack Snyder, o primeiro com uma ideia original do diretor, tem grande potencial. É extremo e psicodélico a níveis estratosféricos e é um trabalho arriscadíssimo, pois tem ação de blockbuster, mas uma identidade enorme, provando que o diretor trabalha melhor com abertas demonstrações de seu próprio estilo. Pode vir um excelente filme, com visuais espetaculares.
Nota: 5 Estrelas
Resident Evil 4 - Recomeço
Análise:
O novo filme da franquia Resident Evil pode ser considerado o meu guilty-pleasure do ano. Os motivos são vários, até porque os capítulos anteriores da franquia só podem ser considerados, no máximo, divertidinhos. Porém, o trailer demonstra que a produção tem tido um cuidado impecável tecnicamente, com uma direção boa, fotografia excelente e uma ambientação com tonalidades brancas que vale a pena conferir. E, claro, tem 3 dos meus pontos fracos: Ambientes Brancos, Chuva e Câmera lenta.
Nota:
3 Estrelas
A Lenda dos Guardiões
Análise:
O próximo filme de Zack Snyder apresenta no seu belo trailer todo o estilo de seu criador , apesar de nem estampar que é o diretor de 300 e Watchmen que dirigirá a animação de aventura. Com belas imagens aéreas e passagens que remetem diretamente a 300, podemos ter certeza que este é mais um filme imperdível. Se na telinha de computador é bom, nos cinemas em 3D só tende a melhorar. Pelo menos no visual - arrojado e realista - este filme já parece ser uma vitória.
Nota: 4 Estrelas
127 Hours
Análise Gabriel:
O trailer do novo de Danny Boyle agrada bastante. A montagem ágil, com tom descontraído e característico do diretor(que tem aptidão pela montagem rápida, como em Slumdog Millionaire), auxiliado pela trilha espetacular fazem desse filme um potencial candidato a obra-prima no ano que vem. James Franco também está fantástico.
Nota: 5 Estrelas
Análise Joaquim:
O primeiro trailer de 127 horas, novo do recém-oscarizado Danny Boyle, é genial e cria expectativa grande. Ágil, tendo como pano de fundo belas paisagens paradisíacas, o filme parece não assumir o tom melodramático que um diretor menos inventivo poderia tentar empregar. Com montagem rápida, um James Franco competente e uma trilha SENSACIONAL e viciante, o vídeo nos deixa num grande aguardo para o que Boyle vai querer apresentar.
Nota: 5 Estrelas
Tron Legacy
Análise: O segundo trailer de Tron Legacy já seria magnânimo apenas por sua direção imponente e trilha grandiosa. Entretanto, a continuação do sucesso de 82 tem mais a mostrar. Com uma história inicial que não dá muita margem para clichês, o vídeo mostra detalhes embasbacantes e efeitos divinos. O Jeff Bridges digital é perfeito, incrível e absolutamente real. A apreensão é alta e justifica o filme ser uma das maiores expectativas do ano. Imagina quando virmos o espetacular jato de luz no cinema? É esperar e desfrutar.
Nota: 5 Estrelas
Até a próxima parte da sessão, trazendo mais trailers.
sábado, 21 de agosto de 2010
Garotas sem Rumo
sábado, 14 de agosto de 2010
Os Mercenários
Nos meados da década de 80, Hollywood passava por uma época onde era governada pelos blockbusters. Boa partes desses , pertenciam ao gênero do “herói brucutu”, onde o mocinho principal era simplesmente invencível, e capaz de arrasar exércitos inteiros de inimigos desleais, fossem eles latinos ou coreanos, traficantes ou sequestradores. Filmes como Rambo, Comando Para Matar e Duro de Matar faziam sucesso com suas tramas parecidas e incrivelmente explosivas. As motivações dos protagonistas, sempre as mesmas – agente especial que precisa desbaratinar um exército rebelde, oficial da marinha que busca vingança pessoal, policial lutando contra narcotraficantes, etc . Entretanto, depois de atingir seu auge, o sub-gênero foi perdendo força gradativamente ao lono dos anos 90 . Afinal, tudo que é mais do mesmo acaba cansando, e o público foi deixando de lado tais tipos de produção, que acabaram sendo marginalizadas do mundo do cinema. Hoje em dia, o mais próximo que você vai chegar de produções recém lançadas deste tipo são nas locadoras, com filmes direto em vídeo de Steven Seagal e Wesley Snipes da vida.
