Old School Nerds

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domingo, 17 de janeiro de 2010

Onde Vivem Os Monstros

Crescimento e imaginação fabulosa em obra muito corajosa.

Em 1963, o escritor Maurice Sendak criou uma típica obra infantil. Aquelas do tipo em que crianças leem, que apresentam uma frase e um grande desenho por página. Uma obra que poderia cair como mais um livro educativo de formato panfletário. Mas Onde Vivem Os Monstros não era isso. Escondia algo a mais, e mais profundo. E de primeiro olhar, esses detalhes que mostram o crescimento de uma criança criativa e mal-criada, podem não ser vistos. Mas na adaptação de 2010, é simplesmente impossível não captar as referências, compostas com qualidade máxima e muito aumentadas do livro, de forma maravilhosa.

Afinal, o objetivo dessa adaptação nada mais é do que captar os sentimentos levemente velados na obra literária e expo-los em tela, aumentando os quadros e situações do livro. E , definitivamente, esse objetivo é alcançado. O filme é belíssimo, e conta sua história de forma completamente diferenciada. Acompanhando a formação da obra original, o longa se constrói com uma estrutura completamente diferente das produções normais. Algo que poderia dar problema a produção nas bilheterias, se ela já não tivesse com problemas suficientes no mesmo quesito devido a seu todo do roteiro. Afinal, Onde Vivem Os Monstros é uma obra que dialoga sobre a infância, as invencionices das crianças - não das crianças modernas, mas das mais antigas, que trabalhavam mais seu cérebro do que o controle de TV ou video-game - mas tudo de forma muito adulta e artística.

Porém, se nas bilheterias a produção corre perigo, é só por aí. A história além de ser interessantíssima no modo de ser contada, é costurada com muita destresa. O menino Max, na história, é um garoto com imaginação muito fértil. Brinca com sua fortaleza iglu, manda nas cercas da casa e se auto - entitula seu rei, e foge para seu abrigo na cama quando o chão jorra falsa lava. Mas um dia, quando seus ânimos se exaltam e ele desobedece sua mãe, é castigado, e mandado para seu quarto sem jantar. Ele então foge , entra num barco e viaja até uma ilha distante e descobre que lá vivem criaturas, monstros selvagens. Lá, Max fala que era um rei, e se torna rei das criaturas, dando regras que ele proclama e tendo sua liberdade.

A história conta toda essa aventura de Max com os monstros, mas tem na verdade um fundo de filme de crescimento e rebeldia juvenil. Muitos de filmes com esses temas já surgiram, mas esse tem sua didática diferenciada já que mostra todo o aprendizado de Max direto na sua fonte , na sua mente. A história em si, é uma grande metáfora, já que todos os monstros na verdade são as facetas de Max. Mas não é preciso usar mais metáforas na sua execução. Tudo é mostrado com clareza na frente de nossos olhos. Um exemplo : Numa das sequencias iniciais, Max se decepciona com sua irmã, destrói o quarto dela por raiva, explode e põe todo seu lado selvagem pra fora. Logo depois, recolhe seu ímpeto, e sua racionalidade o faz refletir que ela é a irmã dele, e se amam. Ao conhecer o Monstro Carol (o ótimo James Gandolfini) , que representa seu lado impetuoso e selvagem, Max retorna a essa lição. Não é preciso usar mais metáforas disfarçadas, já que vemos sua mente de perto, e seu amadurecimento e relacionamento com os monstros ocorre explicitamente. E é esse um dos diferenciais de Onde Vivem Os Monstros : sua didática reta, que espeta o público de maneira que muitos outros filmes não fariam. Além disso, o filme exibe várias homenagens á infância. Como em Toy Story, porém o filme da Pixar vai na fase mais tenra da idade. Onde Vivem vai mais no fim da infância, onde a imaginação extrapola qualquer limite , mas siginifica um rompimento, uma rebeldia de uma mente que quer ser escutada , mas ainda precisa amadurecer.

E o relacionamento de Max com os monstros é de beleza fenomenal. Todo o movimento tomado tem um porque e explicação, e é desenvolvido vagarosamente, mas não é uma perda de ritmo, já que todo o filme é mantido assim, nesse estilo calmo. A descoberta de sua responsabilidade e muitas outras descobertas acontecem junto com as criaturas, que são ao mesmo tempo figuras infantis, mas servem de parâmetro para eventos que ocorrem na fase adulta. As atuações dos atores travestidos de monstros( muito simpáticos, até mais que os azulões de Pandora) são fenomenais e dão mais valor ainda ao filme.

Spike Jonze, por sua vez, nos premia com uma direção sublime. Não erra a mão, e prova que pode carregar dois tipos de direção: a de drama e a de ação ( mesmo que essa seja pouca). Opta por um estilo "câmera na mão", onde ela treme como num filme caseiro . Nas poucas cenas de ação, ele acompanha sem muitos cortes, mas com muita correria e captando todos os atores. Já os efeitos visuais não são algo para se contemplar isoladamente,- apesar de serem muito bons- mas para se misturar com a história.

A trilha sonora e a fotografia são também de esmero aplaudível. Karen O. cria uma trilha própria para o filme, e que se destaca com louvor. Um filme sobre criança pede uma trilha agitada, melodiosa e com sons que remetem a criança cantando. E é isso que a trilha nos trás. Já a fotografia de Lance Acord coloca de cara um tom muito belo, e não oscila muito nas paletas - Nos desertos e áreas descampadas um tom amarelo , nas florestas, um verde claro delicado - Muito elegante e nada over.
Enfim, é preciso dar o crédito ao estúdio Warner Bros. Depois desse filme e de muitos outros trabalhos corajosos - Como Watchmen - o estúdio parece entrar num outro patamar, e sai da loucura por dinheiro que o resto do mundo se encontra ( como os caras da Fox). É, em outras palavras, um estúdio idependente, só que com muito dinheiro , ou quase isso. Digo isso não por que esse é um filme pesado ou com censura alta. É simplesmente um filme que dialoga sobre a infância, mas não é destinado ás crianças. É algo artístico, um cult que teve um orçamento de 100 milhões. Onde Vivem Os Monstros simplesmente é um filme único, sem nenhum atrativo para o público alienado que leva seus alienadinhos para ver Alvin e os Esquilos 2.

O retorno nas bilheterias, como disse anteriormente, pode ser um fracasso total, mas os produtores devem pelo menos se orgulhar do grande material que tem em mãos. Uma homenagem aos bons tempos de criança que todo o adulto já passou. Merece ser visto , e sentido tanto com seu cérebro quanto com seu coração.


5 Estrelas *****

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