Old School Nerds

Old School Nerds

terça-feira, 31 de maio de 2011

Justin Bieber - Never Say Never

Documentário vergonhoso não tem razão em existir.

Celebridades que massageam o ego pra sobreviver não são novidade. Se Lady Gaga gosta de se promover criando ombros artificiais e realizando clipes com visual bizarro e música fraca, Justin Bieber costuma ser mais sutil: ele apenas clama pra que suas fãs o amem incondicionalmente ao cantar que as ama. A fórmula de sucesso do garoto não é um mistério, afinal as adolescentes desde sempre são apaixonadas por as celebridades mirins, desde os Jacksons 5 aos Backstreet Boys. Astros assim surgem pela necessidade dos showbiz em ter alguém que estoure nas vendads e enlouqueça as fãs. Não por acaso, Bieber surgiu no exemplo máximo da geração atual: o YouTube. E Bieber, conhecido por seu estilo mezzo rapper mezzo Ken(o da Barbie) e por dar em cima de mulheres adultas(?!?!), atinge aqui no tosquíssimo Never Say Never o ápice de seu egocentrismo.

Pode parecer uma comparação absurda, mas Justin Bieber encontra em James Cameron um bizarro paralelo cinematográfico. Não estou dizendo que o moleque do Canadá tem o um décimo do talento do oscarizado Cameron(definitivamente, não tem), mas é inegável que ambos tem uma excelente visão de mercado, realizando exatamente a tendência do momento, o que o público precisa. E se for pra criar uma história da vida de si mesmo, Bieber tem que criar um documentário que fale de redes sociais, do amor das fãs, de sua infância "sofrida"... E tem que ser em 3D. A desculpa do 3D é até interessante no contexto, afinal Bieber não pode ir a todos os lugares do mundo pra fazer show, mas criando um documentário em terceira dimensão, a imersão adquirida pode ser atribuída a uma iniciativa de dar o show aos lugares que o cantor não conheceu. Mas logo isso cai por terra, quando percebemos que aquilo é uma história sobre a vida do cantor. E só não dá pra dizer que o loiro é um desperdício musical completo porque, pelo menos, ele sabe tocar bateria muito bem.

Quando a projeção começa, uma surpresa: os 4 minutos iniciais são realmente bons. Começando com uma caixa de e-mails tendo vídeos que bombam no YouTube, o filme apresenta o terceiro vídeo, com um garoto pequeno cantando With You, de Chris Brown. Logo após, corta pros créditos iniciais, que são vibrantes(pela habilidade que é apresentado, não pela fraca música ao fundo). Um bom início, que apresenta de forma eficiente a carreira do menino e que joga a isca para o público: Como o garotinho da voz esganiçada chegou até o Madison Square Garden?

Os problemas, que daqui pra frente serão a alma do filme, começam logo após o fade out que acaba com os créditos. Dando voz ás fãs de Bieber, o documentário já começa a perder por ser tão cretino. O produto é sob medida pras fãs, sabemos disso, mas precisava jogar assim na cara? A hiper-exposição continua frenética a partir dali: as fãs voltam a falar a cada 15 minutos de projeção, apenas pra reforçar o óbvio sentimento que sentem por ele. Não é espantoso dizer que Never Say Never troca conceitos. "Desenvolvimento de personagens" vira "Bajulação". Alguma coisa está errada quando você vê mais crianças clamando serem esposas do astro do que um familiar falar algo sobre o infante. Os depoimentos dos familiares se restrigem as partes de Bieber em casa e sobre a infância do mesmo.

Essas partes em casa, aliás, surgem imediatamente após um número do show no MSG absolutamente lotado. Mostrar o astro "voltando às origens" logo após representar sua fama é muita cara de pau. E os produtores cafajestes ainda fazem a pedância de colocar o pai(que o abandonou) num show do filho logo no início do filme, ainda registrado por John Chu com lágrimas nos olhos. Lágrimas nos olhos? Por que o choro? Emocionado pelo moleque ou revoltado por ter largado a mina de ouro que concebeu? O fato do pai sumir logo após a sua efêmera presença também é interessante debater. Os avós do menino ficam igualmente sumidos após seus depoimentos, assim como a mãe de Bieber. Os entrevistados viram Usher, Cee Lo Green, Miley Cyrus e Jaden Smith. Outra hiper-exposição: Sabemos que isso é mais um vídeo publicitário sobre a fama dele que um documentário, mas precisa martelar tanto na cara? Mass o exemplo definitivo dessa tendência didática é a passagem hilária de Bieber com uma violinista de rua. Ao vê-la justamente no local onde ele se apresentava antes da fama(que coincidência, né?), o menino diz pra ela nunca desistir de seus sonhos e lhe dá uns trocados. A mensagem do filme é clara(está no título, afinal), não precisa se reafirmar por passagens meramente pedantes.

O nosso grande protagonista, aliás, corre um risco perigosíssimo em certas passagens. Mesmo que interprete seu amor por suas fãs dizendo que as ama e chamando-as pro palco(a passagem da adolescente loira chorando de felicidade no palco enquanto ele acaricia seu rosto com segundas intenções é magnífica em sua mediocridade), o mesmo astro assina inúmeras revistas com autógrafos e vai as jogando no chão logo depois. Bieber diz que ama cada uma de suas fãs. Que carinho é esse com cada uma delas se ele está claramente pouco se lixando para aquilo? Mas o engraçado não é nem o ato em si. O engraçado é essa filmagem ter entrado pro documentário, o que poderia acabar com toda a simpatia do público ao protagonista. Não que seja de se reclamar que astros não deem tratamento carinhoso aos fãs(Tarantino bate em jornalistas e continua sendo gênio), mas se Bieber se propõe a dizer que as ama, não é bonito jogar revistas como se fossem meros papéis desimporantes. O sentimento do protagonista em relação áquilo tudo é posto em cheque então. O mesmo que tira fotos adoráveis com fãs apaixonadas é áquele garoto que nem deu um telefone de contato pra talentosa violinista de rua.

Pra pôr a cereja no bolo, o diretor John Chu só filma passagens em que a família canadense está todo reunida, todos felizes e celebrando. Os gritos de guerra antes do show são infantilóides e Ryan Good, um de seus agentes, parece um personagem ficcional cômico escrito pelo próprio Bieber. O arco dramático do filme, a lesão nas cordas vocais, é muito falsa e parece ter sido criada, tamanho o equívoco(e coincidência) de colocar essa parte justo antes do show no MSG. Essa tendência de parecer criar situações são fatais pro filme, visto que todos os presentes são quase caricaturas, arquétipos. Temos o animado, o cool, a mãezona, a segunda mãe, a assistente brigona e até o "segurança parceirão"... Tudo é puro brilho e amor, sem problemas e descomplicado pras fãs que pensam no seu mundo que pode ser lindo por fora, mas é vazio por dentro. Estereótipos ambulantes podem servir muito bem na ficção, como em Vencedor e O Poder e a Lei, mas em um documentário, periga tirar a identificação com o protagonista. Emocionante mesmo era Phillipe Petit, que realizava seus feitos e era preso logo após, no memorável O Equilibrista.

Mas se ideologicamente é extremamente falho, Never Say Never não consegue se sustentar nem como filme em si. Os números musicais são mesclados com a narrativa, que pára a todo momento pras faixas do show. Isso tira totalmente o mistério do "como aconteceu?" que o início da projeção indicava. E ainda que Chu crie ideias visuais razoáveis(gosto das mensagens suspensas no ar durante uma música), o resto é totalmente errado, com uma montagem fraca e que só serve pra quem se interessa pela música repetitiva e desinspirada do astro. E se a boa fotografia, que fica fantástica em HD, se salva, a iniciativa de fatiar o show do Madison ao longo da projeção destrói qualquer lógica visual e narrativa. É como se a luta de Muhammed Ali e George Foreman fosse mostrada em flashes ao longo de Quando Éramos Reis.