Entretanto, o gênero de ação descerebrada deixou “órfãos” muitos atores oitentistas. Alguns, como Schwarzenegger, seguiram com sua carreira e hoje vivem bem. Outros porém, não tiveram tanta sorte e hoje vievem do mercado das locadoras. Sendo um bom saudosista que foi marcado na sua essencia com os filmes do gênero, Sylvester Stallone não poderia dar as costas para suas origens e sua nostalgia por seus filmes de ação o levaram a trazer , duas décadas depois do seu auge, mais um filme de ação de “exército de um homem só”. No caso de Os Mercenários, o exército não é de um só, mas de vários. O intento de Stallone com seu novo filme – o qual co-roteiriza, dirige e estrela – era de unir todos os astros do cinema blockbuster, bater no liquidificador das explosões e tiroteios, e ver o bicho que dá. E podemos dizer que as homenagens e explosões são satisfatórias, mas que o filme não consegue fazer muito mais que isso.
A trama – tão exagerada e rasa quanto seu casting pedia – mostra o grupo de mercenários de Barney Ross ( Sylvester Stallone) sendo contratado para derrubar o ditador de uma ilha latina chamada Vilena. Na primeira investida que Ross faz lá com seu parceiro, Christmas(Jason Statham) eles conhecem uma bela rebelde chamada Sandra(Gisele Itié). Ao irem embora, não a resgatam, pois a moça decide ficar e lutar. Então, Ross decide voltar á ilha com seus soldados, sendo motivado por um sentimento de redenção antes deconhecido.
A história de Os Mercenários é simples, batida e extremamente saudosista a todos os filmes de ação da década de oitenta. Se em alguns projetos tinhamos a trama de vingança, e em outros a necessidade de destroçar inimigos do “american way of life”, aqui temos a mistura dos dois. O real diferencial do filme de Stallone, afinal, não está na sua originalidade de roteiro – até porque ela não existe - mas sim no potencial simbológico que ele tem. Não é negócio para o diretor criar uma história original, mas sim unir tudo que já foi feito no sub-gênero e dar vida a um gigante no terreno da ação descerebrada. Essa é , acima de tudo, a proposta do filme em si. E, encarando assim, ele até funciona . A ação não soa repetida, entretém e faz o filme passar rápido . Se você sentar na poltrona, e, depois do fim da exibição, não achar que se passaram mais que 35 minutos, não estranhe . Os Mercenários passa num tiro, consegue prender a atenção do espectador durante todos seus 103 minutos e satisfaz perfeitamente quem só procura uma diversão passageira e sanguinolenta.O filme se assume assim, e tem compromisso em não se levar a sério - sem cair para o lado da sátira, no entanto.
Entretanto, não pode-se fechar os olhos para o fato do filme ter uma história dispensável, e que, se ele passa numa velocidade gigantesca em frente aos nosso olhos, também passa rápido pela nossa cabeça, sem deixar muitos marcos ou lembranças maiores. De fato, é até admissível que sua trama seja rasa, contudo, o filme não consegue se sobressair nos outros aspectos do roteiro, como na criação de situações – todas muito convecionais- ou de personagens –idem. É basicamente o que aconteceu com o projeto Grindhouse. Enquanto Tarantino homengeou o trash com um roteiro repleto de situações e personagens originalíssimos, Rodriguez acabou fazendo apenas mais um filme digno da Grindhouse. Dá pra se dizer que Os Mercenários acabou sendo só mais um filme de ação explosiva, e que não subiu um patamar além – até porque, Stallone não é nenhum Tarantino.
É possível dizer que este é o tipo de filme que abraça mais quantidade do que qualidade . Quanto mais atores musculosos e pirotecnias forem colocadas, melhor. O que foi cotado para fazer a diferença no filme é a quantidade de estrelas colocadas em cena, e não a cena em si.O retrato disso é o fato do filme ser pensado em função de seus atores, e não o contrário. Infelizmente, um filme desses nunca vai emergir completamente da superficialidade , mas pode ser encarado como diversão acima da média, como o filme mesmo tende a propor.
