Batman - O Cavaleiro das Trevas Ressurge
O segundo trailer do terceiro filme da franquia de Christopher Nolan para o morcego está enfim na rede. Batman - O Cavaleiro das Trevas Ressurge tem uma prévia espetacular, depois do bombástico teaser lançado em agosto . A trama enfim começa a se desenhar com traços mais claros: Oito anos após os eventos de O Cavaleiro das Trevas , Bruce Wayne (Christian Bale) já aposentou o Batman faz tempo . Entretanto, uma ''tempestade'' - como diz Selina Kyle (Anne Hathaway) no trailer - está se aproximando de Gothan, prometendo destruição e carnificina. Ela se chama Bane (Tom Hardy) um adversário que ameaça o herói tanto por sua força física estupenda, quanto por seu avançado intelecto . A partir disso, Wayne precisa trazer o Batman de volta, para salvar a cidade de um destino trágico . Com todo seu potencial épico, o vídeo traz frases marcantes, além da cena da implosão do estádio - parte que dispensa comentários . ''Quando a cidade virar cinzas, você terá minha permissão para morrer'' diz Bane a Bruce . A lenda termina em 2012, e nós não temos a permissão perder esse lançamento.
Fúria de Titãs 2
Parece que Jonathan Liebesman não ficou satisfeito em quase provocar suicídio coletivo com Battle LA : Ele já está de volta ás câmeras para dirigir Fúria de Titãs 2, filme que acaba de ganhar seu primeiro trailer . Usando a versão de Marilyn Manson para a belíssima música Sweet Dreams, hit dos anos 80, a prévia começa abusando - de maneira ineficaz -do tom épico . A trama trata da sequêcia do primeiro filme, e nela, Perseu ( Sam Worthington) precisa ajudar seu pai Zeus (Liam Nesson), já que os deuses vivem uma crise - como os humanos perderam sua fé neles, os moradores do Olimpo perdem suas forças - e estão em guerra com os Titãs, que são liderados por Cronos. Sequestrado por Hades(Ralph Fiennes) e Ares - que foram contratados por Cronos - Zeus só pode ser salvo por Perseu e seus companheiros . Realmente, a Warner tenta passar uma vivacidade muito grande com o vídeo, e busca aumentar a expectativa de qualquer jeito . Entretanto, quem já viu o trailer do primeiro filme, ou conhece brevemente Jonathan Liebesman, sabe que esses dois minutos podem muito bem ser mera enrolação, para uma verdadeira desgraça de cerca de duas horas .
Fornecendo críticas há 2 anos, o OSN é uma colaboração de Gabriel Papaléo e Joaquim Pedro, onde o Cinema é o assunto principal a ser analisado, debatido e admirado.
Old School Nerds
segunda-feira, 19 de dezembro de 2011
quinta-feira, 15 de dezembro de 2011
Machine Gun Preacher
Unidimensionalizando o tridimensional.
Sam Childers está em um quarto, na África, com seu amigo Deng. Sabemos de sua causa comunitária ali, mas ali ainda não dá pra prever com certeza os caminhos que isso irá tomar. Sam sabe da terra de ninguém que é o Sudão e sabe, também, que a luta de Deng é pesada, violenta. Então, ele vê a arma do lado do amigo com certa casualidade. Pede para pegá-la nas mãos. Questiona sobre qual o problema dela. E o identifica de imediato. O sudanês pergunta, intrigado, como Sam sabe tanto sobre a Ak-47.
"Gosto de armas", diz o americano do Minnesota. Não necessariamente "entendo" ou "conheço", ele "gosta" de armas.
Emblemática, a passagem poderia ser descrita como a cena-chave de Redenção, o novo filme de Marc Forster, sobre o tal pastor da metralhadora do título original. Uma opção de simplificar (seja por incompetência ou por preguiça) um personagem que tende a ser bem vasto em suas facetas, o que não poderia ser pior em uma película que exige um apego emocional grande aos envolvidos. Se o Sam Childers da vida real é um caipira que usa o conhecimento das armas para lutar pelo que, certo ou não, acredita, o de Gerard Butler é um redneck maluco (com direito a moto invocada e tatuagem da Harley-Davidson).
Inclusive, a decisão da Imagem Filmes de encaixar um título edificante e genérico aqui pode funcionar como estratégia de marketing, mas é péssimo no contexto. "Redenção" é mais convidativo, mas já entra errado por apontar, de imediato, uma falha do projeto. O mais honesto, O Pastor de Metralhadora, poderia soar como um grindhouse dos mais cultuados, mas representaria mais o que é passado aqui. E falha se caracteriza porque de "redenção", o filme de Forster tem muito pouco.
Logo após o prólogo (que, em teoria, serviria para estabelecer a violência no Sudão mas não causa impacto suficiente), somos introduzidos aos créditos iniciais. Os reducionismos começam, ainda que tímidos. O preso, devidamente vestido de colete preto, sai para encontrar sua mulher, com maquiagem meio borrada. Ao final dos créditos, eles transam dentro do carro, de maneira exclusivamente carnal. Depois do sexo (um mero prazer que Sam havia perdido na prisão), ele pede um cigarro, em busca de outro prazer. Não há dúvida: Lynn não foi ali porque é a sua esposa, mas porque Sam precisava tirar o atraso. Essa tendência unidimensional no desenvolvimento de personagens atinge a metástase logo em seguida. Na cozinha de casa, quando descobre que sua mulher trabalha em uma fábrica agora, Sam grita "Por que largou a dança?! Você é só uma dançarina viciada!". Chega a ser inacreditável a passagem do roteiro pifiamente escrito por Jason Keller.
