Old School Nerds

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domingo, 6 de março de 2011

Bruna Surfistinha

Pieguice e Deborah Secco em filme hipócrita sobre prostituição.

No Brasil e em todo mundo, a temática sexual possui , obviamente, apelo maiúsculo . Tema que atrai atenções, multiplica opiniões . Várias opiniões surgiram, afinal , com o livro O Doce Veneno do Escorpião , lançado por Raquel Pacheco , contando as aventuras de sua rotina como a prostituta Bruna Surfistinha . Claramente , o livro possui ousadia , - já de cara pela história que conta - tendo em vista obviamente suas páginas negras lacradas onde a ex-garota de programa dava detalhes de suas façanhas sexuais . Não há pudores , nessa área , pelo menos , para Raquel Pacheco ,nem em sua vida , nem em seu livro .

Na adaptação cinematográfica , no entanto , não é bem por esse caminho . Um filme que pretende debater e ilustrar um cotidiano que não é conhecido a fundo pelo público geral necessita-se, antes de mais nada, despir-se de pudores . Mas não falo de pudores de conteúdo sexual, ou de suas cenas picantes, ou qualquer coisa do gênero - era preciso se livrar do modo convencional, e por vezes burro, de lidar com seu protagonista. Martirizar, vitimizar e fragilizar, são as vozes de comando essenciais para o filme de Marcus Baldini . Abordagem clichê, típica da visão limitada de alguns roteiristas existem sempre , e sempre veremos . O que prejudica mesmo é um filme sobre prostituição portar essa pieguice .

Sem se enrolar na hora de montar a linha narrativa, o longa dá uma pincelada na vida de Raquel antes de fugir da casa dos pais - e é nesse meio tempo que começa a vitimização da protagonista . Mostrando ela sendo agredida verbalmente pelo irmão em casa , e destruída moralmente na escola , o roteiro faz questão de atenuar qualquer atitude ''duvidosa'' da protagonista - como roubar jóias dos pais - mas, por outro lado , ora , não dosa a quantidade de maniqueísmo contido nas atitudes cruéis dos coadjuvantes .

É só o lançar das bases de uma modelação infeliz de ''vítima'' , da personagem principal. Esse olhar na tentativa de ''elevar'' a protagonista, de algum modo, acaba por tirar bastante de seu realismo - e se o filme não descamba para o chavão pastelóide, muito se deve por Déborah Secco, que segura até onde consegue . E se um filme sobre prostituição perde seu realismo, perde logo sua visceralidade, e fica a sensação desconfortável e irônica de assistir um produto piegas que conta uma história que , na prática, nada tem disso. Essa perda da visceralidade, aliás , deve-se em suma pelo roteiro, por fim . A cada take mais bem ajambrado de Baldini - a câmera fixa na cara de Secco quando Raquel está em seu primeiro programa - temos uma narração em off desnecessária e inconveniente , que só traz de acrécimo uma hiper-exposição infeliz .

Mas não é só disso que vive Bruna Surfistinha , afinal . O objetivo era mostrar o início, o galgar do sucesso, o apogeu, a decadência e o desfecho. Aí é um somatório de pequenos erros coroados com um ato falho final . Ora, Bruna fala, em certo momento de seu apogeu , para nunca desistir de seus sonhos, que seu objetivo sempre chegará se você lutar . Não me parecia o sonho de Raquel - tão pouco de qualquer ser humano - se tornar uma grande prostituta . Parece, sim, um caminho em círculos '' batalhar muito para ser prostituta, e assim ser coroada uma grande prostituta'' . Isso lá parece grande conquista ? Enfim, isso varia de cabeça, mas o filme já deixa seu argumento com embasamento dúbio .

E se Bruna tem sua desgraça na cocaína, o script desenha sua derrocada de maneira preguiçosa e pouquíssimo detalhada, pra não dizer capenga . Feita as pressas, fica dificil absorver as proporções do acontecimento . Arco importante e mal desenvolvido, algo que não pode ser feito.

Mas talvez o principal problema de Bruna Surfistinha seja seu tom hipócrita que incomoda de verdade . O discurso de Raquel, é afinal, a independencia, a liberdade, o fim das amarras, a felicidade de ser solta . Por esses motivos e por outros ela deixou a casa dos pais, certo ? Pois no seu desfecho, no seu ponto final, é que todo o filme parece ser um enorme loop que vai até muito longe para voltar a praticamente o mesmo lugar . Por mais que o longa acredite que Raquel foi uma vitória de independência , ele mesmo se contradiz - a imagem que fica, ao fim da exibição, afinal, não é de um vulcão sexual determinado, mas de uma frágil menina perdida.

2 Estrelas **

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