Já uma parte muito positiva neste projeto é a direção de Stallone. Seu modo de coordenar o set é preciso para esse filme. Os cortes rápidos típicos da década de 80 estão presentes nas cenas de tiroteio e explosão, mas dessa vez combinados com o estilo mais atual de jogo câmera, onde há os efeitos de tremor, e takes mais ousados e plásticos . Já nas cenas iniciais, Stallone joga um pouco com o estilo documental, mostrando que pode fazer além do trivial por trás das câmeras. Na frente delas, aliás, Stallone está bem como sempre, e deixa seus atores a vontade para atuar, apesar de alguns deles – como Steve Austin e Dolph Ludgren – estarem mais canastrões do que nunca.
No geral, Os Mercenários acerta na boa condução de sua ação e nas boas homenagens ao gênero tão querido por tantos. Isso não impede, no entanto, que o filme fique na simples superfície do que vem sendo feito há 20 anos , e não se diferencie muito dos outros filmes do gênero. Basicamente, a única real diferença entre este e tantos outros, é a sua grandeza – afinal, essa película une quase todos os heróis brutamontes que já passaram pelas telas, mas não faz nada muito mais relevante que isso. Pelo menos todos eles juntos divertem, explodem e matam, um pouco mais do que separados.
3 Estrelas *** Nota 5,5
terça-feira, 10 de agosto de 2010
Traffic
sábado, 7 de agosto de 2010
Inception - Crítica 2
Desde seus primeiros filmes, Christopher Nolan sempre se afeiçoou por tramas inteligentes, intrincadas , que possuíssem um alto tom de seriedade , e que, acima de tudo, desafiassem a mentalidade de quem as assiste. Depois de estreiar na direção com Following, Nolan fez um de seus melhores filmes, Memento, em 2000. Baseado em uma história contada por seu irmão, ele dirigiu o cult de forma interessantíssima, e deu um nó na cabeça de seus espectadores, com um roteiro tão bem amarrado e extremamente original (que acabou rendendo uma indicação ao Oscar). Nessa ocasião, Nolan fez um filme que dialogava sobre a mente humana, sobre amnésia , com uma trama de suspense que inquieta quem assiste. Em 2005, depois de fazer Insônia, Nolan finalmente conseguiu um trabalho que o colocasse em maior evidência : Batman Begins. Com seu bom desempenho, o cineasta não se limitou a dirigir a franquia, e apresentou em 2006 outro filme instigante mentalmente : O Grande Truque. Depois disso, ele foi arrebatado de vez pelo cinema comercial com o sucesso de The Dark Knight, que todo mundo conhece. Com a confiança dos estúdios hollywoodianos em qualquer projeto que quisesse desenvolver, Christopher Nolan pôs então em prática um projeto que desenvolvia há dez anos . Inception, outro projeto que falava sobre a mente, dessa vez a tratando como uma extensão física. Aproveitando o dinheiro que poderia desfrutar, ele não esqueceu seu passado, e fez um projeto digno do início de sua carreira.
E isso já era de se esperar, mesmo meses antes de assistir ao filme. Logo na primeira notícia que circulou dizendo sobre o projeto, a expectativa surgiu. As idéias geradas pelo cuidadoso diretor sempre são geniais, e uma que vem sendo gerada há dez anos não poderia ser ruim. Durante meses , tudo que rondava o nome Inception ficou em sigilo. A trama permanecia um mistério, e por muito tempo, tudo que sabíamos era que se tratava de “uma ficção científica ambientada na arquitetura da mente” , como foi divulgado durante muito tempo por vários sites de entretenimento. Aos poucos, o primeiro teaser foi lançado e após dois meses, o primeiro trailer . Descobrimos então que o filme lidava sobre o mundo dos sonhos, sobre roubos dos mesmos. Entretanto, não se sabia ao certo qual trama o diretor e escritor teria desenvolvido . Com a apreensão e curiosidade dos fãs, a trama enfim foi liberada . O que se revelou foi uma história aparentemente arquetípica, digna de blockbusters. Ledo engano, entretanto. Após assistir a Inception, vemos que o que poderia parecer clichê, se desenvolve como drama original e bem fundamentado . O que soava como apenas um filme de roubo pela sinopse, é na verdade, um filme sobre os sonhos, que didatiza conceitos sobre esse mundo novo, e que utiliza o roubo como meio por onde chegar ao drama, meio por onde chegar as suas idéias e conceitos. O roubo é apenas um pano de fundo. Portanto, se a pergunta inicial é se Inception é tudo o que se esperava, a resposta é que sim. Aliás, mais do que se esperava.
