A diretora Kathryn Bigelow foi muito famosa na transição dos 80's pros 90's, com Caçadores de Emoção, cult-sessão da tarde estrelado pelo saudoso Patrick Swayze e Keanu Reeves. O filme era um descartável exercício de diversão e Bigelow nada fazia para ser reconhecida pela direção, tudo bem normal. Era mais famosa até por ser esposa do pré-Oscar James Cameron. Logo depois de Caçadores, Bigelow não fez mais nada de importante mesmo. Mas em 2009, ela apostou numa produção independente com orçamento de 11 Milhões, sobre a guerra no Iraque. Logo depois de estrear, Guerra ao Terror foi ganhando uma repercussão incrível e enorme, sendo elogiado por todos. Aqui no Brasil, o filme lançou primeiro em DVD(a Imagem Filmes deve estar se mordendo agora) e passou batido. Mas, depois de tanto hype, o filme chega aos cinemas aqui. E com um status enorme: Senão bastasse ter sido glorificado por sites respeitados como o Rotten Tomatoes(que deu 97%), Guerra já vinha ganhando prêmios importantes pelo mundo todo e, em 2 de Fevereiro, foi indicado a 9 Oscar. Era Kathryn Bigelow voltando ao estrelato e agora agraciada pela crítica. Mas fica a dúvida: Guerra ao Terror é tudo isso mesmo? Vale a pena?
A resposta é mais que clara: Sim. E vale torcer por ele para vencer o Oscar porque é o que tem mais chances, ao lado do bom Avatar.
A trama, contada de forma pouco vista e nada convencional, acompanha um grupo de soldados no Iraque. Eles estão lá para andar de quarteirão em quarteirão com o objetivo de desarmar bombas, conter pequenas ameaças armadas ou apenas ficar explodindo armamento desnecessário. Até que esses 3 soldados vão desarmar uma bomba comum e acabam se deparando com um terrorista, que dispara ela, matando um deles(Guy Pearce). Assim, um substituto chamado William James(Jeremy Renner) entra no lugar para comandar a equipe, também formada por Sanborn(Anthony Mackie) e Eldridge(Brian Geraghty). Enquanto eles realizam suas atividades até completarem seu turno no exército, cada um deles vai demonstrando seus medos e ambições.
A narrativa do filme se desenrola assim, com um desenvolvimento diferente e que entrega mais construção de personagens e situações do que uma trama de suspense propriamente dita. Nisso, a rotina da guerra é valorizada e as reviravoltas que os estúdios e massa tanto anseiam, não aparecem. O foco aqui é no realismo.
Tecnicamente, Guerra ao Terror é impressionante para seu parco orçamento. A direção de Bigelow, indicada ao Oscar, é alucinante. Lembrando o jeito de Paul Greengrass, Kathryn filma a ação com cortes bem rápidos e bem utilizados. E tudo isso num estilo bem de guerrilha, com a tensão sempre lá em cima. Curiosamente, apesar dos cortes serem rápidos, a direção de Bigelow é fácil de acompanhar, com uma direção de atores excelente. Até nas parcas cenas fora da Guerra, ela dirige bem. Aqui, ela foi merecidamente reconhecida porque essa é uma das 3 melhores direções do ano, talvez a melhor. Agora, fica a espera por um próximo trabalho dela. A edição de Chris Innis e Bob Murawski auxilia de forma precisa o estilo agressivo de Bigelow filmar. A agilidade imposta é soberba e merece ser premiada esse ano. Ela é um dos grandes atrativos visuais do filme(e não são poucos). Alguns cortes rápidos que a edição introduz são soberbos. Como o filme não tem uma fixa estrutura narrativa, a edição coloca com perfeição transições de tempo grandes, como quando uma bomba é desarmada. O corte pula para outro frame com agilidade pouco vista esse ano.
Outro primor, digno de uma premiação(apesar de Eric Steeberg ter feito um trabalho melhor em 500 Dias com Ela) é a fotografia. Barry Ackroyd fez um trabalho fabuloso, fotografando a guerra como ninguém. Os tons mais amarelos, valorizando o ambiente quente e desértico é fabuloso, extraindo imagens pós-modernas com arrojo e segurança. Aqui, a fotografia é bem parecida com a de Trent Opaloch em Distrito 9, outra peróla em quesito fotografia. Merecidamente, Ackroyd ganhará esse Oscar.