Se a preguiça em apresentar seus personagens já é tamanha, as elipses de Keller também são igualmente equivocadas. A história é daquelas absurdas demais para serem uma ficção, que soam realistas justamente pelo seu caráter surpreendente. Já no filme, a tal redenção parece só um passe de mágica. Cada evento importante da construção da virada do personagem é observado com pressa, sem ser absorvido. Sam mostra que não sofreu transformação nenhuma na prisão, afinal volta a cometer todos os erros que tinha em sua vida. Assalta, injeta doses de heroína, vai ao bar para arranjar briga. E, após a passagem do morador de rua, parece que se cansou. Porém, não parece que é a primeira vez que Sam mata alguém. Logo, não há impacto. A cena do batismo, que em teoria seria a mais importante do filme, acaba sendo mal realizada justamente porque nenhum desconforto, impacto ou laço afetivo aconteceu na meia hora anterior de projeção.
E se já é uma pena acompanhar as desperdiçadas situações criadas pelo roteiro, pior ainda é ver o personagem do título ser reduzido a um senso comum. Premeditada ou não, a canastrice de Gerard Butler acaba reforçando mais ainda a limitação de Childers. A ira espartana do escocês acaba funcionando (e nas partes emocionais, Butler não compromete), mas ao debater as implicações políticas e ideológicas do que está lutando, o protagonista acaba reduzido. É como tentar encaixar o cinema oitentista raso de ação a um discurso moral que se acha relevante. Mas no final, é equivocado tentar debater, sobre algo já difícil, de maneira rasa.
Utilizar de um fundo político para produções de ação não é novidade. Redenção, desde o trailer, parecia usar disso como Diamante de Sangue fez com a exploração dos diamantes. É a mania do thriller de ação que almeja soar "contemporâneo" apenas por dar razão á pancadaria. Nesse caso, Redenção só piora. Não almeja ser só um filme de ação; almeja ser um estudo de personagem, um drama de situação, uma história revigorante, um debate sociológico e um manifesto manjado anti-Guerra Civil ("Fomos esquecidos pelo mundo!"). Num apanhado geral, o título trash Pastor de Metralhadora faz mais sentido que tudo: no fundo, Redenção acaba sendo um grindhouse "de arte" dos mais involuntários. Chega a ser cômico quando Forster, demonstrando ter dirigido a película enquanto dormia, encaixa o quadro de Butler atirando com um lança-mísseis, logo após uma cena dramática.
Não satisfeitos em conduzir com desleixo a história, Keller e Forster ainda unidimensionalizam Childers de tal forma que o transformam em um idiota. Exímio estrategista, fã incondicional de armas, o americano não consegue prever armadilhas óbvias, como a das duas crianças inertes, que permaneciam assim mesmo depois de chamadas. Não é um mero detalhe. Confesso que previ o perigo assim que entrou a cena (e não foi porque a fraca trilha de Ascher & Spencer avisou). Childers está em uma guerra civil há anos; eu só joguei Call of Duty.
Fora isso, ainda retratam o protagonista como um homem desatento, já que o mesmo só percebe as implicações erradas do que faz depois que alguém o avisa. Childers só questiona sua violência depois que a médica inglesa o atenta para isso; só pensa em reconstruir a igreja depois que a mulher o liga; o americano só percebe que está exagerando na violência depois de bater em uma criança e esbravejar em um culto. É indubitável que o Sam Childers real é muito mais complexo. Seria simplesmente impossível um ser tão bem intencionado ser tão unidimensional na vida real.
Forster, por sinal, mais uma vez encaixa um bom olhar estético a história, devido a fotografia hiper-granulada do sempre competente Roberto Schaeffer. Porém, se a estética é bonita, não se pode dizer o mesmo das escolhas dramáticas do alemão. Decupando seus quadros com uma falta de cuidado surpreendente, o diretor cria incompetentes cenas de impacto, que diminuem a força do já fraco roteiro. O batismo é filmado com preguiça; o ataque ao mendigo é glamourizado e estilizado, quando deveria focar na emoção do protagonista ao ataque; as cenas de ação são caóticas e mal coordenadas. Forster só acerta quando investe em travellings manjados (como o bonito take de Butler na cruz da igreja) e quando conduz de maneira evasiva (como no raro momento de genuína emoção da película, a cena com o africano com a cicatriz no final). O impacto que Redenção poderia causa é imenso. Cenas como a da filha de Childers, chorando e falando "você ama mais suas crianças africanas que a mim", poderiam ser esplêndidas. Podendo ser ousado, questionador, o filme se limita ao primeiro patamar.
Pelo menos, o projeto ganha ritmo quando se concentra na tensão passada no Sudão. A cada vez que tenta ganhar dimensão dramática, Redenção fica pior. O que dizer da ridícula passagem em que Childers, quando já sabíamos do afastamento com a família, SE ESQUECE da data do aniversário da filha apenas para martelar a mensagem? E a coisa piora: era uma senha de cofre. Mas cada vez que a fotografia granulada se funde à paisagem árida dos desertos sudaneses, o filme se torna passável, já que na superfície ao menos funciona. Inclusive, sem a besteira do politicamente correto, o que sempre ajuda. Já como debate e retrato de uma figura curiosa e interessante, soa apenas imbecil.
Childers real pode ser o caipira caricato por natureza (o orgulho com que exibe a destreza ao atirar com uma mão só a shotgun é a síntese disso), mas é um caricato tridimensional. Pertence mais a um O Vencedor e O Poder e a Lei do que a um Redenção.