A trama segue Dom Cobb (Leonardo DiCaprio), um extrator que invade a mente de determinadas pessoas em busca de informações sigilosas, que possam ser vendidas para concorrentes ou rivais. Basicamente, funciona como uma espionagem industrial, mas que acontece dentro da mente dessas pessoas enquanto elas sonham. Um dia , entretanto, Cobb é chamado para fazer um serviço diferente do normal. Saito (Ken Watanabe), um alvo seu, solicita que ele realize uma inserção. Ao invés de roubar uma idéia, Cobb precisará plantar uma . Em troca, ele terá sua vida antiga de volta, e poderá “voltar pra casa”. Para tanto, ele recruta uma jovem e promissora arquiteta para sonhos, Ariadne(Ellen Page). Ao seu lado, na equipe, ele também tem o homem-sombra Arhur( Joseph Gordon-Levitt) responsável por investigar a vida dos alvos, e o falsificador Eames (Tom Hardy) que assume a personalidade de outras pessoas durante os sonhos. Juntos, precisam inserir uma idéia na mente do alvo da vez (Cilian Murphy) .
Primeiramente, é precio ser dito que o roteiro de Inception é complexo, sim. Isso não é novidade nos filmes de Christopher Nolan, que leva para as telas histórias intrincadas desde sempre . Aqui, a complexidade não podia ficar de fora, afinal este é um tipo de filme que cria todo um mundo novo, e por vezes seu roteiro apresenta diferentes camadas, diferentes realidades e vários núcleos a serem apresentados. Entretanto, nada que não consiga ser assimilado pelo espectador. Pelo contrário, Christopher Nolan consegue ajudar quem assiste, e a tarefa de compreender o que ele quer passar fica muito mais fácil . O que Nolan não faz – e ainda bem que não- é mastigar informações para o espectador. Como é falado sempre, é ótimo ver quando o realizador trata seu público com inteligência, e este cineasta é experiente nesse assunto. A primeira coisa que nos enche os olhos em Inception são seus conceitos. Apesar de já ter sido explorado anteriormente nas mãos de outros cineastas, o mundo dos sonhos de Chris Nolan é original, e tem o estilo e a marca registrada do cineasta . Aliás, todo o modo como os sonhos são explorados aqui é original. Vendo o filme, nos deparamos com situações inovadoras e que geram interesse imediato para os apreciadores de boa ficção científica. Totens, sonhos que se desfazem, e sonhos dentro de sonhos são alguns exemplos de conceitos recorrentes no filme. São conceitos intelectuais primorosos que acarretam admiração infindável quando compreendidos por completo.
Outro ponto sensacional deste roteiro tão bem escrito são as inversões de gênero propostas. Geralmente, filmes blockbusters apresentam um objetivo , um MacGuffin, que vale tudo para o personagem, e nada para nós. Inicialmente, ao sermos apresentados ao filme, pensamos que o MacGuffin seria a família de Cobb, e que ela seria a “desculpa” para a ação. Entretanto, da forma como o filme anda, nos damos conta que o ornamento dramático é maior do que a “aventura” em si, e logo percebemos que o MacGuffin é a ação, é a inserção, e o que realmente importa para nós é o drama - bem fundamentado e desenvolvido, por sinal – de Cobb e sua família. E se , no fim das contas, o drama é o cerne do filme, qualquer afirmação de que Inception é um puro e simples filme de assalto cai por terra. Além disso, Inception consegue aumentar de ritmo com o tempo. Como uma boa ficção científica, no início, somos apresentados às regras do jogo. Geralmente, em filmes de sugestão de mundo novo (como Distrito 9, por exemplo), a película começa a mil por hora, nos encantando com todas as suas regras e detalhes inventivos, e , quando precisa desenvolver sua história de fato, perde ritmo e também alguns pontos valiosos. Em Inception, é tudo ao contrário. O filme, quando sugere seu mundo, segue em velocidade calma, até parecendo estar arrastado. Entretanto, quando vai contar sua história, todos os conceitos adquiridos na sua primeira parte são executados e elevados ao mais alto dos expoentes, criando um deslumbramento sem igual. E caso o espectador não entenda o desde já famoso final do filme, não estranhe. Aquele frame final não faz parte de nenhum enigma, nenhuma charada. É apenas uma graça de Christopher Nolan com seu público, como em O Grande Truque. Só que desta vez, o final é dúbio, e é de maneira proposital .Logo, a resposta só será respondida pela cabeça de quem assiste.
