Old School Nerds

Old School Nerds

quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Um Dia

Indeciso romance dramático problematiza o esquema do gênero.

Dexter e Emma estão juntos em um quarto, em 1988. Felizes, ambos conversam de forma leve, tranquila, como se desfrutassem da personalidade de cada um, do coração de cada um. Falam sobre as ambições de vida, afinal acabaram de sair de suas formaturas. Ele, meio bêbado e despojado. Ela, retraída e desajeitada. Ambos se completam, querem ficar juntos, querem ir pra cama. Se ensaia uma relação, mas nada se concretiza. E quando vai acontecer, não acontece.

Por 20 anos.

Um Dia, novo filme de Lone Scherfig, o primeiro depois da aclamação do superestimado Educação, trabalha com essas idas e vindas típicas das comédias românticas, mas as adapta para os dramas da vida, tanto profissional quanto pessoal. Essa incursão, seja por desonestidade ou por ignorância, acaba tornando mais bonita a roupagem do romance, mas não torna as falhas menos visíveis.

Baseado no livro de sua própria autoria, o roteiro de David Nicholls apresenta seus personagens de forma eficiente, mas acaba se beneficiando de estereótipos para essa eficiência. Não estranhe se achar um tanto familiar o casal protagonista; Dexter é o mulherengo convicto que quer aproveitar a vida, Emma é a freak de laboratório com problemas de auto-estima. O trabalho dos coadjuvantes é minimizado, com razão. Num longa que demora vinte anos para se desenvolver, se focar no relacionamento é o mais prudente a se fazer. Porém, se a aproximação é válida, se aprofundar é perigoso. Na superfície, estereótipos podem ser assumidos (como em O Vencedor) ou satirizados (como na série Pânico). Os problemas começam quando o roteiro acredita no estereótipo que sequestrou. E Um Dia se sai pior do que o esperado justamente por acreditar e criticar, ao mesmo tempo, esse estereótipo.

Criticar, se entende, por quando o projeto toma de assalto a estrutura do romance e o encaixa na "vida real". Não estamos diante de exemplares leves como Nothing Hill e descompromissados como A Proposta. O drama sensível do filme o aproxima mais de exemplares como o fenômeno teen Um Amor para Recordar. Não se realiza uma crítica explícita a glamourização do romance, mas se entende. Principalmente pelo papel que a cultura da época faz no filme (o que debaterei á frente). E por contar uma história tão extensa, que perdura por duas décadas, o filme arruma um artifício para não se tornar enfadonho: contar um dia de cada um desses anos.

O que, em síntese, cria outro problema. Para um longa que demora um ano até caminhar para a próxima cena, Um Dia tem unidade demais. Nada parece ter acontecido nesse meio tempo; e o que aconteceu é contado de forma didática pelos personagens, fruto do engessamento promovido pela estratégia do "um dia por ano". Os encontros vão ocorrendo de forma natural, as vezes com uma distância enorme entre os personagens, mas pouca coisa muda. É sempre um Jim Sturgess, no terreno caricato que permeia sua limitação, sendo vítima da trasheira televisiva e da fama e uma Anne Hathaway triste e procurando fazer o que ama, mas sem sucesso.

E isso concretiza a ideia do estereótipo e nos apresenta a visão pouco amigável que o filme tem da própria época que se situa. Não é por mera proximidade com a época atual que o projeto se passa nos anos 90; Um Dia tenta justificar o fracasso de seus personagens devido ao tempo que vivem. Emma é inteligente demais para a cultura dispensável que se cria ali, Dexter é o produto que quer aproveitar a vida e perde o controle dela ao se aprofundar na ridicularidade do ambiente em que vive. É aquele tique de sempre das comédias pseudo-inteligente, fruto da geração Nick Hornby, de se referir a cultura pop a cada minuto para soar relevante. Em Um Dia, porém, o processo é inverso: a citação é pelo desapego á essa cultura, que pode ser tida como irrelevante para o filme. Pode até soar na verdade um amor a tudo que se fala, mas não se engane: é criticar o pano de fundo para tornar crível a tragédia retratada. Emma e Dexter são vítimas do tempo ali citado, o mesmo do romance idealizado e da televisão cheia de porcarias como programas de fofoca e de videogames. É injusto criar uma metáfora contra uma época que parece ter acolhido tão bem os diálogos do filme.

Mas não adianta. No fim, é a mesma história de sempre. Ao optar por fazer (ou tentar fazer) chorar, o filme denuncia a pretensão de querer ser bem mais inteligente do que é. Bicicletas, segundas chances e passeios na colina á parte, Um Dia é só uma comédia romântica que insiste no drama para fingir que não tem os três atos pertencentes ao gênero. Com direito á trilha bonitinha de Rachel Portman (que se sai bem na escolha das músicas da época, como a excelente Praise You) e tudo. O que difere as viradas idiotas de filmes como A Verdade Nua e Crua para o filme é o fato dos diversos anos que passam. Se Katherine Heigl fica chateada com seu amor por alguns dias para depois terminar com ele, Anne Hathaway demora uns dois anos ou três.

Scherfig, que parece demonstrar ser a mais elitista e moralista autora do movimento Dogma 95, consegue refletir boas escolhas técnicas á produção, como ângulos sempre bem compostos (ainda que através de uma decupagem clássica) e uma fotografia estonteante do sempre competente Benôit Delholmme. Ao ser um tanto sutil (mais que o roteiro) ao retratar Emma e Dexter como pessoas complementares ao colocá-los nos cantos opostos da tela, Scherfig torna evidente a competência estética que possui. Porém, ter um bom olho para composições (como o belo quadro aberto de Emma pulando na piscina) não basta. O moralismo já visto no desfecho covarde de Educação se exacerba aqui, ainda de forma não tão evidente. Dexter é um perdido na vida, que só consegue a redenção através de Emma. Por que criar uma reviravolta tão maniqueísta só para, paradoxalmente, soar realista? E não é apenas um mero defeito; se não fosse essa virada final, o projeto poderia até ser eficiente em sua superfície.