** 2 Estrelas - Fraco
Sam Childers está em um quarto, na África, com seu amigo Deng. Sabemos de sua causa comunitária ali, mas ali ainda não dá pra prever com certeza os caminhos que isso irá tomar. Sam sabe da terra de ninguém que é o Sudão e sabe, também, que a luta de Deng é pesada, violenta. Então, ele vê a arma do lado do amigo com certa casualidade. Pede para pegá-la nas mãos. Questiona sobre qual o problema dela. E o identifica de imediato. O sudanês pergunta, intrigado, como Sam sabe tanto sobre a Ak-47.
"Gosto de armas", diz o americano do Minnesota. Não necessariamente "entendo" ou "conheço", ele "gosta" de armas.
Emblemática, a passagem poderia ser descrita como a cena-chave de Redenção, o novo filme de Marc Forster, sobre o tal pastor da metralhadora do título original. Uma opção de simplificar (seja por incompetência ou por preguiça) um personagem que tende a ser bem vasto em suas facetas, o que não poderia ser pior em uma película que exige um apego emocional grande aos envolvidos. Se o Sam Childers da vida real é um caipira que usa o conhecimento das armas para lutar pelo que, certo ou não, acredita, o de Gerard Butler é um redneck maluco (com direito a moto invocada e tatuagem da Harley-Davidson).
Inclusive, a decisão da Imagem Filmes de encaixar um título edificante e genérico aqui pode funcionar como estratégia de marketing, mas é péssimo no contexto. "Redenção" é mais convidativo, mas já entra errado por apontar, de imediato, uma falha do projeto. O mais honesto, O Pastor de Metralhadora, poderia soar como um grindhouse dos mais cultuados, mas representaria mais o que é passado aqui. E falha se caracteriza porque de "redenção", o filme de Forster tem muito pouco.
Logo após o prólogo (que, em teoria, serviria para estabelecer a violência no Sudão mas não causa impacto suficiente), somos introduzidos aos créditos iniciais. Os reducionismos começam, ainda que tímidos. O preso, devidamente vestido de colete preto, sai para encontrar sua mulher, com maquiagem meio borrada. Ao final dos créditos, eles transam dentro do carro, de maneira exclusivamente carnal. Depois do sexo (um mero prazer que Sam havia perdido na prisão), ele pede um cigarro, em busca de outro prazer. Não há dúvida: Lynn não foi ali porque é a sua esposa, mas porque Sam precisava tirar o atraso. Essa tendência unidimensional no desenvolvimento de personagens atinge a metástase logo em seguida. Na cozinha de casa, quando descobre que sua mulher trabalha em uma fábrica agora, Sam grita "Por que largou a dança?! Você é só uma dançarina viciada!". Chega a ser inacreditável a passagem do roteiro pifiamente escrito por Jason Keller.
Se a preguiça em apresentar seus personagens já é tamanha, as elipses de Keller também são igualmente equivocadas. A história é daquelas absurdas demais para serem uma ficção, que soam realistas justamente pelo seu caráter surpreendente. Já no filme, a tal redenção parece só um passe de mágica. Cada evento importante da construção da virada do personagem é observado com pressa, sem ser absorvido. Sam mostra que não sofreu transformação nenhuma na prisão, afinal volta a cometer todos os erros que tinha em sua vida. Assalta, injeta doses de heroína, vai ao bar para arranjar briga. E, após a passagem do morador de rua, parece que se cansou. Porém, não parece que é a primeira vez que Sam mata alguém. Logo, não há impacto. A cena do batismo, que em teoria seria a mais importante do filme, acaba sendo mal realizada justamente porque nenhum desconforto, impacto ou laço afetivo aconteceu na meia hora anterior de projeção.
E se já é uma pena acompanhar as desperdiçadas situações criadas pelo roteiro, pior ainda é ver o personagem do título ser reduzido a um senso comum. Premeditada ou não, a canastrice de Gerard Butler acaba reforçando mais ainda a limitação de Childers. A ira espartana do escocês acaba funcionando (e nas partes emocionais, Butler não compromete), mas ao debater as implicações políticas e ideológicas do que está lutando, o protagonista acaba reduzido. É como tentar encaixar o cinema oitentista raso de ação a um discurso moral que se acha relevante. Mas no final, é equivocado tentar debater, sobre algo já difícil, de maneira rasa.
Utilizar de um fundo político para produções de ação não é novidade. Redenção, desde o trailer, parecia usar disso como Diamante de Sangue fez com a exploração dos diamantes. É a mania do thriller de ação que almeja soar "contemporâneo" apenas por dar razão á pancadaria. Nesse caso, Redenção só piora. Não almeja ser só um filme de ação; almeja ser um estudo de personagem, um drama de situação, uma história revigorante, um debate sociológico e um manifesto manjado anti-Guerra Civil ("Fomos esquecidos pelo mundo!"). Num apanhado geral, o título trash Pastor de Metralhadora faz mais sentido que tudo: no fundo, Redenção acaba sendo um grindhouse "de arte" dos mais involuntários. Chega a ser cômico quando Forster, demonstrando ter dirigido a película enquanto dormia, encaixa o quadro de Butler atirando com um lança-mísseis, logo após uma cena dramática.
Não satisfeitos em conduzir com desleixo a história, Keller e Forster ainda unidimensionalizam Childers de tal forma que o transformam em um idiota. Exímio estrategista, fã incondicional de armas, o americano não consegue prever armadilhas óbvias, como a das duas crianças inertes, que permaneciam assim mesmo depois de chamadas. Não é um mero detalhe. Confesso que previ o perigo assim que entrou a cena (e não foi porque a fraca trilha de Ascher & Spencer avisou). Childers está em uma guerra civil há anos; eu só joguei Call of Duty.