Nolan ainda aproveita para , na segunda metade do filme, criar um clímax gigante, que apresenta núcleos paralelos entre si. Deste modo, o diretor pode variar entre os vários núcleos e fazer cortes que vão desde a ação de um personagem, até a conversa de outro, sendo que todos os caminhos convergem para um só destino. Foi exatamente isso que ele fez em The Dark Knight, e deu muito certo. Aqui, o resultado também ficou muito interessante. Mas claro, tudo isso não funcionaria se os seus personagens não fossem bem criados. A construção de personagens de Inception também é impecável, como o filme. Cobb, o protagonista, tem em sua base o que todo o personagem de Nolan tem : É humano, errante, mas que assume a responsabilidade quando precisa. Foge do lugar comum do herói pelo drama que sofre com a sua família. Não é nada apelativo, e extremamente coerente. Outra relação que nos deixa congelados na poltrona, é a de Cobb com sua mulher, Mal (Marion Cotillard). Nessas partes do filme, vemos a instabilidade em que Cobb vive. A originalidade brota nas seqüências em que os dois estão juntos, e o roteiro ganha muitos pontos com isso.
Na direção , Christopher Nolan prefere não abusar . Aqui , ele dirige se assemelhando muito com o que fez em The Dark Knight . Um modo de filmar estiloso, que enquadra decentemente todos os atores em cena , e que não soa repetitivo no emprego de seus closes nas cenas de diálogo. De fato, Nolan prefere utilizar seus takes mais difereciados em cenas-chave, como a da escada Penrose, -que já nos deixava com vertigens nos trailers –e nas cenas de ação. O modo como o cineasta consegue dirigir sequências de ação é espantoso. Nas seqüências da neve, Nolan mostra que consegue acompanhar tiroteios e explosões como muita gente não sabe fazer, e não nos deixa perdidos no meio do caminho. E talvez a parte mais interessante(visualmente) do filme seja a luta com gravidade zero nos corredores. Mesmo que os cenários girem, a câmera segue o sentido da gravidade, o que acaba gerando belas imagens vertiginosas.
Na parte técnica, o filme apresenta um apuro genial. A trilha de Hans Zimmer não para de tocar o filme todo ,e apresenta o mesmo ritmo dos dois filmes do Batman, só que desta vez com um peso maior nos acordes , que faz estremecer a sala do cinema. A fotografia de Wally Pfister, colaborador mais que freqüente de Christopher Nolan , é a segunda melhor da parceria até aqui, perdendo só para a de The Dark Knight. Passa uma elegância que, aliada aos belos cenários e figurinos, gera imagens esteticamente perfeitas. Já os efeitos, mesmo não tendo sido feitos por nenhuma das grandes do mercado , possui qualidade avançadíssima. Todos eles tem praticidade no filme, e não estão ali para ostentar. Todas as seqüências que precisam de efeitos os exploram muito bem, e eles estão de fato em sintonia com a mensagem do filme.
E outro ponto que precisa ser destacado em Inception é o seu casting. Há anos não se via um elenco tão estelar e eficiente ao mesmo tempo. Leonardo DiCaprio, que é um dos grandes de Hollywood mas dificilmente consegue passar uma tridimensionalidade aos seus personagens , tem pontos no filme que surpreendem. Ele tem seus momentos, mas quando enfrenta um Michael Caine em cena, é facilmente engolido pela naturalidade do ator inglês. O filme também reserva a boa atuação de Joseph Gordon-Levitt, que vem ganhado espaço desempenhando papéis diversos, e aqui só mostra sua competência habitual. Mas, sem dúvidas, a atuação do filme é de Tom Hardy, que faz o falsificador. Tendo um papel engraçado mas ao mesmo tempo de homem sacana, Hardy convence , e passa uma verdade sem parecer que está atuando. Um bom marco para um ator em ascensão .