Never Say Never termina então com um gosto amargo na boca, sendo consideravelmente bobo. Ao ter problemas até mesmo em dizer o que pensa(por que mostrar a Estátua da Liberdade logo após ilustrar Bieber como prisioneiro de sua carreira se ele gosta tanto daquilo?), o filme é apenas uma palhaçada mercadológica(observe a passagem que Bieber apenas mexe o cabelo e brinca com os amigos idiotas em frente á câmera sem motivo algum) que não se salva como um todo, e que só não ganha a nota mínima possível graças aos esforços de um diretor minimamente interessado. Justin Bieber e seu documentário, cuidadosamente produzido por ele mesmo, Usher e Scooter Braun(seus agentes), é só arrogância(repare o quanto o astro se acha maioral ao acertar uma mera cesta de basquete) e cretinice inflada pelo revoltante 3D. Com direito a boné indo em direção á câmera.

Cuidado, fãs. Estão tentando tirar o dinheiro de vocês com um pentelho desgraçado que é metido a ponto de se filmar, sem motivo algum, de cueca. E secando o cabelo.

* 1 Estrela

domingo, 29 de maio de 2011

O Poder e a Lei

A arte e estudo da Canastrice.

Atores canastrões são muito bem remunerados no cinema. Em geral, eles usam esse talento quase nato em filmes de comédia romântica, onde beleza é chave e desenvolvimento de personagem é se resumir a tirar a camisa. Hugh Grant se consagrou como um ator desse tipo, tendo um leve avanço quando posto fora da zona de conforto, como em Um Grande Garoto. Já Matthew McConaughey é o rei das rom-com americanas como Armações do Amor e Como Perder um Homem em 10 dias, dois hits de público. A reunião ambulante dos clichês do homem idealizado, McConaughey sempre atua em seu padrão, ao sorrir pra protagonista influenciável, sempre com um olhar apaixonado e com seu ar galanteador. Com seus salários astronômicos, o ator se limita a ter apenas um personagem em seu currículo: o de si mesmo. Mas o que faz do americano um astro é seu carisma, que sustenta confortavelmente seus filmes e que fazem o público comprar a ideia deles, tornando-os sucesso, mesmo que com qualidade bem duvidosa(os dois títulos que citei são simplesmente pavorosos, assim como 75% das comédias românticas).

E o que The Lincoln Lawyer, traduzido de forma genérica por aqui, tem a ver com esses canastrões que povoam o cinema romântico? Dos estilosos créditos iniciais até a escolha soberba de elenco, Lincoln Lawyer apresenta um belo teste ao poder dos atores limitados e as situações a que são submetidos. O roteiro de John Romano, baseado no livro policial de Michael Connelly, se estrutura como um filme de tribunal mesclado com policial, em que as convenções desse sub-gênero são postas em prática com destreza. Os conflitos internos do protagonista Mick Heller, vivido por McConaughey, são o centro do filme, ainda que as explicações jurídicas, que servem pra ambientar a trama, sejam constantes. Se no início somos submetidos ao método cafajeste de trabalho de Mick Heller não é à toa: a reviravolta emocional(em certo ponto do filme) está implícita á todo momento.

Assim como os conflitos do protagonista, os planos complexos típicos estão presentes. E é aí que um fator curioso(e crucial) do filme se revela: a descomplicação da trama. Repare como sempre que o discurso investigativo entra em cena, algum elemento visual serve pra ambientar o espectador ali. Cena chave: O encontro entre McConaughey e Ryan Phillipe na primeira reunião. Mesmo que os personagens continuem em off, explicando, um flashback com fotografia hiper-granulada entra em tela. A princípio, essas explicações, apesar de nunca serem desnecessárias, podem ser vistas como defeito, mas todas estão ali justamente pra não tirar o foco do que importa aqui: o protagonista e seu caráter. E esse estudo de personagem é potencializado pela escolha de elenco, que é ousada por sua opção.

E justo esse tipo de filme, que adota convenções de gênero, é conhecido por apostar bastante em atuação. O casting surge ousado por selecionar a maior gama da canastra de Hollywood, o que o caracteriza como um teste á essa nata canastrona. O homem a ser julgado é vivido por Ryan Phillipe, sempre um ator cretino(os closes em sua face são épicos de tão artificiais); o promotor é vivido por Josh Lucas; a ex-mulher, por Marisa Tomei. Num elenco como esses, nada melhor que um motorista cool e um protagonista como Matthew McConaughey. Quando a trama começa a se desenrolar de fato, o diretor Brad Furman começa a trocar seu visual á lá David Ayer(Dia de Treinamento, Os Reis da Rua) por close-ups constantes, sempre com uma câmera na mão. Nada melhor que isso para investir nas emoções de seus personagens. Sendo assim, a opção é excelente e casa perfeitamente com o casting escolhido e a proposta do roteiro de valorizar o estereótipo dos filmes de tribunal.

De mestre mesmo, porém, é a jogada do roteiro em utilizar toda a canastrice de seus personagens a seu favor. Marisa Tomei não precisa exercitar seus músculos rígidos da face pra tornar viva sua relação com McConaughey, muito mais sexual e amorosa do que aparenta. Nos momentos que dependem mais de sua atuação, a atriz apenas precisa falar gritando. Josh Lucas vai construindo seu personagem aos poucos, o tornando mais vulnerável e passa pelos closes sem perder. Interessante mesmo é a solução visual que o diretor cria pra evoluir o personagem de Lucas: ao explorar o imaginário que se tem sobre a persona do ator, Furman filma os olhos azuis de Lucas com um contraste que os valoriza de forma sobre-humana. Ao longo da projeção, o azul dos olhos fica mais e mais escuro. É Lucas passando no teste, deixando sua canastrice pra trás(pelo menos nesse filme). Mas o ápice desse jogo é a atuação colossal de McConaughey. Explorando seu personagem ao máximo e sabendo esbugalhar seus olhos cansados de maneira esplêndida, o ator ainda cria um carregadíssimo sotaque pra exaltar a competência e masculinidade de seu personagem.

Se os canastrões anteriores atuaram de forma uniformemente boa, é em Ryan Phillipe que a corda arrebenta. O péssimo ator, mais canastrão que nunca(os closes nos tremiliques de Phillipe são hilários), também se revela perfeito para o papel. Já que o roteiro precisa de um personagem falso por natureza, tem decisão melhor que um ator artificial pra interpretá-lo? O esquema realizado pros personagens de McConaughey e Phillipe também ajuda muito a compor uma relação de nêmesis. Enquanto Heller acha que soltar criminosos é aceitável quando ninguém vai condenado, Phillipe só quer ser absolvido se alguém for preso no seu lugar.

Aí então que Lincoln Lawyer se aproxima de O Vencedor, filmaço indicado ao Oscar ano passado. Investindo nos estereótipos pra tornar mais viva sua trama consagrada, o filme de Furman se engrandesce. Tem seus muitos defeitos, como a previsibilidade, mas como um estudo de personagens e da consciência coletiva sobre os estereótipos, Lincoln Lawyer cumpre seu papel muito bem. Em certo ponto do filme, uma pessoa pergunta pra Heller: Afinal, qual é a sua? Mesmo que uma pergunta emblemática, é fácil ser respondida. Heller tenta se redimir de seus métodos aproveitadores, mas o epílogo do filme, é perfeito pra ilustrar a personalidade dele. Depois da lição de moral, o protagonista mantém sua essência cafajeste, o que é revelador.

Aqui, McConaughey está mais machão que nunca. E quando vemos ele com seu bastão de Baseball, não dá pra reclamar. Pra contar uma história divertida como essa, nada como um diretor razoável, um Cliff Martinez compondo uma excelente trilha e um bom ator em seu melhor. É sua volta á boa forma. E não me refiro ao corpo.

**** 4 Estrelas - Bom

sábado, 28 de maio de 2011

Se Beber , Não Case - Parte II

Todd Phillips e a problemática da piada repetida .

