Old School Nerds

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sábado, 30 de julho de 2011

Quero Ser John Malkovich

Os titereiros e marionetes de Charlie Kaufman.

Escritor imaginativo e incrivelmente inventivo, Charlie Kaufman é um dos roteiristas mais inteligentes que existem em Hollywood . Suas tramas são sempre intrincadas , com desafios intelectuais e propostas de tramas sempre ousadas . Ao mesmo tempo, mesmo com essa mão boa para trabalhar com a racionalidade e com verdadeiros desafios mentais , Kaufman revela grande tendência emotiva em suas histórias . Para conseguir mesclar de maneira tão suave essas duas vertentes , de fato, é necessário um algo a mais , uma verdadeira genialidade . No seu trabalho de estréia , Quero Ser John Malkovich (1999) , podemos encontrar quase todas as suas qualidades que viriam a ser mais exploradas no decorrer de sua carreira posterior . E todas essas qualidades cristalinas, foram exibidas , pela primeira vez , numa narrativa verdadeiramente inovadora, intrigante e brilhante .

Assim como o roteirista , um estreante no cinema se encarregou de levar o projeto ás telas . Na época marido de Sofia Coppola , Spike Jonze recebeu o roteiro de seu então sogro , Fracis Ford Coppola - que havia recebido o roteiro de Kaufman , o qual procurava por produtores interessados - e decidiu rodar o longa . Desse modo nasceu o embrião de Quero Ser John Malkovich, através de uma união de estreantes talentosos , que possuíam características semelhantes no estilo - afinal , se Kaufman é excêntrico em suas narrativas , Jonze segue pela mesma peculiaridade - e que se complementavam com encaixe e combinação perfeitas .

E Quero Ser John Malkovich , pode ser considerado, sem exageros , um verdadeiro clássico . Com muitas interpretações e detalhes sem paralelo existente em nenhuma outra obra de outro roteirista, é um filme que marca por ser singular em vários aspectos , e também por ser um espetáculo que estimula nossas mentes a ir a lugares nunca antes imaginados .

A trama imaginada por Kaufman desabrocha gradativamente como uma flor . Acompanhamos a princípio Craig Schwartz ( John Cusack) um titereiro ( o homem que manipulas as marionetes) profissional que está desempregado por não haver procura por seu trabalho no mercado . Até que um dia , Schwartz encontra um emprego como arquivador de papéis em um estranho prédio , e vai trabalhar no andar 7 1/2 , um andar com teto menor, para empresas que precisam ''cortar custos'' . Ali , Schwartz começa a se interessar por Maxine ( Catherine Keener) - apesar dele ser casado com Lotte ( Cameron Diaz) - e faz uma descoberta impressionante : em uma parede do andar, há um tipo de portal, que permite àquele que o passa , 15 minutos na mente e no corpo de John Malkovich ( este último interpretando uma versão ficcionalizada de si mesmo) . Tal fato incrível será a engrenagem central e fundamental para as reações sensacionais entre os personagens ao longo do filme .

Os roteiros escritos por Charlie Kaufman possuem um diferencial por estabelecerem um universo semelhante ao que vivemos, mas com detalhes absurdos que fazem tudo - absolutamente tudo - mudar de figura . Em Quero Ser John Malkovich, obviamente não é diferente . O que o escritor faz aqui é um estudo muito interessante sobre o ser humano - estudo esse que seria prolongado em seus projetos posteriores , como Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças, por exemplo , com caráter mais romântico . Esse debruçar sobre o homem vem de maneira quase científica : introduzir , no meio de uma sociedade dita ''normal'' um detalhe irreal e catastrófico , e absorver a reação de todos . No caso deste filme , o detalhe é simples, mas cruél : expor a mente de uma pessoa ao domínio público, e exercer , em diferentes escalas, um dos artifícios que os seres humanos menos gostam de ser submetidos - a manipulação .

Por isso o subtexto do titereiro com suas marionetes é tão importante e crucial para a obra . Vemos os personagens cobiçando a mente de John Malkovich , querendo ser ele pelo menos por 15 minutos que seja . Ora, o lema do titereiro é esse '' ver pelos olhos de outra pessoa, viver pelos olhos de outra pessoa'' . Talvez a vontade de viver a vida de outro ser - uma celebridade - seja uma alfinetada aos acomodados e insatisfeitos com a própria vida . Quantos não se amontoam em frente ao sofá para ver Reality Shows ou fofocas diárias ? Mas paralelamente a isso, repare no furacão que passa pelas vidas dos personagens principais após começarem a explorar o portal . Com detalhes imprevisíveis , as reações humanas são extremas e também inesperadas . Uma deseja a troca de sexo ; outra cobiça poder e mais poder sobre a descoberta ; alguns querem viver mais e mais ; e um outro tem o desejo mais primário : conquistar o amor de quem ele ama .
E o grande dilema que rodeia nossas mentes e nosso coração ao desenrolar da trama - que vai num crecente rumo a obliteração como Clube da Luta , ou Magnólia - é o da dinâmica entre titereiro e marionate, afinal . Aquele que se apossa do corpo de outro , não terá a própria identidade, e viverá pelo corpo de outro ser . Aquele que tem o corpo apossado, simplesmente existirá , mas não VIVERÁ efetivamente . Uma relação dolorosa para ambas as partes , mas que nos revela algo a mais : até mesmo aqueles que dominam o corpo alheio , que seriam os denominados ''titereiros'' de humanos , são na verdade meras marionetes , controlados por seus desejos irracionais e irrefreáveis (aqueles que citei no fim do parágrafo anterior) . Alguns, tomam a racionalidade e abandonam seus desejos, se livrando dos fios que os comandam . Outros , entretanto ,dão poder completo a seus desejos , e permancem como meras marionetes, sem expressar vontade própria, pela eternidade.

Diante disso , é preciso grifar um momento ápice de genialidade presente no longa . John Malkovich, personagem do filme, é , afinal, a pessoa mais manipulada e mais ''violada mentalmente '' da trama . Todos adentram seu corpo , tomam atitudes por ele ,vivem sua vida . É a marionete em pessoa . Então, tomando parte do ser que ele é - um famoso ator , que vive muitas vidas e sofre tanto assédio - , o próprio filme formula a pergunta '' O que acontece a um homem que adentra o próprio portal ?'' Ora, a resposta transposta em tela é caótica . E não seria diferente : um ser que é manipulado constantemente, quando encontra o seu eu interior, toma um choque . O resultado nao seria outro além do caos . Brilhante sacada captada pelas lentes de Jonze com sucesso .

