Old School Nerds

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domingo, 13 de dezembro de 2009

Cães de Aluguel

Um jóia em seu estado bruto.

1992. Harvey Keitel é um ator de ponta. Suas atuações sempre se destacam, tomando o espaço para si mesmo, como o maioral dos atores. Lembrando Robert de Niro, ver Keitel atuando é algo fabuloso. Lawrence Bender é um produtor, hoje conhecido por produzir para a Miramax. Ele tem um roteiro muito bom nas mãos, chamado Reservoir Dogs. Abraçando a ideia, Bender topou fazer o filme no papel principal e dando 30.000 dólares pro escritor/diretor fazer seu filme. Uma história normal e desconexa, como pra qualquer amador em início de carreira. Mas, Bender deixou o roteiro andar e ele caiu nas mãos de Keitel. Adorando o roteiro, Keitel não apenas aceitou atuar como o protagonista como aumentou o orçamento para 1.2 milhão, se tornando um dos produtores. Continuaria tudo normal se não fosse o fato do escritor/diretor, o tal gerente de locadora, ser Quentin Tarantino. O talentosíssimo diretor começou exatamente assim seu rumo ao primeiro filme e, mais tarde, ao reconhecimento. E é curioso acompanhar Cães de Aluguel com esse olhar: esse é o primeiro de Tarantino. Aqui, vemos um talento sem censura, um homem com uma ideia muito boa, sem contar caprichos de estúdios, pirotecnias ou dezenas de atores famosos desfilando na tela. Vemos algo tomando sua forma, um diamante bruto, algo a ser lapidado. E é pensando assim que qualquer um veja que Cães de Aluguel é um dos melhores filmes da história e, por ironia, não é o melhor de Tarantino.

A trama não-linear, habitualmente empregada pelo diretor, narra a saga de 6 homens com seus ternos elegegantes/bregas. Eles são ladrões atrás de um grande roubo, de diamantes caríssimos. O assalto foi todo bolado pelo cabeça da operação, Joe(Lawrence Tierney) e seu filho Eddie(Chris Penn). Os tais 6 homens, Mr. White(Harvey Keitel), Mr. Pink(Steve Buscemi), Mr. Brown(o próprio Quentin), Mr. Blue(Eddie Bunker), Mr. Blonde(Michael Madsen) e Mr. Orange(Tim Roth), vão para o assalto, mas algo dá errado. No ponto de encontro, num armazém, White e Orange chegam depois do assalto. Orange está sangrando muito, com um tiro na barriga. White tenta o tranquilizar, enquanto arrumam um jeito de sarar aquilo. Mas, quando Pink chega, ele começa a falar num traidor, algum dos ladrões que avisou a polícia do alarme. Depois disso, começa uma das maiores jornadas de tensão, violência e diálogos precisos da História do cinema.

A direção de Tarantino já era, naquela época, algo fora da realidade. Seus ângulos impossíveis, sua marca contida, de diálogos longos. Tudo que o fez famoso está lá em maioria. Os diálogos enormes aqui estão em sua maioria na carreira, até mesmo mais que em Pulp Fiction. Algo de uma genialidade simples e pura. Sensacional, uma das melhores direções de sua carreira. As músicas, escolhidas por Tarantino(como sempre), são ótimas. Não supera a trilha sonora de Pulp Fiction, uma das melhores da história, mas satisfaz muito bem os momentos do filme. A fotografia do filme, executada por Andrzej Sekula, é muito boa. Para um filme pequeno, ela é irreal de tão boa, nem se parecendo amador, como foi feito em Atividade Paranormal ou Bad Lieutenant. A edição, da hoje colaboradora habitual de Tarantino, Sally Menke é ótima. Dá um ritmo ágil a trama e mantém a tensão lá no alto. Precisa, como pede a direção de Tarantino. Um dos outros fatores geniais é o figurino de Betty Heimann, auxiliado pela direção de arte. Os ternos dos ladrões são bem bacanas e o figurino dos outros poucos coadjuvantes seguem a linha da figurinista.

As atuações de Reservoir Dogs são, no mínimo, soberbas. Harvey Keitel segue sua linha de ator que rouba a cena. Quando alguma discussão começa envolvendo Keitel, ele só não enterra o talento do outro ator porque nesse filme todos estão incrivelmente perfeitos. Em Bad Lieutenant, por exemplo, Keitel engole qualquer um que aparece no filme. Incrível, o ator é o destaque. Tim Roth, como Mr. Orange, tem relativo pouco tempo de tela, mas quando atua é preciso. Excepcional, como sempre. Outro também que engole qualquer talento é Steve Buscemi. Aqui, ele está com suas características habituais, mas levadas ao extremo. Neurótico, nervoso, tensionado, meio covarde. Sensacional também, outro destaque. Acredito que seu talento não é muito reconhecido por sua aleatória escolha de papéis, que muitas vezes são rasos demais. Aqui, não há esse problema. Michael Madsen está pirado e sádico, como qualquer personagem que Tarantino escreve para ele. Outro ator pouco reconhecido, apesar de seu talento não ser tão enorme. Seu padrão canastrão que ele exibe em Kill Bill começou aqui. Já Eddie Bunker e Tarantino não há o que falar, quase não aparecem na tela. Chris Penn e Lawrence Tierney cumprem com destreza seus papéis. Gostaria de destacar também a atuação de Kirk Baltz, desconhecido ator que ARREBENTA no papel do policial Marvin Nash.

O roteiro de Tarantino é, como sempre, perfeito. Usando como exemplo a já famosa cena de discussão sobre Like a Virgin, o roteiro já mostra ao que vem na excelente e divertidíssima abertura. Esplêndido o fato de um cineasta como Tarantino surgir aqui, deve ter dito algum cinéfilo na época. Sua violência é bem crua, como a mutilação da orelha, mas elegante. Ele não explode pernas e cabeças como em Jogos Mortais, tudo bem mal feito e gratuito. Aqui, ele zela pela elegância e sutileza. O roteiro continua sua jornada até a perfeição com situações brilhantes. A tensão recorrente do roubo para descobrir quem é o traidor é bem empregada e os ácidos diálogos ajudam mais ainda. Aqui, os diálogos sobre a cultura pop estão presentes, mas em pouca quantidade, se comparmos a outros de Tarantino. Nada que atrapalhe, afinal ele troca esses diálogos por tensão e construção de personagens. Muito justo e bem executado. Ouso dizer que esse é o segundo melhor roteiro de Tarantino, apenas atrás do fabuloso Pulp Fiction.

Uma perfeição contida, Cães de Aluguel é uma obra-prima do Cinema Moderno. Tarantino cumpre o que promete e ainda supera qualquer expectativa. Quem procura um cinema mais limpo, com mais drama, sai fora. A violência é uma das mais extremas dos filmes de Tarantino. Indicação máxima a qualquer cinéfilo, qualquer um que gosta de ver um cinema mais honesto e apurado em roteiro. Um bar, 6 homens de terno, um roubo, tiroteio, um armazém, uma orelha decepada, um tiroteio a três, dois tiros. Quem diria que um filme assim seria um dos 20 melhores da História?

***** 5 Estrelas

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