No mundo da comédia , há muitos meios de se fazer rir . Há o humor físico, as anedotas clássicas , o humor involuntário e gags de situações de saia-justa . O ponto principal de tudo , e que nos configura o âmago de comicidade em qualquer produto que intitule-se humorístico , é a famosa quebra de expectativa , termo conhecido e aprendido até mesmo no colegial básico . Para trazer as gargalhadas , portanto , é necessário a posse de uma idéia original , algo que nos surpreenda , adicionado de uma dose de timing . Por que esse lembrete sucinto sobre humor ? Simples : O primeiro Se Beber, Não Case , de 2009 , utilizava uma idéia genial sobre um gênero deixado de lado nos anos 80 - o filme de comédia sobre e para macho . Com a temática clássica da ressaca em Vegas , o longa de Todd Phillips arrebentou por ousar numa história de amnésia, com personagens no timing certo, piadas originalíssimas e uma mão cheia para o escracho . Seguiu o que a cartilha do humor inteligente manda , e foi um sucesso arrebatador . O que o segundo longa - que estréia esse final de semana - faz, entretanto , não vai de encontro ao que o micro lembrete no início dessa crítica diz . Repete as piadas , não aposta em quase nada novo , e se aparenta perdido e inócuo em seu roteiro, principalmente se colocado lado a lado do original .

Não foi só agora que Phillips começou a apostar em algo repetido . Depois do sucesso de 2009, o diretor realizou um Parto de Viagem , e utilizou o tema já presente em Se Beber , Não Case , acoplando-o a um road movie . Sem nada muito novo para explorar - e com um Zach Galifianakis que praticamente repetiu o papel de Alan , mas dessa vez ao lado de Robert Downey Jr. - Phillips apostou em piadas de oralidade pura , e só não se saiu muito pior porque terminou o longa no momento certo . Já em Se Beber , Não Case - Parte II , tudo vai pelo ralo pois abandona-se o mínimo de originalidade - o argumento é quase idêntico ao do original . É a piada repetida em essência , a previsibilidade em película .

Desde o primeiro frame somos expostos a isso . A única diferença básica - e que parece que foi a motivação para o filme ser realizado - é a mudança de cenário de Las Vegas para a Bangcoc . Dessa vez quem se casa é Stu ( Ed Helms) , e como a cerimônia será na Tailândia , para lá vai o resto da matilha com ele - Alan (Zach Galifianakis) e Phill (Bradley Cooper). Depois da farra, dessa vez, eles não perdem o noivo , mas sim o irmão menor de idade da noiva . A partir daí , é amnésia de cá, envolvimento com gangues de lá , e as mesmas viradas de roteiro já degustadas no genial primeiro filme .

Não é exagero. A estrutura da narrativa é meticulosamente igual a do hit de 2009 , uma opção consciente de quem estava preparando o roteiro , apostando em um retorno financeiro certo com o sempre eficiente caça-níqueis que o cinema “mais do mesmo” é . Desse modo, toda a trama de quebra-cabeça proposta em 2009 - com o suspense gradativo das descobertas do que haviam realizado na noite que se passara - é simplesmente colocada de lado . A imprevisibilidade e o artifício do inesperado , que são pontos fundamentais para qualquer boa piada , são impossibilitados de existirem aqui, por motivos óbvios. Mesmo que não se saiba exatamente como cada evento se sucedeu , é possível prever as soluções ,e também os problemas pelos quais nossos protagonistas vão passar . E eles ocorrem na mesma ordem e na mesma lógica do primeiro filme , com os mesmo desfechos , sem inovações . De maneira esquemática e já conhecida, fica difícil de engolir o script dessa sequência-cópia , que perde seu tempero principal - a originalidade .

E se na estrutura e no encadeamento de arcos o filme já exalava previsibilidade , nos pontos em que ele se diferencia, e apresenta detalhes originais - como os personagens provenientes da cidade, por exemplo - simplesmente não consegue tirar o máximo deles . São pontos desenvolvidos com preguiça , sem uma vivacidade necessária e ''jogados'' na narrativa sem muita relevância para a trama . É a prova de que Se Beber , Não Case! 2 consegue fracassar até nos ralos termos originais que propõe , e que mesmo deixando a inevitável comparação com o original de lado , ainda assim permanece na falha . É o triste resultado de um argumento desenvolvido ás pressas - e sem um pingo do preciosismo do primeiro longa - instigado pela ganância de lançar logo uma continuação nos cinemas mundiais .

Mas se este segundo Hangover consegue não ser uma perda total , é muito pelos seus detalhes . Há várias gags isoladas que fazem um trabalho interessante , e mesmo que não sejam suficientes para carregar a produção nas costas , geram gargalhadas verdadeiras . Outro trunfo que auxilia e muito a segurar o ritmo deste novo filme são seus personagens . Phill , Alan e Stu são engraçados por natureza , e apesar de não estarem tão ''conectados'' aqui quanto no primeiro filme , ainda asseguram a atenção do espectador com confiança . Galifianakis segue com seu talento nato , extraindo momentos de pura genialidade e servindo como óleo lubrificante para a produção . Com momentos pontuados de humor físico sublime , e um ou outro escracho bem empregado , Se Beber...2 se sustenta como uma daquelas anedotas que você já conhece, mas que se for contada por quem sabe, ainda faz surgir um grato sorriso enviesado .

Nada que salve o resultado final do fracasso esperado . A tática de repetir milimétricamente a fórmula de um sucesso para garantir os cofres do estúdio deixa a amarga sensação de desperdício de rolo cinematográfico . Como um meme , que aos poucos perde sua força no mundo virtual , Se Beber Não Case! 2 fará rir , mas será facilmente esquecido diante de sua irrelevância em essência . Desnecessário e fraco, só nos faz lembrar o que o personagem de Bradley Cooper fala no início da projeção : ''Será que não poderíamos fazer tudo de novo em Vegas ?'' . Não . Simplesmente não deveriam fazer de novo , em lugar nenhum .

2 Estrelas ** - Aceitável

segunda-feira, 16 de maio de 2011

Padre

Salada vampira quase funciona em seu descompromisso.

O diretor Scott Stewart tem predileção por temas sobrenaturais. Seu primeiro filme, o desastroso Legião, já tratava de um tema sobrenatural com apelo. Mas se no filme de 2010 a guerra era contra os anjos, aqui é contra os vampiros. Stewart já tinha demonstrado ter um bom olho pra criações de mundo, afinal o design de Legião era, ainda que batido, eficaz. O design de suas criaturas do mal, combinado com a estilosa maneira de retratar os anjos, fizeram do seu debut na direção um filme com visual correto, mesmo com um tosco roteiro. Agora, Stewart se afasta do roteiro e investe suas fichas na adaptação Padre, baseada nas HQs de Hyung Min-Woo. É interessante acompanhar que o diretor, egresso dos efeitos especiais, constrói uma linguagem própria em seus longas e ao acompanhar Padre, dá pra ver que Stewart está no controle da produção, ainda que claramente não alcance a competência de um Zack Snyder. Mas é paradoxalmente interessante ver um diretor que não se submete a ser um de aluguel e ainda assim não consegue se consagrar como autor.

E Padre já mostra ao que veio nos minutos iniciais, quando lança seu arsenal de estilo numa introdução animada poderosa. Esbanjando violência, com desenhos arrojados e que lembram os de Davide Gianfelice, a sequência é responsável por situar o espectador naquele mundo futurístico, ao explicar a origem dos vampiros e dos Padres(e o que fez com que eles guerreassem). Ainda que desnecessária, ao ilustrar rapidamente algo que acaba cortando uns bons 30 minutos de introdução inteligente e calma, a animação é bem estilosa e serve como uma bela metonímia do filme: um exemplar de roteiro falho e apressado, mas que sobrevive justamente por investir em seu visual ao reconhecer sua limitação.

Cory Goodman, autor da adaptação, começa sua narrativa com certa preguiça. Ao retratar a sociedade atual, controlada pela Igreja Católica, Goodman é extremamente afobado ao se ater a pequenas revelações sobre a ambientação. Scott Stewart ainda cria belos quadros nessas cenas, ao explorar muito bem a cidade futurística, que é tecnológica e sombria por fora e opaca e esgotada por dentro. Tudo isso baseado numa belíssima direção de arte. Mas se visualmente a ambientação é satisfatória, estruturalmente ela é precária. Por que, afinal, os padres são tão odiados pelos humanos? A justificativa só se restringe a uma mera cena num elevador, quando uma mãe diz ao filho que "não se fala com os Padres". Esse preconceito seria baseado em que? Afinal, os Padres foram os grandes salvadores da humanidade quando a guerra contra os vampiros parecia perdida. A postura adotada pela sociedade para com seus salvadores não faz muito sentido e o roteiro de Goodman não faz a menor questão de apresentar uma justificativa bem construída para essa rejeição. Pior: a habilidade dos Padres nunca é explicada. Aparentemente "sobrenatural", a habilidade dos mesmos não se decide entre ser fantasiosa ou extremamente mentirosa. Basicamente, o que precisamos saber é que o Padre, interpretado no automático por Paul Bettany, é injustiçado e só quer levar uma vida calma.

