Ben Affleck realiza seu Fogo contra Fogo.
Em 1997, Matt Damon e seu amigo Ben Affleck escreveram um filme, Gênio Indomável, dirigido por Gus Van Sant. Depois de ganhar o Oscar de Melhor Roteiro Original, ninguém mais parou os dois amigos de Massachussets. Enquanto Matt Damon parece ter seguido a linha de George Clooney, escolhendo seus projetos a dedo e obtendo êxito crítico(e ás vezes, de público), Ben Affleck não o seguiu. Depois de uma década de erros como Demolidor, Contato de Risco, O Pagamento(que é bom, mas tem uma péssima atuação de Affleck), Ben decidiu comprovar todo o seu talento demonstrado lá em 97: dirigiu Medo da Verdade, baseado no livro elogiado de Dennis Lehane. O filme foi tão bem recebido pelo crítica que facilitou bastante o financiamento do novo filme do diretor, que ganhou até créditos de "do aclamado diretor de Medo da Verdade" no trailer. Agora, estreia nos cinemas brasileiros Atração Perigosa, que chega fazendo barulho pelas críticas imensamente positivas que vem recebendo nos Estados Unidos. Os 95% que ganhou no Rotten Tomatoes, aliado a críticas muito positivas de críticos do gabarito de Roger Ebert, fizeram o filme gerar muita expectativa.
Após ver Atração Perigosa, entende-se as muitas críticas positivas, mas o filme não é uma obra-prima e nem merece ser indicado ao Oscar, como os americanos pintavam. É uma prova viva de que Ben Affleck é mesmo um excelente diretor e é um escritor muito competente também, porém o filme não é um produto inovador ou uma releitura genial de sua trama anteriomente testada. A estrutura que se vê no filme todo segue o ritmo dessa mesma trama, sem ousar em relação a outros filmes de roubo. O que se diferencia e torna Atração Perigosa uma experiência positiva é justamente o fato de Affleck fazer um filme sem erros, cauteloso, um terreno seguro, sem ousar em momento algum.
A trama segue Doug MacRay(Ben Affleck), um ladrão de bancos de Boston que, junto com sua gangue composta por James "Jem" Coughlin(Jeremy Renner), Gloansky(Slaine) e Dez(Owen Burke), está realizando assaltos mais frequentemente pra poder se retirar por um tempo desse ramo. Em um desses assaltos, o bando acaba levando Claire(Rebecca Hall) como refém e Jem, com medo dela ter visto algum deles, pensa em matá-la. Avesso a assassinatos, Doug propõe antes vigiá-la para saber se ela reconheceu ou não seus sequestradores. Mas seus problemas começam quando Doug descobre que Claire é uma pessoa muito boa e se apaixona por ela. Além disso, o agente federal Adam Frawley(Jon Hamm) está no encalço de sua gangue e vai longe quando tenta usar Krista Coughlin(Blake Lively), prostituta ex-namorada de Doug e irmã de Jem.
O roteiro escrito por Affleck, Aaron Stockard e Peter Craig é muito preciso em vários aspectos. Apesar de um início que tem defeitos, como a cena em que Doug e Jem estão falando com o bando, o filme flue de forma concisa, com passagens interessantes e situações amarradas. A construção de personagens é muito boa também, com 125 minutos sendo suficientes para montar o caráter e os sentimentos de todos os personagens importantes em tela. Contudo, a construção tem falhas. O defeito no início é justamente nisso, com uma previsibilidade grande demais, montando Doug como bonzinho e Jem como mal com um diálogo bem manjado. Fora que faltaram umas pequenas passagens pra pontuar melhor a relação de irmãos de Krista e James. Apesar desses defeitos, tudo é pra ser considerado bem trivial mesmo, já que o filme nada perde com isso. As situações são bem amarradas, competentes e nenhuma desnecessária. Ainda que tiques do gênero de roubo sejam vistos(o grande roubo final para o clímax, a atração amorosa proibida, o ladrão bonzinho que quer se redimir), todos eles fazem parte do contexto que Affleck quer apresentar, formando assim um filme de roubo legítimo. Aliás, por escolher seguir essa estrutura, Affleck impede o filme de ganhar mais pontos, explicando aqui a tal falta de ousadia.
Outro ponto do roteiro que merece citação é a escolha de Affleck por contar sua história principal com um pano de fundo. Toda a mitologia criada em torno dos criminosos de Charlestown, a tal cidade do título original, é rica e sensacional, lembrando a ótica apaixonada que Martin Scorsese executou em Taxi Driver e Caminhos Perigosos. Esse bairro, em que o ofício de ladrão de banco é passado de pai pra filho, se torna interessante quando registrado pela ótica entusiasmada de Affleck. A ambientação é esmerada e apresenta um pouco de ousadia à trama conhecida. Talvez essa falta de ousadia fosse um motivo de implodir o filme, mas como o gênero Roubo é pouco retratado como ele realmente é(e como Affleck desde o princípio queria mesmo é fazer um roteiro seguro), Atração Perigosa se mostra um bom retrato da lei, na linha do épico do crime mesmo. E é tão preciso e competente o jeito com que Affleck conta a história que temos como resultado um charmoso e violento Heist Movie. E algumas vezes isso basta. Percebendo isso, entende-se o rótulo de obra-prima que os americanos viram no filme. Eles não esperavam nenhuma ousadia e amaram justamente o a falta de... ousadia.
