Animação de belas imagens revela-se narrativamente monocromática .
Um exemplo de sucesso brasileiro no exterior é o diretor carioca Carlos Saldanha . Depois de passar pelos três Eras do Gelo , fazer muito dinheiro com a franquia e chegar até a experimentar o 3D já no terceiro longa da série , o cineasta deve ter reparado que foi muito bom enquanto durou, mas não dava para tirar mais leite daquela pedra . Para seguir no seu sucesso de bilheteria sem mais o ás na manga que foram os filmes gelados , Saldanha então recorre a uma idéia antiga , e também certeira para inflar seu bolso - o potencial do Brasil de exportação .
E então temos Rio , uma animação que utiliza o ''charme brasileiro'' - que hipnotiza qualquer estrangeiro desde os anos 50 com Carmen Miranda - como arma principal para sua vendagem , não só para o público geral ( que se delicia com a visão pseudo-festeira que se tem daqui) mas também para muito crítico estrangeiro que obviamente não possui conhecimento a fundo do nosso Brasil , muito menos do Rio de Janeiro em si . Nada estranho de se fazer , e por dinheiro vale pintar uma imagem caricata da ''cidade maravilhosa'' e colocar como cerne uma trama esperta sobre dois animais carismáticos . O que atrapalha em Rio são duas coisas : o fato dessa pintura míope do Rio de Janeiro ser feita justamente por um brasileiro - carioca! - e a tal trama esperta que esperávamos, simplesmente não aparecer .
O grosso da história não era mesmo muito inventivo . Nela , Blu , uma ararinha azul nascida no Brasil e levada ainda filhote para os Estados Unidos, enfrenta um dilema : Por ser o último exemplar macho de sua espécie no planeta , tem a tarefa de acasalar com a última fêmea da respectiva espécie , e assim evitar sua extinção . O único problema é que essa fêmea está no Brasil , no Rio de Janeiro , e Blu terá que vir para o clima tropical para realizar sua missão . Para complicar ? Blu não sabe fazer o que qualquer ave deveria - voar .
No entanto , mesmo com uma trama inicial tão básica , era possível tirar muito proveito do seu desenvolvimento - coisa que o roteiro simplesmente não faz . Rio entra pela via do fracasso, pois duplica seus fardos de clichê . Explico . Se não bastasse apenas seus problemas narrativos, de uma trama esquematizada, com personagens por vezes sem brilho , e o lugar-comum rotulado na testa , o novo filme de Saldanha ainda se arrebenta mais por abordar um pano de fundo de Rio de Janeiro de maneira cretina . E se engolir Rio já era difícil só considerando seus problemas estruturais de script , seus erros concordância com a realidade carioca só dificultam mais a deglutição . Não é perseguição ou implicância , mas já se repara pelo nome do filme, que o longa tem como objetivo caracterizar a cidade de maneira verossímil , e tomando isso por base, ficam irritantes detalhes como o próprio samba - criança negra sambando dentro de casa sem motivo aparente ? Como carioca digo, isso não ocorre no Rio . Carnaval parando a cidade da maneira mostrada ? Isso tampouco partilha da realidade .
Mas tudo bem , uma visão embaçada sobre a cidade maravilhosa é comum , e já devemos ficar acostumados com abordagens deturpadas do nosso país e de nossa região . O problema é quando um brasileiro, natural do próprio Rio de Janeiro , realiza um filme que tanto tem de imagético esteriotipado, típico da visão de um estrangeiro deslumbrado . O que poderia elevar o longa a um patamar diferenciado, ao tomar a cidade pelo que ela REALMENTE é , tira pontos do filme ao confirmar uma cosmovisão completamente comum e batida . Não é difícil enxergar em Rio , o filme , aquele super-otimismo tropical que os gringos tem assim que pousam em terras brasileiras . Muito desse otimismo do filme de Saldanha existe no hip-hop imbecil e marginal de Don Blanquito , também chamado Rio - que o link segue aqui http://migre.me/4yHBH . Don Blanquito pinta o Rio como o harém perfeito, uma festança dos diabos . Um humor involuntário , mas compreensível, já que Blanquito obviamente é só mais um estrangeiro deslumbrado e imbecil a cruzar nossas fronteiras. O inaceitável é que Carlos Saldanha não consiga tirar seu filme desse patamar tão babacamente previsível , condenando-o , inevitavelmente, a semi-irrelevância no seu contexto de ambientação urbana, um dos alvos claros da produção .
Ofensas ao modo de ambientar o Brasil á parte , Rio, infelizmente, não apresenta também muitas qualidades no modo de guiar sua própria história . O estilo esquematizado, viradas previsíveis, isso tudo era esperado , e de certo modo até obrigatoriamente relevado pelo crítico que vos fala - é um filme infantil e da Blu Sky, ora bolas . Acontece que Rio não leva muito mais ingredientes no seu preparo . Para no limiar do basicão , e não envolve seus espectadores para levá-los um degrau adiante . Desculpem , mas com a safra de animações adultas e inteligentes que desembocam nos cinemas frequentemente - Rango é só o exemplo mais recente - era de esperar muito mais . Os personagens não são trabalhados com o esmero necessário - apesar de lindos graficamente - e as situações são as clássicas máximas .
Optar pelo clássico , aliás, é o principal problema de Rio , que flerta com várias opções consagradas , onde todas indicam erros claros . Tome por exemplo a introdução da ave vilã . Um momento musical completamente avulso , sem um pingo de necessidade . Blu aliás, é preciso ao apontar ao vilão exatamente isso logo após ele acabar seu número . '' Desnecessário'' . É através de erros assim, que Rio estaciona no limbo das animações, no lugar-comum . A verdade é que mesmo com seu colorido belíssimo - e o visual que Saldanha emprega no filme é caprichado - o longa da ararinha azul revela-se narrativamente monocromático , acinzentado e extremamente normal .
É triste dizer isso , mas Rio não aproveitou todo o tema volumoso que podia destrinchar com níveis semi-pixarianos . Como de costume da Blu Sky , a produção sai meio capenga , mas é divertida o suficiente para alegrar os pequenos - e faze-los comprar muitos ingressos, já inflacionados pelo 3D . Mais triste que isso, só a maldita metáfora que Rio faz com seu realizador : Assim como Blu , Saldanha é um brasileiro nato, mas, por ter sido criado nas tetas dos EUA , se esquece um pouco do requebrado verdadeiro de sua terra natal . A única diferença é que Saldanha ainda deve se lembrar do que o Brasil é de verdade, mas por uma visão mais lucrativa e esteriotipada, porque não fazer vista grossa ?
2 Estrelas ** - Aceitável
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