Mas, como sempre, o herói errante é chamado ao dever. A tensa cena em que a sobrinha do Padre é pega, conduzida com competência por Stewart, apresenta bem o estilo faroeste que o filme quer realizar. Ainda que forçada(estamos num futuro conduzido pela tecnologia e o deserto parece ter voltado ao século XIX), a ambientação é bonita e eficiente em seus propósitos. Logo após, chega o xerife(Cam Gigandet, irrelevante) e com 15 minutos de filme, a história principal já começa, cortando totalmente uma introdução mais interessante. Os gigantes prédios da cidade, com uma estética à la Blade Runner, se demonstram bem mais relevantes que o road movie apressado que se segue a partir daí. O Padre pega sua moto e, junto com o xerife, andam pelo deserto em busca dos tais vampiros que fugiram e raptaram sua familiar.

A agilidade nas introduções podem ser vistas como um belo exemplo do roteirista, que quer apenas manter uma aura de mistério ao redor do passado daquele mundo. O recurso já foi muito bem utilizado em Filhos da Esperança, mas aqui em Padre, esse recurso é claramente mal empregado, sendo mais atribuído a falta de noção que o roteirista tem em bolar soluções que expliquem alguma coisa daquele mundo. Uma cena emblemática é aquela em que o Xerife fala com extrema rapidez com o Padre enquanto o último prepara algumas balas. Tão afobado a ponto de destruir a cena(e a afobação tornaria incompreensível a situação se os diálogos não fossem banais o suficiente pra acompanhar sem atenção), o roteiro parece querer dar um longo salto para a ação. E o roteiro não é o único responsável por essa observação: Scott Stewart deixa de extrair qualquer emoção de Paul Bettany ao cortar qualquer enquadramento que se baseie na angústia do personagem.

Essa angústia, aliás, deriva-se de uma ótima e breve cena pré-créditos, que é bem sucedida ao servir pra dois propósitos: apresentar o porque da tristeza do protagonista e por introduzir o antagonista, vivido por um competente Karl Urban, que antes era um Padre. Porém, se essa angústia é relevante, ela só serve mesmo pra adicionar mais um fator desnecessário ao herói da produção, que é uma colagem de tudo que já foi testado. Homem que tem que renegar seu código em prol do objetivo? Confere. Guerreiro calejado e relutante? Confere. O herói é o melhor em sua atividade? Mas é claro. E por aí vai. Desde o passado conturbado até o comportamento sombrio, nível capuz na cara, o Padre do título é um arquétipo dos mais canastras. A construção do Xerife não ajuda também. Até mesmo a batidíssima sub-trama de mestre-aprendiz se faz presente aqui, como na cena que o Padre ensina o xerife a matar vampiros com eficiência.

E se a narrativa não apresenta nenhum novo segmento, Padre tinha que investir em alguma coisa. E Stewart, um belo esteta de cinema espetaculoso(era de se esperar, ele é especialista em efeitos), impõe seus arroubos em tela. E tome câmera super-lenta registrando coisas aparentemente banais, como as bolinhas do terço caindo no chão. Stewart é um bom diretor pra espetáculo(ele, afinal, é o responsável por Padre não afundar), mas sem apresentar um estilo próprio, o diretor copia todos. A cidade é a de Blade Runner(se Stewart quisesse se distanciar do filme de 82, não filmaria um take IDÊNTICO, mostrando a cidade de cima), o deserto é dos faroestes clássicos, os movimentos de câmera são de Zack Snyder. A comparação com o diretor de Watchmen é relevante, afinal as sequências de ação(principalmente o vigoroso clímax) são mediadas por câmera lenta-acelerada e tem um visual obscuro que remete a 300. A cena em que um vampiro-guardião é morto e é acompanhado num plano por trás, de cima pra baixo, até cair morto entre as pernas de Maggie Q, é a exemplificação da "inspiração" de Stewart.

Mas ainda que anteriormente testado, o visual funciona no saladão que é Padre. A fotografia de Don Burgess, que transita em cerca de 4 paletas durante a projeção, é muito bem sucedida e é confortavelmente o fator forte do filme. O 3D, ainda que convertido, serve muito bem a esse propósito e é realmente divertido acompanhar as estilosas sequências de ação orquestradas por Stewart com profundidade. Um exemplo disso é o massacre no vilarejo, ao som de Requiem de Mozart. Estilosa, bonita e excêntrica, a cena é muito boa e, mesmo com Urban emulando um maestro de forma caricata, funciona. O vilão do filme, vivido pelo mesmo, é interessante por ser um bom nêmesis ao Padre, o que a performance de Urban capta muito bem. A cena, aliás, termina com a crucificação de 3 Padres, o que soa impactante e fecha com chave de ouro a melhor cena do filme.

Bagunçado, estranho, descompassado, mas nunca frouxo, o enérgico Padre serve pra uma sessão boba e descompromissada. Apelando sem dó pros clichês, Padre termina fraco justamente por se ver obrigado a apostar no visual ao não ter um roteiro decente. E sem ter originalidade, acaba se baseando em vários outros visuais e bate no liquidificador. Em coisas teoricamente simples, como a construção da relação da Freira vivida por Q e o Padre de Bettany, o roteiro surge incrivelmente falho. Cory Goodman patina com gosto em todo terreno que pisa, seja no do Road Movie ou do terror. Mas não era de se esperar outra coisa de uma trama tão batida e se resumir a ser um Guilty-Pleasure com ação bem realizada parece ser a opção ideal para Padre.

Que Scott Stewart copia o visual de Snyder é mais que claro. Mas utilizar a música de Mozart que já foi utilizada em Watchmen e Sucker Punch... isso já deve ser coincidência.

** 2 Estrelas

Rio

Animação de belas imagens revela-se narrativamente monocromática .

Um exemplo de sucesso brasileiro no exterior é o diretor carioca Carlos Saldanha . Depois de passar pelos três Eras do Gelo , fazer muito dinheiro com a franquia e chegar até a experimentar o 3D já no terceiro longa da série , o cineasta deve ter reparado que foi muito bom enquanto durou, mas não dava para tirar mais leite daquela pedra . Para seguir no seu sucesso de bilheteria sem mais o ás na manga que foram os filmes gelados , Saldanha então recorre a uma idéia antiga , e também certeira para inflar seu bolso - o potencial do Brasil de exportação .

E então temos Rio , uma animação que utiliza o ''charme brasileiro'' - que hipnotiza qualquer estrangeiro desde os anos 50 com Carmen Miranda - como arma principal para sua vendagem , não só para o público geral ( que se delicia com a visão pseudo-festeira que se tem daqui) mas também para muito crítico estrangeiro que obviamente não possui conhecimento a fundo do nosso Brasil , muito menos do Rio de Janeiro em si . Nada estranho de se fazer , e por dinheiro vale pintar uma imagem caricata da ''cidade maravilhosa'' e colocar como cerne uma trama esperta sobre dois animais carismáticos . O que atrapalha em Rio são duas coisas : o fato dessa pintura míope do Rio de Janeiro ser feita justamente por um brasileiro - carioca! - e a tal trama esperta que esperávamos, simplesmente não aparecer .

O grosso da história não era mesmo muito inventivo . Nela , Blu , uma ararinha azul nascida no Brasil e levada ainda filhote para os Estados Unidos, enfrenta um dilema : Por ser o último exemplar macho de sua espécie no planeta , tem a tarefa de acasalar com a última fêmea da respectiva espécie , e assim evitar sua extinção . O único problema é que essa fêmea está no Brasil , no Rio de Janeiro , e Blu terá que vir para o clima tropical para realizar sua missão . Para complicar ? Blu não sabe fazer o que qualquer ave deveria - voar .

