Em 1995, uma animação modesta, de custo baixo(30 Milhões) e produzido por um estúdio desconhecido chega aos cinemas. Os tais produtores eram da Pixar, que era uma pequena empresa de curtas animados até 95, quando, apadrinhada pela Disney, ela lançou seu primeiro longa.
Em 2008, uma animação ambiciosa, de custo altíssimo(180 Milhões) e produzido por um famosíssimo estúdio chega aos cinemas. Os tais produtores são da Pixar, que é uma empresa muito lucrativa e que faz um longa metragem por ano, algo invejável para as outras produtoras de animação(inclusive a Disney)
Entre esses períodos, se passaram nove longas e treze anos. Outras produtoras só pensariam em lucro, público e diversão, afinal são filmes animados. Com tanto dinheiro em caixa também, é fácil fazer lucro com histórias rápidas e cheias de ação, como a Dreamworks. Mas essa produtora é a Pixar. E a única diferença entre o Toy Story de 95 e o Wall-E de 2008 é: O tempo. Nada mais que isso, afinal, a Pixar manteve sua essência e chegou a seu ponto máximo aqui, sem se importar com produtos de merchandising ou rechear seu filme de ação. A equipe criativa da Pixar é exatamente isso: Um time de apaixonados pelo cinema, pela arte, pela qualidade cultural. Não se preocupam em fazer trabalhos adultos em animação assim como Alan Moore e outros autores não se preocupam em fazer quadrinhos adultos. E é por causa dessa equipe que os milhões de dólares não mudaram absolutamente nada no teor das histórias, eles não idolatram os efeitos ou o dinheiro. Eles idolatram seus personagens. Alguém novo, que não tenha Buzz, Woody, Flik, Nemo ou Sr. Incrível em seu imaginário, não teve uma infância completa. Mas não só as crianças, afinal, o adultos tem motivos de sobra pra gostar dos filmes anteriores da Pixar e, principalmente de Wall-E. Eles tem motivos de sobra para apreciar as referências enormes dos filmes de suas épocas. Vai de Chaplin a 2001.
A trama de Wall-E conta a história de Wall-E, um pequenino robô que tem a missão de limpar o lixo da Terra, num futuro de 2800. Com o tempo de limpeza, ele adquiriu sentimentos e vários artigos humanos extremamente úteis pra ele, como lâmpadas. E, depois de anos de solidão, apenas com a companhia de uma pequena barata, uma luz vermelha chega na Terra. Wall-E, dotado de uma curiosidade inocente, começa a seguí-la. Quando ela para, ele vê uma enorme nave chegando e deixando um robô em fórmula de cápsula lá. Então, A robô, chamada Eve, começa a vasculhar o lixo organizado por Wall-E, procurando algo. E assim começa uma das mais bonitas histórias de romance do cinema.
Quando Eve está na Terra, Wall-E sente uma vergonha enorme dela, chegando perto quando possível e cometendo trapalhadas a cada frame. Num supermercado, por exemplo, ele vê Eve e sem querer aciona carrinhos de compras, que o esmagam na parede. A cena é brilhante por sua simplicidade e seu humor único.
Tecnicamente, Wall-E é o filme mais bonito da Pixar. Seus efeitos são muito realistas e causam um balé belo nas telas. Um exemplo da perfeita harmonia dos efeitos é na emocionante dança de Wall-E e Eve no espaço. Ela, voando. Ele, munido de um extintor. Com exceção dos humanos, propositalmente caricatos, todos são realistas. A direção de Andrew Stanton é soberba, fazendo closes, ângulos abertos, filmagens de cima e planos-sequência. Cheio de identidade, Stanton cria algo único com essa sua direção moderna. A fotografia de Roger Deakins é, como sempre, perfeita e belíssima. O ganhador do Oscar cria climas extremamente atraentes e pesados. Na Terra, sua fotografia é meio amarelada, meio sépia, retratando a poluição exagerada. Na nave, é mais azulada, mais limpa, retratando as possíveis "melhoras" que aquilo trouxe. A edição de Stephen Schaffer é competente, pontuando a trama muito bem e determinando o clima do filme assim como a fotografia. Mas, o destaque é a trilha sonora de Thomas Newman. Durante todo o filme, ela apresenta uma tensão triste, representando a situação péssima em que a Terra se encontra. Na nave, a trilha é mais leve, pontuando a ação dos pixels. E, se não bastasse a beleza musical durante todo o filme, nos créditos finais Newman e Peter Gabriel nos presenteiam com a belíssima Down to Earth.
O roteiro de Stanton e Jim Reardon é um dos mais geniais da história. Além de ter uma trama coesa, adulta e muito bem costurada, eles ainda cobrem o roteiro com homenagens e mensagens ambientais, mas que não são merchandising. É a típica mensagem que está implícita e nos faz pensar sobre como estamos tratando nosso planeta. Os diálogos, presentes a partir da chegada de Wall-E na nave com humanos, são extraordinários. Todos aqueles descobrimentos que os humanos presenciam são de uma inocência tocante e pura. É incrível como as comparações com os bebês são válidas, afinal, os dois estão em fase de descobrimento. Anteriormente, eu mencionei os itens humanos que Wall-E pegava para si e eram úteis. Em um momento do filme, ele pega uma caixinha azul com um enorme anel de diamante. Ele pega o anel, joga fora e fica com a caixa, já que ficou encantado com o mecanismo dela fechando. Sem alarde algum, Stanton e Reardon fazem uma crítica ás futilidades humanas, que deixam de valorizar o verdadeiramente belo em nome do dinheiro. Outra sacada genial foi o fato dos humanos serem obesos agora e nem saberem ao menos andar. Depois de 7 séculos sendo "escravos" da tecnologia, eles não saem de seus computadores nem ao menos pra comer. Isso que é um roteiro depurado e inteligente.
Definitivamente um filme irretocável, Wall-E sofreu com o preconceito nas premiações, sendo injustamente não-indicado ao Oscar de Melhor Filme. Mesmo sendo uma animação, esse filme merece por todos os méritos que ganhou e merecia ainda mais. Nos faz apreciar um bom cinema, com humor leve, drama bem-executado e uma ficção-científica como há tempos não se via. Que a Pixar continue nos presenteando com suas belezas visuais e cinematográficas. Ela é o estúdio mais corajoso que existe, mais apaixonado e o único que consegue transpor um drama romântico de ficção como esse, para o cinema. E de forma brilhante.
***** 5 Estrelas