Duncan Jones se estabelece com impecável ficção-científica.
O primeiro passo é sempre o mais complexo. Para o filho de David Bowie, foi mais difícil ainda. Ainda que tendo o apoio do pai e a Sony como distribuidora, Duncan Jones tinha apenas 5 milhões para realizar uma ficção-científica existencial. Mesmo com todos os problemas de distribuição mundial, relegando o filme ao home video aqui no Brasil, Moon viu a luz do dia e se consagrou como um dos sci-fi mais instigantes e criativos do século XXI. Já com um BAFTA de Melhor Estreante na lareira, Jones obviamente ganhou mais visão para os produtores. A Summit Entertainment, com os cofres cheios recentemente após realizar a "Saga" Crepúsculo, agora começou a apostar em novos projetos, menores, mas com um bom potencial comercial. Precisando de novos diretores, baratos, para tocar seus projetos, a Summit viu em Jones um diretor para rodar o roteiro de Ben Ripley. Era a escolha óbvia do inglês, portanto, ser um mero diretor de aluguel para o projeto.
Porém, contrariando a lógica e demonstrando personalidade, Duncan Jones deu seu toque de autor para o roteiro e transformou o filme dos produtores da Summit em "Um Filme de Duncan Jones".
Os créditos iniciais são registrados da visão de cima. Chicago, labiríntica e desafiadora, retrata bem o espírito da produção. Sendo preciso ao registrar a cidade dessa maneira, Jones já introduz Source Code de forma elegante. O take que se aproxima com agilidade no trem, marcado pela movimentação do pato na água, é o que dá partida para a jornada de Colter Stevens (e é o que nos liga com as transições Código-Fonte/Trem).
Jornada essa, bem complicada. Assim que acorda abruptamente no trem, o capitão vivido com imenso carisma por Jake Gyllenhaal se vê completamente perdido. A mulher à sua frente parece o conhecer e conversa normalmente com ele. Parecendo assustado com cada movimento estranho, Colter já investiga tudo só no olhar, mesmo confuso e sem saber como foi parar ali. Gyllenhaal capta com perfeição esses trejeitos de investigador, demonstrando para o espectador a capacidade inegável de Colter mesmo antes da trama começar. A coisa piora quando Christina, a mulher da frente, começa a chamá-lo de Sean. E depois de se ver no espelho, comprovando não estar no seu próprio corpo, uma explosão chega.
O mistério dá as cartas desde o princípio. Sendo direto, o filme tenderia a sair perdendo por não apostar em um desenvolvimento de personagens. Porém, quando se entende a proposta de Ripley com seu roteiro, é inegável a admiração pelo trabalho. Quando Colter pergunta o que está havendo, ele ganha as explicações, nem sempre fáceis. Assim como o espectador. Ao optar por revelar cada peça do quebra-cabeças tanto para o protagonista quanto para quem assiste, Source Code se revela mentalmente estimulante. Utiliza celulares, conversas com os especialistas e até meras observações para investigar. Cientificamente simples, sem utilizar muitos termos técnicos (Dr. Rutledge explica de maneira bem concisa o conceito do Código-Fonte para Colter), o filme procura utilizar a ficção-científica como um meio para contar sua história, não o tema principal. O foco do filme é na tensão da investigação e, mais que isso, é no desdobramento das relações de Colter, tanto com Christina quanto com si mesmo. E é satisfatório falar que o filme é absolutamente brilhante nas duas tarefas.
Apostando nas duas vertentes, a de ação e a da emoção, Source Code assim se assemelha a Inception, recente obra-prima de Christopher Nolan. Se as relações de Cobb com seu passado eram angustiantes, as de Colter são potencializadas ao desenrolar da trama. Utilizando o mesmo esquema de solução dos mistérios, o roteiro entrega para o público o mesmo que entrega para Colter. E a cada nova descoberta intrigante sobre a bomba no trem, temos uma descoberta espetacular sobre o capitão. A distância entra as duas obras fica no grau das emoções. Se Inception utiliza as regras da ficção para realizar a sua complexa ação, Source Code tem regras menos complicadas e descomplica-as, se focando na tensão do perigo iminente e na emocionante relação com os passageiros do trem, principalmente Colter e Christina. E nisso, entra mais um acerto de Source Code.