E é falando em épico criminoso que vem a comparação que fiz no início do texto. Affleck cria sua trama criminosa com tanto empenho que ele realiza seu Fogo contra Fogo. Porém, se no épico de Michael Mann a rivalidade de deNiro e Pacino era impressionante e o foco principal, colocando a caótica trama e a cidade de Los Angeles como pano de fundo, o foco principal de Affleck é sua trama de roubo, com Doug sendo o homem a se redimir nisso. Como no filme de Mann, Affleck cria um intrincado panorama dramático e de roubo, construindo assim um filme similar. Mas, Affleck ainda não tem a competência e sensibilidade de Mann, que construiu em 170 minutos um filme invejável em 1995, com arcos dramáticos poderosíssimos e uma trama de crime espetacular. Se Mann tinha a ousadia, Affleck tem a segurança. Ao inovar, Mann criou um dos melhores filmes na década e justamente isso faltou a Affleck. Seu épico é de cartas marcadas, sendo amarrado mas anteriormente visto. Ao optar por testar o campo do Heist Movie, Affleck cria um produto satisfatório em roteiro, mas ignorando a inovação, criou um sub-épico do crime, um retrocesso em relação ao filme de Mann. Cabe a Affleck inovar num eventual segundo filme de crime, para se consolidar como o grande contador de histórias que é.
A qualidade técnica que Atração Perigosa tem, ainda mais considerando a ninharia com que o filme foi feito(37 Milhões), auxilia mais ainda a ideia de filme visualmente bonito. A direção segura de Affleck, com mão talentosa pra ação, ainda manda bem nas partes dramáticas, com closes quando necessários e planos se movendo lentamente. Além disso, os cortes saem de forma sucinta, auxiliados pela espetacular edição de Dylan Tichenor. Nas cenas de ação, a edição e a direção entram em conjunto de forma deslumbrante, com um tiroteio bem coordenado. Affleck surpreende a audiência colocando bastante ação no candensiado e demonstra maturidade suficiente, mesmo no seu segundo filme, para conduzir a ação de forma competente. A fotografia de Robert Elswit ainda deixa o filme mais belo, com uma atmosfera azulada no meio da gélida Boston. Combinando esse azul com planos na maioria cinzentos, temos imagens belíssimas e que funcionam dentro do contexto do filme, sem soar deslocadas. E ainda temos uma grande sacada de Elswit: deixando o filme inteiramente cinza e azul, no momento de redenção do personagem, surge um flare com o Sol batendo na tela, num contra-ataque de todo a violência do crime no filme, um momento singelo de pureza da alma. Espetacular.
A trilha sonora de Harry Gregson-Williams e David Buckley segue a linha do filme de assalto, com notas tensas e alongadas. Em algumas partes mais paradas do filme, é fácil reconhecer a contribuição de Gregson-Williams no filme, com notas bastante familiares em outros filmes com sua trilha. Esse ritmo que os compositores impõem na narrativa só ajuda a percepção que estamos diante de um filme de roubo seguro.
As atuações do filme cumprem as expectativas. Ben Affleck entra com veracidade no personagem, até mesmo criando um tipo de falar novo para ele. A fala calma, arrastada e meio melancólica até, ajuda na criação do personagem. Jeremy Renner está perfeito num papel que foi escrito de forma simples. Mesmo sendo típico de vários filmes, o ladrão mal ganha uma leitura respeitável pela visão de Renner. Seu talento, que já estava explícito em sua hipnótica atuação em Guerra ao Terror, fica ainda maior dada a transformação em relação a seu papel anterior. Blake Lively tem pouco espaço em tela, mas não compromete. Já Rebecca Hall faz um trabalho muito bom, sendo uma atriz invejável. Seu personagem, apesar de arquetípico, tem nuances dramáticas muito bem demonstradas pela atriz. E se Chris Cooper e Pete Postlethwaite fazem muito bem seus curtos espaços, Jon Hamm ganha espaço de sobra e arrebenta. Mesmo sendo o policial durão conhecido da audiência, Hamm é um monstro de atuação e mostra o porque dele ser sinônimo de macho durão hoje em dia. Uma grande atuação. Elenco bom o de Atração Perigosa, afinal Ben Affleck escolheu profissionais que, mesmo com papéis não muito inovadores, fizeram um trabalho decente.
Num contexto geral, Atração Perigosa agrada. Apesar de situações comuns no gênero e falta de ousadia, é difícil errar quando uma história é bem executada desse jeito. Um filme recomendável, pra ver sem compromisso, esperando um thriller tenso com passagens excelentes e uma ação esplêndida. E agora fica a espera pelo próximo filme do redimido Ben Affleck. Após fazer o aclamado Medo da Verdade e esse interessante Atração Perigosa, Affleck já entrou pro hall dos diretores mais promissores da nossa geração. É engraçadíssimo pensar que um sujeito competente desses fez "maravilhas" como Contato de Risco, um dos piores filmes da década. Legal constatar que o talentoso Affleck voltou as origens talentosas que colocaram ele e seu bem-sucedido amigo Matt Damon no estrelato da indústria cinematográfica. A grande prova viva das segundas chances que Hollywood dá. Que venha o próximo trabalho dele!
*** 3 Estrelas
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