Há em Um Dia um longa dramático sobre a verossimilhança de um romance, um retrato coming of age para desmitifcar o esquemático jogo de romances idealizados. Mas há, também, um chantagista e arrogante filme que se julga inteligente e acima das culturas irrelevantes, mas que na verdade é só um caça-níquel procurando as lágrimas de mulheres desiludidas. E ao ter a audácia de forçar o espectador para trazer uma saudade e nostalgia do casal ao encaixar um dia distinto no início do relacionamento ao final da película só pra arrancar um choro a mais, se constata que o filme é quase tão maniqueísta quanto a mais vã comédia romântica. Muito bonitinho, claro. Muito mais racional nas situações (como o conflito da gravidez e com a mãe de Dexter), mas inocente em igual proporção no discurso.

O que Um Dia tem de mais evidente é a lastimável tentativa de acreditar naquilo que critica.

** 2 Estrelas

Os Especialistas

Ou "Robert de Niro de fuzil".

O mundo é caótico. O cenário é uma terra de ninguém, um ambiente povoado pela maior gama de mercenários por metro quadrado, onde a tranquilidade não entra em pauta. Um comboio começa a chegar perto de um homem carismático, com costeletas e um cavanhaque forçadíssimo. Então, num estrondo brilhante, o carro da frente explode. Inicia-se uma operação digna de forças especiais. Muito tiroteio, nenhum disfarce evidente e Robert de Niro com uma M4, disparando com toda o estilo possível. Claramente, é uma força black ops, mas nunca secreta.

Como disse o letreiro inicial, estamos em 1980.

Não é um mero truque para conferir veracidade ao projeto; com Os Especialistas, de fato, estamos nos anos 80. Todo uma época do cinema de ação é sintetizada de maneira coerente por Gary McKendry, em seu debute na direção. As explosões, os tiroteios frenéticos, a trama rocambolesca, as reviravoltas bizarras. Tudo está aqui, da maneira mais divertida e leve possível.

Esse espírito do herói oitentista permeia a produção sem torná-la datada. Jason Statham encarna aqui o papel raso do anti-herói com crise de consciência, que só quer voltar para casa (e para a mulher, não podia deixar de ser). Robert de Niro entra no papel do mentor do protagonista, que parece ter ensinado cada golpe para seu aprendiz e exala competência (e que só falha quando o roteiro acha conveniente). Já Clive Owen assume o papel do antagonista super-espião. O imaginário público sobre os atores ajuda a todo momento a produção: Statham é durão e sabemos disso pelo seu rosto sisudo, de Niro volta ao papel de autoridade do crime de Fogo contra Fogo, mas dessa vez do lado dos mocinhos. E Owen, estranhamente, parece só fazer o papel do espião protagonista desde que recusou o 007.

Além disso, temos os coadjuvantes mais diversos possíveis, sempre nos papéis fractais ao sub-gênero da espionagem. Davies é o faz-tudo do grupo, o homem da ação; Meier é o cérebro da equipe, o homem dos equipamentos e estratégias ("Não deu certo da última vez porque eu não estava coordenando!"); o Agente é, como o nome sugere perfeitamente, o contratante enigmático e que, bem vestido e galante, apenas se demonstra intimidado diante de amostra maior de poder; e temos, claro, o chefe supremo, legítimo headhunter, por trás de tudo: o FDPNC (na hilária e espetacular sacada do roteiro).

Ciente do imaginário, Os Especialistas não tenta desenvolver mais do que a figura imponente dos sujeitos com que trabalha. Porém, quando o faz, soa inteligente. Spike, personagem de Owen, tem sua primeira aparição dentro de sua casa, de óculos e robe, com sua esposa acalmando um bebê ao fundo, o que representa uma boa introdução de personagem no roteiro de Matt Sherring. Sherring também é hábil ainda ao simplificar todas as questões mais elaboradas (o que torna o filme mais focado na ação). Como, por exemplo, Danny entrou no campo do SAS? E como o grupo matou tão facilmente o alvo que fez de Niro ser preso?

Alguns erros grotescos acabam passando, obviamente. Um matador, mesmo que iniciante, não seria tão estúpido a ponto de estourar a cabeça do inimigo podendo perfurar a cabeça do amigo; não é normal um homem vivo ficar estatelado no chão com o único propósito de surpreender o público. Danny é muito cauteloso ao não querer matar inocentes, mas não hesita em perseguir um alvo sem saber da veracidade da culpa dele. Porém, Sherring tem como maior acerto o fato de não se levar a sério ao longo da metragem, o que tornam normais esses erros. É uma homenagem a uma época de homens indestrutíveis, afinal. E, de certa maneira, Os Especialistas é um espetáculo do verossímil perto de Comando para Matar.

E justamente ao conferir certa verossimilhança, o filme torna as mortes mais interessantes. Ao trazer um atropelamento e um tiro acidental como momentos catárticos principais, a produção é coerente em causar imprevisibilidade nos destinos de alguns personagens. A fotografia de Simon Duggan acompanha esse pé no real no meio do absurdo, investindo numa atmosfera granulada e que valoriza a natureza perigosa dos locais. Obviamente, cada movimento e reviravolta são esquemáticos e seria preguiça não saber como o confronto dos assassinos irá acabar, mas ao apostar em elementos ocasionais do ambiente hostil em que vivem os personagens para matar seus coadjuvantes, Os Especialistas se sobressai um tanto de seu esquema limitado.

Ainda munido de diálogos que tem como função exaltar o caráter macho de seus personagens (uma característica bem oitentista), o filme se impõe com frases como "Você tem bolas de aço!", "Muita gente já morreu, não entre nessa lista também" ou, a mais inspirada, "Você deixou a matança mas ela não deixou você!". Sherring ainda vai além ao trazer os diversos tiques das intrigas internacionais oitentistas, como a disputa pelo petróleo. Além disso, o roteiro confere ainda um caráter enigmático ás corporações do filme: o SAS é uma organização especial representada por uma pena; nunca sabemos para quem trabalhar Statham; e não há nenhum envolvimento direto de nenhum governo em momento algum da trama, que passa por diversos países ao longo do globo, de Omã até Paris.

Mas se a trama é um bolo de camadas bizarro e sem muito sentido, não se pode dizer o mesmo da ação, bem coordenada por McKendry. A trilha ainda embala bem a correria, evocando os genéricos temas de ação do passado. O caráter operístico e de homenagem se consagra na virada do terceiro ato. Quando o filme parece caminhar para um digno fim, uma reviravolta amalucada se instala. Tudo merece ser revisto e começa a se ensaiar um novo filme. O que em teoria seria um demérito enorme, acaba apenas deixando mais explícita a intenção de homenagem. E quando se percebe que o escritor do livro que deu origem ao filme é personagem fundamental a ele, é justamente quando a tal trama internacional parece ter surtado de vez mesmo.

