Fidelidade ao livro e maturidade chegam na primeira parte do fim.
Não é difícil imaginar o que passou pela cabeça de J.K.Rowling quando esta começou a saga de sete livros de Harry Potter com um pré-adolescente diante de um mundo inteiro novo a descobrir. A jornada do pequeno bruxo , é - e isto é óbvio -uma metáfora para a vida adolescente, e por isso talvez o produto criado por Rowling faça tanto sucesso e seja tão bem aceito mundialmente. Ao passo que o tempo chega, entretanto, adolescentes crescem, amadurecem, ganham responsabilidades e saem da escola. Não é diferente, portanto, o que acontece com o bruxo inglês criado pela escritora. O último livro da série, lançado há três anos, colocava um ponto final épico na história. Os nossos heróis por fim arranjavam uma solução para seus problemas, saiam da escola , e desafiavam seus inimigos. Neste último livro, que tem qualidade grande , por sinal, os garotos que ''vimos'' crescer se tornavam enfim, o mais próximos de adultos o possível.
E se a série foi transformada sem pensar duas vezes em franquia cinematográfica, era preciso empregar a mesma sensação no último capítulo da série de filmes. O tom adulto já foi sendo aplicado a partir do quarto filme, para ser definitivamente explorado no quinto. Assim como nos livros, que passaram por uma sofisticação narrativa a partir do quarto volume, tomando um rumo mais sério do quinto em diante. Agora, no capítulo final, a série iria precisar de mais um ajuste - e ele seria a transformação definitiva de ''meninos'' em ''homens''. Talvez nem tanto na forma literal - eles na história tem apenas 17 anos - mas no modo de se ver o mundo. Tal modo de se ver o mundo também será, querendo ou não , compartilhado por quem assiste ao filme. Muito lógico, portanto, que Harry Potter e as Relíquias da Morte - Parte 1 , seja o mais dramático e sério dentre todos os precedentes.
E devido a grande quantidade de informação contida no livro e também por essa mudança de rumo, o episódio final do bruxo nas telas teve que ser dividido em duas partes . Tal atitude tem conotações variadas , tanto para o estúdio quanto para o público. Para o estúdio, dividir o filme em dois é positivo, pois, na lógica capitalista, dois filmes valem obviamente mais que um . Para quem assiste, pode-se dizer um pouco dos dois. É bom por um lado, pois a adaptação terá mais tempo e espaço para transferir toda o conteúdo da obra literária. Por outro, temos um problema que parece até inesperado - a obra isolada perde um pouco de sua força.
A trama segue , como sempre, os nossos três heróis determinados. A diferença é que dessa vez eles estão em posição de xeque - Voldemort ( Ralph Fiennes) está com força e influência total para capturar e matar Harry Potter. Isto fará com que ele e os dois amigos - Rony e Hermione - se distanciem da família para a segurança destes. A partir daí, eles precisam por em prática a última esperança que restou para derrotar O Lorde das Trevas - achar as Horcruxes que faltam ser destruídas.
A narrativa em si é deveras diferente das que foram desenvolvidas em filmes anteriores . Apesar do mesmo roteirista (Steve Kloves) estar presente desde o primeiro filme, desta vez ele tem não mais a tarefa de cortar as partes desnecessarias e enxutar as histórias dos calhamaços de Rowling em um longa de no máximo 2 horas e 30 minutos. O estúdio dessa vez deu luz verde para que o filme adaptasse o livro com a maior fidelidade possível, afinal, haveria dois filmes, e não apenas um . O receio era obviamente apertar muitos acontecimentos e muitas emoções em pouco tempo, e portanto é compreensível e, até certo ponto, sensata a decisão dos realizadores. O resultado , pelo menos para quem leu o livro, é um certo regojizo glorioso de ver páginas e páginas que você passou horas imaginando se concretizando na frente de seus olhos . Diálogos inteiros foram trascritos para o script, e as partes que precisavam ser cortadas ficaram muito bem adaptadas. Até aqui, sem a menor dúvida, é o filme mais fiél á obra da escritora inglesa. Tanto visualmente quanto em estrutura narrativa, há uma fidelidade quase obsessiva com o livro, coisa que só vi em algumas adaptações de HQs. E isso é muito bom.
É também muito bom ver que o roteiro é mais focado no drama, como deveria ser. O rumo da história a partir daqui, deve ser para algo mais adulto, maior e mais sério, sem dúvidas. Assim foi com o livro, e assim segue no filme. A maior parte do filme se passa com poucas pessoas sendo filmadas - basicamente os três protagonistas - em paisagens desertas, como montanhas ,florestas, pradarias. O drama neste ponto é intimista, interessante e muito necessário para a preparação de espírito dos personagens para o que vem a seguir. Como na vida real, é a fase de casulo que vai separar o adolescente do adulto. O livro baseia grande parte de sua história nesse momento, e no filme ele tem essa parte representada com justiça.
Entretanto, se o filme perde em alguma coisa, é na sua divisão. Não é por reclamar de falta de ação - afinal o filme tem sequencias de ação - mas é que o cerne da história, as grandes viradas e grandes revelações se concentram na última parte, que vai demorar ainda um pouco para chegar. Não que este filme tenha menos importancia, mas é fato que a parte mais épica fica mais próxima do final, ou seja, na segunda parte. Isso gera , mesmo que num volume quase homeopático, um empalidecimento da primeira parte. Ossos do ofício, um problema que nem se baseia no próprio filme em si, mas na expectativa gerada em cima dos dois.
E o papel de David Yates no filme não pode ser ignorado. As sequencias na mata , nos ambientes
mais isolados , são quase dignos de filmes independentes, e , portanto, é preciso o mínimo de talento para carregar a narrativa sem perder o ritmo ou deixar o caldo desandar. Yates mostra que tem o necessário para fazer o filme se manter vivo nesse perído, e mesmo sem grandes arroubos, demonstra que faz o que é simples bem, e que consegue variar entre o drama de câmera na mão com os close-up nas correrias. É a sua direção mais comum até aqui, mas mesmo assim continua muito boa. E o que continua muito boa é atrilha sonora. A entrada de Alexandre Desplat não poderia ter sido mais saudável, e mesmo fazendo o que já foi testado - som de violino no grau que indica grandiosidade - ele demonstra ser diferenciado. Ponto para quem o escolheu.
Está cada vez mais próximo o fim da franquia de Harry Potter. E é muito bom saber que ocorreu, como qualquer adolescente, o amadurecimento final, tão necessário. Ele era algo anunciado, e enfim se concretiza. Por fim, resta a nós esperar pelo o último filme da série, que vem daqui a aproximadamente seis meses. Continua. Em breve.
5 Estrelas - Nota 8
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