Num apanhado geral , Inception impressiona por ter um roteiro tão inteligente e desafiador combinado com conceitos de mundo tão intrigantes.É uma mistura de idéias cult com recursos de blockbuster.O resultado não podia ser melhor. Nolan consegue nos trazer um filme inteligente, do tipo que faltava no mercado há tempos. O espectador que estiver com a cabeça preparada para pensar vai conseguir compreender todo o filme, e se sentirá louvado pelo modo inteligente como é tratado. Avaliando os anos que se passaram , é fato que a última grande ficção científica original e inventiva foi Matrix, lançado em 1999. E se já estamos em 2010, e nada de tão grandioso chegou até o dado momento, uma verdade precisa ser constatada : Inception é a melhor ficção científica de nossa década, e só tende a ser mais admirada ao longo dos anos.
5 Estrelas ***** Obra-Prima
Inception - Crítica 1
quarta-feira, 4 de agosto de 2010
Caramelo
O cinema de Pedro Almodóvar é de um gênero só. Isso poderia soar ruim em mãos barbeiras, mas o cineasta, apesar de eu não ser fã, é habilidoso com a arte de falar sobre mulheres. Dono de um respeitável currículo, que tem filmes cultadíssimos como Fale com Ela, Má Educação e Volver, o cineasta fala sobre mulheres e ainda inclui um pouco de sua paixão por cinema em alguns filmes. Um grande exemplo disso é Abraços Partidos, que basicamente não existiria sem a cinefilia do diretor. Caramelo, filme libanês da escritora-atriz-diretora Nadine Labaki, é um legítimo discípulo de Almodóvar, mas sem a paixão pelo cinema. Aliado ao tema típico do cineasta, o primo oriental era pra ser um filme mais humano, mais sincero sobre as mulheres. Afinal, ninguém melhor que as mulheres pra contar a história centrada em mulheres. Porém, Caramelo soou como um passatempo divertido que apenas vê cada mulher de uma maneira superficial.
A trama gira em torno de 5 mulheres, que compartilham suas experiências, seus traumas, suas felicidades e realizações num salão no centro de Beirute. Em meio a isso, temos muitos diálogos que abordam a cosmética do local e os dilemas das 5 mulheres, protagonizadas pela sofrida Layale(Nadine Labaki), a chefe do salão, que usa o tal caramelo do título como artigo cosmético e tem como admirador o policial Youssef(Adel Karam). Rima(Joanna Moukarzel) é uma mulher apaixonada por uma linda cliente. Nisrine(Yasmine Al Masri) está prestes a casar, mas tem um segredo imperdoável. Jamale(Gisèle Aouad) é uma atriz que está sofrendo com os efeitos do envelhecimento e Rose(Sihame Haddad) é uma idosa vaidosa que está querendo dar uma nova chance ao amor.
Se o filme libanês aborda um tema tão feminino e tão íntimo, presumia-se que fosse feito um retrato realista e dramático da mulher, com revelações corajosas e uma construção de personagens marcante. Porém, Labaki e Rodney El Haddad, os roteiristas, se preocupam mais em criar um panorama interessante pra um típico drama açucarado demais, romântico demais. Os conflitos das personagens são arquetípicos, o que não ajuda. Sendo assim, o fato do Líbano ser um país diferente (uma alegoria de mulheres, um território de diferentes culturas, um interessante local onde mulheres de burca e de decotes andam na mesma esquina) é totalmente esquecido e os dramas retratados poderiam ser passados em qualquer lugar do mundo, o que tira um pouco o valor do filme. Porém, mesmo com todos esses problemas, o longa consegue entreter e tem situações que, apesar de previsíveis, valem o ingresso.
Um grande exemplo desse sub-aproveitamento do tema é a construção de personagens. Layale, personagem encarnado pela diretora, é a Penélope Cruz do Oriente Médio. Dos dramas relacionados a homens casados até o modo sensual e bruto de se vestir, Layale emula Penélope em todas as situações. Como citei anteriormente, os conflitos não convencem justamente por essa construção precária. Rima é a lésbica incompreendida, mulher forte que luta numa sociedade opressora. Nisrine é a moça casta que está pra casar, mas não é mais virgem e isso a incomoda. Jamale é a típica mulher que vive do mundo de aparências e, quando começa a envelhecer, se vê sem chão. O único drama que realmente merece uma atenção especial é o de Rose, senhora idosa que cuida de sua irmã doente e tem que escolher entre o homem que ama e cuidar da irmã. Porém, mesmo sendo todas essas situações já testadas anteriormente, o filme é interessante por rolar por 96 minutos sem cansar e diverte, faz com que ganhemos empatia pelas personagens, mesmo elas sendo muito previsíveis.
