Quando anunciam um novo filme, Joel e Ethan Coen sempre são esperados uma direção competente, um roteiro afiadíssimo e o habitual humor negro da dupla. As vezes, porém, eles fogem do habitual e criam algum suspense, como o fabuloso Onde os Fracos não tem Vez. Mas claramente é na comédia que eles se baseiam. Depois do afiado Queime Depois de Ler, os Coen chegam com Um Homem Sério. E tudo estava indo nos conformes, com a ansiedade de sempre. Mas quando o trailer lançou e quando o elenco foi anunciado, estava ensaiado um filme a se lembrar por tempos. O Trailer, montado de forma diferente e inusitada, apresantava genialidade. O elenco, composto exclusivamente por desconhecidos, anunciava uma despida de pudores(coisa que os Coen já não tem por natureza). Sendo assim, era só esperar. E agora que Um Homem Sério chega ao Brasil, já indicado ao Oscar de Melhor Filme, vai um recado de amigo: Vão rápido e vejam o filme. Foi mais que merecidamente lembrado para o Oscar.
A trama segue Larry Gopnik(Michael Stuhlbarg), um professor normal dos Estados Unidos que leva sua vida sem muitas surpresas. É o esquema do average guy americano: Casa no subúrbio, família de 2 filhos, vida previsível e rotina definida. Mas então, o judeu Larry é atacado por um mal existente no mundo: O Caos. E tudo começar a dar errado a Larry, que como professor de Física, nada pode fazer para descobrir o que está havendo. Essa trama começa de forma objetiva, indo direto ao ponto. Ela é costurada pelos 30 minutos iniciais para que nos acostumemos com a vida de Larry e isso faz toda a diferença. E aqui vemos outra marca dos Coen: Mesmo que o fator apresentado possa parecer irrelevante, ele poderá sim causar algo importante durante o filme.
Tecnicamente, Um Homem Sério é um dos mais brilhantes filmes dos Coen. A direção dos irmãos está segura como sempre, fazendo takes abertos e sem grandes movimentos, permitindo os atores terem uma liberdade de atuação pouco vista. Sendo aqui um filme de diálogos e situações pequenas, a direção de atores teria que ser bastante precisa e é exatamente isso que os Coen entregam. A edição de Roderick Jaynes(Pseudônimo dos Coen) é fantástica e continua ajudando a direção, determinando até mesmo o humor de algumas cenas. A trilha sonora de Carter Burwell também é algo de nota, apesar dela aqui ser menos usada. Com algumas pequenas melodias minimalistas(note a beleza da melodia da cena do lago), ele é preciso em sua composição. E merece destaque também sua escolha musical: Somebody to Love. A melodia e a letra combinam muito bem com o que o filme é.
Mas o fator que rouba a cena é a poderosa fotografia de Roger Deakins. O veterano fotógrafo, oscarizado, cria um novo memorial trabalho. Aqui, sua fotografia se assemelha a de Onde os Fracos, mas com tons mais leves e bonitos(como esperado, afinal, aqui há a troca do deserto de Onde os Fracos para o subúrbio). Gênio. Merecia uma indicação. Outro destaque é a direção de arte, que com 7 milhões de orçamento, fez uma belíssima recriação dos anos 60, a época em que se passa o filme.
As atuações de Um Homem Sério são todas boas, mas é inegável que o filme é de Michael Stuhlbarg. Aqui, o desconhecido ator cria um personagem complexo e muito interessante e entrega as doses de humor negro que o texto pede. Um destaque de Stuhlbarg são suas notáveis expressões faciais, que determinam o nonsense do filme em vários pontos. E a inocência com que seu personagem é construído é engraçadíssima e muito bonita. Apesar de duvidar de tudo o que esteja fazendo, apesar de analisar cada situação e ser tratado como um tapete em muitas partes, Larry continua um homem admirável, com um excelente coração. Espero muito mesmo que o ator ganhe visão para o cinema depois desse brilhante papel. Quanto as outras atuações, o único destaque é Fred Melamed, o Sy Ableman. Ele transmite a calma e serenidade que seu personagem pede, o que é um achado. Richard King, o Arthur, também atua bem, com uma profundidade até bem grande para seu papel, que tem pouca participação.
Em roteiro, o destaque de Um Homem Sério, os Coen novamente dão um show de construção narrativa. Em Queime Depois de Ler, prevalecia a sátira. Em Onde os Fracos, o duelo. Em Fargo, o absurdo da trama. Aqui, eles criam uma trama que, além de investir em humor negro, brinca com recursos cinematográficos. Não se espante se achar que elementos da trama irão se fundir(como uma colisão, lá no meio da película) e na verdade não dê em nada. Ou talvez dê. E essa é grande sacada dos irmãos: A utilização de recursos narrativos que instiguem a plateia a pensar no óbvio, mas na verdade ocorra o inesperado. Em diálogos, o roteiro é soberbo e bem preciso, entregando diálogos tão engraçados quanto estranhos. E o humor negro continua sendo a marcar da dupla, que esbanja identidade em muitas partes da película. Se as situações que ocorrem com Larry não fossem levadas de um modo tão absurdo, talvez fosse bem triste. Mas aí tudo cairia no lugar comum, o que os Coen nunca fizeram. Mesmo com um leve perda de ritmo no terceiro ato, o roteiro é um enorme ponto positivo para fazer de Um Homem Sério, um excelente filme. E além de tudo ele é um filme bem maduro e de certa forma, atemporal. Afinal, Larry pode ser qualquer um que você conheça, mesmo ele sendo de 67.
Assim, segue a recomendação de ver Um Homem Sério e esmerar seus olhos e cerébro com tal qualidade. Com certeza não é o filme de sua vida, nem o melhor dos Coen, mas figura facilmente entre os melhores do ano. Um filme bem maduro e cômico que pode agradar muita gente. A pequena crônica de Lawrence Gopnik pode emocionar e rir com facilidade e inteligência. Um personagem para entrar no hall dos mais carismáticos. Agora fica a espera pro novo filme dos Coen, seguindo a linha mais séria, de um faroeste. E claro, fica a torcida pra que a nova comédia deles chegue logo, para nos brindar com um novo espetáculo de narrativa, técnica e atuações.
***** 5 Estrelas
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