Old School Nerds

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domingo, 6 de fevereiro de 2011

O Discurso do Rei

Equipe brilhante faz pronúncia de filme conservador soar bem .

Há de modo geral, muitas maneiras de se contar histórias no ramo cinematográfico . Existem vários estilos, desde os filmes de festival - que vão contra as regras fundamentais aceitas pela maioria do público médio - até os blockbusters mais previsíveis e batidos . A verdade é, que nesta última década, tivemos muitos cineastas rebuscando sua didática narrativa e fazendo filmes com orginalidade digna de se tornarem clássicos . São novas maneiras de se fazer filmes , métodos inovadores , e só pra ilustrar , podemos citar exemplos recentes como A Rede Social e Scott Pilgrim , que têm como seus destaques, o roteiro e a montagem, respectivamente . Sendo o filme de David Fincher o mais agraciado pela crítica geral , seria muito gratificante ver A Rede Social ser coroado como o melhor filme de 2010 no Oscar . Seria um passo a frente, uma verdadeira evolução, aceitação do novo . Mas na disputa da Academia desse ano temos um embate fortíssimo de duas realidades - o inovador X o conservador .

E o conceito de conservador se encaixa muito bem para o filme inglês aclamado internacionalmente , O Discurso do Rei , que se enquadra neste ''rótulo'' por justamente estar no estilo de narrativa que possui características clássicas, com certa dose de previsibilidade e um quê de esquematização . Não dá pra culpar, porém, de maneira nenhuma, quem realiza o filme . Apesar de ser uma trama baseada em fatos , era inevitável que o longa de Tom Hooper acabasse contendo diversos conceitos clássicos , dignos de filmes conservadores, que justamente recebem esse adjetivo por conservarem certas qualidades já visitadas em filmes anteriores. Contudo, por mais que O Discurso do Rei tenha uma mensagem um tanto quanto ultrapassada , fica anos luz de um filme dispensável . É um longa estruturalmente atrasado, mas traduzido em tela com real genialidade . Uma história redonda e básica , mas que tem na sua equipe - brilhante, no mínimo - o agente qualificador.

A trama , como poderão ver, tem certo tom esquemático a princípio . O Duque de York, Bertie(Colin Firth) , segundo filho do Rei da Inglaterra George V ( Michael Gambom) , é um príncipe com um problema fatal na sua carreira. Sofre de gagueira , o que complica muito sua atividade frequente fazer discursos dos mais variados . Para tentar curar seu distúrbio, sua mulher Elizabeth ( Helena Bohan Carter) recorre a um terapeuta da fala muito bem-sucedido , Lionel Logue ( Geoffrey Rush). Com um aprofundamento no problema psicológico que causa a gagueira do príncipe , Logue precisa ajudar Bertie na sua hora mais escura - A Inglaterra na eminência da II Guerra , e o fardo de ter que assumir o trono abdicado por seu irmão ( Guy Pearce) após a morte do pai .

De fato, a interface estrutural do roteiro de David Seidler é um tanto quanto clássica, desenhando uma história de superação á moda antiga , que já vimos tantas e tantas vezes . Tal tipo de trama já está no nosso inconsciente , e já partimos , portanto, de um ponto conhecido quando nos referimos a Discurso . Invariavelmente, também chegaremos ao mesmo destino conhecido, já que a própria sinopse já revela boa parte do conteúdo do longa . É esse ar de esquematização e de previsibilidade que pode tirar alguma força em relação a relevância do filme no contexto do cinema atual . Mas não tira, de forma nenhuma, a força que O Discurso do Rei possui de forma isolada, sem adentrar no mérito de comparação com outros longas candidatos a prêmios . Isso ocorre por que , mesmo que o seu conteúdo soe familiar , a sua forma, ou seja , sua condução , combinada com suas atuações , é muito acima da média .

