Old School Nerds

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segunda-feira, 28 de março de 2011

Sem Limites

Neil Burger cria interessante lógica visual em bom roteiro.

Diretor com apreço pelo técnico, Neil Burger realizou em seu trabalho mais famoso, O Ilusionista, um dos mais belos filmes de 2006 em termos técnicos. Indicado ao Oscar por fotografia, com trilha de Philip Glass e direção de arte que cria com precisão o clima antigo da produção, Ilusionista já demonstrava a habilidade de Burger por trás das câmeras. Seu último filme, porém, foi bastante criticado. E sendo o roteiro do próprio Burger, o prudente era assumir apenas a função de diretor. E tendo em mãos o roteiro de Leslie Dixon, de Hairspray, Burger entrou de cabeça na adaptação do livro The Dark Fields, de Alan Glynn. Tendo no elenco Bradley Cooper, Abbie Cornish e Robert de Niro, Burger começou sua produção de 27 Milhões de dólares. Contando a história do escritor Eddie Morra, que ganha uma pílula que ativa 100% da atividade cerebral, Burger alcançou o topo das bilheterias americanas e ainda arrancou elogios da crítica americana.

E a receita desse sucesso é clara. Num filme que mescla boas situações, diálogos ágeis, bom humor e roteiro descomplicado, o resultado raramente dá errado. Nesse circuito ameno, é previsível ver como Sem Limites se tornou um sucesso. Ainda mais competindo com o ousado e contemporâneo Sucker Punch, que foi massacrado pelos críticos conservadores.

O roteiro de Dixon começa interessante. Ao criar um desnecessário, porém eficiente, prólogo, Dixon lança o espectador nos créditos iniciais com um tom de mistério interessante, pensando o que poderia ter levado o protagonista até aquilo tudo. E a primeira sacada vitoriosa de roteiro se reside ali: ao sugerir que o filme siga o caminho clássico, ou seja, conhecer a pílula-ascender na vida-cair do topo(literalmente, no caso), Dixon é esperta em brincar com o conceito do clichê do espectador, visto que quando a cena chega, Eddie já tinha caído, voltado ao topo e ainda continuaria oscilando entre eles até o final. Fugir do previsível se estabeleceu como a grande sacada do filme inteiro, que constrói situações interessantes até culminar no final poderoso em sua simplicidade, apenas por fugir das convenções comuns aos filmes do gênero.

Porém, se essa sacada implícita parece algo realmente memorável, não se espantaria se detectasse que ela é acidental. Ainda que o roteiro tenha um relativo esmero estrutural, os caminhos que levam ás tais situações interessantes são irritantemente esquemáticos. Se a própria insistente narração em off de Eddie já explica desnecessariamente a história, visando descomplicá-la, a carpintaria do roteiro pode soar engenhosa, mas é absurda quando relembrada. Ao criar algumas situações, Dixon as soluciona com desleixo, manipulando fatores apenas por ser uma solução conveniente. Quando Bradley Cooper precisa se livrar de um atirador, usa uma agulha para furar seu olho. O problema é: o homem pode atirar ainda sim com um olho. Então Dixon, se achando muito genial, acha relevante tornar o atirador cego de um olho, afim que Eddie escape com mais facilidade. Da mesma forma, ela torna a solução do problema de saúde que as pílulas causam, que permeia a trama toda, um evento que depende da idiotice de um personagem. Mais: Eddie não é revistado após ser o único na cena de um crime, tornando possível que ele leve as pílulas consigo. Se fossem situações irrelevantes, até daria para se perdoar esse erro. O problema é que todas essas são centrais á trama. E ainda tem mais de onde saíram essas, como o mafioso russo com a solução da pílula na agulha. Esquemático demais.

Mas se esses erros impedem o filme de ser memorável, ao menos não o tornam enfadonho, tampouco irrelevante. A versatilidade do roteiro em atravessar gênero com conforto(do drama ao suspense, humor, ficção e até mesmo duas sequências de ação) é notável e torna o filme uma experiência agradável. A já citada narração em off pode até incomodar o espectador mais atento ao explicar demais a trama, mas nos torna mais próximos do personagem e auxilia algumas passagens de humor. E a parte dramática inicial, refletida pela competente direção de arte no apartamento de Eddie, é sintetizada de maneira eficiente na conversa entre o escritor e sua namorada, que demonstra rapidamente as ambições e peculiaridades da personalidade do primeiro. A transição de gêneros ocorre de maneira fluida também, variando de acordo com o rumo que o personagem ascende.

E é nessa transição queda-ascenção que Neil Burger se engrandece. Se sua direção competente é feita com ângulos firmes, as cenas de delírio adotam a lógica visual esplêndida que Burger realiza aqui em Sem Limites. Os créditos iniciais já demonstram personalidade ao usar um gigantesco zoom que emulará, em uma cena mais á frente, a rapidez excessiva do raciocínio do protagonista, que não consegue acompanhar a própria mente. Mas é em conjunto do diretor de fotografia Jo Willians que Burger realiza a grande sacada visual: o contraste ensolarado-opaco. As cenas dramáticas são cinzentas, frias. A paleta de cores escolhida é opaca e as tomadas externas de Nova York só aumentam essa sensação triste. Já nas partes de ascenção, ágeis e interessantes, a fotografia vira ensolarada, quase dessaturada, com tons amarelados muito bonitos. E a supra-citada transição de gêneros não poderia ser melhor retratada pela fotografia: Quando tudo melhora na vida de Eddie, o primeiro lugar que ele vai é a praia, síntese solar. Não só estimulante visualmente, a fotografia de Willians é crucial á narrativa.

E é no delírio que Burger ganha mais liberdade. Colocando diversos Eddies na tela, afim de retratar passagem temporal, o americano ainda utiliza da paleta de cores distintas do filme para criar a sua própria lógica visual de delírio, quando mescla as cores de forma quase onírica. Profissional meticuloso, Burger ainda extrai boas interpretações de Abbie Cornish e Robert de Niro, além de tirar de Bradley Cooper uma atuação que segura tranquilamente o filme sozinho, demonstrando seu talento já demonstrado em Se Beber Não Case. E para finalizar, o diretor ainda conduz a cena de luta(!!!) que há num metrô de forma segura.

Ao quase se sabotar pelas soluções preguiçosas que escolhe pra resolver alguns entraves da trama, Sem Limites não consegue alcançar voos mais altos, mas se estabelece como um suspense divertido e competente. Seguro e bem-humorado, vale a visita. Engenhoso dentro de suas limitações, o filme de Neil Burger consegue agradar e traz o diretor á boa forma de O Ilusionista. Se escolhesse usar mais sugestões, como a perna manca dos consumidores da NZT, o filme poderia ser melhor. Mas mesmo explicando demais, acaba saindo vivo no meio de tanta besteira em cartaz.

Ao menos em manter o espectador interessado ao abandonar o lugar seguro de um final redentor, Sem Limites é poderoso.

*** 3 Estrelas - Mediano

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