Um fator estranho desse filme, curiosamente, foi indicado ao Oscar: A trilha sonora. Marco Beltrami e Buck Sanders resolveram valorizar o realismo aqui e deixaram a mixagem de som e edição trabalharem, construindo trilhas minimalistas e em poucas oportunidades, visando apenas fortalecer a tensão do filme. Mas, todos agraciaram a trilha de forma bem esquisita, afinal, a trilha pode até ter qualidade quando exigida, mas ela é MUITO pouco exigida. Enfim, é um ponto positivo pro filme como um todo, mas isoladamente é bem estranho(ainda mais pela indicação). A edição de som e a mixagem do filme são fantásticos e os pontos mais profissionais do filme(com exceção da direção). Empolgantes e bem realistas, eles ajudam o espírito do filme. A direção de arte também é boa, mas perde em relação aos outros quesitos técnicos. Apenas um pouco acima da média, fazendo o habitual em filmes de Guerra.
As atuações de Guerra ao Terror são muito dignas. Jeremy Renner, antes ator coadjuvante de filmes médios, aqui ganha a chance de sua vida. Ele pega um papel arquetípico em um filme independente e se transforma num personagem como nunca visto, alguém diferente, de forma que a abordagem recebida ficou melhor. Logo, a indicação ao Oscar de Melhor Ator veio e digo que é muito justo. A transformação de Renner em James é tocante e corajosa. Junto a ele, os coadjuvantes fazem bonito. Anthony Mackie, o Sanborn, atua muito bem. Eu até o indicaria-o para Ator Coadjuvante. O pouco conhecido ator(como a maioria, exigência de Bigelow, em prol do realismo) arrebenta e exala veracidade. Brian Geraghty, o Eldrigde, acrescenta uma boa atuação ao elenco, acima da média. Mas nada parecido com as poderosas facetas criadas por Renner e Mackie. Fora eles três, é difícil falar de Guerra ao Terror. Afinal, os conhecidos David Morse, Guy Pearce e Ralph Fiennes tem papéis míseros e de pouco destaque. E os outros são apenas figurantes relacionados a guerra. Então, funcionando como um perfeito ensemble cast, Guerra ao Terror apresenta um dos conjuntos de elenco mais completos do ano.
O roteiro de Mark Boal ajuda a veracidade que o filme quer impor. O ex-jornalista, sempre baseado em áreas de combate, estudou bastante do tema e isso dá pra ver com facilidade nas situações críveis e nos diálogos precisos que foram escritos. E a direção de Bigelow ainda ajuda esse espírito, dando um ritmo tenso e quase documental pro filme. Foi uma combinação perfeita, afinal, é difícil achar uma maneira completa de filmar um roteiro tão complexo e inovador. Inovador, eu digo, pela estrutura que Boal usou para construí-lo. O filme não tem uma trama definida ou linear, ele segue a equipe de James desarmando bombas e lidando com situações cotidianas, como um ou outro rebelde iraquiano armado. Por isso, não há um clímax definido e não há as explosões finais, reviravoltas de roteiro ou até mesmo uma ou outra situação de blockbuster. Em Guerra ao Terror, a estrutura valoriza o ambiente e a Guerra, que moldam o homem. Guerra moldando o homem... Ta aí um conceito bem explorado pelo roteiro, que vai da frase inicial do filme(A Guerra é um vício) até o final, quando o roteiro preza pela transformação e construção final de personagem. O motivo pelo qual James encara aquilo tudo é corajosamente bem abordado e absurdo tamanha a situação que o filme joga na nossa cara. No meio de todo aquele caos, ainda há gente que goste.
Num conceito geral, Guerra ao Terror pode não ser o melhor filme de guerra já feito. Mas, sem dúvida, é o que mais nos trata como espectadores reais da guerra. Aqui, sabemos dos horrores dela sem pudores e sem censura. Talvez Guerra não seja carismático como Soldado Anônimo, não seja divertido como Falcão Negro em Perigo, não seja tão aclamado quanto Apocalypse Now, nem tão bom quanto um Bastardos Inglórios. Ele é o que nos trata com mais inteligência, nos mostra com precisão o que uma guerra é, o típico filme que é visto superficialmente como filme-denúncia, mas no âmago é um filme sobre os homens e seus vícios. Um filme memorável, que usa a Guerra, o ambiente, o clima e até mesmo um traje(o tal Hurt Locker do título original) para mostrar que homens só são homens quando estão guerreando. E essa questão abordada é linda. Guerra ao Terror nos faz um grande questionamento no final: Seria mais verdadeiro o homem com uma arma na mão, numa Guerra, ou com uma faca na mão, cozinhando com sua família?
Bigelow e Boal jogam na cara a realidade de vários homens no mundo. E se no final o choque é grande, não se preocupe. Não é sempre que a guerra é mais importante que um bebê.
PS.: Imagem Filmes, tenha mais cuidado com o modo que você lança seus filmes. Uma pérola como essa, direto em DVD, é no mínimo estranho. E coloque os atores principais na capa do DVD, não os mais famosos. Chega a ser até absurdo o fato dos 3 atores na capa aparecerem, somando, 4 minutos no filme. Por favor né...
***** 5 Estrelas
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