Aliás, sem sua equipe preciosa, Quero Ser John Malkovich não teria tanta força . Seu elenco é excelente, com destaque para a competente Catherine Keener, imersa completamente no papel , e uma ovação para o Malkovich ator . Interpretar a si mesmo já não deve ser fácil - repare nas variações delicadas da interpretação, quando Malkovich está entre populares, e entre pessoas do seu meio - e ainda mais interpretar um terceiro incorporado ao seu corpo . Gênio da atuação , é o que se sai melhor no filme que carrega seu nome .

Na parte técnica , temos sucesso em todas as partes . A trilha do mestre Carter Burwell é precisa ao montar , através de notas singulares de piano, verdadeiras sinfonias , que despertam desespero e aflição nos momentos certos, sem perder em nenhum ponto a originalidade de sua composição . Também é válido dizer que em meio a um filme complexo, com muitos pontos de vista e conceitos inéditos e inexplorados que brotaram da mente fértil de Charlie Kaufman, é imprescindível a presença de um bom montador, papel que Eric Zumbrunnen exerce formidavelmente, sabendo cortar velozmente nos momentos certos, dando ao filme um ar enxuto que só auxilia no produto final . Por fim , é impossível não saudar Spike Jonze , diretor que tem um olhar tão peculiar e dado a estranhezas quanto a imaginação e roteiro de Kaufman . Uma dupla perfeita , onde Jonze consegue captar em tela com excelência todas as emoções propostas no papel por Kaufman .

Uma obra de arte exuberante e um marco no cinema em geral , Quero Ser John Malkovich é um filme que aborda temas com sutileza e adequação , e estimula a mente dos espectadores com conceitos inteligentíssimos , intrigantes e completamente originais . Para finalizar ,analisemos a bela cena de abertura que , além de esteticamente deslumbrante, possui muito significado para a obra : Uma dança com música alta e tensa , de uma marionete . Ela salta , corre , e então percebe algo que não esperava . Esperneia, desespera-se , quebra seus pertences e cai no chão , aos prantos . Tudo isso, pois ''vê'' que estava sendo manuseado por um titereiro . E não há tormenta maior, para qualquer ser, do que ser manipulado .

5 Estrelas ***** - Excelente

quarta-feira, 27 de julho de 2011

Old School Trailers

The Ides of March

O formidável trailer do novo filme de George Clooney apresenta de cara o seu conto sobre dilemas morais no mundo da política. Sendo outro filme do engajado ator/diretor, baseado na política, The Ides of March tem como trunfo nessa prévia a aposta em seu competente elenco. Ao dar espaço a Ryan Gosling, cada vez com mais presença cênica, o trailer ganha bastante ao deixar a tensão fluir e os tensos diálogos dos personagens se organizarem. Interessante notar que, além de um exímio cuidado com o visual, Clooney-diretor monta o trailer como um roteiro de filme, ao apontar pistas sobre o caráter dos personagens para depois debatê-los e estudá-los, como prova a cena breve do avião. A aura ameaçadora de Paul Giamatti, se contrapondo a natureza mais idealista do Clooney-ator, também contribui para aumentar a expectativa do drama político.

***** 5 Estrelas

Margin Call

O excelente trailer do filme do estreante J.C. Chandor, que também cuida do roteiro, aposta num ritmo tenso e ágil para ilustrar bem a urgência do desespero que a Crise Econômica provocou no mundo. Interessante ver a visão de poucos homens de uma empresa para o início da quebra da Bolsa. Logo nessa prévia, já dá para vermos diálogos fabulosos como "Nenhuma dessas pessoas na rua tem ideia do que está acontencendo", disparados pelo afiado elenco estelar, que vai de Kevin Spacey a Zachary Quinto, o Spock do novo Star Trek, aqui também atuando como produtor. A tensão deve dar as cartas no agora esperado drama de suspense. A torcida fica para que o diretor saiba dosar o suspense, mesmo sendo estreante e aparentando registrar enquadramentos um tanto truncados, como a cena de Demi Moore e Simon Baker.

**** 4 Estrelas

Battleship

Nova produção relacionada aos brinquedos da Hasbro , ( assim como foi Transformers) Battleship - adaptação do clássico jogo Batalha Naval - ganha seu primeiro trailer . O vídeo mostra uma trama onde alienígenas - que se assemelham irritantemente aos robôs gigantes de Michael Bay - invadem a terra pelo mar , e precisam ser contidos e derrotados pela Marinha dos Estados Unidos . Com uma premissa que tem muito do patético Battle L.A , a prévia ainda abre espaço para piadinhas manjadas , além de proporcionar momentos infames - como aquele onde as balas adentram a lataria de uma embarcação , como ocorre no jogo original . Com Liam Nesson de estrela , o filme conta com Taylor Kitsch , Brooklyn Decker , além da participação de Rihanna . Dirigido por Peter Berg ( de Hancock ) , o trailer pinta uma mistura molhada de blockbusters desagradáveis . É aguardar e torcer pra não ser um desastre .

2 Estrelas **

Red State

O novo filme do diretor Kevin Smith ( de O Balconista 1 e 2), Red State , ganha seu primeiro trailer completo . O longa conta a história de três jovens desajustados , que são capturados por uma família de fanáticos religiosos no interior dos Estados Unidos . Red States, nos EUA , são estados americanos dominados por eleitores republicanos - tradicionalmente intolerantes a ''fornicações'' e altamente religiosos . Ainda que baseada em acontecimentos verídicos , a trama que a prévia propõe é bastante exagerada , montando um clima um tanto tosco - repare no revólver dentro da Bíblia . Com elementos surrados e que beiram o kitsch , o trailer ainda se mostra esteticamente feio , e tecnicamente duvidoso - Smith abusa de takes imaturos e que não demosntram muita evolução em sua técnica . Se esse amadorismo, misturado com uma história tão estranha, pode gerar algum produto original e cool, só aguardando pra saber .

2 Estrelas **

segunda-feira, 25 de julho de 2011

Source Code

Duncan Jones se estabelece com impecável ficção-científica.