O desenvolvimento de personagens é fundamental. Ao criar situações críveis e emoções genuínas nos rostos de Gyllenhaal e Michelle Monaghan, o filme toma o espectador de assalto, tanto intelectualmente quanto emocionalmente. Os laços afetivos que criamos com os personagens já começam no princípio do filme, mas ao achar o lado humano no meio do thriller, o trabalho de Duncan Jones só engrandece. As atuações genuinamente boas, fruto do excelente diretor de atores que Jones é (lembrem-se do soberbo Sam Rockwell em Moon), só aumenta essa identificação do espectador com os personagens. Enquanto o competente Gyllenhaal demonstra carisma, Monaghan aposta nas composições físicas para atuar. O roteiro faz metade do desenvolvimento e o olhar sereno de Monaghan fazem o resto. O fato da atriz estar divinamente bela e apaixonante no filme entra na equação, já que torna mais verossímel o interesse de Colter em Christina.
Essas emoções que o filme aposta só aumentam gradativamente. Nisso, o genérico título Contra o Tempo se dilui mais fácil ainda. Sugerindo uma trama apenas de perseguição, o título brasileiro só aponta um segmento do roteiro do filme. A tradução Código-Fonte seria muito mais eficaz já que, além de dar uma aura cult ao projeto, exploraria o mecanismo tanto científico quanto emotivo da produção. O tal Source Code é a porta tanto para a realidade do trem quanto para a confusa mente de Colter. Já Contra o Tempo aproxima Source Code de filmes como Ponto de Vista. E diferente do repetitivo filme de 2008, Source Code nunca soa forçado ou cansativo, sendo tenso e brilhante a cada segundo. Mesmo voltando constantemente para a mesma situação, Colter leva com bom humor as passagens repetidas (antecipando alguns movimentos) e procura, racionalmente, resolver cada peça a cada vez que volta, o que é ótimo para a fluidez do projeto.
O clímax, vale notar, é preciso ao finalizar com perfeição um dos segmentos do filme e ainda oferecer um angustiante "epílogo", com um sentimento que deriva justamente da ligação profunda que Jones e Ripley criaram com seus personagens. É complicado explicar sem spoilers, mas vale apenas dizer que em certo ponto, quando Colter olha para uma sorridente Christina, a emoção é contagiante. E a ótima fotografia de Don Burgess, em conjunto com a correta trilha de Chris Bacon, auxiliam a contar momentos de puro brilhantismo, como uma passagem em que a câmera passeia pelo vagão num instante singelo e extremamente simbólico.
Não satisfeito em acertar nos dois lados da alma do ser humano, Source Code ainda cria conceitos extremamente interessantes para uma ficção-científica. Ripley se diverte ao apresentar explicações sobre subsolos de realidade e vias espaciais alternativas. Despretensioso e feel-good, Source Code é perfeito nas suas escolhas e se apresenta como um dos melhores filmes do ano até aqui. Ao continuar respeitando as escolhas dos clássicos de ficção, Duncan Jones acerta em cheio em seu segundo trabalho absurdamente memorável. Caminhando a largos passos para se tornar um dos grandes do Cinema recente, Jones ainda se demonstra versátil ao criar projetos racionais em conceito mas focados no drama humano. Em Moon, Sam Bell tinha crise de identidade por ser um clone. Em Source Code, Colter Stevens tem uma crise justamente por não se reconhecer ao olhar no espelho, literalmente.
E depois de tantos sentimentos envolvidos nos ágeis 92 minutos, é revigorante saber que esse era exatamente o lugar que Colter devia estar. Momentos como o vagão sorridente, são eternos.
Para nós e para Colter. Assim como toda informação que é mostrada nesse excepcional Source Code.
***** 5 Estrelas
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