Fora isso, ainda retratam o protagonista como um homem desatento, já que o mesmo só percebe as implicações erradas do que faz depois que alguém o avisa. Childers só questiona sua violência depois que a médica inglesa o atenta para isso; só pensa em reconstruir a igreja depois que a mulher o liga; o americano só percebe que está exagerando na violência depois de bater em uma criança e esbravejar em um culto. É indubitável que o Sam Childers real é muito mais complexo. Seria simplesmente impossível um ser tão bem intencionado ser tão unidimensional na vida real.
Forster, por sinal, mais uma vez encaixa um bom olhar estético a história, devido a fotografia hiper-granulada do sempre competente Roberto Schaeffer. Porém, se a estética é bonita, não se pode dizer o mesmo das escolhas dramáticas do alemão. Decupando seus quadros com uma falta de cuidado surpreendente, o diretor cria incompetentes cenas de impacto, que diminuem a força do já fraco roteiro. O batismo é filmado com preguiça; o ataque ao mendigo é glamourizado e estilizado, quando deveria focar na emoção do protagonista ao ataque; as cenas de ação são caóticas e mal coordenadas. Forster só acerta quando investe em travellings manjados (como o bonito take de Butler na cruz da igreja) e quando conduz de maneira evasiva (como no raro momento de genuína emoção da película, a cena com o africano com a cicatriz no final). O impacto que Redenção poderia causa é imenso. Cenas como a da filha de Childers, chorando e falando "você ama mais suas crianças africanas que a mim", poderiam ser esplêndidas. Podendo ser ousado, questionador, o filme se limita ao primeiro patamar.
Pelo menos, o projeto ganha ritmo quando se concentra na tensão passada no Sudão. A cada vez que tenta ganhar dimensão dramática, Redenção fica pior. O que dizer da ridícula passagem em que Childers, quando já sabíamos do afastamento com a família, SE ESQUECE da data do aniversário da filha apenas para martelar a mensagem? E a coisa piora: era uma senha de cofre. Mas cada vez que a fotografia granulada se funde à paisagem árida dos desertos sudaneses, o filme se torna passável, já que na superfície ao menos funciona. Inclusive, sem a besteira do politicamente correto, o que sempre ajuda. Já como debate e retrato de uma figura curiosa e interessante, soa apenas imbecil.
Childers real pode ser o caipira caricato por natureza (o orgulho com que exibe a destreza ao atirar com uma mão só a shotgun é a síntese disso), mas é um caricato tridimensional. Pertence mais a um O Vencedor e O Poder e a Lei do que a um Redenção.
** 2 Estrelas - Fraco
quinta-feira, 8 de dezembro de 2011
Margin Call
Opressivo suspense funciona, mas não vai além.
Lá para o meio do filme, Peter Sullivan (interpretado por Zachary Quinto) está em um táxi, se deslocando de um ponto para outro, nessa noite complicada. Nervoso com sua própria descoberta, Sullivan olha para as pessoas na rua, pela janela, apreensivo. Então, ele fala com seu amigo Seth: "Essas pessoas não têm ideia do que está por vir".
É sobre isso que Margin Call fala. Mas principalmente, é nesse nível que o mesmo opera. Tendo completa ciência sobre o evento que debate, o diretor e roteirista J.C. Chandor se revela muito habilidoso nas informações com que trabalha e na tensão que impõe, mas peca justamente em dar rosto ao acontecimento.
Logo no início, a atmosfera do longa se instala com facilidade. Eric Dale (Tucci) está em seu escritório trabalhando, com uma aparência serena mas com os ombros pesados, até ser chamado para uma sala á parte, devidamente preenchida com um headhunter. Após separar suas coisas, com certo pesar, Dale avista seu colega Sullivan (Quinto), a quem parece ter uma relação professor-aprendiz, e o avisa sobre um aplicativo em um pen drive, que seria bom dar uma olhada. Mas antes da porta do elevador fechar, Dale previne o amigo: "Cuidado com isso". Jogando uma interessante isca, o longa fisga o espectador logo aqui, ao introduzir o mistério que levará a trama á frente e ainda cria um clima essencialmente frio e profissional na história, o que reforça o caráter financeiro e técnico que Margin Call carrega até o fim.
E ao abrir o espaço para Zachary Quinto, o filme entra numa vertente diferente de exploração em filmes de corporações: a da hierarquia ás avessas. Basicamente, um empregado de baixo escalão acaba sendo o desbravador da cruzada de 12 horas para tentar salvar a firma que trabalha. Logo, as forças maiores são acionadas. Aquela executiva que vimos no início, interpretada por Demi Moore, acaba se tornando personagem chave mais tarde. Sem saber a quem recorrer, Sullivan fala com Rogers (Spacey). Sem saber também de muito ("Me explica em inglês claro!", diz ele após um dos cientificismos corriqueiros que o filme oferece), Rogers chama Cohen (Baker). Este que convoca a reunião geral que resolverá o problema por vir, com a chegada de John Tulid (Irons), o executivo-chefe da empresa. Á medida que essa hierarquia empresarial começa a aparecer, a película vai revelando sua verdadeira intenção: o de suspense cauteloso e baseado em atuações.
E nisso, Margin Call não decepciona. Kevin Spacey volta ás grandes atuações com uma segurança natural no papel de Rogers. Simon Baker diverte com seu cinismo, da mesma maneira que surpreende com sua competência; Zachary Quinto acaba anulado a partir do meio (o que abordarei a seguir), Demi Moore faz bem seu papel, Stanley Tucci encarna com destreza e serenidade seu Eric Dale. Mas é em Paul Bettany e Jeremy Irons que J. C. Chandor se demonstra um belo condutor de elenco. O primeiro, com a competência de seus trabalhos "artísticos", abraça a frieza cafajeste de um yuppie convicto ao passo que Irons, normalmente um ator que passa sem se abalar entre a absoluta competência e o risível caricato, acaba sendo reducionista em sua composição para esbanjar uma segurança que não costuma ter.