Não se pode desviar da real intenção, a da ação pela ação. Cena emblemática: mesmo após ter lutado anteriormente com Owen, Statham se vê preso a uma cadeira pelo mesmo Owen. Um minuto depois e Spike já está preso a cadeira, com um terceiro elemento em cena. O que acontece? Uma luta á três. Não ter medo do absurdo não é para muitos.

Em um tempo de super-heróis a cada semana em tela e adaptações á todo momento, é com certa surpresa que chega esse Killer Elite, um filme pipoca que até se denomina adaptação, mas é simplesmente absurdo e esquemático demais para o ser, o que cheira bem a devaneio do escritor ou um mero truque, como o dos Irmãos Coen em Fargo. E implausível, para um projeto que não se leva a sério, é um adjetivo bem divertido.

Sem se deixar perceber a própria piada, Os Especialistas se sai melhor até que Os Mercenários, que soa até uma homenagem de laboratório perto deste. O plot é ridículo, as atuações são canastronas, mas a ação é garantida. Ver de Niro de volta a um papel carismático é um alívio, também. Pode não haver envolvimento emocional ou brilhantismo técnico, mas houve diversão. E das melhores e mais cafajestes possíveis.

Mas vale citar: que Rock You Like a Hurricane fez falta no filme, isso fez.

*** 3 Estrelas - Mediano

domingo, 27 de novembro de 2011

Amanhecer - Parte 1

Quarto filme da série é antiquado em todos os sentidos.

Quando o assunto é Crepúsculo, não é preciso ir muito longe numa análise para o veredito indubitável : não se trata de um produto - tanto cinematográfico, quanto literário - considerado bom . Não pelos seus erros - que são muitos - ou infantilidade , mas pelo simples fato de não conseguir atingir o limiar mínimo de qualidade, quando apenas sua história é avaliada , livre de suas incoerências ou interpretações . Sua trama, por si só, é batida , repetitiva , monótona e previsível . Não há aspectos positivos que possam ser apontados no enredo da ''saga'' (com muitas aspas). Apenas por sua falta de criatividade ou relevância , a série de livros escrita por Stephenie Meyer já merecia pairar próxima da mediocridade . Nada mais justo, já que não possui características dignas de mérito , nem personagens cativantes , ou uma construção de universo bem feita - como em outros best-sellers que fizeram sucesso com os jovens , como Harry Potter e Senhor dos Anéis.

Entretanto , até a mediocridade é demais para o conto de Bella , Edward e Jacob . Não satisfeito em NÃO construir um universo interessante , o sucesso entre as jovens do mundo ainda destrói uma mitologia tão fascinante quanto a dos vampiros . Com seus heróis metrossexuais , e portadores de fobia a vestimentas, ainda sobra para a cultura dos lobisomens . Tudo isso já seria suficiente para decretar a plena nocividade da ''saga'' e seu status inquestionável de ''ruim'' . Mas Crepúsculo não é ruim : está abaixo deste conceito . Podemos atestar claramente isso com a chegada do tão aguardado Amanhecer aos cinemas . O quarto capítulo da franquia cinematográfica chega para tirar mais pontos ainda da mesma . Além de tudo já citado , a série ainda se apresenta incrivelmente retrógrada , em vários sentidos.

Já era possível perceber esse claro estigma machista , infantil e ultraconservador durante os filmes que precedem Amanhecer , mas aqui tudo fica mais evidente e escancarado , conforme o casamento de Bella se aproxima . Na trama da vez , Bella ( Kristen Stewart) e Edward ( Robert Pattinson) preparam seu casamento e enviam seus convites a diversos personagens . O primeiro a receber é Jacob (Taylor Lautner) , que , em mais um momento pomba-gira da franquia, arranca a camisa e vira um lobisomem para extravasar sua revolta licantropa - a cena se passa na chuva, então o calor está descartado como motivo da tirada de camisa , que passa a ser relacionada agora com alguma provável alergia a algodão . Apesar da aparente indecisão , palavra que circunda a série desde o primeiro frame , os dois pombinhos se casam , vêm passar a lua-de-mel no Rio de Janeiro, e aqui consumam seu casamento. Um tempo depois disso, entretanto, Bella tem a ''surpresa'' - isso já não deveria ser esperado? - de estar grávida , e de um feto vampiro .

Dirigido de maneira burocrática, e esteticamente pobre por Bill Condon , Amanhecer é mesmo o pior filme da série . Muito disso causado por seu aspecto monótono - que aliás, sempre acompanhou fielmente a franquia - passando por seus erros técnicos, mas, principalmente, por seu discurso . Este capítulo da série declara, de diversas maneiras, seu machismo, e grande subestimação da classe feminina . Seus recados surgem constatemente, mas ficam cristalinos em determinadas situações, como na gravidez-sacrifício de Bella, que surge como a metáfora clara para aquilo que conhecemos como '' a gravidez é o fim da vida da mulher'' . Ou seja , após o fardo de mãe, não há perspectiva para nenhuma outra meta na vida. Uma visão que se revela errada em qualquer momento da história da humanidade, mas que , em pleno século XXI, é extremamente repreensiva .

Há várias outros momentos que colocam Bella num segundo patamar na relação com Edward : Sua fraqueza - tanto de espírito, já que depende mortalmente daquele homem , quanto física - e também sua inferioridade mental - as cenas em que Edward ganha de Bella no xadrez só servem pra ilustrar a fragilidade da personagem de Stewart , que se demonstra incrivelmente indecisa e frouxa durante toda a exibição . Aliás, minto . Bella se mostra muito determindada num ponto em particular : naquele em que ela precisa se sacrificar pelo filho. As mulheres servem apenas para isso, afinal, correto?

