Fornecendo críticas há 2 anos, o OSN é uma colaboração de Gabriel Papaléo e Joaquim Pedro, onde o Cinema é o assunto principal a ser analisado, debatido e admirado.
Old School Nerds
quarta-feira, 24 de agosto de 2011
Informers - Geração Perdida
Bret Easton Ellis é um escritor polêmico. Autor de um clássico da literatura de língua inglesa, Psicopata Americano, Ellis tem suas obras adaptadas para o Cinema com baixos orçamentos, justamente pelo teor provocativo e controverso. Roger Avery, parceiro de Quentin Tarantino em Pulp Fiction, adaptou com maestria (e fidelidade, nas palavras do próprio Easton Ellis) o livro Regras da Atração, uma comédia adolescente extremamente satírica e ácida, debatendo sobre o mundo jovem de uma maneira crua e sacana, como o próprio cartaz do filme sugeria na época (http://migre.me/5xBko). O slogan do filme, "Nós todos agimos por instinto", é perfeito para contextualizar todas as obras do autor.
Em Psicopata Americano, Patrick Bateman agia por um impulso, impossível de conter, de matar. Em Regras da Atração, o sexo unia a todos, o exemplo máximo do instinto, o outro espectro das extremidades humanas. Portanto, nesse quesito, The Informers até mantém uma coerência com o resto da obra do autor, o que o belo cartaz demonstra, fazendo uma singela referência ao mundo "intocado" das aparências. As necessidades básicas de uma juventude fútil são o que move o filme desde a batida de carro até o take final. O problema de Informers não é a proposta no subtexto; é a decisão do diretor Gregor Jordan em criar uma narrativa fragmentada.
O intuito inicial do roteiro de Nicholas Jarecki e do próprio Easton Ellis, era justamente criar uma sátira a esse mundo adolescente oitentista. No livro, temos personagens completamente distintos e um núcleo até sobrenatural. A moral desvirtuada da Geração Perdida era colocada em debate num tom extremamente irônico, bem característico de Ellis. Concebendo um texto absurdo (o que é perfeito, levando em conta o que é debatido) em sua abordagem, Ellis e Jarecki introduziram até mesmo o personagem vampiro do livro, escalando Brandon Routh para o papel. A questão principal é que a sátira inteligente e explosiva de 150 páginas foi cortada para 94 no roteiro final. E Jordan decidiu que o melhor a se fazer era um drama de tramas cruzadas, no melhor estilo Crash, deturpando totalmente a ideologia contida no material original.
Mas quando os breves créditos iniciais terminam, o filme se apresenta muito bem. O letreiro apontando "Los Angeles - 1983" é até desnecessário. Estamos na Era das festas regadas á drogas, dos DJs orquestrando uma ode á psicodelia numa mansão dos ricos californianos. Ao fundo toca a excelente New Gold Dream do Simples Minds, que sustenta a sequência inteira, registrada apenas por imagens, sugestões. A melancolia presente na canção é perfeita no contexto histórico. Como canta a fabulosa letra, são os tempos perdidos que tanto assustaram o mundo, as mentes alienadas regadas a ecstasy. Estamos na concepção do que se entende sobre a AIDS, da promiscuidade sexual, da contra-cultura atingindo os mimados adolescentes revoltados, que se rebelam e ouvem punk rock ao mesmo tempo que mantém seus Ray-Ban milimetricamente colocados nos olhos. Em suma, um palco perfeito para a escandalização irônica idealizada por Ellis.
E em determinados pontos do filme, até mesmo após sua bela sequência inicial, essa proposta satírica é sentida. Após um contato direto com o sangue do amigo, logo após o mesmo ser atropelado, Graham (Jon Foster, competente) sente o baque, só para depois de uma boa noite de fumo e sexo com sua namorada, esquecer tudo e ir obrigado ao funeral. A rigidez dos diálogos entre os amigos após a cerimônia (assim como as risadas veladas durante a canção preferida do falecido) são interessantes por ensaiar a crônica social contra essa metonímia da Geração em foco. Algumas passagens completamente absurdas também ilustram o texto de Ellis perfeitamente, como a conversa de um produtor hollywoodiano, que quer um protagonista para uma imbecil ficção-científica, com um vocalista de banda. O cinema é citado com alguma frequência no filme - e não é por acaso. A visão incisiva dos roteiristas sobre a cultura da época é algo presente nessas singelas passagens. E Ellis sempre foi mestre nisso, ao demonstrar, mesmo aqui, que não liga para seus personagens quando é preciso expor o modo de vida escandaloso dos mesmos. Quando for para levar o personagem ao inferno, Ellis não hesita.