Chegando perto da resolução, porém, o filme perde um tanto de sua força. O ritmo naturalista, cadenciado, acaba sendo rígido com seus personagens e os torna coadjuvantes de suas próprias histórias. Não por acaso, o maior elo com o espectador, o personagem de Quinto, acaba sendo reprimido no final, por ser "fora da alçada profissional" do assunto a que trata. Não se engane: grandes projetos panorâmicos foram perfeitos em omitir algo de seus personagens, como Traffic, A Rede Social e Tropa de Elite 2. O problema é quando temos um indeciso paralelo entre o panorama rígido e o desenvolvimento de personagens. Preferindo dar ênfase em dramas menores (como a condição da cadela de Rogers), Chandor acaba vitimando a unidade de seu trabalho ao não dosar suas duas vertentes principais do roteiro: a ambientação e o desenvolvimento. Chandor não tem a habilidade de um Soderbergh em Contágio e, por isso, acaba condenando as grandes atuações e a tensão financeira a um projeto indeciso. Em síntese, o diretor faz um panorama que dá espaço demais para os personagens e um estudo que se preocupa demais em se ambientar.
O senso de urgência, o que em teoria seria o mais complicado de se fazer num filme sobre um evento alarmante, acaba sendo o que Margin Call tem de melhor. O desenvolvimento, o que é crucial em um filme essencialmente de atuações, acaba soando precário demais, reduzido demais, preguiçoso até. A ambientação é contagiante (com uma trilha precisa de Nathan Larson), a montagem clipada das cenas do comércio de ações é fabulosa (que nunca faz o barato projeto parecer pobre visualmente), as interações entre os inteligentes personagens são estimulantes. Porém, não sentir nada emocional por aqueles personagens (indo de encontro á proposta do diretor) acaba sendo ruim para quem queria ser mais que um belo retrato histórico da economia.
Preciso, complexo, urgente e cínico, Margin Call é bom em suas pretensões, mas fica perigosamente na superfície das emoções do período que retrata. E "competente" pra quem almeja ser "brilhante" não é a melhor das opções.
*** 3 Estrelas - Bom
Lá para o meio do filme, Peter Sullivan (interpretado por Zachary Quinto) está em um táxi, se deslocando de um ponto para outro, nessa noite complicada. Nervoso com sua própria descoberta, Sullivan olha para as pessoas na rua, pela janela, apreensivo. Então, ele fala com seu amigo Seth: "Essas pessoas não têm ideia do que está por vir".
É sobre isso que Margin Call fala. Mas principalmente, é nesse nível que o mesmo opera. Tendo completa ciência sobre o evento que debate, o diretor e roteirista J.C. Chandor se revela muito habilidoso nas informações com que trabalha e na tensão que impõe, mas peca justamente em dar rosto ao acontecimento.
Logo no início, a atmosfera do longa se instala com facilidade. Eric Dale (Tucci) está em seu escritório trabalhando, com uma aparência serena mas com os ombros pesados, até ser chamado para uma sala á parte, devidamente preenchida com um headhunter. Após separar suas coisas, com certo pesar, Dale avista seu colega Sullivan (Quinto), a quem parece ter uma relação professor-aprendiz, e o avisa sobre um aplicativo em um pen drive, que seria bom dar uma olhada. Mas antes da porta do elevador fechar, Dale previne o amigo: "Cuidado com isso". Jogando uma interessante isca, o longa fisga o espectador logo aqui, ao introduzir o mistério que levará a trama á frente e ainda cria um clima essencialmente frio e profissional na história, o que reforça o caráter financeiro e técnico que Margin Call carrega até o fim.
E ao abrir o espaço para Zachary Quinto, o filme entra numa vertente diferente de exploração em filmes de corporações: a da hierarquia ás avessas. Basicamente, um empregado de baixo escalão acaba sendo o desbravador da cruzada de 12 horas para tentar salvar a firma que trabalha. Logo, as forças maiores são acionadas. Aquela executiva que vimos no início, interpretada por Demi Moore, acaba se tornando personagem chave mais tarde. Sem saber a quem recorrer, Sullivan fala com Rogers (Spacey). Sem saber também de muito ("Me explica em inglês claro!", diz ele após um dos cientificismos corriqueiros que o filme oferece), Rogers chama Cohen (Baker). Este que convoca a reunião geral que resolverá o problema por vir, com a chegada de John Tulid (Irons), o executivo-chefe da empresa. Á medida que essa hierarquia empresarial começa a aparecer, a película vai revelando sua verdadeira intenção: o de suspense cauteloso e baseado em atuações.
E nisso, Margin Call não decepciona. Kevin Spacey volta ás grandes atuações com uma segurança natural no papel de Rogers. Simon Baker diverte com seu cinismo, da mesma maneira que surpreende com sua competência; Zachary Quinto acaba anulado a partir do meio (o que abordarei a seguir), Demi Moore faz bem seu papel, Stanley Tucci encarna com destreza e serenidade seu Eric Dale. Mas é em Paul Bettany e Jeremy Irons que J. C. Chandor se demonstra um belo condutor de elenco. O primeiro, com a competência de seus trabalhos "artísticos", abraça a frieza cafajeste de um yuppie convicto ao passo que Irons, normalmente um ator que passa sem se abalar entre a absoluta competência e o risível caricato, acaba sendo reducionista em sua composição para esbanjar uma segurança que não costuma ter.
