Old School Nerds

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sexta-feira, 23 de julho de 2010

O Exorcista

William Friedkin e o Terror original.

Em 1971 , o escritor americano William Peter Blatty lançou seu mais novo livro na época, O Exorcista . Tal obra foi baseada no exorcismo de Robbie Mannheim, o qual Blatty ouviu falar enquanto estudava na Universidade de Geogetown . Com sua tamanha qualidade e por conter assuntos , digamos, obscuros, o livro foi bem sucedido . E nessa época em que o cinema americano estava em seu auge, na chamada Nova Hollywood , pouco dos materiais que faziam sucessos na literatura não eram adaptados para a sétima arte . Ora, foi daí que surgiram clássicos absolutos como Laranja Mecânica ou O Poderoso Chefão , que fizeram tanto – ou mais – sucessos que as obras em que se basearam . Desse modo, em 1973 , era lançado o Exorcista , dirigido por William Friedkin .

Friedkin, por sua vez , era um diretor conceituado , tendo ganho antes daquele ano , um Oscar, por Operação França . Com sua fama de bad-ass, Friedkin tinha o talento nato daquela geração nova de diretores revolucionários. E essa combinação de talento elegante na direção e bom embasamento de roteiro – que também foi adaptado para o cinema por Blatty – que tornam o Exorcista tão bom, e relembrado ao longo dos anos .

A trama acompanha a atriz Chris MacNeil ( Elen Burstyn) que grava um filme na cidade de Georgetown, e por isso vive lá com sua filha Regan (Linda Blair) enquanto as filmagens não acabam. Enquanto isso, também se desenvolve a história do padre -psiquiatra Damien Karras ( Jason Miller), que vive perturbado pelo sentimento de culpa na morte da própria mãe, a qual ele não conseguiu auxiliar no tratamento de sua doença terminal . Os dois arcos passam a se entrelaçar quando atos maléficos misteriosos começam a rondar a cidade de Georgetown, e a adorável Regan muda gradativamente de comportamento. Aos poucos, a menina passa a xingar palavrões , ter hábitos agressivos e comportamentos assustadores . Depois de tentar todo o tipo de tratamento, a mãe só pode recorrer ao exorcismo. Aí entram os padres Karras e Merrin (Max Von Sydon), sendo o último um certo especialista em exorcismos.

O roteiro do filme é sem dúvida um marco no cinema de Terror. Nessa mesma época, eram feitos outros filme de terror com crianças diabólicas – O Bebê de Rosemary e A Profecia, por exemplo – tendo sido dirigidos por cineastas talentosos, que conseguiam transformar um gênero famoso por ser gore, em algo mais sério, mais assustador e profundo . Em O Exorcista, a dualidade que permeia a “doença” de Regan no início do filme é baseada na sempre controversa relação Igreja X Ciência. Entretanto, os realizadores não deixam dúvidas na mente do espectador , já que desde o início, na cena do Iraque , somos apresentados ao mal , e esse mal tem origem espiritual . A partir daí, tudo que é alegado como possível doença é descartado da nossa mente , e não existe o suspense para se descobrir o que vai acontecer, mas sim o horror, do que já se sabe que vai ocorrer – a possessão de Regan. O suspense que arrepia os cabelos tem origem na dúvida de como o cineasta vai mostrar aquilo pelo qual pagamos pra ver, e não na ansiedade do inesperado. Essa, afinal, é a diferença básica entre os gêneros suspense e terror.

Por isso pode ser dito que O Exorcista é um dos pilares fundamentais do terror moderno . Por mais que a trama seja simples , não há a previsibilidade – o final deste filme é um dos mais inventivos e corajosos do cinema de terror – e a fundamentação do filme é na contemplação do tema abordado, e não em sustos cretinos que só servem para atrair a massa ( como em quase todo slasher movie de hoje em dia, onde as repetições de tema são continuas, e a abordagem, a mesma.). A contemplação ao tema fica clara na construção de bons diálogos, que destrincham cada informação interessante sobre o exorcismo e levam o filme adiante atraindo todo o público. Outra característica clássica do terror fica também na contemplação da figura horrenda . Regan, quando possuída, tem a figura de um verdadeiro demônio, que vomita, esperneia, e xinga , enquanto todo o público se vê de mãos atadas, tendo que “admirar” o feio .Tal feito desperta emoções de medo muito mais marcantes e duradouras do que simples cortes rápidos que geram sustos medíocres.

Além de ser um filme de terror que segue o gênero sem se vender, tornando-se uma peça muito original e criticamente louvável, O Exorcista ainda acrescenta a carga de talento típica dos filmes da Nova Hollywood . Os personagens não são rasos, sem importância . Em outras palavras , não são meros peões para o jogo de horror se estabelecer . Cada personagem tem sua fundamentação e tridimensionalidade. O padre Karras, que poderia ser só mais um herói relutante, tem sua diferenciação na atuação segura de Jason Miller, e na sua personalidade de padre conturbada devido aos eventos com sua mãe. Até mesmo o demônio que está em Regan não é simplório. Procura assuntos estratégicos em quais tocar e apresenta “personalidade” diferenciada de um demônio convencional. Primores de um roteiro bem criado, que recebeu o Oscar com toda justiça.

E com um roteiro bem apurado e desenvolvido, William Friedkin só vem para colocar a cereja no bolo. Sua direção é elegante, clássica, que combina-se com o tema pesado de maneira sublime . Aqui, ela não serve apenas para elevar de nível o filme em si, mas todo o gênero do qual ele faz parte . Com takes bem enquadrados e direção de atores sem erros, Friedkin tira todo o proveito que podia do filme. Em outros termos técnicos, O Exorcista ainda mostra muito talento . A fotografia de Owen Roizman é simples, branca, mas ao mesmo tempo, suja. Assemelha-se com a bela fotografia de um filme muito mais recente : Réquiem Para um Sonho. Já nas atuações, O Exorcista tem seu carro chefe como Linda Blair. Uma revelação da época, Linda consegue passar realidade na sua parte saudável, e completa transformação na parte possuída. É tamanho talento que não é difícil pensar que foi outra pessoa que atuou naquela parte do filme . Sensacional. Todos os outros atores passam emoções verdadeiras, e não aderem a esteriótipos para construir as reações de seus personagens .

É necessário, por fim, constatar-se de que o Exorcista não é um clássico do cinema mundial a toa, e que o verdadeiro terror é concretizado nesse filme. As emoções são reais, e a contemplação da figura horrenda da criancinha possuída cria uma sensação catártica mais densa do que meros sustos do cinema comercial de hoje. Sem a menor dúvida, o cinema de horror precisa de mais Williams Friedkins .

5 Estrelas *****

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