O primeiro passo é sempre o mais complexo. Para o filho de David Bowie, foi mais difícil ainda. Ainda que tendo o apoio do pai e a Sony como distribuidora, Duncan Jones tinha apenas 5 milhões para realizar uma ficção-científica existencial. Mesmo com todos os problemas de distribuição mundial, relegando o filme ao home video aqui no Brasil, Moon viu a luz do dia e se consagrou como um dos sci-fi mais instigantes e criativos do século XXI. Já com um BAFTA de Melhor Estreante na lareira, Jones obviamente ganhou mais visão para os produtores. A Summit Entertainment, com os cofres cheios recentemente após realizar a "Saga" Crepúsculo, agora começou a apostar em novos projetos, menores, mas com um bom potencial comercial. Precisando de novos diretores, baratos, para tocar seus projetos, a Summit viu em Jones um diretor para rodar o roteiro de Ben Ripley. Era a escolha óbvia do inglês, portanto, ser um mero diretor de aluguel para o projeto.

Porém, contrariando a lógica e demonstrando personalidade, Duncan Jones deu seu toque de autor para o roteiro e transformou o filme dos produtores da Summit em "Um Filme de Duncan Jones".

Os créditos iniciais são registrados da visão de cima. Chicago, labiríntica e desafiadora, retrata bem o espírito da produção. Sendo preciso ao registrar a cidade dessa maneira, Jones já introduz Source Code de forma elegante. O take que se aproxima com agilidade no trem, marcado pela movimentação do pato na água, é o que dá partida para a jornada de Colter Stevens (e é o que nos liga com as transições Código-Fonte/Trem).

Jornada essa, bem complicada. Assim que acorda abruptamente no trem, o capitão vivido com imenso carisma por Jake Gyllenhaal se vê completamente perdido. A mulher à sua frente parece o conhecer e conversa normalmente com ele. Parecendo assustado com cada movimento estranho, Colter já investiga tudo só no olhar, mesmo confuso e sem saber como foi parar ali. Gyllenhaal capta com perfeição esses trejeitos de investigador, demonstrando para o espectador a capacidade inegável de Colter mesmo antes da trama começar. A coisa piora quando Christina, a mulher da frente, começa a chamá-lo de Sean. E depois de se ver no espelho, comprovando não estar no seu próprio corpo, uma explosão chega.

O mistério dá as cartas desde o princípio. Sendo direto, o filme tenderia a sair perdendo por não apostar em um desenvolvimento de personagens. Porém, quando se entende a proposta de Ripley com seu roteiro, é inegável a admiração pelo trabalho. Quando Colter pergunta o que está havendo, ele ganha as explicações, nem sempre fáceis. Assim como o espectador. Ao optar por revelar cada peça do quebra-cabeças tanto para o protagonista quanto para quem assiste, Source Code se revela mentalmente estimulante. Utiliza celulares, conversas com os especialistas e até meras observações para investigar. Cientificamente simples, sem utilizar muitos termos técnicos (Dr. Rutledge explica de maneira bem concisa o conceito do Código-Fonte para Colter), o filme procura utilizar a ficção-científica como um meio para contar sua história, não o tema principal. O foco do filme é na tensão da investigação e, mais que isso, é no desdobramento das relações de Colter, tanto com Christina quanto com si mesmo. E é satisfatório falar que o filme é absolutamente brilhante nas duas tarefas.

Apostando nas duas vertentes, a de ação e a da emoção, Source Code assim se assemelha a Inception, recente obra-prima de Christopher Nolan. Se as relações de Cobb com seu passado eram angustiantes, as de Colter são potencializadas ao desenrolar da trama. Utilizando o mesmo esquema de solução dos mistérios, o roteiro entrega para o público o mesmo que entrega para Colter. E a cada nova descoberta intrigante sobre a bomba no trem, temos uma descoberta espetacular sobre o capitão. A distância entra as duas obras fica no grau das emoções. Se Inception utiliza as regras da ficção para realizar a sua complexa ação, Source Code tem regras menos complicadas e descomplica-as, se focando na tensão do perigo iminente e na emocionante relação com os passageiros do trem, principalmente Colter e Christina. E nisso, entra mais um acerto de Source Code.

O desenvolvimento de personagens é fundamental. Ao criar situações críveis e emoções genuínas nos rostos de Gyllenhaal e Michelle Monaghan, o filme toma o espectador de assalto, tanto intelectualmente quanto emocionalmente. Os laços afetivos que criamos com os personagens já começam no princípio do filme, mas ao achar o lado humano no meio do thriller, o trabalho de Duncan Jones só engrandece. As atuações genuinamente boas, fruto do excelente diretor de atores que Jones é (lembrem-se do soberbo Sam Rockwell em Moon), só aumenta essa identificação do espectador com os personagens. Enquanto o competente Gyllenhaal demonstra carisma, Monaghan aposta nas composições físicas para atuar. O roteiro faz metade do desenvolvimento e o olhar sereno de Monaghan fazem o resto. O fato da atriz estar divinamente bela e apaixonante no filme entra na equação, já que torna mais verossímel o interesse de Colter em Christina.

Essas emoções que o filme aposta só aumentam gradativamente. Nisso, o genérico título Contra o Tempo se dilui mais fácil ainda. Sugerindo uma trama apenas de perseguição, o título brasileiro só aponta um segmento do roteiro do filme. A tradução Código-Fonte seria muito mais eficaz já que, além de dar uma aura cult ao projeto, exploraria o mecanismo tanto científico quanto emotivo da produção. O tal Source Code é a porta tanto para a realidade do trem quanto para a confusa mente de Colter. Já Contra o Tempo aproxima Source Code de filmes como Ponto de Vista. E diferente do repetitivo filme de 2008, Source Code nunca soa forçado ou cansativo, sendo tenso e brilhante a cada segundo. Mesmo voltando constantemente para a mesma situação, Colter leva com bom humor as passagens repetidas (antecipando alguns movimentos) e procura, racionalmente, resolver cada peça a cada vez que volta, o que é ótimo para a fluidez do projeto.