Chegando perto da resolução, porém, o filme perde um tanto de sua força. O ritmo naturalista, cadenciado, acaba sendo rígido com seus personagens e os torna coadjuvantes de suas próprias histórias. Não por acaso, o maior elo com o espectador, o personagem de Quinto, acaba sendo reprimido no final, por ser "fora da alçada profissional" do assunto a que trata. Não se engane: grandes projetos panorâmicos foram perfeitos em omitir algo de seus personagens, como Traffic, A Rede Social e Tropa de Elite 2. O problema é quando temos um indeciso paralelo entre o panorama rígido e o desenvolvimento de personagens. Preferindo dar ênfase em dramas menores (como a condição da cadela de Rogers), Chandor acaba vitimando a unidade de seu trabalho ao não dosar suas duas vertentes principais do roteiro: a ambientação e o desenvolvimento. Chandor não tem a habilidade de um Soderbergh em Contágio e, por isso, acaba condenando as grandes atuações e a tensão financeira a um projeto indeciso. Em síntese, o diretor faz um panorama que dá espaço demais para os personagens e um estudo que se preocupa demais em se ambientar.
O senso de urgência, o que em teoria seria o mais complicado de se fazer num filme sobre um evento alarmante, acaba sendo o que Margin Call tem de melhor. O desenvolvimento, o que é crucial em um filme essencialmente de atuações, acaba soando precário demais, reduzido demais, preguiçoso até. A ambientação é contagiante (com uma trilha precisa de Nathan Larson), a montagem clipada das cenas do comércio de ações é fabulosa (que nunca faz o barato projeto parecer pobre visualmente), as interações entre os inteligentes personagens são estimulantes. Porém, não sentir nada emocional por aqueles personagens (indo de encontro á proposta do diretor) acaba sendo ruim para quem queria ser mais que um belo retrato histórico da economia.
Preciso, complexo, urgente e cínico, Margin Call é bom em suas pretensões, mas fica perigosamente na superfície das emoções do período que retrata. E "competente" pra quem almeja ser "brilhante" não é a melhor das opções.
*** 3 Estrelas - Bom
quarta-feira, 30 de novembro de 2011
Um Dia
Indeciso romance dramático problematiza o esquema do gênero.
Dexter e Emma estão juntos em um quarto, em 1988. Felizes, ambos conversam de forma leve, tranquila, como se desfrutassem da personalidade de cada um, do coração de cada um. Falam sobre as ambições de vida, afinal acabaram de sair de suas formaturas. Ele, meio bêbado e despojado. Ela, retraída e desajeitada. Ambos se completam, querem ficar juntos, querem ir pra cama. Se ensaia uma relação, mas nada se concretiza. E quando vai acontecer, não acontece.
Por 20 anos.
Um Dia, novo filme de Lone Scherfig, o primeiro depois da aclamação do superestimado Educação, trabalha com essas idas e vindas típicas das comédias românticas, mas as adapta para os dramas da vida, tanto profissional quanto pessoal. Essa incursão, seja por desonestidade ou por ignorância, acaba tornando mais bonita a roupagem do romance, mas não torna as falhas menos visíveis.
Baseado no livro de sua própria autoria, o roteiro de David Nicholls apresenta seus personagens de forma eficiente, mas acaba se beneficiando de estereótipos para essa eficiência. Não estranhe se achar um tanto familiar o casal protagonista; Dexter é o mulherengo convicto que quer aproveitar a vida, Emma é a freak de laboratório com problemas de auto-estima. O trabalho dos coadjuvantes é minimizado, com razão. Num longa que demora vinte anos para se desenvolver, se focar no relacionamento é o mais prudente a se fazer. Porém, se a aproximação é válida, se aprofundar é perigoso. Na superfície, estereótipos podem ser assumidos (como em O Vencedor) ou satirizados (como na série Pânico). Os problemas começam quando o roteiro acredita no estereótipo que sequestrou. E Um Dia se sai pior do que o esperado justamente por acreditar e criticar, ao mesmo tempo, esse estereótipo.
Criticar, se entende, por quando o projeto toma de assalto a estrutura do romance e o encaixa na "vida real". Não estamos diante de exemplares leves como Nothing Hill e descompromissados como A Proposta. O drama sensível do filme o aproxima mais de exemplares como o fenômeno teen Um Amor para Recordar. Não se realiza uma crítica explícita a glamourização do romance, mas se entende. Principalmente pelo papel que a cultura da época faz no filme (o que debaterei á frente). E por contar uma história tão extensa, que perdura por duas décadas, o filme arruma um artifício para não se tornar enfadonho: contar um dia de cada um desses anos.
O que, em síntese, cria outro problema. Para um longa que demora um ano até caminhar para a próxima cena, Um Dia tem unidade demais. Nada parece ter acontecido nesse meio tempo; e o que aconteceu é contado de forma didática pelos personagens, fruto do engessamento promovido pela estratégia do "um dia por ano". Os encontros vão ocorrendo de forma natural, as vezes com uma distância enorme entre os personagens, mas pouca coisa muda. É sempre um Jim Sturgess, no terreno caricato que permeia sua limitação, sendo vítima da trasheira televisiva e da fama e uma Anne Hathaway triste e procurando fazer o que ama, mas sem sucesso.