Certamente não. E Amanhecer traria uma boa discussão sobre essa subestimação que ocorre com a mulher caso não fizesse justamente apologia desse fato. Há uma adoração - tanto da escritora , quanto de suas fãs - por esse esquema dito romântico, mas que na verdade só tem de imaturo e antiquado . Ora, Stephenie Meyer não escreve para formar mulheres, mas sim para gerar nas adolescentes uma saudade incrível de serem meras meninas . Repare nas cenas pré-casamento : Bella vive uma indecisão hipoglicêmica, depressiva, sem a menor fagulha de vontade, a acomodação em pessoa . Encarna uma situação similar á de Justine em Melancolia, porém sem nem um por cento do ímpeto da maravilhosa personagem vivida por Kirsten Dunst no filme de Lars Von Trier . O caráter depressivo patológico de Bella chega ao máximo quando nem mesmo seu namorado acredita que ela esteja feliz com o casamento. ''Eu estou'' ,ela diz. Só se for uma felicidade sem semblante - a lá Kimi Raikkonen . Em outro momento do filme, Bella se opõe a usar salto alto, como uma clara criança que recusa o crescimento...Tudo isso só corrobora para o diagnóstico de imensa infantilidade e machismo, presente com maior explicitação do que nunca neste Amanhecer .

Porém, o filme de Bill Condon possui ainda mais defeitos . Não satisfeito em contradizer sua carreira ao assinar contrato para realizar o filme - afinal Condon comandou , em 2004, Kinsey, onde tabus eram quebrados, e agora dirige esta adaptação, onde tabus são mais do que nunca glorificados - o diretor ainda detona a película com sua participação infeliz . Os comandos de set falham , os cortes são desajeitados, a montagem não ajuda . A direção de atores parece tão quadrada, que beira a vergonha alheia . Também, pudera : com excessão de Anna Kendrick e algum outro gato pingado, o elenco de Amanhecer está pior do que nunca . O índice de teatralidade permanece alto, e a culpa é essencialmente dos atores . Atores, aliás, que fracassam ao tentar demonstrar um mínimo de dramaticidade necessária, ou até mesmo expressividade, principlamente neste capítulo tão importante para a ''saga'' . Taylor Lautner e Robert Pattinson estão meramente ruins - Lautner um pouquinho pior - e Kristen Stewart tem mais problemas ao formular expressões .

Além disso, Amanhecer ainda sofre por ser ultrapassado também esteticamente . Sua fotografia é pedestre, e , não satisfeita em não colaborar com o filme, tem tons que variam bruscamente entre cortes . Um Guilherme Navarro irreconhecível . A direção de arte também falha ao dar ao filme um tom extremamente brega, como na cafoníssima cena em que Bella sonha com o casamento. Pilha de mortos? Vestimentas brancas com detalhes de sangue, num fundo estourado branco? Definitivamente, o discurso obsoleto de Amanhecer combina com seu visual.

Diante de tudo isso, ainda temos problemas de roteiro , meros buracos ,como na parte onde vampiros não sabem o que pode acontecer com o nascimento de um bebê vampiro . Séculos de existência para tanta desinformação ? Tudo fica ainda mais cômico na parte onde Edward vai pesquisar sobre o assunto, e entra no Google imagens...Precário, no mínimo.

São muitos os problemas, e Amanhecer, como os outros filmes com o selo Crepúsculo, ainda sofre por ser extremamente modorrento . Antiquado tanto na narrativa quanto em sua técnica, temos aqui o pior filme dos vampiros brilhantes . Um filme indefensável, e se não for por Jack and Jill - mais um desastre de Adam Sandler que vem por aí - este pode ser considerado o pior filme do ano .

1 estrela *

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Dawson - Ilha 10

Drama histórico glamouriza os fatos e acaba limitado.

Ao início da entrevista, o militar está tenso. Várias perguntas são direcionadas para ele, que tem um linguajar limitado e evidentemente preso. Tudo isso é registrado numa contrastada fotografia em preto-e-branco, com uma inquieta câmera que dá uma aura documental para a cena. Quando uma pergunta é direcionada a um habitante da tal Ilha Dawson do título, a retórica parece mais elaborada, mesmo que a pessoa fale pouco. E a câmera, se espremendo entre diversos jornalistas, acaba glamourizando o documento. No fundo, é sobre isso que se trata Dawson - Ilha 10, drama representante do Chile no Oscar 2010. Uma visão imparcial, ainda que fiel, aos fatos ali apresentados.

Os agressivos violinos de Juan Cristóbal Meza ditam bem a atmosfera pesada que o diretor Miguel Littín tenta propor desde o início. Visivelmente apaixonado pelo evento que ali retrata (o que torna o filme mais nacionalista do que deveria), o chileno tenta causar o desconforto em diversos momentos, com o intuito de colocar o espectador na mesma situação dos personagens. A metástase desse jogo ocorre nos takes em primeira pessoa na chegada dos prisioneiros na ilha de Dawson. Littín assume o ponto de vista de Sergio Bitar, o Ilha 10, que foi o autor do livro que originou o filme, o que acaba sendo um tanto previsível, ainda que eficaz.

O problema é que, com o tempo, o truque cansa. Tentando ao máximo entrar na mesma condição dos prisioneiros, Littín pesa a mão e soa repetitivo. A cada tratamento animalesco que um militar concede ao seu subalterno, o filme mostra um revolucionário debatendo sobre algum assunto relevante sobre o país. Isso seria bom para ambientar e delinear o caráter dos dois lados, se não fosse martelado por toda a projeção.

O foco nos detalhes, para o bem e para o mal, são fractais ao filmes. A morte de ícones como Pablo Neruda são detalhadas com pesar, as memórias do 11 de Setembro (dia do golpe que derrubou Allende no Chile) são lembradas com melancolia. As imagens de arquivo de Salvador Allende são mostradas em câmera lenta, com pesar, com uma dor patriótica que fica muito bonita em tela, ainda que torne o projeto restrito ao povo chileno. Pela riqueza de imagens e discussões ali retratadas, Dawson é eficaz. Porém, como obra fechada, acaba tendo diversos problemas, que vão do desenvolvimento de personagens até a estrutura que a trama adota.

Semelhante a filmes como Ensaio sobre a Cegueira, Dawson procura contar os detalhes de um confinamento desesperador. Mas se Ensaio tinha várias vertentes filosóficas, bons personagens e arcos narrativos, o filme chileno se restringe apenas a contar os fatos, o que o torna bem fiel historicamente, mas opaco como obra de arte. Visto por esse lado, é até um milagre que o filme passe seus 100 minutos sem perda de ritmo ou foco, já que pouca coisa parece acontecer em tela.

