Old School Nerds

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sábado, 9 de outubro de 2010

Tropa de Elite 2 - Crítica 1

José Padilha cria um soberbo filme político, tenso e panorâmico.
Capitão Nascimento. Talvez o maior personagem brasileiro de cinema de todos os tempos. Não apenas em ser reconhecido pelo público e ter suas frases na boca de milhões de brasileiros, mas por causa da espetacular densidade dramática criada por esse personagem único e com pensamento singular, que parece ter todas as responsabilidades possíveis explodindo na sua cabeça. No primeiro filme, depois de cerca de 20 milhões de pessoas terem visto-o(contando as cópias piratas), Nascimento procurava um substituto á sua altura, que pudesse fazer suas funções com a mesma dedicação. Missão dada, missão cumprida, o sucesso do filme fez com que uma sequência fosse anunciada. Como o primeiro filme introduziu uma excelente história, apresentou personagens carismáticos e ainda implantou uma realista discussão moral, uma margem para um segundo era óbvia. Porém, as sequências de sucessos, como Transformers, se demonstraram ser apenas uma colagem de cenas de ação sem sentido apenas pra atrair público e dar diversão desregulada a eles.

Se Tropa de Elite 2 tinha tudo pra seguir esse rumo, como dava pra apontar no primeiro trailer lançado(que mostrava o BOPE resolvendo um problema numa prisão, o que parecia ser algo trivial e clichê, que só acrescentaria ação a uma trama tão rica). Porém, José Padilha e Bráulio Mantovani perceberam que a situação no Rio de Janeiro atual poderia ser utilizada como pano de fundo para um legítimo filme-panorama, mostrando todos os espectros de uma organização muito maior do que aparentava ser no primeiro filme: o Sistema. E, sem deixar se levar pela tendência de elevar a ação, elevar as frases de efeito e elevar tudo para a sequência, os roteiristas criaram uma película inesquecível, com ação pontuada e diálogos excelentes. Portanto, Tropa de Elite 2 pode carregar a imensa qualidade adquirida em Tropa 1, mas pelas suas melhorias técnicas, de atuação e roteiro, é um filme totalmente diferente. Difícil comparar duas obras tão distintas, mas se formos usar um linguajar mais fácil, diria que Tropa 2 supera o original.

A trama, contada de diversos pontos de vista, segue o Capitão(agora Tenente-Coronel) Nascimento(Wagner Moura) em uma cruzada pela justiça no Rio de Janeiro. Apesar de deixar André Matias(André Ramiro) no seu posto, uma pessoa digna em sua avaliação, Nascimento se viu obrigado a continuar chefiando as operações, mesmo que não atue mais nas ruas. O antes tensionado e pilhado Capitão viu a idade chegando, está mais calmo mas continua irredutível em sua filosofia de vida. Após alguns problemas em uma prisão no início do filme, o BOPE ganhou repercussão internacional ao ter que bater de frente com o ativista dos direitos humanos Diogo Braga(Irandhir Santos). Com o apoio do governador, os direitos humanos começam a ser mais avaliados e, apesar do povo estar do lado de Nascimento, o BOPE perde força. Porém, quando Nascimento é chamado(pela pressão pública no governo) a ser subsecretário de segurança, o BOPE volta com força total e acaba inteiramente com o tráfico de drogas no Rio de Janeiro. Era Nascimento criando uma máquina de guerra, como ele sempre idealizou.

Vendo que os traficantes estavam nas vacas magras, os policiais corruptos arrumaram um novo jeito de arrecadar dinheiro ilegal: A prestação de serviços a comunidade em troca de segurança, as polêmicas milícias. Poderia ser apenas um novo problema para Nascimento, algo a ser resolvido com força e inteligência, mas o buraco é ainda maior. Apoiados secretamente por políticos e gente muito influente, os milicianos mandam e desmandam em vários locais e só crescem com o passar do tempo. Encurralado por todos os lados e com sua pressão afetando até o lado pessoal, em suas relações com o filho(que cresce achando o pai um assassino), Nascimento percebe que o Sistema vai além da polícia corrupta e sua guerrinha com os traficantes. O Sistema tem origem em Brasília.