O clímax, vale notar, é preciso ao finalizar com perfeição um dos segmentos do filme e ainda oferecer um angustiante "epílogo", com um sentimento que deriva justamente da ligação profunda que Jones e Ripley criaram com seus personagens. É complicado explicar sem spoilers, mas vale apenas dizer que em certo ponto, quando Colter olha para uma sorridente Christina, a emoção é contagiante. E a ótima fotografia de Don Burgess, em conjunto com a correta trilha de Chris Bacon, auxiliam a contar momentos de puro brilhantismo, como uma passagem em que a câmera passeia pelo vagão num instante singelo e extremamente simbólico.

Não satisfeito em acertar nos dois lados da alma do ser humano, Source Code ainda cria conceitos extremamente interessantes para uma ficção-científica. Ripley se diverte ao apresentar explicações sobre subsolos de realidade e vias espaciais alternativas. Despretensioso e feel-good, Source Code é perfeito nas suas escolhas e se apresenta como um dos melhores filmes do ano até aqui. Ao continuar respeitando as escolhas dos clássicos de ficção, Duncan Jones acerta em cheio em seu segundo trabalho absurdamente memorável. Caminhando a largos passos para se tornar um dos grandes do Cinema recente, Jones ainda se demonstra versátil ao criar projetos racionais em conceito mas focados no drama humano. Em Moon, Sam Bell tinha crise de identidade por ser um clone. Em Source Code, Colter Stevens tem uma crise justamente por não se reconhecer ao olhar no espelho, literalmente.

E depois de tantos sentimentos envolvidos nos ágeis 92 minutos, é revigorante saber que esse era exatamente o lugar que Colter devia estar. Momentos como o vagão sorridente, são eternos.

Para nós e para Colter. Assim como toda informação que é mostrada nesse excepcional Source Code.

***** 5 Estrelas

quinta-feira, 21 de julho de 2011

Old School Trailers

In Time

O trailer estendido do novo filme de Andrew Niccol introduz muito bem a trama e, embalado por uma boa trilha, deixa mais ansioso ainda o espectador ávido por uma ficção-científica de qualidade. Com um interessante conceito de tempo como dinheiro, In Time ainda conta com a presença de cena imponente do cada vez melhor Justin Timberlake e da talentosa Amanda Seyfried. Prometendo desde já abordar questões como a imortalidade, o trailer do filme só mostra o que é um tema recorrente na filmografia de Niccol: Usar a ficção para debater temas filosóficos relevantes e atuais. Ainda utilizando engraçados trocadilhos com tempo (Don't waste my time) e o novo contexto monetário (Follow the Time é o novo Follow the Money), In Time têm uma ótima prévia que conta com um instigante ritmo. Promessa boa para o fim de ano.

***** 5 Estrelas

Drive

O estiloso trailer do novo filme de Nicolas Winding Refn, do soberbo Valhalla Rising, é hábil ao apresentar bem o caráter do trabalho do protagonista, vivido por Ryan Gosling, sem se estender. Já dando uma prévia das perseguições filmadas pelo diretor premiado em Cannes, o trailer ainda aposta na trilha mais incidental eletrônica que Refn utilizou no ousado Bronson, em 2009. Mostrando a natureza suja e criminosa de seu filme, Refn impõe frases de efeito fantásticas (a das mãos sujas é genial) e atira seu arsenal de estilo nas sequências de violência com música calma ao fundo, o que rende momentos tão lindos quanto o beijo de Gosling em Carey Mulligan, quanto brutais, a sequência no elevador e a martelada na cara. É de se esperar um novo filme brilhante de Refn, se firmando cada vez mais como um dos grandes diretores dessa geração. Parece que nem ao mesmo em Hollywood ele se deixou comprar pelos produtores.

***** 5 Estrelas

Haywire

Mais um dos últimos projetos já finalizados do diretor Steven Soderbergh , Haywire - que tem lançamento previsto para 20 de janeiro de 2012 - ganha seu primeiro trailer . Como de costume na sua carreira , Soderbergh varia entre grandes projetos e produções experimentais - e esse último tipo é o caso de Haywire . Como grande diferencial do longa, temos a presença de uma protagonista não-atriz (como Soderbergh também fez em The Girlfriend Experience) . Gina Carano, ex-lutadora de MMA , é a heroína do filme de espionagem , que não parece inventar muito em roteiro , mas tem estilo de filmagem e pancadaria de sobra em sua prévia . Na trama , Mallory Kane ( Carano) é uma ex-oficial de operações especias que trabalha para um grupo privado de ações militares . Quando traída por um dos seus companheiros de equipe , passa a buscar vingança . Recheado de estrelas coadjuvantes - Micahel Douglas , Antonio Banderas , Ewan McGregor - seria este um Salt mais brutal , que viria a dar certo ? É esperar pra ver .

3 Estrelas ***

ATUALIZADO DIA 24 DE JULHO

Footloose

O remake do filme de 1984, que revelou Kevin Bacon para o mundo, tem o primeiro trailer, já mostrando tudo que o filme pretende. Com a mesma trama do original, sobre o garoto apaixonado por música que chega para uma cidade onde a mesma é quase proibida, o filme havia sido escrito sob medida para Zac Efron estrelar, com a direção do coreógrafo Kenny Ortega. Os dois acabaram saindo do remake, que caiu nas mãos muito mais habilidosas de Craig Brewer (Black Snake Moan e Ritmo de um Sonho), mas o tom ligeiramente similar a High School Musical permaneceu, com o galã dançarino e a menina apaixonada. Uma atualização para um novo público jovem parece se ensaiar, portanto. O Fusca também está lá, para os fãs mais ferrenhos. Provavelmente fiel ao original, o remake tem nesse trailer uma boa síntese do que será, mostrando danças, beijos, conflitos dramáticos, explosões (?!?!) e etc. Uma boa pedida para os fãs dos musicais e do original. Para os não-fãs, resta ver a atualização que Brewer dará ao clássico oitentista.

*** 3 Estrelas

quarta-feira, 20 de julho de 2011

Além da Linha Vermelha

A mensagem da Guerra de Terrence Malick

Diferente de outros diretores que surgiram em sua geração , Terrence Malick tem uma cinematografia completamente peculiar : não se entrega a qualquer projeto , não faz qualquer filme , tem personalidade forte - quase excêntrica - e se apega fortemente á mensagem . Mas não á mensagem cinematográfica particular de cada um de seus filmes - como muitos outros cineastas fazem - mas á mensagem que quer passar na sua carreira, na sua existência como artista . É o raro caso do diretor americano que tem um discurso tipicamente europeu, e talvez seja por isso, por essa combinação do melhor de dois mundos, que Malick seja tão admirado e ovacionado, mesmo tendo uma carreira tão diminuta em número de longas .