É comum a filmes históricos serem bem ideológicos, mas a atmosfera dos anos 70 é algo que compensa a falta de significado do projeto. Passagens ótimas como a canção dos países americanos, que é interrompida quando Cuba é citada, valem a visita. As conversas dos exilados no dormitório são sempre relevantes, ainda que previsíveis. O fato do roteiro ter se baseado no livro de um desses presos acaba sendo explícito, já que tanto a carta narrada na abertura quanto os arroubos nacionalistas nos diálogos são, verídicos ou não, bem inocentes. Seria fácil condenar o filme por "vista grossa" no desenvolvimento dos liberais se liberais em essência não fossem tão parecidos. Não por acaso, o filme, ainda que tenha um protagonista, não opta pela exclusiva visão deste, preferindo investir no ensemble cast. Mas o que em teoria funciona, não tem o mesmo sucesso em tela. Littín não é o melhor dos roteiristas e muito menos o melhor dos diretores, então fica bem difícil de apresentar bem cada peça do quebra-cabeça.

O que nos leva a falta de apego emocional aos cidadãos dali. Ciente de que desenvolve mal seus personagens, o diretor investe na montagem ao reutilizar (dessa vez, em preto-e-branco) um take para relembrar-nos quem é tal personagem depois que este morre. Ainda assim, dilata sua narrativa com a construção da igreja afim de criar maiores laços com o arquiteto preso, o que gera também na humanização do militar. Não é de se espantar que seja complicado lembrar dos nomes de cada prisioneiro, já que a individualidade não dá as cartas aqui. Em suma, não sentimos pena por ninguém em Dawson; sentimos, sim, por todo mundo. Sendo um manifesto pró-passado comunista do país, o filme tem até bastante unidade em não privilegiar ninguém.

Ainda que soe leve na abordagem mesmo não querendo (nem os violinos nem os maus tratos foram suficientemente fortes para o apego que o diretor propôs), Littín tem certa competência. É didático em excesso ("Você teve um pesadelo!"), ideológico em excesso (as frases motivadoras escritas por "A"), mas conhece o necessário para uma boa abordagem visual. Empregando uma câmera tremida nas cenas dos presos, o diretor investe em ângulos observadores e estáticos ao mostrar os militares, o que dá uma boa ideia do contraste das situações sem soar forçado. Dirigindo bem seus atores, todos convincentes, Littín até perde as rédeas de seu filme com certa frequência, mas sempre as toma novamente quando o projeto corre perigo de se tornar enfadonho (como quando introduz as cenas dos presos com um oficial de alta patente, em um escritório).

Utilizando uma fotografia com retenção do prateado, a técnica do Bleach bypass realizada por Roger Deakins em 1984, o diretor (também o fotógrafo) torna sua película muito bonita visualmente, com uma direção de arte que assusta pela veracidade. Retratando com eficiência a atmosfera solitária e depressiva da ilha do título, o filme ainda é humanista suficiente para emocionar em algumas partes, como nas já citadas mortes dos ídolos dos presos e no contato com o habitante de uma cidade vizinha á ilha.

Mas o zelo com os presos e o patriotismo evidente acabam revelando outro truque de Littín. Certo de que o público não conhece os militares e o tratamento quase inumano que os mesmos exercem (contra os inimigos e contra si mesmos), o diretor e roteirista força a barra ao mostrar os carrascos. Enfocando em duas oportunidades as mãos juntas (para trás) de um militar, com o objetivo de estabelecer a personalidade metódica e ferrenha do mesmo, Littín constrói TODAS as interações militar-liberal com o maior conflito possível, justamente para vilanizar ao máximo todos os integrantes do exército. E até mesmo quando um militar fala com outro, o chefe manda ele pagar flexões, por puro exercício de poder. Obviamente, então, o único militar bonzinho tem que ser um alívio cômico. Se o tratamento militar não fosse tão unidimensional por natureza, seria até complicado acompanhar um produto tão crente em um reducionismo. Não se espante se você sair odiando a instituição de defesa armada do país após assistir Dawson.

Fechado e modesto em sua pretensão artística, Dawson não ofende e nem encanta, ficando em um meio termo exato, que encaixa o filme mais do que nunca na categoria "histórico". Se diferenciando apenas no amor exacerbado pela própria h(H)istória, Littín realiza um bom filme, fiel aos fatos, que só escapa da fidelidade quando um fato discutível se torna simples demais (na verdade, Allende se suicidou de maneira discutível, mas para o filme, não há dúvidas sobre o assassinato).

Não que os lados não estejam bem claros (é difícil ser a favor de Pinochet e seus militares), mas utilizar uma narrativa pobre para um discurso histórico tão seguro e centralizado não é a melhor solução. Mas há méritos nisso. Para o bem ou para o mal, limitar uma revolução nacional ao amor ao mocinho e ao ódio ao bandido é um feito notável.

*** 3 Estrelas - Aceitável

sábado, 19 de novembro de 2011

Trespass

Joel Schumacher volta á vergonha alheia.

O diretor americano Joel Schumacher é conhecido por seus trabalhos totalmente opostos entre si. Quando se aventura pelo suspense psicológico, consegue realizar, em iguais proporções, filmes corretos como Por um Fio e desastres como 8MM. Ainda sendo bom condutor de dramas criminais, como O Cliente e Tempo de Matar, o diretor ainda tem dois bons exemplos de estudo da violência no currículo, o elogiado Tigerland e o excelente Um Dia de Fúria. Porém, é como realizador de blockbusters e de filmes independentes que Schumacher mostra toda sua incompetência. Se os Batmans dirigidos por ele são indefensáveis, ainda temos o fraquíssimo Veronica Guerin, passando pelo frustrado guilty-pleasure Em Má Companhia e pelos recentes Blood Creek e Twelve, dois exemplos claros da falta de habilidade de Schumacher como contador de histórias.

Seria até um fôlego interessante ver o americano voltar aos filmes de suspense psicológico. Porém, fica cada vez mais claro que seus bons filmes são fruto dos bons roteiros e dos ângulos interessantes que Schumacher busca. Porque como narrador, o diretor ainda tem muito a aprender. Por isso, não é tão surpreendente que Reféns tenha saído tão ofensivo.