Nesse poderoso cenário político, que concilia ficção e realidade com uma destreza impecável, Tropa de Elite 2 toma um novo posto de narrativa: a de tabuleiro. Se antes era retratado o cotidiano dos policiais, dos personagens, com um filme que os privilegiava, agora a situação é vista de cima, com inúmeros personagens(prepare-se para cerca de 10 coadjuvantes realmente relevantes). A história do primeiro se focava em Nascimento, Matias e Neto contra a corrupção. Agora, temos todos os lados dessa guerra, com personagens políticos, da polícia, jornalistas, bandidos e até a família de Nascimento. E nisso, talvez o público se decepcione: não há mais frases de efeitos, nem um monte de bandidos sendo mortos. Agora, o que dá as cartas é o drama, é a manipulação de pessoas em prol de alguma coisa. Tropa 2 até toca em quesitos emocionais fortes, como a briga de Nascimento e André, a sua instável relação com o filho e a rivalidade grandiosa entre Braga e o Capitão. E tudo isso é bem realizado pelos roteiristas, que elevam os nossos conhecidos personagens a situações tão extremas que é como se cada minuto do filme fosse uma missa de Requiem para cada um deles.

Fora o núcleo do filme anterior, Tropa 2 ainda apresenta os outros personagens do panorama com bastante felicidade e nenhum didatismo desnecessário. Mais que isso, os inteligentes diálogos criados variam de cenários constantemente, justificando os embasbacantes 16 Milhões que o filme custou. Dividido em diversos atos, passados em cerca de 5 anos, o roteiro alcança um equilíbrio perfeito entre personagens bem construídos e situações críveis e interessantes. Vendo Tropa 2 até parece que Padilha e Mantovani viram muito Traffic, filme de Steven Soderbergh. O que Traffic representou para as drogas, Tropa 2 representará para a política brasileira. Até mesmo semelhanças de personagem acontecem. Nascimento é o Robert Wakefield da vez, o homem responsável por controlar uma força que ele não conhece completamente e começa a repensar tudo quando problemas pessoais o atinge. Como Traffic, Tropa 2 ganha um elogio que não poderia ser melhor: obteve êxito em organizar tantas informações em tão pouco tempo. Outro ponto ótimo é a construção de personagens, que não poderia ser melhor.

Mais uma diferença monstruosa para o primeiro Tropa é seu discurso moral. Antes imparcial, o discurso do filme, legitimado pela precisa narração em off de Nascimento, apresenta variações. Nascimento poderia sim falar tudo o que ele disse da corrupção no Rio(e, na minha visão, está totalmente certo). Porém, quando descobre que o Sistema(nomenclatura para o sistema da corrupção) é muito maior que ele imaginou, Nascimento repensa seu discurso. Sua moral de bandido bom é bandido morto continua intocável, mas seu discurso precisa ser mudado visto que seus inimigos agora não são meros traficantes e playboys que podem ser muito bem mortos. Ganhando evidência no povo e na mídia, agora Nascimento tem que enfrentar de frente os poderosos.

E não basta apenas dar um tiro na cabeça de cada um deles para o problema ser resolvido, afinal, como aprendemos no primeiro filme, o líder muda mas o Sistema continua. O peso que o Capitão carrega é gigantesco e as dúvidas quanto ao mundo que ele vive são tantas que a pressão só piora sua cabeça e ele se vê cada vez mais abatido. Espetacular esse tal Nascimento. Personagem forte, esplêndido, que não se deixa perder e simplesmente levanta e continua. Mesmo sendo pisoteado, ele permanece vivo na cruzada pra salvar o Rio. Essa mudança de postura poderia soar frouxa, mas vendo com mais cuidado, percebemos que tudo aquilo continua intocável e a postura precisa ser abrandada apenas para o panorama funcionar, sem tomar decisões precipitadas. É emocionante ver que ainda temos cineastas talentosos a ponto de construir uma cadeia de eventos diversos, sem julgar ninguém e ainda assim tomar uma posição diante daquilo tudo. E quanto ao Capitão ter se afrouxado, acredite, não poderia soar mais incorreto. Basta vermos o GENIAL discurso final dele no filme para percebermos que ele permanece o mesmo cara, mas o inimigo agora é alguém vulnerável a suas balas.