No entanto , mesmo com uma trama inicial tão básica , era possível tirar muito proveito do seu desenvolvimento - coisa que o roteiro simplesmente não faz . Rio entra pela via do fracasso, pois duplica seus fardos de clichê . Explico . Se não bastasse apenas seus problemas narrativos, de uma trama esquematizada, com personagens por vezes sem brilho , e o lugar-comum rotulado na testa , o novo filme de Saldanha ainda se arrebenta mais por abordar um pano de fundo de Rio de Janeiro de maneira cretina . E se engolir Rio já era difícil só considerando seus problemas estruturais de script , seus erros concordância com a realidade carioca só dificultam mais a deglutição . Não é perseguição ou implicância , mas já se repara pelo nome do filme, que o longa tem como objetivo caracterizar a cidade de maneira verossímil , e tomando isso por base, ficam irritantes detalhes como o próprio samba - criança negra sambando dentro de casa sem motivo aparente ? Como carioca digo, isso não ocorre no Rio . Carnaval parando a cidade da maneira mostrada ? Isso tampouco partilha da realidade .

Mas tudo bem , uma visão embaçada sobre a cidade maravilhosa é comum , e já devemos ficar acostumados com abordagens deturpadas do nosso país e de nossa região . O problema é quando um brasileiro, natural do próprio Rio de Janeiro , realiza um filme que tanto tem de imagético esteriotipado, típico da visão de um estrangeiro deslumbrado . O que poderia elevar o longa a um patamar diferenciado, ao tomar a cidade pelo que ela REALMENTE é , tira pontos do filme ao confirmar uma cosmovisão completamente comum e batida . Não é difícil enxergar em Rio , o filme , aquele super-otimismo tropical que os gringos tem assim que pousam em terras brasileiras . Muito desse otimismo do filme de Saldanha existe no hip-hop imbecil e marginal de Don Blanquito , também chamado Rio - que o link segue aqui http://migre.me/4yHBH . Don Blanquito pinta o Rio como o harém perfeito, uma festança dos diabos . Um humor involuntário , mas compreensível, já que Blanquito obviamente é só mais um estrangeiro deslumbrado e imbecil a cruzar nossas fronteiras. O inaceitável é que Carlos Saldanha não consiga tirar seu filme desse patamar tão babacamente previsível , condenando-o , inevitavelmente, a semi-irrelevância no seu contexto de ambientação urbana, um dos alvos claros da produção .

Ofensas ao modo de ambientar o Brasil á parte , Rio, infelizmente, não apresenta também muitas qualidades no modo de guiar sua própria história . O estilo esquematizado, viradas previsíveis, isso tudo era esperado , e de certo modo até obrigatoriamente relevado pelo crítico que vos fala - é um filme infantil e da Blu Sky, ora bolas . Acontece que Rio não leva muito mais ingredientes no seu preparo . Para no limiar do basicão , e não envolve seus espectadores para levá-los um degrau adiante . Desculpem , mas com a safra de animações adultas e inteligentes que desembocam nos cinemas frequentemente - Rango é só o exemplo mais recente - era de esperar muito mais . Os personagens não são trabalhados com o esmero necessário - apesar de lindos graficamente - e as situações são as clássicas máximas .

Optar pelo clássico , aliás, é o principal problema de Rio , que flerta com várias opções consagradas , onde todas indicam erros claros . Tome por exemplo a introdução da ave vilã . Um momento musical completamente avulso , sem um pingo de necessidade . Blu aliás, é preciso ao apontar ao vilão exatamente isso logo após ele acabar seu número . '' Desnecessário'' . É através de erros assim, que Rio estaciona no limbo das animações, no lugar-comum . A verdade é que mesmo com seu colorido belíssimo - e o visual que Saldanha emprega no filme é caprichado - o longa da ararinha azul revela-se narrativamente monocromático , acinzentado e extremamente normal .

É triste dizer isso , mas Rio não aproveitou todo o tema volumoso que podia destrinchar com níveis semi-pixarianos . Como de costume da Blu Sky , a produção sai meio capenga , mas é divertida o suficiente para alegrar os pequenos - e faze-los comprar muitos ingressos, já inflacionados pelo 3D . Mais triste que isso, só a maldita metáfora que Rio faz com seu realizador : Assim como Blu , Saldanha é um brasileiro nato, mas, por ter sido criado nas tetas dos EUA , se esquece um pouco do requebrado verdadeiro de sua terra natal . A única diferença é que Saldanha ainda deve se lembrar do que o Brasil é de verdade, mas por uma visão mais lucrativa e esteriotipada, porque não fazer vista grossa ?

2 Estrelas ** - Aceitável

domingo, 15 de maio de 2011

Velozes e Furiosos 5

Menos Velozes , Mais Furiosos .

A franquia Velozes e Furiosos sempre foi um resultado entre o equilíbrio sensível de dois fatores que enchem os filmes de ação de dinheiro - a velocidade e a temática de crime . A dosagem nem sempre certeira , e histórias que simplesmente não colaboravam, davam a série um ar errôneo um tanto trash . Não é por acaso . Repare no primeiro longa . O amor pela velocidade transposto em tela através de uma narrativa já surrada no cinema , a famosíssima e sempre recorrente trama do infiltrado . No filme de Rob Cohen , que abriu a franquia em 2001 , era tudo muito previsível, esquemático . Mas quem ligava ? Era a paixão por motores que deixava os espectadores vidrados . Funcionou , serviu de cartão de visitas matador . O segundo, trabalhou mais para carimbar a trasheira que a série fica conhecida no imaginário pop - e frases antológicas de seus protagonistas só corroboram para isso .

Já o terceiro filme - o mais estiloso e talvez um dos mais importantes por ter introduzido o diretor que permaneceu na série , Justin Lin - conseguiu trazer de volta algum equilíbrio entre velocidade e criminalidade ( perdido por completo no desastroso segundo longa ) e o fez de maneira segura , conseguindo detalhar o submundo de corridas ilegais de Tókio com entretenimento decente , pelo menos . É óbvio , nada é perfeito , já que tudo conquistado em Tokio Drift foi em cima de outra história clássica , consagrada e regurgitada - a do cara comum que consegue se tornar o melhor de uma competição através de um treinamento árduo com um mestre , no melhor estilo Karate Kid .

Tratando o quarto filme como apenas uma passagem para o que viria a seguir, chegamos a Velozes e Furiosos 5 - com o título simples e direto de Fast 5 nos Estados Unidos . Não é a toa . O quinto Velozes e Furiosos não quer mais equilíbrio, e nem procura bengala em cima de tramas já consagradas . O fato de querer ir direto ao ponto , e enveredar de vez para os filmes de assalto , ajuda e muito o quinto filme da série, tanto do ponto de vista crítico, mas também para quem almeja apenas diversão .

Ora , filmes de roubo tem , obviamente , muito mais caminhos e saídas narrativas do que filmes de corrida teriam . Usar os carros mais como objetos de auxílio na vida do grupo criminoso , e menos como temática em si , ajuda e muito a limpar as metas do longa , e também de aproveitar mais seu entretenimento . De fato, saem de cena muitos dos divertidos rachas que permeavam toda a série , mas esse é um mal necessário, e uma vontade clara dos realizadores . Enquanto o segundo filme inventava motivo para filmar os ''pegas'' , o quinto faz o possível para eliminá-los da projeção, introduzindo-os apenas quando estritamente necessários . A cena chave : Vin Diesel chama um cara para um pega valendo os próprios carros . O homem aceita . Corta rápido para o esportivo do rival chegando na garagem de nosso protagonista .

Limpam-se os horizontes , mas também busca-se novos modos de contar a história . A trama da vez conta como o trio de protagonistas , - Toretto (Diesel) , Brian (Walker) e Mia(Brewster) - após fugirem dos EUA como procurados internacionais, chegam ao Brasil . Aqui , eles realizam um negócio com criminosos locais, que acaba não saindo como o planejado . Refugiam-se então de novo , e a partir de uma favela , organizam uma equipe para dar um golpe grande e ousado na ''máfia'' brasileira com quem antes negociavam . Um roubo arriscado, mas essencial para garantir as suas condições financeiras a partir dali . Os problemas do grupo só aumentam , entretanto , quando um agente Federal incansável , Hobbs (The Rock) , é trazido para o Rio para rastrear e capturar toda a gangue de Toretto.