Nicolas Cage, mais histriônico que nunca, chega em seu Porsche á sua luxuosa casa. A visão de um helicóptero é intercalada com o áudio do que se passa no carro de Kyle Miller, o nosso protagonista. Logo ali, é possível obter três constatações sobre os caminhos que Trespass irá seguir: além de Cage investir num sotaque pouco convincente (com uma arrogância ímpar) e esse início seja ironicamente semelhante ao do espetacular Violência Gratuita, ainda se pode ter o primeiro sinal da artificialidade ridícula do roteiro de Karl Gajdusek. Miller dialoga da forma mais rápida possível, com o comprador na linha, com uma falta de habilidade que chama a atenção. Não faltou nem o "Damn it..." quando o comprador desliga abruptamente. Chegando em casa, temos mais dessa artificialidade, mas dessa vez acompanhada de um reducionismo irritante.

Se já é difícil acreditar em uma Nicole Kidman como uma serena dona de casa, mais complicado é acompanhar a introdução da filha adolescente do casal perguntando se pode ir a uma festa. Afinal, o pai acabou de chegar em casa depois de um tempo fora, e a filha é amorosa o suficiente para abordá-lo apenas para perguntar sobre a tal festa. E quando vemos o grande Nic Cage com um óculos retrô, cafona, falando que não vai deixar porque "na festa terão outros garotos, o que é o pesadelo de qualquer pai!", dá pra começar a desconfiar que o roteiro é over o suficiente para tentar explicar o que passa na cabeça do pai de uma adolescente, como se o público já não conhecesse. E ainda por cima, cercado desses reducionismos. Fica muito difícil permanecer no cinema.

E a história nem começou.

Com essa introdução pífia, cheia de pequenos mistérios que Schumacher tenta criar (como mostrar as tais fotos que Kyle coloca no cofre e os cigarros que o mesmo encontra logo que chega em casa), já compromete perigosamente o filme, já que apresentar com destreza os personagens, em filmes que dependem da ligação emocional do espectador com eles, é essencial. Não por acaso, é com indiferença que acompanhamos a chegada dos criminosos. E ali começa, de verdade, o espetáculo do absurdo.

Os criminosos já chegam ameaçando de maneira agressiva os protagonistas, o que é de praxe. Além disso, a gangue demonstra ter um mínimo de senso de segurança ao destruir todos (ou melhor, quase todos, já que o único telefone que continua ativo seja crucial para uma sub-trama). Mas é só o roteiro começar a investir nos diálogos que Trespass volta a afundar gloriosamente. Elias, o líder da gangue vivido por Ben Mendelsohn, pede o código a Miller apenas para revelar, em alto e bom som (quase olhando pra câmera, diga-se de passagem), que já sabia o código e que o código fornecido pelo protagonista era para chamar a polícia. Perguntou pra quê então? Pra surpreender o público? Essa tendência se exemplifica novamente nas ameaças ao cofre. Por que Miller não abre logo? O segredo que está ali só se refere a tensão do público, que não sabe o conteúdo dele. Nada aconteceria se ele revelasse isso aos sequestradores. Não é exagero; ser artificial é a principal característica de Trespass. É como assistir um suspense de situações operístico, cheio de arrogância, que vira para o espectador e clama pela admiração de sua inteligência, mesmo que esta não exista. Raramente se assiste obras tão inorgânicas.

Num filme que se propõe ameaçador, são fundamentais dois fatores: que o espectador se importe com os personagens e que os vilões sejam realmente perigosos. Já estava claro que o desenvolvimento havia falhado, mas ao errar também em introduzir os antagonistas, Trespass parece criar unidade na mediocridade. Schumacher, sem saber exatamente qual tom dar á sua história, resolve investir em todos: a tensão sexual (o assaltante entre as pernas de Kidman), o envolvimento entre mocinha e bandido (com os já horrendos flashbacks editados de maneira porca), o da psicopatia do assalto (como a tentativa de aterrorizar com a história do rim), o do heist-gone-wrong (com o caos generalizado pairando sobre o grupo) e, obviamente, o das milhares de reviravoltas. Ao perceber que seus pasteurizados diálogos não irão sustentar nada, Gajdusek começa a embolar o seu roteiro até não saber o que dizer mais.

E aí as questões começam a deixar de incomodar e passam a fazer rir. Elias declama que os remédios do irmão são Tic-Tacs, logo após descobrirmos subitamente que o segundo é um psicopata em tratamento, quando nada havia apontado pra isso. Após, o brutamontes loiro (ah, claro, não podia deixar de ser: Trespass também é reducionista ao compor seus sujeitos) revela um importante ponto da trama, que desmascara toda a operação. Por que ele não disse isso desde o início? E por que o falido Miller guardava tanto dinheiro em casa? Por que levaram uma seringa para o local se não planejavam usá-la? Por que Miller só foi sacar que não enxerga sem óculos minutos depois de perdê-lo? Por que a namorada drogada de Elias está no filme? E por que, ó Deus, não matam a maldita filha logo? Estaria mentindo quem dissesse que não tem nem um pouco de prazer em ver Trespass. Ver Gajdusek patinar com tanto gosto é bonito, até.

O absurdo é tão vergonhoso que a cada grito de qualquer um temos certa disposição em acompanhar o sofrimento. A fotografia sóbria de Andrezj Bartkowiak ajuda a instalar o clima sério que torna o suspense mais engraçado ainda. Sem deixar de se levar a sério por um instante sequer, o filme só potencializa a piada involuntária. Quando Avery está fugindo de casa embalada por uma trilha típica de filmes de assalto, já se percebe que tem algo de errado. Os deselegantes zooms de Schumacher, dados abruptamente em cenas de impacto, também não colaboram. Pelo menos, ao entortar a câmera para criar desconforto, o diretor se apossa de uma lógica visual que, ainda que previsível, funciona.

A falta de condução de um diretor que tenha noção do que responde por "atuação" acaba prejudicando Cage e, de certo modo, todo o elenco. O sobrinho de Francis Ford Coppola parece querer misturar seu Big Daddy e o Dr. Fu Manchu nesse vendedor de jóias. Se Werner Herzog deixou o ator sem controle em Vício Frenético, é justamente por confiar no talento do mesmo e por querer conceber uma história essencialmente caótica. Matthew Vaughn também deixou Cage livre, mas com o intuito de imitar Adam West. Em Reféns, Schumacher não o controla por não ter noção do que isso significa. Assim como não controla ninguém no filme. Kidman está cada vez mais rígida, Mendelsohn parece realmente determinado em tirar o Framboesa de Ouro de Cage, Cam Gigandet se demonstra mais seguro de sua galantia do que já faz e não resta nada além de pena da talentosa Liana Liberato num papel tão imbecil.