Se o roteiro é tão espetacular em equilibrar situações políticas e uma tensão gigantesca na ação pontuada durante o filme, temos uma técnica á altura. A direção de José Padilha é de tirar o fôlego, com uma ação coordenada de forma concisa e que é fácil de acompanhar, sem precisar cortar um milhão de vezes e impedir o público de saber o que está acontecendo. O plano sequência não é utilizado, mas os cortes ocorrem de forma natural. Fora isso, os ângulos obtidos nas partes de drama e a constante utilização de mudança de foco de zoom nas cenas só auxiliam o filme a ficar melhor. Juntando isso a planos grandiosos(inéditos no Brasil) e uma genial sequência pré-créditos em que a câmera vai se aproximando, em câmera super lenta, ao Honda Fit metralhado, temos uma direção perfeita. Sem medo de repetir, perfeita mesmo. Mas talvez ela não seria nada sem a edição do indicado ao Oscar Daniel Rezende. Repetindo o excelente ritmo adquirido no primeiro longa, Daniel melhora sua edição e seria facilmente indicado novamente se o filme não tivesse negado a inscrição ao prêmio. Aliando-se a direção, a edição pontua a tensão GIGANTESCA que o filme impõe.

A direção de fotografia de Lula Carvalho melhora ainda mais o tom realista e saturado do primeiro longa, fazendo algo muito profissional e causando inveja tecnicamente a filmes como Se eu Fosse Você ou Olga. Já a trilha de Pedro Bronfman extrapola. Sendo excelente de ouvir separadamente, ela ainda é perfeita pro filme. Criando melodias extraordinárias e que elevam a supra-citada tensão do filme a milésima potência, Bronfman ainda reutiliza alguns acordes do primeiro filme. E não há acordes de violão mais tensos do que os usados pelo compositor. Outros 2 elementos ótimos são os efeitos visuais e a direção de arte, que dão um toque mais bonito e profissional ao filme, de fazer inveja a filme estrangeiro.

As atuações são a cereja do bolo. Wagner Moura mais uma vez atua de forma hipnótica como o Capitão. Entrando no personagem novamente de forma hercúlea, o ator ainda cria novos sentimentos a Nascimento, apresentando um personagem mais humano e maduro, que descobriu esses tais sentimentos que eram desconhecidos por ele até 15 anos atrás. Mesmo só passando 3 anos desde o lançamento de Tropa 1, Wagner faz parecer que se passaram 15. Que profissional invejável. André Ramiro chega também com sua essência de antes e nos faz lembrar e ter novamente os laços afetivos com o personagem, criados em 2007. Irandhir Santos faz o ativista com uma entrega muito boa, dando seus argumentos de forma coesa e quase apaixonada. Mesmo seu personagem começando como "intelectualizinho de esquerda" no filme, ele começa a ganhar uma visão maior e melhor dos fatos, porém cometendo os mesmos erros do início. Tudo isso captado com precisão pelo profissional. Fora os três, o excelentes outros atores fazem seu papel com a mesma precisão.

Sendo assim, Tropa de Elite 2 é vitorioso e, um cru e realista panorama do crime e política no Brasil. Corajoso principalmente, lançado na época das eleições, mostrando verdadeiras facetas de inúmeros políticos. Não tem a tendência de ser chamado de facista como o primeiro foi, mas permanece tendo uma visão particular de todos os fatos ali descritos. Impressionantemente, a ideologia do primeiro continua em menor escala, mas continua, mesmo sendo sufocada pelo panorama ali imposto. Um completo caos, como o panorama descrito pelo filme. Essa é a cabeça de Nascimento, o Rio de Janeiro e o intrigante tabuleiro de ideias e corrupção que é a política no Brasil. Vá com fé ao cinema e tenha uma aula do que está ocorrendo no Brasil atualmente, veja um excelente filme e torça muito pelos personagens que aprendemos a apreciar há 3 anos atrás. Tropa 1 já oferecia uma visão singular das coisas, mas Tropa 2 é superior pelo fato de mostrar isso de cima, do espaço.

Faca na Caveira. Nascimento acredita nisso e continuará acreditando. Mas muitos querem que ele se cale. Resta a nós, como a ele, um grito sufocado.

***** 5 Estrelas

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