Há vários pontos que servem para enaltecer a força que consiste na condução do roteiro . O tratamento muito cauteloso com cada um de seus personagens é talvez o mais clichê dos comentários sobre o filme, mas é a mais pura verdade que precisa ser mencionada . Um desenvolvimento muito humanista , que tem uma sensibilidade nas ocorrencias de suas emoções muito particular . Além disso, há momentos presentes em Discurso que geram um baque inevitável . É a boa colocação de uma imagem que substitui qualquer palavra gaguejada por Bertie, como no momento em que o personagem de Firth absorve os vídeos de Hitler esbravejando como líder e orador inquestionável , enquanto ele mesmo mal pode ler um texto para seus súditos . Não por acaso , Discurso do Rei utiliza esses momentos tão bem . Na melhor tradição do cinema clássico, á moda antiga, o que importa na película são as emoções transportadas para a tela, através de atuações verdadeiras, sendo a importância da trama estrutural visivelmente diminuída . Talvez então o grande trunfo do novo filme de Tom Hooper seja , ao se portar como conservador, absorver essa experiência por completo, possuindo alguns de seus problemas, mas principalmente, suas qualidades.

E se o roteiro tem na sua condução uma ou outra cena já batida , ela se diferencia pela câmera estilizada do competente Tom Hooper. Um momento claro onde a câmera de Hooper fez a diferença é na sequencia típica de ''treinamento'' , que é inerente a vários filmes de superação . Aqui, o cineasta utiliza cortes rápidos para dar a sensação de elipse temporal . Funciona para não deixar a cena cair no lugar comum . Além de funcionar nesses momentos, Hooper também consegue impor takes de estética elevada . O jeito de jogar a câmera para trás em determinados closes só engradece as feições dos atores, refletindo consequentimente no engrandecimento de seus personagens .

Personagens esses, que já seriam grandes o suficiente se dependessem exclusivamente da performance sublime do belíssimo elenco de Discurso do Rei . Verdadeiramente , este longa tem um dos melhores castings de 2010 - um ano que teve excepcionalmente castings muito bons como True Grit, Black Swan, Rede Social ,etc -se não for o melhor . Aqui, temos uma entrega completa por parte de todos os atores . Colin Firth, é o que mais se destaca, tendo uma interpretação completa , muito diferente do que já fez em outros filmes. O jeito anêmico de atuar de Mr. Darcy , de Bridget Jones , dá lugar a uma transformação assustadoramente competente . Firth reafirma aqui que é um ator eficientíssimo, se pegar um papel decente . Em determinado momento, a imersão no papel é tanta, que Firth simplesmente se transfigura, no nosso olhar, por alguns instantes . Desaparece no papel, literalmente , e incorpora todo o personagem . Perfeito . Geoffrey Rush também atua com grandeza e tridimensionalidade invenjáveis, e Helena Bohan Carter está perfeita no papel , nos deixando quase acostumados com sua competência habitual . Atuações sensacionais, que reforçam a ideologia de cinema a moda antiga (atores são o centro) abraçada pelo filme.

Por essas e por outras , é estreito enxergar em O Discurso do Rei um novo Shakespeare Apaixonado . Apesar da comparação ser tentadora para alguns, é exacerbadamente superficial . Primeiro por que há um abismo de qualidade que separa os dois filmes . Segundo por que Shakespeare Apaixonado usa seu estilo clássico com certa falsidade , sem se entregar, enquanto Discurso se entrega a esse estilo de corpo e alma , com honestidade, sinceridade e profundidade . Está longe de ser um longa supervalorizado. Tem a apreciação que merece, e merece muito. Um filme gago em sua premissa, mas que com a atuação de uma equipe eficiente, conseguiu fazer um belo discurso em nome do cinema á moda antiga .

Resta avisar a Academia, de que filmes no estilo deste, são oscarizados desde sempre. Premia-lo ao lugar do que é inovador, por mais qualidades que este tenha, é um sinal de estagnação .

5 Estrelas ***** - Excelente .

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