Detentor de algumas das mais estúpidas frases de efeito da história recente do Cinema, o roteiro de Gajdusek nos brinda com diálogos que fariam Tarantino chorar de emoção, como "Hey man, it's still my show!" ou "Motherfucker! You're a m-o-t-h-e-r-f-u-c-k-e-r!". Ainda tentando justificar a psicopatia de Jonah ao retratá-lo como um homem obsessivo e apaixonado (o que não demonstrava ser nem no presente e nem nos flashbacks), Gajdusek erra em absolutamente tudo o que se propõe.

Apostando até em conceitos datados como o da "casa ultra-tecnológica" para transformar o único cenário em um mega-desenvolvido justamente para compensar a falta deles, Trespass consegue ser vergonhoso em tudo ao longo de seus inchadíssimos 91 minutos, desde sua tentativa idiota em se levar á sério até ao utilizar a mesma estrutura que Violência Gratuita tanto criticou. As incongruências saltam tanto aos olhos que se torna impossível ao menos tolerar o filme.

Mas quando se vê Nicolas Cage gritando um "No!" tão intenso, não adianta. Não dá para não admirar um ator que se presta tanto ao ridículo assim. E nem digo apenas pelo overacting, mais descontrolado do que nunca, do ator.

Me refiro ao ridículo que é participar de um produto tão risível, descarado e indefensável quanto esse.

* 1 Estrela - Sofrível

domingo, 6 de novembro de 2011

In Time

Andrew Niccol abraça o retrocesso em decepcionante sci-fi.

Quando Truman Burbank descobriu que sua vida era uma mentira, que aquele lindo horizonte era um papel de parede e que a Lua do céu era uma cúpula falsa, o desespero tomou conta de sua alma. Depois de bastante tempo vivendo naquele teatro de mentiras, o espectador sentia a mesma coisa que o protagonista. O cinismo da narração em off de Yuri Orlov, aquele traficante de armas que não se enganava com nada na vida, era válido pois naqueles tempos de Guerra Fria, a sensação de desesperança era maior que tudo. Em 1997, o lançamento da ficção científica Gattaca surpreendeu pela fidelidade com a realidade e pela narrativa envolvente, além de fornecer uma das melhores ambientações que se viu num filme recente do gênero.

Por isso, é tão decepcionante perceber que O Preço do Amanhã, novo filme do roteirista e diretor Andrew Niccol, vai de encontro á todos os fatores que faziam do australiano um dos mais surpreendentes diretores do Cinema recente. Mal desenvolvido, apressado, inocente e inverossímil (mas nunca modorrento), a nova sci-fi de Niccol é o maior fracasso do ano, já que almeja tanto com sua premissa espetacular.

Logo no início, Will Salas já começa falando em uma narração em off. O recurso, quando bem utilizado, é um fator muito bom para representar o que o protagonista pensa, a sua visão diante de uma situação. Curioso saber como Niccol, que abusou do recurso em Senhor das Armas ao retratar brilhantemente o que se passava na mente conturbada do protagonista, resulta tão primário aqui. Estabelecendo toda a ambientação do mundo em um travelling que sai do número no braço até mostrar o corpo de Will, o diretor cria sua realidade inteira em 30 segundos. Niccol nunca soou tão reducionista e preguiçoso. Após a cena inicial, o protagonista encontra sua mãe na cozinha e troca algumas informações nada gratuitas de seu mundo, falando sobre despesas a serem pagas e como sua mãe está fazendo aniversário de 50 anos, mesmo que ela esteja na pele de Olivia Wilde. Assim, rapidamente, nós somos fisgados para a realidade construída sem ter a mínima necessidade da didática narração inicial. É como se Niccol só tivesse escrito a cena da cozinha.

Essa preguiça em desenvolver as ideias criadas consome e implode O Preço do Amanhã da pior maneira possível: por culpa de ser criador. O exímio e paciente idealizador de mundos Niccol acaba soando abrupto em todos os segmentos. Provando estranhamente ser um autor desmedido, que mesmo tendo 6 anos desde seu último trabalho não consegue desenvolver uma ideia sequer com parcimônia, o diretor demonstra aqui uma perda do equilíbrio que confunde a mente do espectador que já o conhecia de seus filmes anteriores. Antes frio e constante tanto na criação quanto na utilização do mundo, Niccol aqui consegue destruir sua fantástica ideia conceitual, do dinheiro que foi substituído pelo tempo, para criar atalhos para um thriller de ação que se julga esperto. Cria bem, mas desenvolve dolorosamente mal.

Desenvolvimento, por sinal, é o que acaba com os personagens também. Um filme tão preocupado em estabelecer um paralelo com a situação do mundo atual não pode acreditar em absurdos; e deles, In Time tem aos montes. O proletário que nunca viu o mar sabe dirigir carros como ninguém, atira como um espião e prefere se divertir um pouco com seu dinheiro antes de "lutar contra o Sistema". A patricinha quasi-idealista nunca atirou, mas acerta na primeira vez. E como todo mundo é jovem, Niccol acha que todos são super-humanos. Em todos os momentos do filme, temos alguém correndo em 2 minutos o que qualquer um faria em 10. Em In Time, todo mundo é maratonista. E mesmo assim, alguns vão além, já que a Sylvia de Amanda Seyfried, de saltos 15 centímetros, se mostra uma corredora melhor que Olivia Wilde (num paralelo desnecessário que a trama faz). Bonnie e Clyde tinham um bando e viviam nos tranquilos anos 20. Logo, era mais fácil assaltar. Porém, na realidade alternativa do filme, não existe segurança, já que um humilde trabalhador e uma bem-vestida socialite roubam, sozinhos, bancos intransponíveis sem nunca passarem por um perigo real.