E a principal mensagem que Terrence Malick se apega para transmitir, ao longo de sua carreira, talvez seja o tema clássico do Homem X Natureza . Desde seu primeiro filme, o excelente Badlands (1973) , a mensagem já existia nos seus trabalhos . E se em Badlands, a mensagem foi um tanto quanto irônica - o homem, presumidamente equilibrado, era selvagem ; a natureza, tida como selvagem, demonstrava puro equilíbrio - e inusitada - a psicose de Kit e Holly gerava risos nervosos - em seu longa de retorno ( após cerca de 20 anos longe das câmeras) Malick trouxe um tema simplesmente perfeito para retratar sua citada dualidade : A Guerra . Desse modo , em 1998 , Terrence Malick faz - tanto tempo depois de seu último trabalho até então , Cinzas no Paraíso - Além da Linha Vermelha , um filme contando a história da companhia C , na Segunda Guerra Mundial, no eixo do conflito no Pacífico .

A escolha de tema é genial por poder implantar a dualidade no longa a todo o momento . Ao mesmo tempo que podemos ver a loucura dos seres humanos grifada em tela - e a guerra é um dos temas que faz isso melhor - temos sempre a natureza como plano de fundo literal . Afinal , o que está fomando o cenário dos eventos ? Onde os soldados estão ? A natureza está em todo o lugar , e as cenas da Segunda Guerra permitem destrinchar ao melhor estilo Malick, toda a gama de interpretações e subtextos que aquela combinação pode gerar .

A partir dessa conclusão , Malick já inicia seu filme, logo no fotograma de abertura , com uma sacada genial . Um take único, simples e de breve duração : Um crocodilo adentra as águas de um lago escuro, desaparecendo lentamente enquanto submerge . Ou seja, através de elementos legítimos da fauna e da flora , podemos captar a insegurança e o temor humanos presentes na guerra . O crocodilo entrou no lago . A tensão instaurou-se . Uma bela mensagem inicial para abrir o espetáculo que virá a seguir . Após isso, somos apresentados , aos poucos - com takes de beleza singular - aos diversos personagens com os quais lidaremos ao longo da exibição . Todos integrantes da já citada Companhia C , que se dirige ás proximidades do Japão, para seguir com os conflitos norte-americanos no Pacífico . Não demora muito para que os personagens se agrupem nos barcos que os levarão até uma ilha , ilha essa onde se desenrolarão as batalhas .


Desde já , somos acostumados a lidar com um recurso muito típico de Malick, que funciona incrivelmente bem em seus filmes, o que na mão de outros poderia virar didatismo incorreto : narrações em off . Aqui , elas permitem ouvir os pensamentos mais internos e melancólicos dos soldados , o que denota uma possibilidade de entender a Guerra em questão, por uma dimensão maior, mais aprofundada e imersiva - e por conseguinte, também mais dramática .

E quando começam as batalhas , o estudo da mensagem de Malick também começa : A cada vitória, há também o terror e o questionamente perante a violência . A sanguinolência, os horrores da guerra em cada um de seus milímetros são capturados pelas lentes sensibilíssimas do diretor . Cada soldado reage de um jeito , mas quase todos revelam a mesma incompreensão, o mesmo desespero frente a insanidade humana . Um retrato perfeito desta insanidade é construído , e ele só se destaca mais, frente á perfeição e equilíbrio da natureza . Em tela, essa dualidade ( homem X natureza ) é traduzida em takes imortais , como aquele em que borboletas azuis voam despretenciosamente sob uma mina que explode ; ou no caso em que um jovem soldado, a beira da morte , encontra o fim do seu desespero ao contemplar uma singela vegetação no contra-luz... São detalhes, mas que constroem uma belíssima crítica á humanidade, através de um desbunde , tanto em simbolismo, quanto em excelência técnica - os planos abertos de Malick e a fotografia sublime de John Toll , quando combinados á paisagem, geram arrepios.

A obra só não é impecável por um fator : Ao utilizar a guerra como artifício para construir sua mensagem , Malick acaba se perdendo dentro do tema , e torna a própria guerra - por si só - um tema a ser abordado no filme . Aí brotam muitos personagens desnecessários , - verdadeiro excesso de estrelas, por consequência - sequências que tratam de hierarquia dentro do batalhão, e toda uma gama de assuntos que são pertinentes á didática geral da guerra , mas não ao foco principal - a crítica aos humanos e seu paralelo frente a natureza . Desse modo, talvez imbuído de uma vontade de criar um grande épico de guerra , Malick deixa uma duração gigante - 170 minutos - e dilui sua mensagem com excesso de arestas que poderiam - e deveriam - ser aparadas . Mistura o essencial - sua mensagem - com o meramente descartável e acidental - todas as dinâmicas de guerra dispensáveis . Diluindo conteúdo, Além da Linha Vermelha perde um pouco de sua força . Não foi aqui que Malick conseguiu a perfeição , porém, chegou muito perto .

Mas mesmo estando um pouco diluída , a mensagem vital permanece lá . E se prestarmos atenção ao desfecho do longa - que é genial e incrivelmente emocionante - podemos aprender muito com ele . Se ele nos fisga no início com o discurso do soldado Witt , ( Jim Caviezel , o verdadeiro protagonista, se há algum ) - repare no conto de Witt sobre sua mãe, logo no começo do filme - o seu final só nos permite entender que ainda há homens que aprendem com a sabedoria da natureza, com o equilíbrio da vida . E se é possível possuir tais sentimentos provenientes da natureza dentro de nós , ora, então ainda há esperança . Para todos nós .

4 Estrelas **** - Excelente

terça-feira, 19 de julho de 2011

Miami Vice

O sexo, as drogas e o Rock 'n' Roll de Michael Mann.

Diretor arrojado de filmes policiais, Michael Mann raramente se entrega a outros gêneros. Se O Último dos Moicanos e Ali são filmes históricos, Profissão Ladrão, Inimigos Públicos e Colateral são policiais desde sua essência. Tendo realizado apenas um filme realmente ruim, o inexplicável The Keep, Mann é bem subestimado nas premiações em geral. Esquecido pelo Oscar em 1995 por sua obra-prima Fogo contra Fogo (assim como ocorreu com Cassino, no mesmo ano), Mann foi indicado apenas uma vez por O Informante. É uma pena, porém, que essa subestimação sobre o diretor ocorra também com Miami Vice, seu nono filme.