E isso concretiza a ideia do estereótipo e nos apresenta a visão pouco amigável que o filme tem da própria época que se situa. Não é por mera proximidade com a época atual que o projeto se passa nos anos 90; Um Dia tenta justificar o fracasso de seus personagens devido ao tempo que vivem. Emma é inteligente demais para a cultura dispensável que se cria ali, Dexter é o produto que quer aproveitar a vida e perde o controle dela ao se aprofundar na ridicularidade do ambiente em que vive. É aquele tique de sempre das comédias pseudo-inteligente, fruto da geração Nick Hornby, de se referir a cultura pop a cada minuto para soar relevante. Em Um Dia, porém, o processo é inverso: a citação é pelo desapego á essa cultura, que pode ser tida como irrelevante para o filme. Pode até soar na verdade um amor a tudo que se fala, mas não se engane: é criticar o pano de fundo para tornar crível a tragédia retratada. Emma e Dexter são vítimas do tempo ali citado, o mesmo do romance idealizado e da televisão cheia de porcarias como programas de fofoca e de videogames. É injusto criar uma metáfora contra uma época que parece ter acolhido tão bem os diálogos do filme.
Mas não adianta. No fim, é a mesma história de sempre. Ao optar por fazer (ou tentar fazer) chorar, o filme denuncia a pretensão de querer ser bem mais inteligente do que é. Bicicletas, segundas chances e passeios na colina á parte, Um Dia é só uma comédia romântica que insiste no drama para fingir que não tem os três atos pertencentes ao gênero. Com direito á trilha bonitinha de Rachel Portman (que se sai bem na escolha das músicas da época, como a excelente Praise You) e tudo. O que difere as viradas idiotas de filmes como A Verdade Nua e Crua para o filme é o fato dos diversos anos que passam. Se Katherine Heigl fica chateada com seu amor por alguns dias para depois terminar com ele, Anne Hathaway demora uns dois anos ou três.
Scherfig, que parece demonstrar ser a mais elitista e moralista autora do movimento Dogma 95, consegue refletir boas escolhas técnicas á produção, como ângulos sempre bem compostos (ainda que através de uma decupagem clássica) e uma fotografia estonteante do sempre competente Benôit Delholmme. Ao ser um tanto sutil (mais que o roteiro) ao retratar Emma e Dexter como pessoas complementares ao colocá-los nos cantos opostos da tela, Scherfig torna evidente a competência estética que possui. Porém, ter um bom olho para composições (como o belo quadro aberto de Emma pulando na piscina) não basta. O moralismo já visto no desfecho covarde de Educação se exacerba aqui, ainda de forma não tão evidente. Dexter é um perdido na vida, que só consegue a redenção através de Emma. Por que criar uma reviravolta tão maniqueísta só para, paradoxalmente, soar realista? E não é apenas um mero defeito; se não fosse essa virada final, o projeto poderia até ser eficiente em sua superfície.
Há em Um Dia um longa dramático sobre a verossimilhança de um romance, um retrato coming of age para desmitifcar o esquemático jogo de romances idealizados. Mas há, também, um chantagista e arrogante filme que se julga inteligente e acima das culturas irrelevantes, mas que na verdade é só um caça-níquel procurando as lágrimas de mulheres desiludidas. E ao ter a audácia de forçar o espectador para trazer uma saudade e nostalgia do casal ao encaixar um dia distinto no início do relacionamento ao final da película só pra arrancar um choro a mais, se constata que o filme é quase tão maniqueísta quanto a mais vã comédia romântica. Muito bonitinho, claro. Muito mais racional nas situações (como o conflito da gravidez e com a mãe de Dexter), mas inocente em igual proporção no discurso.
O que Um Dia tem de mais evidente é a lastimável tentativa de acreditar naquilo que critica.
** 2 Estrelas
Dexter e Emma estão juntos em um quarto, em 1988. Felizes, ambos conversam de forma leve, tranquila, como se desfrutassem da personalidade de cada um, do coração de cada um. Falam sobre as ambições de vida, afinal acabaram de sair de suas formaturas. Ele, meio bêbado e despojado. Ela, retraída e desajeitada. Ambos se completam, querem ficar juntos, querem ir pra cama. Se ensaia uma relação, mas nada se concretiza. E quando vai acontecer, não acontece.
Por 20 anos.
Um Dia, novo filme de Lone Scherfig, o primeiro depois da aclamação do superestimado Educação, trabalha com essas idas e vindas típicas das comédias românticas, mas as adapta para os dramas da vida, tanto profissional quanto pessoal. Essa incursão, seja por desonestidade ou por ignorância, acaba tornando mais bonita a roupagem do romance, mas não torna as falhas menos visíveis.
Baseado no livro de sua própria autoria, o roteiro de David Nicholls apresenta seus personagens de forma eficiente, mas acaba se beneficiando de estereótipos para essa eficiência. Não estranhe se achar um tanto familiar o casal protagonista; Dexter é o mulherengo convicto que quer aproveitar a vida, Emma é a freak de laboratório com problemas de auto-estima. O trabalho dos coadjuvantes é minimizado, com razão. Num longa que demora vinte anos para se desenvolver, se focar no relacionamento é o mais prudente a se fazer. Porém, se a aproximação é válida, se aprofundar é perigoso. Na superfície, estereótipos podem ser assumidos (como em O Vencedor) ou satirizados (como na série Pânico). Os problemas começam quando o roteiro acredita no estereótipo que sequestrou. E Um Dia se sai pior do que o esperado justamente por acreditar e criticar, ao mesmo tempo, esse estereótipo.
Criticar, se entende, por quando o projeto toma de assalto a estrutura do romance e o encaixa na "vida real". Não estamos diante de exemplares leves como Nothing Hill e descompromissados como A Proposta. O drama sensível do filme o aproxima mais de exemplares como o fenômeno teen Um Amor para Recordar. Não se realiza uma crítica explícita a glamourização do romance, mas se entende. Principalmente pelo papel que a cultura da época faz no filme (o que debaterei á frente). E por contar uma história tão extensa, que perdura por duas décadas, o filme arruma um artifício para não se tornar enfadonho: contar um dia de cada um desses anos.