Se não bastasse as incongruências, In Time ainda tem uma séria tendência á inocência, que nada tem a ver com o tema cético proposto pelos conceitos trabalhados. O choque que o protagonista toma ao descobrir que - ó! Surpresa! - os ricos detém milhares de anos enquanto os pobres morrem sem Tempo. Qualquer um com um mínimo de senso geográfico poderia detectar isso, mesmo sem aparecer nenhum riquíssimo para dizer (como foi o caso de Will). Ainda assim, o filme insiste no idealismo exacerbado ao achar que uma dúzia de roubos irá adiantar alguma coisa para quebrar o poderoso sistema social do filme (esse qual, aliás, não temos noção da magnitude, já que Niccol se mostra péssimo em estabelecer seu cenário). Em certo ponto, o casal 20 percebe que o que está fazendo de nada adianta, já que os banqueiros estão aumentando os juros da população, o que equilibra a balança comercial novamente. Então, qual é a ideia para acabar de vez com o sistema? Roubar mais. Você já foi mais inventivo, Andrew Niccol. E menos preguiçoso e reducionista também.

Ao ver o trailer do filme, já é possível constatar que uma análise sobre o sistema econômico atual será feito. Aliando isso ao cinismo contagiante de Show de Truman e Senhor das Armas, era esperado um espetáculo do verossímil, um filme que não tem medo de aguçar um debate muito polêmico. Não é por acaso; o projeto tem suas melhores cenas justamente quando toca na ferida, quando analisa a política geo-econômica. Quando a população enfurecida ataca um Timekeeper, com questionamentos típicos de cidadãos que não aguentam mais, a emoção até se faz presente, mas ela é rapidamente diluída, seja num passeio bobo de carro ou num idiota treino de pontaria. O interessante é como um profissional desse gabarito consegue perder a oportunidade de realizar um filme global, esplêndido e panorâmico, e resolve ser apressado a ponto de dividir o mundo entre New Greenwich e Gueto. Sim, apesar de divididos em diversos distritos, o roteiro se restringe a reduzir o conglomerado mundial a dois meros lugares. Ainda que antagonais, transformar Ricos e Pobres em um micro-cosmo da situação política é tão inocente quanto estúpido.

Mesmo no excelente trailer, é possível perceber um erro que temos no filme. A prévia é embalada pela música Destiny, de Syntax. Destino, afinal, é o que mantém Will fadado á luta contra o sistema, já que o pai fazia o mesmo. Predestinado ou Escolhido, tanto faz; no cinema de Niccol, nunca houve espaço para arquétipos reducionistas e logo na melhor ideia que já teve, o diretor comete esse erro primário.

E quando constatamos que In Time, mesmo como filme politizado que adora ação, erra feio, é difícil apreciar e engolir o que está em tela. Buracos de roteiro se enfileram, mesmo numa narrativa tão trivial. O experiente Minuteman sabe que se atirar no alvo, ele vai perder o Tempo que contém nele, mas mesmo assim atira, pra depois se lamentar que o desperdiçou. Henry Hamilton se coloca numa ponte para morrer e cair, mas deixa Will no meio do fogo cruzado sem nem deixar algo que provasse a inocência do protagonista. No bar, Henry é avisado que não pode fazer uma transferência de dinheiro muito grande pois pode morrer bem no meio dela. Porém, na hora de transferir para Will, não acontece nada com ele.

O acaso dá as cartas em In Time e se faz presente justamente quando o roteiro se vê num beco sem saída. Se precisam fugir, pulem de uma janela, afinal deve haver uma regra que diz que policiais não pulam de janelas. Depois de surgirem abruptamente em New Greenwich, o casal protagonista conversa depois sobre quantas pessoas tiveram que subornar para entrar ali. Pra que didatizar, quando o mais válido sempre é mostrar? Comentar sobre o take final dá até tristeza, de tão infantil que o mesmo representa. Pelo visto, duas pessoas entrando num banco são realmente ameaçadoras. Existem pessoas com 10 mil anos em conta, mas na realidade de In Time, acabaram os seguranças.

Ao menos, Niccol tem um bom senso estético e sabe cercar-se de profissionais capacitados. Os ótimos figurinos concebidos por Colleen Atwood e a brilhante direção de arte de Alex McDowell só não são melhores que a excepcional fotografia do veterano mestre Roger Deakins. Um clima meio esverdeado, um tanto econômico, de retratar um futuro que soa bem plausível, ainda que alternativo. Até mesmo os carros setentistas se encaixam bem na trama, já que dão uma aura ameaçadora aos Timekeepers. Mas se Niccol está irreconhecível, Zach Staenberg também está. O brilhante montador do supra-citado Senhor das Armas faz um trabalho capenga aqui, ao acompanhar a afobação do filme e montar com desleixo cenas que precisavam de um cuidado maior, uma reflexão maior por parte dos personagens. E dali, sobram os cross-fades de meio segundo, que transitam as cenas da maneira mais feia e menos funcional possível.

Um clima estranho toca a narrativa de In Time. Uma atmosfera que cheira a pressa, como se o estúdio estivesse interferindo no controle criativo a cada 2 takes. Autor de um dos créditos iniciais mais interessantes do Cinema recente, Niccol aqui realiza um direção amadora, que se alterna entre os ângulos ridículos e a necessidade de cortar 3 vezes uma mera cena de beijo, compromete até as cenas de ação, que raramente empolgam, com destaque apenas para o bom plano-sequência em que Timberlake e Seyfried correm para fugir de noite (que por sua vez, é embalada pela previsível trilha de Craig Armstrong). Raramente vemos um momento espetacular em tela, mas quando ocorre, é marcante. É como se Niccol estivesse sufocado e ganhasse fôlego uma vez ou outra, como nas mãos em volta do doador de Tempo ou no final, na morte plausível de um Timekeeper.

Ao abusar de frases impactantes mesmo que não façam sentido no momento da narrativa ("Ele não deve estar correndo. Quem tem tantos anos não deve estar com pressa", afinal um fugitivo não deve fugir porque quer ser pego, então), o filme se perde diversas vezes em suas ideias e consegue realizar o pior filme já concebido de um conceito genial. Na saída do Cinema, meu irmão de 10 anos (que gostou do filme) descreveu o filme como "um Encontro Explosivo de ficção". Dizer que a descrição, apesar de simplória é ótima, é doloroso. Casal com armas, amor contra o sistema do mal, é isso aí!

In Time já nasce pedindo por uma refilmagem. O ruim é constatar que, analisando o currículo, o diretor ideal para conduzir o remake seria o mesmo do original.

Tem alguma coisa errada com Andrew Niccol.

** 2 Estrelas - Fraco