Qual Richard Kelly você quer ver nas telas?
Em 2000, um roteiro de ficção-científica dramática circulava pelo circuito independente de Hollywood. Depois de ser recusado por grandes estúdios, o roteiro foi aceito por Drew Barrymore, dona da Flower Films, que se propôs a financiar o filme. Com orçamento enxuto de 4 Milhões, Donnie Darko era lançado em 2001. O filme, com uma passagem boa pelo cinema, acabou ficando na memória dos cinéfilos, se tornando um instantânio cult. Assim, estava sacramentada a entrada de Richard Kelly no cinema. O diretor-roteirista, na época com 25 anos, estava sendo moldado para uma carreira vitoriosa. Porém, depois só veio "tragédia" pra carreira do talentoso Kelly. Primeiro, o roteiro do execrável Domino. Segundo, Southland Tales, tido como um dos filmes mais bizarros e pretenciosos da história, envolvendo de fim do mundo até reflexo atrasado no espelho. Mesmo com o baque, Kelly continuou. Agora, surge A Caixa nos cinemas, a chance de redenção dele. Será que houve a redenção?
Bom. Digamos que o talentoso Kelly agora é o pretencioso Kelly.
A trama, baseada no conto do genial Richard Matheson, segue o casal Norma(Cameron Diaz) e Arthur Lewis(James Marsden), dois perfeitos exemplos da classe média do subúrbio americano em 1976. Ela, professora. Ele, engenheiro da NASA. Mas, sua vida sem sal começa a mudar quando a falta de dinheiro aparece e quando um homem chamado Arlington Steward(Frank Langella) bate em sua porta e deixa uma caixa, junto com um bilhete, dizendo que Arlington aparecerá ás 17 horas. Então, quando ele chega, Arlington faz uma proposta pro casal: Se eles apertarem o botão, duas coisas acontecerão: Alguém no mundo irá morrer e eles receberão uma maleta com 1 Milhão de dólares. Logo, eles têm 24 horas pra decidir.
Vendo a trama, dá pra perceber facilmente que nas mãos de um Michael Haneke, de um Park Chan-Wook ou de um Darren Aronofsky, teríamos um suspense psicológico sobre moral e bons costumes, com a tensão lá em cima. Porém, estamos falando de Richard Kelly, que entrou na fase "quero colocar o maior número de referências sci-fi nos filmes". Em A Caixa, temos um absurdo número de referências desnecessárias que só fazem parecer que Kelly é Cineasta de um só filme. Quando James Marsden, em uma cena chave que envolve sobrevivência ou escuridão eterna, fica fascinado com o fato na tela e cita Arthur C. Clarke, toda a naturalidade se esvaiz.
O roteiro de A Caixa é o que afunda o filme em mais de 10 momentos. Kelly pega a trama principal, sobre a tal caixa e a resolve em ridículos 20 minutos. A partir daí, começa o famoso "jogo de gato e rato", a "corrida contra o tempo" ou o "vamos desvendar o passado do personagem". O pior de tudo é que esse resenhista, fã de Kelly, resolveu dar uma chance ao filme, afinal, se ele escolheu trilhar o caminho de descobrir o passado de Arlington, que o faça com destreza. Mais um ponto negativo. A trama de Arlington envolve desde experiência pós-morte até os ETs. É a tal mania de Kelly em colocar todas as referências Sci-Fi possíveis. Fora a estrutura, os diálogos de A Caixa são interessantes de acompanhar. Eles vão do sublime(não explicar o que a imagem já diz) ao desatroso("Você é real?" Cameron Diaz para Langella). As interações entre os personagens são pontuadas por esse contraste do diálogo, o que torna A Caixa uma experiência estranha e bizarra. Seja para o bem ou para o mal. Mesmo na estrutura, esse contraste é visível. O sublime(o bom final e os mistérios poucos explicados) ao ridículo(o idiota meio do filme). Assim, Kelly continua com o mal de Southland Tales: a pretensão.
Tecnicamente, não há o que reclamar de A Caixa. Kelly tem uma boa direção, posicionando ângulos mais suaves e clássicos. Apesar disso, sua direção de atores é fraca, afinal, ele só consegue extrair de Langella uma boa atuação. A trilha sonora de Win Butler, Régine Chassagne e Owen Pallett é extrema e eleva a tensão com notas clássicas, lembrando os filmes de horror dos anos 60. Cabe como uma boa homenagem, mas artisticamente serve pouco, sendo mediana. Funciona no filme e isso basta. A edição de Sam Bauer é competente e também ajuda no ritmo do filme. Mas, o ponto positivo extremo do filme é a fotografia de Steven Poster. A aura branca do filme, como se tudo fosse um sonho, é excelente. Fora isso, o excelente filtro de câmeras digitais que Poster usou ajuda na recriação dos bonitos anos 70 americanos. Outro ponto positivo é a direção de arte, que criou um cenário verossímel e bonito para aquela época tão peculiar. Em conjunto com a fotografia, a direção de arte forma o dueto fantástico do filme, talvez uma das únicas coisas que merecem nota em A Caixa.
Em atuações, pouco para se falar. Sem a ajuda de Kelly, que não se esforça em conseguir uma atuação no mínimo aceitável de Diaz e Marsden, todo o elenco se perde. Frank Langella engole qualquer um e demonstra sua competência habitual, mas Cameron Diaz faz uma caricatura mal feita de professora do subúrbio. Suas falas já não convencem sozinhas, quando Diaz abre a boca então... Nem quando ela tem suas expressões com marido e filho ela convence. Com certeza, Diaz pode ser boa, mas com um diretor excelente(Gangues de Nova York) ou quando ela é alívio cômico(As Panteras). Mas o pior, sem dúvida, é o pífio e metido-a-ator James Marsden. Se não bastasse ele ter como maior papel o Ciclope-corno-inexpressivo de X-Men, ele piora em A Caixa. Deslumbrado, bobo e sem convencer por um segundo, Marsden consegue um feito único: Ele tem uma expressão só para todos os sentimentos. Quando tá triste, faz cara de bobo. Quando tá feliz, também. Quando raivoso, também. E por assim vai. Apesar da falta de talento, uma parcela da incompetência se deve a Kelly e sua construção razoável de personagens. Enfim, um desastre.
Sendo assim, pode se dizer que A Caixa é execrável para muitos. Porém, o filme tem alguns méritos já citados, como um bom início e um bom final. Fora que, os mistérios poucos explicados da trama não são ridículos e, mesmo sendo chupados de tudo quanto é filme Sci-Fi, não são dignos de apedrejar.
No final das contas, A Caixa é algo pra se esperar o DVD. Apenas um filme que tinha potencial que foi devidamente destruído pela ganância criativa de seu diretor. E aqui fica a torcida por Kelly. Ele tem 34 anos. Ainda dá tempo de se concertar.
*** 3 Estrelas
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