Seguindo o roteiro, a parte técnica do filme se restringe a pensar que "em time que tá ganhando não se mexe". Como os filmes de Almodóvar tem um visual interessante, Nadine Labaki faz questão de usá-lo. Sua direção tem takes legais, dando uma fluência boa as cenas e enquadrando bem. Seu olhar particular para as mulheres também ajuda na hora de um close ou de uma cena dramática. Filmadas com precisão e delicadeza, as mulheres do filme são bem registradas pela contemplativa câmera de Labaki, que nisso inova um pouco o filme. Porém, a fotografia segue Almodóvar sem piedade. Yves Sehnaoui registra a cidade do Líbano com cores tipicamente espanholas, como a saturação meio sépia, amarelada com takes alaranjados. Comum, copiada, mas que funciona. Outro ponto destacado é a trilha sonora. Khaled Mouzanar cria notas bonitas e que ajudam a criar um clima bom ao filme e inova ao não impor um leitmotif ao filme, porém não sai nada acima do normal, acima da média. Um fator bom, mas comum.
Nas atuações, Caramelo ganha mais pontos. Nadine Labaki roteirista cria um personagem comum, mas Nadine Labaki atriz crê tanto nesse clichê que atua com precisão excelente. Em uma cena, em que Layale atende a mulher do seu amante(olha o clichê aí de novo), Nadine atua muito bem, demonstrando que acredita no seu personagem, acima de seus defeitos de construção. Yasmine Al Nasri até atua bem, mas não sai do normal. Joanna Mourkazel atua muito bem e se destaca em suas cenas, dando uma veracidade a elas, com uma certa emoção. Aqui, Joanna faz o que Meryl Streep fez em Simplesmente Complicado: Bela atuação em personagem ruim. Gisèle Aouad faz a atuação mais perdida do filme, sem ter uma ambição fixa e sem encontrar o equilíbrio emocional que o personagem precisava. Já Sihame Haddad faz uma atuação tocante, dando um carisma infinito a sua simpática personagem. As cenas em que Rose redescobre o poder de amar estão entre as melhores do filme, o que é fortemente melhorado por Sihame.
Num apanhado, Caramelo se mantém na média e entretem. Sem dúvida, o filme é divertido e a questão interessante para os mais atentos é debater os problemas do filme, que não chegam a incomodar, mas que impedem o filme de ser um belo panorama da mulher libanesa, impede Caramelo de ser pra mulher o que Traffic foi pras drogas. Até pode ser discutível o fato do filme ser açucarado demais e ter uma visão muito superficial das coisas(Layale é brinquedo do amante justo num filme sobre mulheres), mas sem dúvida o final feliz do filme é tudo o que o público alvo quer. Algo romântico e otimista, tudo o que é preciso num romance. Caramelo poderia ser grande, mas se restringiu ao mediano. É uma pena? Sim. Mas a questão não é observar Caramelo como um filme ambicioso e fraco e sim como diversão passageira. Tudo se deve a expectativa inicial em relação a película. Gostar ou não do filme virou uma questão de perspectiva.
*** 3 Estrelas
Fúria pela Honra
domingo, 1 de agosto de 2010
Salt
Kurt Wimmer conseguiu colocar seu nome em evidência pela primeira vez quando escreveu e dirigiu em 2002, o filme Equilibrium. Bom longa com ideias interessantes para uma ficção científica de alienação. Com boa direção e ação bem coreografada, aquele poderia ser o ponto de partida principal de um diretor promissor. Entretanto, projetos seguintes mostrariam que Wimmer não possuia o talento esperado. Depois de escrever e dirigir o cretino Ultravioleta, ele roteirizou filmes fracos como Reis da Rua e Código de Conduta. Logo, estaria provado que Wimmer estava mais para um diretor de um filme só - que nem é tão bom assim- e um roteirista medíocre. Aproveitando o verão americano recheado de blockbusters, e algumas estrelas consagradas em busca de trabalho, os estúdios hollywoodianos financiaram o mais recente projeto de Kurt Wimmer - Salt.