Tubbs e Sonny estão numa boate de noite. Sendo cuidadosos desde o princípio, estudando cada pessoa do ambiente, eles estão ali para pegar um criminoso, não necessariamente alguém importante. Com Linkin Park tocando ao fundo, os policiais conseguem seguir seu modus operandi mesmo no meio daquele caos. A partir dali, o caos se instala de vez e algo dá errado. No meio da ação, o telefone de Sonny toca. É Alonzo Stevens, seu informante, vivido por um ótimo John Hawkes. Muitas palavras desconexas, com um desespero crescente em sua voz, Alonzo pede a ajuda de Sonny e o encarrega de cuidar de Leonetta pois ele está fugindo da cidade. Não tarda para que a dupla saia imediatamente da boate para cuidar do possível caso que eles tem ali. E ao longo da projeção, a admiração por essa cena inicial só cresce pois, além de apresentada de maneira competente, ela é a porta para o espectador entrar no filme. Tubbs e Sonny saem do caso do cafetão para investigar o caso de Alonzo por pura conveniência do momento, por ser mais importante. E isso é algo que ocorre durante toda a projeção, diversas vezes. A sensação de impotência dá as cartas em Miami Vice.

O realismo com que Mann trata a trama policial é o fator que mais chama atenção no filme. O espectador é jogado no meio dos casos, no meio da ação, sendo localizado da mesma forma que os protagonistas. Uma passagem que prova isso é a conversa com o agente do FBI John Fujima, que os chama para a missão da mesma forma que o público fica sabendo, sem uma passagem prévia do agente teorizando com seus subordinados sobre o seu plano. Em algumas cenas, aliás, o público é apresentado à situação sem saber nada dela, com os protagonistas conversando normalmente sem explicar nada. Uma grande antítese aos filmes policiais onde tudo é explicado: se naqueles projetos sempre temos alguém novato pra ser nosso representante em tela, aqui nós somos desafiados por Mann. Um respeito admirável á capacidade intelectual do espectador. E mais interessante ainda é ver que, ao longo da projeção, o espectador pode se ver aprendendo o trabalho dos detetives para acompanhá-los, como prova a excelente cena que Tubbs elabora datas falsas pra descobrir qual é a agência que possui um informante interno, apenas um exemplo dos vários que demonstram o perfeito raciocínio dos detetives.

Pouco antes da conversa, a crua cena da morte dos agentes do FBI após uma transação com os Supremacistas Brancos, neo-nazistas dos quais Sonny e Tubbs foram encarregados de prender, é o início do tratamento da violência que Mann trabalha. Diferente do caricatual exagero de um Bad Boys II e da censura PG-13 de um blockbuster comum, Miami Vice entrega um duro realismo em cada bala disparada. A urgência dos tiroteios, registrados pela soberba câmera do fotógrafo Dion Beebe, dão a sensação de que algo ruim vai acontecer. Sendo um projeto policial mais técnico e pesado, o filme submete os detetives aos testes mais impressionantes ao introduzir uma trama cruel e impiedosa. Nada de meros disfarces e identidades falsas (ou grampos telefônicos). A dupla pula de caso em caso e não sabe onde vai dar. Antes eram os Supremacistas, depois Jose Yero. E agora? Quem será o bandido? Em pensar que tudo começou com um cafetão numa boate.

A imersão na infiltração é completa, complexa, intrincada. A brilhante cena de introdução de Jose Yero, em que Tubbs e Sonny se apresentam como transportadores de drogas, é impressionante de tão real. A confiança no disfarce e no poder de suas palavras faz Tubbs inclusive acusar o traficante de agente do FBI, questionando se ele está disfarçado para pegar o esquema dos ditos transportadores. A ameaça final (envolvendo uma boa referência a Jackson Pollock, até) é arrasadora por mostrar o quão habituados ao crime aqueles detetives estão. Essa competência incrível de Tubbs e Sonny são levadas ás últimas consequências. Sabemos que eles são capazes, mas o peso da investigação é tão grande que é fácil pensar que a maioria iria sucumbir ao Vício de Miami do título. E sobre competência, é dito profissionalmente. Emocionalmente, o grau é mais elevado ainda.

O desenvolvimento de personagens é a chave quando o roteiro toma os rumos mais dramáticos. Enquanto Tubbs é definido como um homem decidido, responsável, centrado, Sonny é o elo mais fraco da dupla. Mais emotivo e impulsivo, é Sonny que acabará se envolvendo mais do que deveria. E Colin Farrell capta com perfeição essas características de Sonny. Repare como Sonny parece ser um menino irresponsável perto de figuras mais imponentes como Isabella e o próprio Tubbs. Quando Isabella seca o cabelo de Sonny com a toalha, parece até a mãe dele. As cenas no chuveiro, tanto de Tubbs quanto de Sonny, mostram bem a diferença entre os dois. Enquanto a de Tubbs mostra seu amor e carinho pela namorada (não por acaso, uma policial, o que retrata a fidelidade de Tubbs pela polícia e pela amada), a cena de Sonny mostra a dúvida, a falta de decisão, o conflito, tudo pelo olhar. Nada mais natural, portanto, que Sonny seja o infiltrado que tem dúvidas sobre qual o caminho certo. E essa perigosa decisão do roteiro, que poderia soar clichê como Avatar ou Velozes e Furiosos, é trabalhada com brilhantismo por Mann.

O caminho que os detetives trilham é tão imprevisível que é natural como a gravidade que um deles acabe sucumbindo. Com Sonny sendo desenvolvido como mais imaturo, é normal a dúvida. Só por isso, o clichê já seria amenizado. Porém, Mann vai além ao subverter o clichê ao alterar o desfecho da jornada. Enquanto numa trama comum o infiltrado iria pro outro lado, em Miami Vice Sonny não se deixa levar. Fora que, provando estar dirigindo um policial adulto como poucos, Mann abraça a emoção visceral sem medo. Não é pelos milhões e pela vida fácil de criminoso que Sonny se apaixona. É por Isabella. A cena de sexo dos dois é mais libertadora que prazerosa. O choro tem explicação. É o choro de saber que dificilmente ficarão juntos, desde quando se viram pela primeira vez. E a dor de saber que o desfecho pode não ser mesmo recompensador é o que torna o filme mais fascinante.