Porém, o foco não fica na pesadíssima ironia original. As tramas cruzadas diluem a mensagem da narrativa de forma fatal. Dependendo de uma montagem mais eficaz, o diretor acaba escolhendo o texto pelos motivos errados. Aproveitando o delicado tema para realizar uma trama arrogante, que se julga esperta por conectar pontas narrativas apenas pelas circunstâncias, Jordan acaba expondo as fraturas do roteiro retalhado. A presença da sub-trama do gângster vivido por Mickey Rourke é tão desnecessária que quando ela chega ao final, só conseguimos pensar no porquê dela existir, já que é ligada á narrativa "principal" pelo personagem de Brad Renfro, o porteiro do prédio de Graham. A função para a história é nula, já que ideologicamente, o sub-plot só representa a violência perversa de um tipo criminoso. E já que esse tipo é atemporal, em nada ele ajuda numa história que exala oitentismo.
Atemporal, também, é a trama do marido que quer voltar pro casamento que largou por um amor passageiro. E Billy Bob Thornton, normalmente competente, parece perdido como William Sloan. Sempre com o olhar desfocado, ele parece não ligar para as emoções do projeto por não as detectar. Mas se Winona Ryder só está ali para ser um rosto bonito, os histrionismos da cada vez pior Kim Basinger só deixam o filme com menos unidade. Se a passagem de William dizendo que não tem certeza se ama a mulher é ótima, é atuada com certo desleixo. Esse segmento também pouco importa para o retrato da geração, já que se foca em produtos dos anos 60-70. Tendo apenas destaque para a relação conturbada com os filhos, a passagem da ala mais velha da família Sloan só não é um desastre maior porque, pelo menos, o possível (e digo possível porque o filme não deixa certeza) motivo da reconciliação proposta por William funciona esporadicamente para a mensagem, ainda que seja um conceito anacrônico de ganância - o que é ruim para um filme de período histórico.
Procurando desesperadamente extrair emoções de seu fragmentado filme, Jordan ainda investe na relação de pai e filho de Les e Tim Price de maneira equivocada. A canalhice do pai, frente à conturbada mente do adolescente, é retratada de forma dramática, como se o pai quisesse se aproximar do filho e não tivesse ideia de como fazer. Isso até funcionaria na mensagem, já que apresentaria bem a criação discutível que tornou a geração daquele jeito, mas ao quase vitimizar o pai na sequência final dos dois, o filme parece voltar a culpa para o adolescente, que mesmo sem instrução alguma, deveria deixar o inescrupuloso pai se aproximar mais. De quebra, isso ainda torna o filme mais episódico do que ele já é.
Não ajuda também a sutileza de um búfalo do diretor. Demonstrar a falta de tato com as garotas de Tim apenas sugerindo, é válido e correto, mas mostrar o pai dando em cima dessas mesmas garotas que o filho tem problemas é demais. Como acontece novamente na passagem, bem ridícula, do encontro á três no restaurante, pro pai ser garanhão não basta; tem que roubar a namorada do filho também. Criticar e ironizar a postura do pai, um convicto e característico Yuppie dos 80's, seria uma boa opção, mas Jordan prefere se focar no drama do filho, que nada entende daquele mundo e não parece querer nada com nada. Como prova o implacável final desse segmento, Tim não liga para a relação com o pai, apenas querendo fumar sua maconha e ficar em paz. O problema desse segmento justamente é esse: ao retratar o filho como um garoto reprovável, fruto da geração perdida do sub-título nacional, o roteiro parece dizer que a culpa não é do pai. A culpa, inteira, cabe ao modo padrão de vida daquele círculo de pessoas.
Sendo assim, tudo conspira para a denúncia da horrível proposta de Gregor Jordan: criar um Babel de baixo orçamento, mas nos anos oitenta. Procurando contar episódios dramáticos sem função, o filme oscila de forma suicida entre os dramas de situação pseudo-inteligentes e o retrato repulsivo e fascinante de um período.
Logo, os problemas de Informers não são baseados no que ele poderia ter sido, e sim baseados nos erros do novo roteiro. O filme não erra necessariamente porque precisava de outra abordagem; erra, sim, por desenvolver mal o seu já equivocado tratamento.
Apenas ao se concentrar na filosófica discussão sobre a moral da época, como a meditação intensa de Graham nas partes finais, o filme cresce. E se tem algo que funciona perfeitamente em The Informers é a atmosfera intrigante dos 80's. A tentativa de Graham em melhorar é engolida pelo comodismo, como prova a interessante passagem final do filme. Vítima de seu tempo, Graham começa a nutrir certo sentimento por uma pessoa que simplesmente transa com todos os seus amigos. E o protagonista, por sua vez, também se enquadra nesse tipo, já que faz sexo com todas as suas amigas e até com os amigos.
"She is your only friend until the ocean breaks", dizia a New Gold Dream. Quando Graham se torna sentimental e tem que se expressar, ele conhece exatamente essa máxima. E se torna um estranho ser. A metástase desse estranhamento se dá na enigmática passagem do carro, onde Graham diz que precisa de uma base para saber o que é certo e errado. Ao desvendar com sucesso a mente de todos os envolvidos, é se focando em Graham que o longa acha respostas.