Entretanto, o escalado para dirigir o longa foi o bom Phillip Noyce, o qual tem bom retrospecto na direção de dramas e suspenses . Faltava a escolha de um ator principal, já que originalmente a personagem Salt era um homem. O nome de Tom Cruise foi cogitado, e o filme foi pensado para o ator. Porém, Cruise fez escolha melhor , e decidiu participar de outro blockbuster - Encontro Explosivo - e deixou o projeto. Ora, era preciso o nome de outra estrela consagrada para atrair público para o projeto. Angelina Jolie se mostrou disponível, e foi contratada para o projeto. Após assistir a Salt, é possível entender porque Cruise abandonou o filme. O longa é um blockbuster esquecível como Encontro Explosivo, mas sofre de um mal ainda pior. Carece de originalidade, não consegue por em prática decentemente o que copiou, e enche a tela de reviravoltas.
A trama , regurgitada de filmes de espionagem ( e descaradamente chupada da franquia Bourne) segue a espiã da CIA Evelyn Salt (Angelina Jolie) que, antes de fazer uma viagem importante, é surpreendida pelo achado de um desertor russo. Esse desertor conta uma história dizendo que vários espiões russos foram trazidos para os EUA quando pequenos, para realizarem missões contra a pátria americana quando chegasse o chamado ''dia X''. Depois disso, ele diz que Salt é um desses espiões , e que realizará uma missão naquele dia. A partir daí, Salt começa a ser caçada por seus superiores ,enquanto precisa provar sua inocência e encontrar seu marido.
O roteiro escrito por Wimmer apresenta falhas logo de início, pela trama fraca e batida. O velho esquema de espião excepcional que precisa provar sua inocencia e vencer aqueles que o perseguem já não funciona mais. Tal tipo de história já foi explorada magistralmente pela trilogia Bourne, e um repeteco mal feito não atrai a ninguém. Entretanto, Wimmer não se contém em apenas copiar a história, e copia também situações consagradas. Deste modo, fica complicado tirar algum proveito da película, ainda mais quando o elemento que já não é original se mostra ruim. Os personagens não convencem, suas motivações são simplórias – principalmente a motivação final de Salt – e o filme excede em plot-twists. Sendo o artifício mais barato e simples para roteiristas que não têm idéias para finais de filmes, Kurt Wimmer mostra não ter quase idéia nenhuma. Se contadas, as reviravoltas presentes em Salt quase enchem os dedos de uma mão, e estão lá para tentar passar a impressão de inteligencia para o público, quando na verdade sua única utilidade é sacramentar a mediocridade da história. Tudo isso, com a proposta de se levar a sério. Porém, qualquer chance de levar Salt a sério fica pelo caminho ao longo do filme.
E, se a história é uma xerox ruim dos filmes de espionagem, a direção de Phillip Noyce segue pelo mesmo caminho. O cineasta aplica o mesmo estilo de Paul Greengrass em o Ultimato Bourne, com a câmera tremida e um estilo documental em alguns momentos, com zoons e afins. Ao invés de seguir o caminho de um James Mangold em Encontro Explosivo, com uma direção estilosa tirando imagens belas e plásticas, Noyce segue o padrão Greengrass, e não tem a destreza suficiente para retirar todo o potencial das cenas de ação. Como tudo no filme, a direção também é uma cópia ineficiente.
Na parte técnica, pouco também a se aproveitar. A trilha de James Newton Howard está estranhamente ruim, sem emoção e sem ritmo. Faz o feijão com arroz de maneira ruim, e passa quase desapercebida, pois quando percebemos o que ouvimos, não gostamos muito. Já nas atuações, Angelina Jolie não faz mais do que o normal. Fica no piloto automático o filme todo, e nas partes onde sua dramaticidade precisa aparecer , vemos apenas caras e bocas que não convencem. Todos os outros atores seguem no mesmo ritmo, contribuindo para o fracasso do longa.
Ao sair da sessão de Salt, ficamos com a sensação de termos visto uma cópia mal executada de filmes bons de espionagem. Uma história fraca, colocada de uma maneira séria, que beira a canastrice. Logo, vem a pergunta “ Porque então existe Salt?” “Para fazer dinheiro”, é a resposta. Mas se nem isso o filme fez, é melhor esquecer de vez a película, e constatar que mais uma vez Kurt Wimmer provou ser um péssimo roteirista.
1 Estrela * Nota 2,0