Old School Nerds

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quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Os Especialistas

Ou "Robert de Niro de fuzil".

O mundo é caótico. O cenário é uma terra de ninguém, um ambiente povoado pela maior gama de mercenários por metro quadrado, onde a tranquilidade não entra em pauta. Um comboio começa a chegar perto de um homem carismático, com costeletas e um cavanhaque forçadíssimo. Então, num estrondo brilhante, o carro da frente explode. Inicia-se uma operação digna de forças especiais. Muito tiroteio, nenhum disfarce evidente e Robert de Niro com uma M4, disparando com toda o estilo possível. Claramente, é uma força black ops, mas nunca secreta.

Como disse o letreiro inicial, estamos em 1980.

Não é um mero truque para conferir veracidade ao projeto; com Os Especialistas, de fato, estamos nos anos 80. Todo uma época do cinema de ação é sintetizada de maneira coerente por Gary McKendry, em seu debute na direção. As explosões, os tiroteios frenéticos, a trama rocambolesca, as reviravoltas bizarras. Tudo está aqui, da maneira mais divertida e leve possível.

Esse espírito do herói oitentista permeia a produção sem torná-la datada. Jason Statham encarna aqui o papel raso do anti-herói com crise de consciência, que só quer voltar para casa (e para a mulher, não podia deixar de ser). Robert de Niro entra no papel do mentor do protagonista, que parece ter ensinado cada golpe para seu aprendiz e exala competência (e que só falha quando o roteiro acha conveniente). Já Clive Owen assume o papel do antagonista super-espião. O imaginário público sobre os atores ajuda a todo momento a produção: Statham é durão e sabemos disso pelo seu rosto sisudo, de Niro volta ao papel de autoridade do crime de Fogo contra Fogo, mas dessa vez do lado dos mocinhos. E Owen, estranhamente, parece só fazer o papel do espião protagonista desde que recusou o 007.

Além disso, temos os coadjuvantes mais diversos possíveis, sempre nos papéis fractais ao sub-gênero da espionagem. Davies é o faz-tudo do grupo, o homem da ação; Meier é o cérebro da equipe, o homem dos equipamentos e estratégias ("Não deu certo da última vez porque eu não estava coordenando!"); o Agente é, como o nome sugere perfeitamente, o contratante enigmático e que, bem vestido e galante, apenas se demonstra intimidado diante de amostra maior de poder; e temos, claro, o chefe supremo, legítimo headhunter, por trás de tudo: o FDPNC (na hilária e espetacular sacada do roteiro).

Ciente do imaginário, Os Especialistas não tenta desenvolver mais do que a figura imponente dos sujeitos com que trabalha. Porém, quando o faz, soa inteligente. Spike, personagem de Owen, tem sua primeira aparição dentro de sua casa, de óculos e robe, com sua esposa acalmando um bebê ao fundo, o que representa uma boa introdução de personagem no roteiro de Matt Sherring. Sherring também é hábil ainda ao simplificar todas as questões mais elaboradas (o que torna o filme mais focado na ação). Como, por exemplo, Danny entrou no campo do SAS? E como o grupo matou tão facilmente o alvo que fez de Niro ser preso?

Alguns erros grotescos acabam passando, obviamente. Um matador, mesmo que iniciante, não seria tão estúpido a ponto de estourar a cabeça do inimigo podendo perfurar a cabeça do amigo; não é normal um homem vivo ficar estatelado no chão com o único propósito de surpreender o público. Danny é muito cauteloso ao não querer matar inocentes, mas não hesita em perseguir um alvo sem saber da veracidade da culpa dele. Porém, Sherring tem como maior acerto o fato de não se levar a sério ao longo da metragem, o que tornam normais esses erros. É uma homenagem a uma época de homens indestrutíveis, afinal. E, de certa maneira, Os Especialistas é um espetáculo do verossímil perto de Comando para Matar.

E justamente ao conferir certa verossimilhança, o filme torna as mortes mais interessantes. Ao trazer um atropelamento e um tiro acidental como momentos catárticos principais, a produção é coerente em causar imprevisibilidade nos destinos de alguns personagens. A fotografia de Simon Duggan acompanha esse pé no real no meio do absurdo, investindo numa atmosfera granulada e que valoriza a natureza perigosa dos locais. Obviamente, cada movimento e reviravolta são esquemáticos e seria preguiça não saber como o confronto dos assassinos irá acabar, mas ao apostar em elementos ocasionais do ambiente hostil em que vivem os personagens para matar seus coadjuvantes, Os Especialistas se sobressai um tanto de seu esquema limitado.

Ainda munido de diálogos que tem como função exaltar o caráter macho de seus personagens (uma característica bem oitentista), o filme se impõe com frases como "Você tem bolas de aço!", "Muita gente já morreu, não entre nessa lista também" ou, a mais inspirada, "Você deixou a matança mas ela não deixou você!". Sherring ainda vai além ao trazer os diversos tiques das intrigas internacionais oitentistas, como a disputa pelo petróleo. Além disso, o roteiro confere ainda um caráter enigmático ás corporações do filme: o SAS é uma organização especial representada por uma pena; nunca sabemos para quem trabalhar Statham; e não há nenhum envolvimento direto de nenhum governo em momento algum da trama, que passa por diversos países ao longo do globo, de Omã até Paris.

Mas se a trama é um bolo de camadas bizarro e sem muito sentido, não se pode dizer o mesmo da ação, bem coordenada por McKendry. A trilha ainda embala bem a correria, evocando os genéricos temas de ação do passado. O caráter operístico e de homenagem se consagra na virada do terceiro ato. Quando o filme parece caminhar para um digno fim, uma reviravolta amalucada se instala. Tudo merece ser revisto e começa a se ensaiar um novo filme. O que em teoria seria um demérito enorme, acaba apenas deixando mais explícita a intenção de homenagem. E quando se percebe que o escritor do livro que deu origem ao filme é personagem fundamental a ele, é justamente quando a tal trama internacional parece ter surtado de vez mesmo.

Não se pode desviar da real intenção, a da ação pela ação. Cena emblemática: mesmo após ter lutado anteriormente com Owen, Statham se vê preso a uma cadeira pelo mesmo Owen. Um minuto depois e Spike já está preso a cadeira, com um terceiro elemento em cena. O que acontece? Uma luta á três. Não ter medo do absurdo não é para muitos.

Em um tempo de super-heróis a cada semana em tela e adaptações á todo momento, é com certa surpresa que chega esse Killer Elite, um filme pipoca que até se denomina adaptação, mas é simplesmente absurdo e esquemático demais para o ser, o que cheira bem a devaneio do escritor ou um mero truque, como o dos Irmãos Coen em Fargo. E implausível, para um projeto que não se leva a sério, é um adjetivo bem divertido.

Sem se deixar perceber a própria piada, Os Especialistas se sai melhor até que Os Mercenários, que soa até uma homenagem de laboratório perto deste. O plot é ridículo, as atuações são canastronas, mas a ação é garantida. Ver de Niro de volta a um papel carismático é um alívio, também. Pode não haver envolvimento emocional ou brilhantismo técnico, mas houve diversão. E das melhores e mais cafajestes possíveis.

Mas vale citar: que Rock You Like a Hurricane fez falta no filme, isso fez.

*** 3 Estrelas - Mediano

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