Quase como um Toretto's Eleven - só que nesse caso há 10 pessoas no grupo do bombado Vin Diesel - Fast 5 se desenha de uma maneira bastante superior a todos os seus predecessores . Já disse que a opção pelo filme de assalto é deveras inteligente e fundamental ao produto final, mas por si só não seria suficiente . Por mais descerebrado que seja - e é , e muito - Velozes 5 tem uma construção de eventos em cadeia muito mais interessante do que qualquer filme na série já fez . E se faz mais interessante não por ser mais complexo - já que não é - mas por ser mais original : Se antes possuíamos tramas já conhecidas de trás pra frente , extremamente previsíveis e esquemáticas, desta vez contamos com um roteiro diferenciado , que ao menos prende a atenção do espectador com desfechos nem sempre inesperados , mas que percorrem caminhos desconhecidos . Sabemos onde o filme irá chegar , mas não sabemos por onde ele vai passar , o que vai se assuceder até ali . Para filmes com roteiros limitados , essa é a fórmula ideal para um relativo sucesso .

E para tais ''caminhos desconhecidos'' que darão o sabor especial ao longa , nada poderia contribuir mais do que os eventos ocorrerem no Rio de Janeiro . Tudo bem que não há o mínimo de respeito com a cidade , e a verossimilhança foi colocada pra escanteio - Trem bala cruzando um deserto entre Rio e São Paulo ? - mas o que vale mesmo é que o território exótico - e não há palavra que defina melhor o Brasil para um estrangeiro típico - abre brechas para o imprevisível ocorrer . E o inesperado é fundamental , como na já antológica cena onde Diesel abre o sorriso para soltar seu ''This is Brasiu !'' .

Além da locação exótica, para aquecer um filme como Fast 5 , nada melhor do que seu casting . Não que Tyrese Gibson , Ludacris e The Rock sejam atores ''talentosos'' o suficiente para auxiliar seu elenco , mas são essenciais para a proposta que o filme sugere . Como um produtor de filmes pornográficos pensaria '' o ideal é unir todos esses rostos famosos e ver no que dá !'' . Se a indústria pornô pensa em estrelas famosas no ramo para entrarem em cena juntos e vender mais , não é diferente o que ocorre em Velozes 5 . Brutamontes se encaram, batem de frente ,e colocam o carisma de seus personagens para trabalharem juntos a favor do filme . Não é algo criticamente louvável a princípio , mas como não ficar entusiasmado com a pancadaria de The Rock vs. Vin Diesel ? Se o filme usa seu casting famoso para aumentar o hype das cenas de ação , quem serei eu para negar sua força de carisma ?

Se para aumentar o sabor da ação, as palavras de ordem são descomplicar , simplificar e inovar , Velozes e Furiosos fez seu dever de casa . No equilíbrio entre motores e balas , a corda rompeu para o lado mais fraco , no caso, o sub-gênero com menos apelo . Dessa vez , venceu a fúria , mas a velocidade não deixa de permear o longa em momentos oportunos . Enfim , Velozes 5 não vai fazer nenhum detrator passar a gostar da franquia , mas vai dar um ar muito mais cool e vibrante para quem deu chance de se apegar aos seus personagens desde o primeiro longa de 2001 .

3 Estrelas *** - Bom

sexta-feira, 13 de maio de 2011

Eu Sou a Lenda

Quando Hollywood não podia ser Hollywood.

Francis Lawrence é um diretor competente. Após realizar o interessante Constantine, o austríaco se consolidou como um belo carregador de piano na Meca do Cinema. Não fazendo muitas exigências, o diretor é querido pelos produtores e é chamado pra fazer os projetos que são blockbusters, claro, mas que são mais complicados que os meros mutantes e bruxos das franquias. Portanto, a adaptação do complicado I am Legend, livro de Richard Mathieson, não poderia ter caído em mãos melhores. Porém, o filme e o livro tem abordagens bem complicadas, principalmente ao se considerar que em 2 terços das mídias, o protagonista anda sozinho pela cidade. Um problema, então, era escalar alguém que segurasse o papel de forma distinta. Will Smith, ator carismático e talentoso, se associou ao projeto, o que é um outro enorme acerto. Tendo um competente roteiro em mãos, Lawrence então poderia realizar seu primeiro projeto arriscado, transcendendo ainda mais a barreira criativa que ele tinha em Constantine.

Porém, segundo os produtores americanos, um projeto cult e pequeno, com ambições enormes e tendência a pouco orçamento, pode ter um potencial financeiro imenso. Will Smith, dono de pelo menos 4 bilheterias gigantescas, é o protagonista, porque não visar mais dinheiro? Sendo assim, o ousado projeto virou um monstro da mídia. 160 milhões em orçamento é mais do que prova de que Eu Sou a Lenda virou oficialmente um blockbuster. Mas como um filme quieto, calcado em atuação e subtexto filosófico-político, pode ter gerado 590 milhões (pagando assim seu orçamento megalomaníaco)?

Apostando na idiotice generalizada dos produtores, que ofendem o espectador. O filme tem seus próprios erros, que o tornam inquestionavelmente imperfeito, mas o que a ganância por um happy ending é o principal deles.

Mesmo antes dos logotipos dos estúdios sumirem da tela, o roteiro de Akiva Goldsman e Mark Protosovich já bombardeia informações. Porém, o que é relevante do programa jornalístico, começa apenas quando Emma Thompson surge na tela, numa ponta como a Dra. Krippen, revelando que descobriu a cura pro câncer. Com um belo corte para 3 anos no futuro, começamos a acompanhar, com imagens impressionantes, a jornada de Robert Neville e seu cachorro para sobreviver na devastada Nova York. Uma divertida e esplêndida sequência de Neville em um Mustang, cruzando a cidade vazia, dá uma incrível dimensão aos fatos sem explicar nada. No final da cena, Neville vai á caça. E confrontando a fauna selvagem que ali se instalou, o protagonista percebe que é uma luta perdida. Ele simplesmente sai. Surge, com fundo musical climático e gigante autoridade, o título na tela. Simplesmente devastador, o início do filme é perfeito em todos os sentidos. Além de ditar o ritmo da narrativa dali pra frente, com poucas interações faladas, o prólogo ainda estabelece o desesperador cenário da narrativa com eficácia, colocando o espectador dentro daquele mundo.

E o roteiro continua sua história sem excessos, calmo, como um verdadeiro artista. Pouco a pouco conhecemos Neville e seus hábitos, ao passo que também contraímos laços emocionais com ele e Sam, sua pastora alemã. O tocante modo com que Neville lida com sua solidão, é muito bem executado também. A cena na locadora é exemplo de confiança no espectador, preferindo ilustrar as emoções do personagem por gestos e palavras bem-humoradas, como a ótima sacada com os manequins. Recusando utilizar narração em off no filme, o roteiro ganha mais pontos ao negar um artifício que é mais fácil(mas incompetente quando mal utilizado). Não por acaso, os únicos monólogos explicativos de Neville são para realizar seus experimentos científicos. A opção por omitir as reações do povo à infecção é vitoriosa. Os flashbacks da família de Neville são os únicos elos do espectador pra conectar o que ocorreu durante a infestação e evacuação, dando um tom de mistério que é muito bom.

E aí entra a competência de Francis Lawrence. Executando uma direção madura ao extremo, Lawrence é perfeito ao potencializar a solidão e tristeza de Neville em cada enquadramento, ainda indo além ao conceber belíssimos quadros em conjunto com Andrew Lesnie, o diretor de fotografia. A paleta amarelada, que enriquece as internas e aumenta o desconforto ao ver a maior metrópole do mundo inteiramente vazia, casa com a direção contemplativa de Lawrence, que consegue ser arrojado mesmo num filme de estúdio. E ainda acerta ao investir em algumas soluções visuais pra criar suspense, como os cachorros infectados esperando a luz do Sol acabar pra atacarem. Tendo como mantra um conceito que cada diretor devia lembrar mais, o do valor imenso de uma imagem muda perante as palavras expositivas, Lawrence conta sua história com paciência admirável. Se revelando também um baita diretor de atores, com uma performance hipnótica de Will Smith, Lawrence cria passagens angustiantes só na interação diretor-ator, como a lindíssima e forte cena de Neville e a manequim na locadora, após um evento catártico.