Naquela elegante Los Angeles de 83, todos não são promíscuos e inconsequentes por rebeldia; são inconsequentes por não saber o que é consequência.
Se o foco fosse inteiro em Graham, o filme não precisaria nem da ironia de Ellis para ser realmente bom. Se soubesse reconhecer isso na sua pífia narrativa (se já sabemos o papel das drogas naquela sociedade, pra quê serve o segmento do cantor de rock?), The Informers mereceria crédito. Como acerta apenas nesta, das muitas narrativas em questão, merece o ostracismo.
Um interessante espelho mostrado á toda uma geração é quebrado pelos esforços de um incompetente diretor.
** 2 Estrelas
terça-feira, 23 de agosto de 2011
Old School Trailers
Motoqueiro Fantasma – O Espírito do Vingança
O invocadíssimo trailer do novo filme do herói mais sombrio da Marvel já se estabelece como um anti-Motoqueiro Fantasma 1, o que é excelente. Apostando num ar mais diabólico e trash, os diretores Mark Neveldine e Brian Taylor realizam aqui seu primeiro blockbuster de grande orçamento, mas parecem manter a mesma essência que os tornou tão famosos nos ótimos Adrenalina e Gamer. Com uma montagem frenética das sequências de impacto, após um arrastado e irônico começo “solene”, a prévia não esconde o visual do “herói”, que agora está com uma caveira mais negra e aterrorizante que a anterior. Se não bastasse o visual tresloucado e bem realizado dos diretores (repare o salto em câmera super-lenta do homem no precipício) e o tom descompromissado que é ideal pro personagem, ainda temos um Nicolas Cage tão inspirado como sempre, deixando-se surtar com mais facilidade e sem medo algum. Destaque pro “Ohh, it’s awesome” no final do trailer, que contém uma cena que é impossível de ser descrita aqui. Um promissor novo rumo.
**** 4 Estrelas
Carnage
O surpreendente trailer do novo filme de Roman Polanski já entrega muito bem o que esperar da trama, mas é esperto ao causar um espanto no espectador. Quem esperava uma trama densa e pesada vai se deparar com um cômico ensaio sobre casais. O que era apenas uma reunião para resolver uma briga entre os filhos dos dois casais, acaba se tornando uma discussão moral e divertidíssima sobre as fraturas de cada relacionamento. Se o tom bizarro, reforçado por uma engraçada trilha, já é suficiente para aguçar a curiosidade, o elenco afiadíssimo que vai de Kate Winslet a John C. Reilly já concretiza a expectativa.
***** 5 Estrelas
The Thing
O trailer do filme seminal de terror e ficção científica de John Carpenter apresenta um ritmo intrigante que se deve á interessante montagem, que mescla os elementos atmosféricos do terror com as aparições relâmpago da criatura. O elenco, liderado por Mary Elizabeth Winstead, parece firme e bem preparado, ainda que pareçam com os meros corpos pra carnificina de filmes como Predadores e Doom. Semelhante na abordagem e no tom do original, o remake parece honrar a sugestão aterrorizante do clássico de 82, ainda que atualize os seus temas pra atualidade. Ao final do trailer, surge a dúvida: uma interessante homenagem ou apenas um novo e desnecessário remake?
*** 3 Estrelas
Texas Killing Fields
A boa prévia do primeiro filme de expressão de Ami Canaan Mann, filha de Michael Mann, entrega uma atmosfera intensa ao optar pela sugestão e pelos diálogos urgentes. Destaque para a intensa sequência de sequestro de uma mulher, mediada exclusivamente pelo telefone. A montagem, aliada a uma trilha mais incisiva, é bem sucedida ao criar um clima instigante em torno da terra do Texas. Ainda que a fotografia mais realista deixe o filme com um claro ar independente, é na força atmosférica que o trailer se reside e as atuações de Sam Worthington e Jeffrey Dean Morgan (um tanto apagado, até) elevam o drama. O uso dos belos cenários consolida esse filme de investigação com ares pesados de um legítimo western moderno, como Três Enterros.
**** 4 Estrelas
Machine Gun Preacher
O interessante trailer do novo filme do profílico Marc Forster, de A Última Ceia e O Caçador de Pipas, investe numa montagem ágil ao dar espaço aos dois espectros da trama: o da ação e do drama. A trilha sonora de “filme de superação” obviamente está presente, mas é a mão artística de Forster, apostando numa desenvolvida técnica visual, que torna a prévia tão atraente. Gerard Butler também está ótimo, com a competência habitual, aqui testando um ambiente mais dramático que seus papéis como herói de ação. O único porém do filme fica á cargo de um semelhante: Diamante de Sangue. Seria Machine Gun Preacher uma versão mais dramática (e descompassada) do filme de Ed Zwick ou os dois temas tão distintos vão acabar combinando no final das contas?
***** 5 Estrelas