Quando Peter Jackson resolveu transformar a grande trilogia de J.R.R. Tolkien, O Senhor dos Anéis, para o cinema, ele obteve um êxito enorme. Filmar tudo aquilo com 92 Milhões de dólares foi muito impressionante e isso transformou-o em um dos grandes diretores da atualidade. A partir daí, todo projeto seu começou a ser bem esperado. E, como de praxe, todos ficaram ansiosos pra adaptação de The Lovely Bones. Por vários motivos mas, principalmente(inclusive pra esse resenhista), pra ver como a Weta Digital, produtora de efeitos de Jackson, iria fazer o Paraíso proposto pelo livro de Alice Sebold. Aos poucos, o elenco foi sendo definido e tudo foi sendo modelado na cabeça do fã. Mas, pelo menos pra mim, houve uma enorme desconfiança pouco antes da estreia: A censura seria PG-13, uma censura branda. Branda até demais, considerando que é uma história de estupro + assassinato. Então, houve a espera até a estreia brasileira, esta semana.
E, definitivamente, a tal desconfiança fez total sentido na exibição do filme, um dos maiores fracassos da temporada de dramas.
A trama conta a história de Susie Salmon(Saoirse Ronan), uma garota de 14 anos que vive com seus pais e irmão no subúrbio de Pensylvannia. Ela é uma garota bastante ingênua e apaixonada que se interessa por fotografias e afins. Então, em uma de suas idas ao shopping local, ela desperta a atenção de seu vizinho, George Harvey(Stanley Tucci). Logo após, ela é cruelmente estuprada e esquartejada por ele(não se preocupe, não é spoiler) e então começa uma busca por seu corpo na Terra. Do Paraíso, ela acompanha tudo, descobrindo em si mesma sentimentos de vingança, ódio e depois, felicidade plena.
Se a trama aponta um grande potencial inicial, a abordagem trata de matar todas as expectativas. Peter Jackson, excelente criador de mundos(como em King Kong e Senhor dos Anéis), não conseguiu impor uma simplicidade a esse drama. Digo, ele fez algo grande demais, descompassado. Tentou misturar dois temas que simplesmente não combinaram aqui: Brutalidade e Poesia. Expandiu demais a fantasia e minimizou demais o drama. Quando falar de roteiro, explico detalhadamente.
Tecnicamente, Um Olhar do Paraíso é bom, mas não empolga muito. A direção de Peter Jackson é boa, porém irregular. Se ele consegue filmar campos abertos e cenários com efeitos de forma arrojada, ele falha na direção de atores, sendo que não consegue extrair boas atuações de alguns atores. Mas seu esmero pela tecnica e seu perfeccionismo afloram em takes bonitos visualmente. A edição de Jabez Olssen é mediana, fazendo um trabalho bom, sem exageros. A fotografia de Andrew Lesnie é fantástica e muito bela. Seja no núcleo dramático, seja no núcleo fantasioso, Lesnie faz um trabalho irretocável, que enche os olhos. Porém, tudo o que a fotografia faz consegue ser eclipsado pela péssima trilha sonora de Brian Eno. O compositor, além de criar melodias irregulares, coloca-as mal no filme. Por exemplo: Numa cena dramática, ele coloca uma música mais leve e bonitinha. Se ele quis passar que Susan desaparecida era algo tranquilo, ele conseguiu. Sendo totalmente fora do espírito do filme, a trilha é estranha demais.
As atuações de Um Olhar no Paraíso são, em maioria, exageradas demais. Mas a culpa talvez nem sejam dos atores, mas sim da falta de coordenação que Jackson estranhamente teve e, principalmente, pela precária construção de personagens do roteiro. Mark Walhberg nada pode fazer, afinal não compromete. Seu personagem é talvez um dos mais apagados da trama e isso limita a já limitada atuação do ator. Rachel Weisz está mal no papel, o que é uma pena. Tendo uma competência enorme, a atriz só consegue expor sua qualidade na cena em que recebe a notícia da morte da filha. Fora ali, a atuação é artificial e soa até vazia. Compreensível, afinal, sua personagem tem um papel no filme que beira o figurante. Susan Sarandon é outra que sofreu pelo roteiro. O exagero dá as cartas no papel da avó de Susie. Susan exagera em tudo, levando sua persona ao limite do caricato. Nas cenas de humor do filme, um enorme excesso é detectado, o que prejudica o filme até.