O ritmo diferente, a narrativa complexa estruturalmente, apenas um ator em tela e um tema difícil, que envolve até mesmo religião, construíram Eu Sou a Lenda como um raro exemplo de inteligência nos blockbusters, um cult em essência com orçamento milionário. E até o minuto 75, o filme ia caminhando pra um resultando esplêndido. Tudo é atmosférico, é emoção visceral, nada é pedante, nada desnecessário se explica(como a armadilha que precede os cachorros infectados). Claro que tem seus erros peculiares, como a energia infinita da casa de Neville, o suprimento alimentar que não estragou em 3 anos e uma coincidência lá pro minuto 60 na sequência do pier. Mas ainda assim, um belo filme a ponto de ser memorável junto a Filhos da Esperança, outro filme que tem sua raíz de ação, mas é inegavelmente mais político. Comparando os dois filmes, Filhos puxa mais pra conflitos étnicos e políticos enquanto Eu Sou a Lenda se baseia nas emoções do isolamento. Juntos, dividem o apocalipse iminente e o subtexto filosófico-religioso fortíssimo.

Obviamente, o filme enfraqueceria com a chegada de um outro elemento, no caso, Alice Braga. Mas sua personagem sustenta as interações com Smith muito bem, com destaque para o discurso de Neville sobre Deus que, apesar de expositivo ao contar a população mundial após o incidente, é poderosíssimo. A correria que acaba acontecendo é bem executada e libera a tensão tão velada ao longo do filme. Assim, Lawrence, Smith e os roteiristas caminhavam a passos largos pra memória do espectador.

Porém, chega o clímax. O dinheiro falou mais alto e Hollywood mostrou sua mágica.

Explorando recursos batidos como o sacrifício, os 10 minutos finais abraçam sem reservas o espectador médio ao conceder respostas fáceis ao final da narrativa. Não só satisfeito em desfazer a encantadora atmosfera desoladora do restante da película, o final moldado pelos produtores após uma exibição-teste ainda cria imensos buracos de roteiros em prol do desgraçado do happy ending. Como aceitar que há esperança em uma frequência de rádio se em três anos(repetindo, TRÊS ANOS) ninguém a ouviu? Deu um estalo de inteligência nas pessoas pra resolver ligar o rádio em AM apenas depois de quase meia década? Pior: como aceitar que uma paulista com um moleque de 10 anos foi capaz de encontrar Neville se há uma BASE MILITAR que não o encontrou? E não satisfeito em sua mediocridade, o final ainda destroça a bela ideologia velada do título: Se Neville é a lenda que a insistente narração final martela, por que essa lenda tem passado?

A coisa só enfraquece quando vemos o potencial que o clímax tinha. Não só em imaginar como seria um final digno do início pessimista, mas considerar que um final alternativo, bem superior, foi gravado e retirado em prol do sorriso no rosto do público que vê cinema como mero entretenimento. E aquele final era espetacular, evocando o lado humano da tragédia que tanto prezaram ao longo da narrativa. Lembrando Blade Runner, humanizando o vilão, vendo o outro lado da moeda, que talvez seja mais desolador que a própria linha principal da história. Mas desde a década de 70, arte não faz dinheiro. E a corda sempre arrebenta pro lado mais pobre. Uma pena, pois Eu Sou a Lenda é competente, mas podia ser memorável.

Em pensar que a melhor cena do filme é a síntese do filme quietão que estávamos vendo. Um homem angustiado e a câmera.

**** 4 Estrelas

quinta-feira, 5 de maio de 2011

Old School Trailers

Sleeping Beauty

O primeiro filme de Julia Leigh apresenta um espetacular trailer após ser confirmado para a Mostra de Competição em Cannes. A belíssima fotografia, os ângulos milimetricamente planejados e a frieza das imagens frontais concebidas por Leigh se somam a um uso formidável do som, que emprega tensão por todo o trailer até culminar na estrondosa badalada final, tudo isso pontuado por uma narração em off que é excepcional por introduzir o espectador naquele mundo, sem soar deselegante. Uma grande promessa pra temporada de filmes cult, esse pequeno filme australiano é capitaneado pela atuação da sempre competente Emily Browning. O tom triste e pesado da produção promete ser um dos favoritos na Costa Francesa.

***** 5 Estrelas

Immortals

O novo filme de Tarsem Singh, de A Cela e Dublê de Anjo, vem na esteira dos épicos grandiosos que Hollywood trouxe novamente á moda desde 300. Visualmente fantástico, o que só mantém a tendência ao apego visual que Singh desenvolveu em Dublê, o filme parece ter como sua maior deficiência as cenas idênticas aos outros épicos. O golpe característico de 300, o salto pra se cravar a espada, é logo mostrado aqui. A fotografia estilizada, ainda que dourada, evoca os tons escuros de 300 de maneira muito extrema, soando quase como cópia. Fora que Henry Cavill, o novo Superman, berra como Sam Worthington em Fúria de Titãs... Ainda que soe um filme repetido, Immortals deve suprir pelo menos suas pretensões técnicas, como a bela flecha dourada ou o estonteante quadro dos deuses brigando suspensos no ar.

*** 3 Estrelas

Rise of the Apes

O novo filme, mais um capítulo na saga do Planeta dos Macacos, pareceu em nada acrescentar á mitologia desde a pré-produção. Agora, com o primeiro trailer lançado, as teorias se concretizaram. Ainda que James Franco e Freida Pinto sejam talentosos e a WETA Digital tenha feito um novo magistral trabalho ao criar o macaco Cesar, o roteiro parece realmente comprometer a produção, ao tentar criar alguma tensão e ação em meio a origem da revolta dos símios. Se o filme original já sugeriu tudo tão bem, pra que mostrar o que aconteceu? Ao tentar caçar níquels, Rise of the Apes pode até surpreender, mas até agora só soou desnecessário e equivocado. E a presença do diretor Rupert Wyatt, quase um estreante(dirigiu apenas The Escapist), só favorece a tendência da direção ser de aluguel e o filme, na verdade, ser do estúdio.

** 2 Estrelas

Conan

A volta do cimério ao cinema, dirigida pelo bom Marcus Nispel, tem o ar de aventura bárbara permeando todo o seu trailer, com trilha climática e pesada, mulheres semi-nuas e confrontos empolgantes. Embora parecesse um filme barato, Conan mostra contar com uma rica direção de arte que, ainda que não muito criativa, pelo menos é correta. Candidato a bom filme de ação á moda antiga, divertido e descompromissado, Conan até promete valer o ingresso, mas peca por não ousar. Fora que o astro da nova versão, Jason Momoa, é mais um desenho da Image Comics do que um ator. Se sozinho ele não se sustenta, comparado com Schwarzenegger, fica mais difícil ainda.

*** 3 Estrelas

terça-feira, 3 de maio de 2011

Thor

A consolidação do universo Marvel nas telonas.

Depois de Blade, lançado em 1998, Hollywood percebeu que o público poderia se tornar entretido novamente com super-heróis, após o declínio do gênero após Batman Eternamente e a ausência de Superman nas telas. O rio de adaptações que vieram depois não foi totalmente saudável pras histórias em quadrinhos. Se Homem Aranha veio como um das mais belas adaptações da história, A Liga Extraordinária e Do Inferno assassinaram a obra de Alan Moore. A Marvel havia entrado na onda dos filmes já com Blade e após isso, desesperada pela crise econômica na empresa, ela vendeu seus direitos de personagem por preços baixos para a Sony e a Fox. Enquanto a primeira realizou a lucrativa franquia do Cabeça de Teia, a segunda lançou os competentes X-Men e os limitados Quarteto Fantástico e Demolidor. Porém, a Marvel ainda tinha muitos heróis para serem adaptados. E se a DC tinha controle sobre suas obras(muito em virtude da mesma ser uma divisão da Warner, que as adapta pras telonas) porque a Marvel não poderia também? Nenhum dos Vingadores havia sido trazido a vida. Lançou-se o Marvel Studios.