A angústia de estar solitário, sozinho no fogo, move os personagens. Não podendo confiar em nenhuma agência (o FBI precisou consultar a Miami-Dade para executar a ação federal), Tubbs e Sonny andam em carros de barões de drogas, os encontram e saem sem a mínima cobertura. E a eficiência do roteiro de Mann se nota até aí, nas sutilezas. Sabemos tanto que as agências são corruptas como Arcángel (o barão das drogas) é poderoso porque Tubbs viu que o sistema de cobertura de sinal do criminoso é coisa de alta inteligência, como a CIA. O desenvolvimento dos traficantes também é magistralmente realizado. Se Jose Yero é alguém em conflito contra os métodos dos protagonistas, Arcángel é um homem frio e enigmático. Por isso, quando chega o único momento de fúria, Mann o registra de costas, representando o auto-controle incrível que o traficante exerce em não deixar transparecer suas falhas e emoções.

Emoções, aliás, que á algo tão presente nos vívidos Tubbs e Sonny, é o que falta em Arcángel. A reveladora conversa do traficante com Isabella em seu quarto mostra bem o contraste entre os protagonistas e o antagonista. Esquematizando de maneira distante e incisiva um plano, Arcángel é objetivo ao dizer que ao fim do serviço, os transportadores devem morrer. O protesto da antes fria Isabella demonstra que ela se sentiu mexida (e também se apaixonou) por Sonny. Ao convencê-lo do contrário, Isabella pensa não ter deixado aparecer suas emoções, mas esse é um trunfo apenas de Arcángel, que capta pelo olhar (com a câmera de Mann fixa em seus olhos) a possível mentira. A dúvida que o traficante tem na relação perigosa com Isabella se concretiza, junto com o público, já que Mann é perfeito em não demonstrar com clareza se é amor ou ganância que movem a determinada personagem vivida pela excelente Gong Li.

A trilha sonora de John Murphy contribui muito para o clima de melancolia do filme. Investindo bastante no rock progressivo para pontuar a tensão durante os diálogos e segmentos mais cadenciados, Murphy utiliza desde Mogwai até Moby para aumentar a angústia. E se outro compositor escolheria uma trilha mais agitada para a ação, Murphy é feliz ao utilizar um piano mais agressivo e pausado, que só potencializa a gravidade das situações. Soberbo.

Esse pesar se reflete na fotografia. Ao fotografar os personagens de Mann sempre no escuro, sempre com um ambiente azulado, frio, Dion Beebe cria um ambiente triste e que, ao mesmo tempo, é extremamente realista. Utilizando um grão muito grosso, Beebe auxilia a direção frenética e quase-documental de Mann a estabelecer um policial de verdade. Momentos de puro primor técnico, como o tiroteio final, que possui um take em particular que é notável: quando um bandido é morto, o sangue espirra na câmera. Esta se levanta e aponta em direção á luz, mostrando com clareza o granulado da câmera e a selvageria do confronto, ao mesmo tempo que contempla a luz de forma divina. Impecável.

E se Miami Vice é um triunfo narrativo e de desenvolvimento de personagens, quase um estudo, tecnicamente é um desbunde visual. Com a direção mais espetacular da carreira de Michael Mann, o filme se consolida como um belo exemplo de projeto incompreendido em sua época de lançamento. Agressivo, implacável, emocionante, Miami Vice ainda termina com uma tristeza desoladora. No epílogo, a carga emocional do encontro de Sonny e Isabella é de cortar o coração. A sensação de impotência diante da situação é notável de tão realista. O abraço é a chave do choro. Desde que Neil McCauley largou sua namorada para fugir de Vincent Hanna em Fogo contra Fogo, Michael Mann nunca deu um fim fácil a seus personagens. Ele sempre soube o poder de uma boa história. No clímax em especial, perfeito no ponto de vista técnico e narrativo, a melancolia é sentida pela maneira mais estranha que já se fez num filme policial de ação. Nunca ninguém ficaria triste porque um bandido morreu. Não por pena do bandido.

Mas porque o caso, que quase consumiu nossos heróis ao longo da projeção, foi perdido.

***** 5 Estrelas

Old School Trailers

The Dark Knight Rises

Depois de tanta expectativa sobre o aguardadíssimo teaser do novo filme do Cavaleiro das Trevas, enfim é divulgado oficialmente na internet o primeiro vídeo da produção . Com um minuto e meio, a prévia de The Dark Knight Rises é breve , mas suficientemente impactante . Iniciando-se com frases e cenas dos espetaculares filmes anteriores , o trailer mostra um Comissário Gordon hospitalizado e enfraquecido , pedindo a Bruce Wayne que o Batman retorne . Caso contrário, Gotham poderá sucumbir perante um inimigo poderoso - e então , de relance, aparece a figura de Bane ( interpretado por Tom Hardy). Como já mostrava o belo teaser poster , vemos a imagem do morcego sendo formada perante edifícios destruídos , que então cede lugar ao título . Será esse o apocalipse de Batman no cinema ? Como toda boa campanha de Christopher Nolan , o teaser só multiplica as indagações e injeta mais expectativa - principalmente após a cena que encerra o vídeo, onde o Batman recua perante o montanhoso Bane . Impossível ficar mais ansioso.

5 Estrelas *****

quarta-feira, 13 de julho de 2011

Old School Trailers

ATUALIZADO EM 14 DE JULHO

John Carter

Embalado por a trilha arrebatadora do Arcade Fire, o trailer de John Carter já chega demonstrando bem ao que veio, com uma direção de arte impecável e um design de efeitos especiais incrível. Começando com uma boa recriação de época, o trailer logo joga John Carter (vivido por Taylor Kitsch) na trama de aventura em Marte, conhecendo a Princesa do título nacional do livro e tendo um primeiro contato com seus poderes. Apresentando uma montagem mais característica a um teaser, ainda que apresente a história do filme, o trailer empolga e mostra que a John Carter pode ser tudo o que Avatar quis recentemente. Promessa de uma belíssima aventura de ficção-científica, com o selo de qualidade de Andrew Stanton, diretor das obras-primas Wall-E e Procurando Nemo.