Stanley Tucci, indicado ao Oscar de Ator Coadjuvante, tem uma atuação boa, porém não é brilhante. Tudo bem que é de se reconhecer a imersão total de Tucci no papel, que fica irreconhecível até na voz, mas as cenas em que seu personagem aparece representam a habitual indecisão do filme. As vezes, ele aparece sendo humanizado, como o psicopata. As vezes, ele aparece sempre no escuro, mitificando a figura do vilão. Mais um prejudicado pelo roteiro. Saoirse Ronan é a única que não é prejudicada. Sua interpretação para Susie Salmon é tocante e beira o irretocável. Se a personagem pode parecer comum, Saoirse dá um jeito de fazer uma pessoa diferente e profunda, alternando alegria e ódio com emoção. Ela sim merecia uma indicação a Atriz Coadjuvante. Uma revelação que apresenta a competência habitual que vem desde Desejo e Reparação.
Sendo o fator que praticamente sepulta o filme de qualquer emoção e apego, o roteiro é um problema tão grande em Um Olhar no Paraíso que os fatores já citados acima são prejudicados por ele. Indeciso sobre seu tema, Um Olhar no Paraíso até caminha bem até a morte da menina, mas depois, o filme mescla fatores de fantasia(o Paraíso) e os fatores dramáticos(a Terra) de uma forma ruim. Quando o drama dá as cartas, ele é tratado de forma leve demais e sem sentimento algum. Na cena do estupro, por exemplo, o problema da censura aflorou. Na mão de um diretor mais corajoso, uma cena crua e realista acabaria com os nervos do espectador, que se sentiria até mais emocionado com o filme. Mas aqui, Jackson não consegue transmitir sua mensagem. A cena sai bonita visualmente, mas opaca sentimentalmente. Já na parte da fantasia, as cenas são muito belas visualmente também(destaque para o criativo Paraíso da Weta), mas são levadas de forma beirando o melodramático. Apesar de tudo, o segmento de fantasia é excelente e tem poucos defeitos, graças até a bela interpretação de Saoirse. E ainda tem a já citada cena de humor de Susan Sarandon. Quando a família acaba de perder a filha, ainda baqueada, Susan faz uma cena com os filhos felizes, brincando, com uma música de rock ao fundo e por cerca de 1 minuto, o que até provoca risadas na plateia. Sim, quando Jackson pode ousar um pouco e pegar pesado no drama, ele resolve apelar pro riso fácil. Lastimável.
Num quadro geral, o roteiro não traz diálogos pouco convincentes ou situações inverossímeis, mas traz um mix batido entre brutalidade e poesia. Aqui, fica claro que não dá para passar lições bonitas baseadas em brutalidade. Em outras mãos, talvez, mas aqui não. Fora isso, o roteiro também erra em outros pontos, como um estranho anti-clímax. Spoiler a seguir. Quando Rachel Weisz volta pra casa depois de uma viagem, sua filha encontra uma evidência contra o vizinho. Exatamente quando poderá pegar o culpado do assassinato, um fator emocional entra em tela. Mal-colocado e com uma solução indecisa: a filha entrega a evidência mesmo depois de ver a família feliz. Resultado: Um buraco de roteiro que resulta nesse péssimo anti-clímax.
Bonito porém indeciso, Um Olhar do Paraíso resulta num grande paradoxo. Um exemplo disso é seu final, que pode até soar egoísta e deverás piegas para muitos, beirando uma experiência espírita. Se tentasse mesclar as situações com mais clareza e mais calma, talvez Um Olhar ficasse melhor. Mas talvez a falta de ousadia de Peter Jackson seja a culpada por matar um material tão promissor e estimulante. Talvez nos outros a decepção seja maior. Mas em mim, apesar de grande, ela poderia ser maior. Desde o anúncio do PG-13 eu previa isso e até ajudou. Seria um baque esperar demais de Um Olhar no Paraíso.
** 2 Estrelas
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