A iniciativa é espetacular. Diferente dos filmes meramente lucrativos e fechados das distribuidoras, a Marvel tinha controle criativo sobre os roteiros, sem ter que ver seus melhores personagens virarem meros blockbusters de verão nas mãos hollywoodianas. A bela estratégia de criar um Universo inteiro só da Casa de Ideias nas telas é maravilhosa e teve seu primeiro passo com Homem de Ferro, o excelente hit de 2008.

Após o filme do Hulk e a sequência do ferroso, o Universo deveria expandir. E a decisão de lançar Thor agora é ousadíssima, já que é hábil em abrir os horizontes do Universo e ainda introduz o mundo mágico da editora nos cinemas, coisa que os científicos filmes de 2008 e 2010 não eram. Protagonizado por desconhecidos(Chris Hemsworth e Tom Hiddleton), o projeto é um passo no escuro para o bem-sucedido comercialmente estúdio. O desnecessário 3D nada mais é que uma garantia maior de lucros. E é bom ver que se Homem de Ferro e Hulk foram bem sucedidos ao apresentar bem os personagens ao público e manterem suas características pros fãs, Thor cria um boa lógica pra se adaptar aos desejos comerciais e aumentar o Universo Marvel introduzindo muito bem o personagem mais complicado da editora. O problema principal do filme, porém, é justamente essa lógica.

Em termos de adaptação, os fãs podem ficar tranquilos. Thor é vivido com grande presença por Hemsworth e tem seu espírito e essência idênticos ás HQs, com uma construção formidável no excelente início do filme. Algumas passagens ecoam o visual e narrativa das histórias mais originais de Stan Lee, o que é um tremendo acerto. O visual de Asgard, aliás, está fidelíssimo ao material de origem e cria um belíssimo espetáculo nas sequências fantasiosas. As tomadas aéreas do lugar são de tirar o fôlego, com uma direção de arte impecável ao retratar o cenário com tons fortes, desde o vermelho ao dourado, esse último uma constante na riquíssima Asgard. As internas do local são ótimas também, com tons escuros e que ostentam uma oportuna nobreza.

Já os grandiosos salões, dourados e sempre recheados com os habitantes da cidade(vestidos com os lindos figurinos), são o palco pras melhores partes do filme. As interações entre Odin, Thor e Loki são emocionantes por abordarem com precisão a energia carregada de culpa que a conturbada relação entre pai e filhos leva. A boa performance de Hemsworth e as inspiradas atuações de Hiddleton e Hopkins só potencializam essa emoção que os realizadores almejavam. Ao investir numa temática shakespeariana, captada com precisão pelas lentes tortas(falarei disso adiante) do especialista no assunto Kenneth Branagh, o roteiro de Ashley Edward Miller, Zack Stentz e Don Payne é extremamente feliz ao criar esses laços de sangue e o que eles geram no governo de Asgard. Sempre que a cidade fantástica entra em tela, a admiração pelo trabalho da Marvel cresce mais ainda. Construída com parcimônia, a mitologia em torno da cidade e os seres que a governam é o ponto alto da produção, que cria esses belos instantes que transcendem o cinemão pipoca, como a melhor cena do filme, a que Odin deserda Thor com rasgantes berros melancólicos.

Porém, se em Asgard a narrativa, os diálogos e a construção de personagens são fantásticos, nas cenas terráqueas a coisa desanda(e feio). A precariedade dos personagens é crucial pra narrativa naqueles momentos. Após a excelente cena que abre o filme, que a montagem de Paul Rubell mescla bem Terra e Asgard, as cenas com Jane Foster(Natalie Portman), Eric Selvig(Stellan Skaarsgard) e Darcy(Kat Dennings) ficam fracas. Tratados de forma ridiculamente simplória, visando uma maior identificação com o público leigo em Thor, os personagens são reduzidos a um par de adjetivos. Jane é a mera cientista interesse romântico do herói, que senão fosse vivida com tanto talento por Natalie, seria uma pateta. Eric é o doutor preocupado em demasia, a contraparte controlada da destemperada Jane. Darcy é a besta alívio cômico. Isso atrapalha bastante o interesse do espectador atento em ver os personagens percorrerem a trama, mas facilita a vida do público médio em conhecer o Universo de forma mais mastigada. Aí que se percebe pela primeira vez as fraturas da lógica comercial criada, que pode até ser eficiente pras massas, mas é falha como arte.

E se o filme oscila nessa balança perigosa do ótimo e do fraco, o roteiro apresenta a sua carta na manga: a criação do Universo Marvel, baseada em referências. Confesso que é emocionante pra um fã ver o Gavião Arqueiro em cena pela primeira vez ou ver uma espetacular luta no planeta de Laufey ou até mesmo a Ponte de Asgard que leva a outras dimensões. Além das ótimas referências aos quadrinhos, as citações ao vindouro Os Vingadores são excelentes e servem bastante para o propósito da criação. A SHIELD, representada pelo Agente Coulson(o bom Clark Gregg), está tão presente quanto em Homem de Ferro 2 e o esquema montado pela organização em torno do Mjolnir caído no deserto rende uma cena de ação das mais empolgantes. Interessante constatar, então, que Thor é um filme de origem como Homem de Ferro mas é bom pro propósito geral do estúdio, como é Homem de Ferro 2. Na teoria, isso seria perfeito, porém a supra-citada lógica comercial freia o filme de alçar voos maiores. Se Tony Stark é um personagem que o público irá se identificar tranquilamente por ser mais palatável(anti-heróis estão na moda...), Thor é complexo e suas relações familiares são emocionalmente intrincadas. Ferro não precisou ser abrandado pra se encaixar no interesse das massas, mas Thor é diferente. E paga o preço por isso.

Na ação, porém, Thor em nada fica devendo a Homem de Ferro. A pancadaria é das mais empolgantes e Kenneth Branagh é preciso ao captá-la de maneira fluente, sem cortes rápidos. Ainda dirigindo de maneira competente as partes dramáticas, Branagh tem um bom cuidado técnico, ainda que visivelmente não queira passar nada a mais com seus enquadramentos. A grande síntese disso é seu modo torto de enquadramento, o ângulo holandês, uma constante na produção. Esse tipo de ângulo é utilizado pra ilustrar o desconforto do personagem em cena. Mas diferente de Tom Hooper, que enquadrou Colin Firth no canto da tela tentando causar desconforto e se perdeu ao enquadrar todo mundo assim, Branagh não tenta passar nada ao empregar o holandês. É estranho e chega a ser engraçado em alguns pontos, mas o enquadramento é meramente estilístico, o que não diminui a força da direção, o que quase condenou O Discurso do Rei.

O uso da câmera lenta pelo diretor é fantástico também, sem arroubos e determinando com competência momentos de emoção, como a linda parte em que Thor tenta retirar o Mjolnir da pedra(a chuva aumenta a carga dramática de uma bela maneira). Ainda que o 3D(quem puder, fuja dele) deixe mais escura a imagem, é inegável perceber a beleza da fotografia de Haris Zambarloukos, que contribui pra deixar Asgard mais austera, a Terra mais dessaturada(o filme se passa no Novo México) e as batalhas, balanceadas em suas transições de cores. Bonita, a fotografia encontra unidade até mesmo ao filmar a Ponte colorida de Asgard e produz belas imagens, como Jane, Eric e Darcy apenas nas sombras com o céu azul e laranja ao fundo, registrado em contra-plongée por Branagh.

Sendo imperfeito em suas transições ambiciosas entre Terra e Asgard, Thor termina com dignidade e consegue se sagrar como um bom filme, sendo impossibilitado apenas por contrastar tanto sua natureza fantasiosa e o apego excessivo ao público. Se enrolando em funcionar apenas como filme de origem, Thor investe no pano de fundo de ambientação no Universo super-heróico para abrir o caminho pros Vingadores com destreza, mas nos lembra de que isso, afinal, não era uma abordagem densa á um deus emocionante e sim um filme de super-herói descompromissado. Ás vezes, os super-heróis tem que ser menos pipoca e mais arte...

Não há como negar que o bom Thor é interessante e divertido, mas funciona mais pros Vingadores do que pra ele mesmo.

**** 4 Estrelas