***** 5 Estrelas

Contagion

O primeiro dos últimos filmes de Steven Soderbergh - que já anunciou a aposentadoria após realizar seus próximos projetos - Contagion , ganha seu primeiro trailer, estrelado e belíssimo . Com um ar documental , o vídeo mostra o início de um contágio da humanidade por um vírus letal , transmitido pelo ar . ''Gastando'' seus atores sem economias , Soderbergh já ''empacota'' Gwyneth Paltrow logo de cara , e lança bases para uma interessante produção , num estilo ensemble cast , que pode vir a dar uma visão completamente nova ao sub-gênero de filmes de contágio . Se tratando de Soderbergh - trabalhando com um elenco que conta com Matt Damon , Marion Cottilard , Kate Winslet , Jude Law e tantos outros - nunca se espera menos do que um filme de ponta .

4 Estrelas ****

Restless

O novo filme de Gus Van Sant, o primeiro após a consagração por sua indicação em Milk, apresenta uma mistura curiosa dos dois tons das produções do diretor. Combinando a estética mais apurada de filmes como Gênio Indomável e a trama emocional tipicamente indie de Paranoid Park, Restless estreou em Cannes arrancando grandes elogios de vários críticos respeitados. Prometendo uma bela reflexão sobre a vida e a morte, o filme ainda parece usar com habilidade a fotografia dessaturada pra representar a frieza de seus personagens e insegurança perante o desconhecido, com atuações graciosas de Mia Wasikowska e Henry Hooper. Uma grande pedida para o circuito restrito em 2011, como Sleeping Beauty.

***** 5 Estrelas

War Horse

Sendo um dos dois filmes que Steven Spielberg lançará esse ano, War Horse mostra que o cineasta continua com um imenso vigor. Ainda que um drama mais fácil de ser feito que a aventura grandiosa que será Tintin, o filme ganha uma prévia que sugere um tom épico tão grande (ou maior) quanto a do aventureiro belga. Soando um tanto exagerado, denunciando o glamour que o diretor acrescenta até às suas menores obras, o trailer mostra uma montagem eficaz mesclando a edificante trilha de John Williams com a fabulosa fotografia de Janusz Kaminski, dois colaboradores frequentes de Spielberg. Promessa de uma obra bem emocionante e que explore a trama de amizade de um garoto e seu cavalo, o que, em suma, é uma trama típica do diretor. O tom grandioso demais poderia diminuir bastante a expectativa, mas sendo um roteiro escrito por Lee Hall (Billy Elliot) e Richard Curtis (Simplesmente Amor), a expectativa mantém-se (quase) inabalada.

**** 4 Estrelas

As Aventuras de Tintin

O outro filme de Spielberg, baseado na extensa obra do quadrinista belga Hergé, tem um novo trailer empolgante, que mantém o tom aventuresco do teaser. Tendo um visual interessante pela caricatura de personagens e o belíssimo realismo das construções da direção de arte, Tintin ainda é satisfatório com o tratamento ao material original, tendo passagens e diálogos muito parecidos com uma das HQs que inspira o filme, o arco de O Segredo do Licorne. O terreno da aventura, já bastante explorado por Spielberg nos anos 80, com Indiana Jones e as produções da Amblin, se alia á inocência marcante das histórias de investigação do repórter e seu cachorro. Porém, se a trilha e a fotografia ficam espetaculares na ótima prévia, fica a ressalva sobre o arriscado visual (ainda que belo e coerente com as HQs) do Motion Capture animado adotado por Spielberg, que além de não dar o realismo que o público espera, ainda torna Tintin um projeto mais arriscado do que já é por natureza.

**** 4 Estrelas

Apollo 18

O filme produzido por Timur Bekmambetov, o criativo diretor de O Procurado, pega a estética de projetos como REC e Cloverfield pra contar uma história espacial, na Lua, sobre a missão perdida dos anos 70. É interessante analisar a proposta do filme pois além de ser uma ideia original (afinal, o contexto não foi totalmente explicado na vida real, deixando margem pra criar), tecnicamente é bem competente. O trailer apresenta uma montagem eficaz, que vai aumentando gradativamente a tensão até o final catártico. Ainda que invista em certos sustos bem manjados, como o "susto falso" que o astronauta dá na câmera ou quando um dos americanos é puxado pra dentro de uma cratera, o trailer pelo menos dá um bom panorama do filme e o que se esperar dele, ainda encontrando espaço pra sub-tramas bem instigantes (como a do capacete soviético). Apollo 18 deve ser uma boa promessa do gênero pro final do ano.

*** 3 Estrelas

Sherlock Holmes 2

O primeiro trailer da sequência do mediano filme de 2009 apresenta uma interessante abordagem visual mais sombria, ainda que com os tons acinzentados da fotografia que marcou o primeiro. Apostando na ágil direção de Guy Ritchie, nas atuações leves de Robert Downey Jr. e Jude Law e na plasticidade das imagens em câmera lenta, o novo filme do detetive promete ser uma repetição da fórmula que deu certo, agora apresentando o Professor Moriarty. Ainda tendo como destaque a instigante jogada de fazer a batida da música em sincronia com as explosões e tiros, a partir de seus 30 segundos finais, o trailer é empolgante e inicia muito bem a divulgação do filme, que lançará ainda esse ano.

**** 4 Estrelas

Moneyball

O excelente trailer do próximo filme de Bennett Miller, diretor de Capote, apresenta elementos dramáticos consagrados e se coloca como um potencial candidato ao Oscar em diversas categorias. Se já não fosse empolgante suficiente o fato do roteiro ser do competente Steven Zaillan e do excelente Aaron Sorkin, de A Rede Social, o filme ainda conta com um elenco soberbo, com Brad Pitt entrando já na disputa de melhor ator. A trilha inspiradora, em conjunto com a montagem que oscila entre o cool e o drama de superação, colocam o filme bem próximo de O Vencedor, que utilizava uma trama esportiva de "volta por cima" para colocar elementos angustiantes e cômicos. A montagem final, que demonstra também o cuidade estético de Miller e o diretor de fotografia Wally Pfister, mostram bem como o filme se demonstrará tocante. Um grande projeto para o fim de ano das premiações.

***** 5 Estrelas