O que, em síntese, cria outro problema. Para um longa que demora um ano até caminhar para a próxima cena, Um Dia tem unidade demais. Nada parece ter acontecido nesse meio tempo; e o que aconteceu é contado de forma didática pelos personagens, fruto do engessamento promovido pela estratégia do "um dia por ano". Os encontros vão ocorrendo de forma natural, as vezes com uma distância enorme entre os personagens, mas pouca coisa muda. É sempre um Jim Sturgess, no terreno caricato que permeia sua limitação, sendo vítima da trasheira televisiva e da fama e uma Anne Hathaway triste e procurando fazer o que ama, mas sem sucesso.
E isso concretiza a ideia do estereótipo e nos apresenta a visão pouco amigável que o filme tem da própria época que se situa. Não é por mera proximidade com a época atual que o projeto se passa nos anos 90; Um Dia tenta justificar o fracasso de seus personagens devido ao tempo que vivem. Emma é inteligente demais para a cultura dispensável que se cria ali, Dexter é o produto que quer aproveitar a vida e perde o controle dela ao se aprofundar na ridicularidade do ambiente em que vive. É aquele tique de sempre das comédias pseudo-inteligente, fruto da geração Nick Hornby, de se referir a cultura pop a cada minuto para soar relevante. Em Um Dia, porém, o processo é inverso: a citação é pelo desapego á essa cultura, que pode ser tida como irrelevante para o filme. Pode até soar na verdade um amor a tudo que se fala, mas não se engane: é criticar o pano de fundo para tornar crível a tragédia retratada. Emma e Dexter são vítimas do tempo ali citado, o mesmo do romance idealizado e da televisão cheia de porcarias como programas de fofoca e de videogames. É injusto criar uma metáfora contra uma época que parece ter acolhido tão bem os diálogos do filme.
Mas não adianta. No fim, é a mesma história de sempre. Ao optar por fazer (ou tentar fazer) chorar, o filme denuncia a pretensão de querer ser bem mais inteligente do que é. Bicicletas, segundas chances e passeios na colina á parte, Um Dia é só uma comédia romântica que insiste no drama para fingir que não tem os três atos pertencentes ao gênero. Com direito á trilha bonitinha de Rachel Portman (que se sai bem na escolha das músicas da época, como a excelente Praise You) e tudo. O que difere as viradas idiotas de filmes como A Verdade Nua e Crua para o filme é o fato dos diversos anos que passam. Se Katherine Heigl fica chateada com seu amor por alguns dias para depois terminar com ele, Anne Hathaway demora uns dois anos ou três.
Scherfig, que parece demonstrar ser a mais elitista e moralista autora do movimento Dogma 95, consegue refletir boas escolhas técnicas á produção, como ângulos sempre bem compostos (ainda que através de uma decupagem clássica) e uma fotografia estonteante do sempre competente Benôit Delholmme. Ao ser um tanto sutil (mais que o roteiro) ao retratar Emma e Dexter como pessoas complementares ao colocá-los nos cantos opostos da tela, Scherfig torna evidente a competência estética que possui. Porém, ter um bom olho para composições (como o belo quadro aberto de Emma pulando na piscina) não basta. O moralismo já visto no desfecho covarde de Educação se exacerba aqui, ainda de forma não tão evidente. Dexter é um perdido na vida, que só consegue a redenção através de Emma. Por que criar uma reviravolta tão maniqueísta só para, paradoxalmente, soar realista? E não é apenas um mero defeito; se não fosse essa virada final, o projeto poderia até ser eficiente em sua superfície.
Há em Um Dia um longa dramático sobre a verossimilhança de um romance, um retrato coming of age para desmitifcar o esquemático jogo de romances idealizados. Mas há, também, um chantagista e arrogante filme que se julga inteligente e acima das culturas irrelevantes, mas que na verdade é só um caça-níquel procurando as lágrimas de mulheres desiludidas. E ao ter a audácia de forçar o espectador para trazer uma saudade e nostalgia do casal ao encaixar um dia distinto no início do relacionamento ao final da película só pra arrancar um choro a mais, se constata que o filme é quase tão maniqueísta quanto a mais vã comédia romântica. Muito bonitinho, claro. Muito mais racional nas situações (como o conflito da gravidez e com a mãe de Dexter), mas inocente em igual proporção no discurso.
O que Um Dia tem de mais evidente é a lastimável tentativa de acreditar naquilo que critica.
** 2 Estrelas
Os Especialistas
Ou "Robert de Niro de fuzil".
O mundo é caótico. O cenário é uma terra de ninguém, um ambiente povoado pela maior gama de mercenários por metro quadrado, onde a tranquilidade não entra em pauta. Um comboio começa a chegar perto de um homem carismático, com costeletas e um cavanhaque forçadíssimo. Então, num estrondo brilhante, o carro da frente explode. Inicia-se uma operação digna de forças especiais. Muito tiroteio, nenhum disfarce evidente e Robert de Niro com uma M4, disparando com toda o estilo possível. Claramente, é uma força black ops, mas nunca secreta.
Como disse o letreiro inicial, estamos em 1980.
Não é um mero truque para conferir veracidade ao projeto; com Os Especialistas, de fato, estamos nos anos 80. Todo uma época do cinema de ação é sintetizada de maneira coerente por Gary McKendry, em seu debute na direção. As explosões, os tiroteios frenéticos, a trama rocambolesca, as reviravoltas bizarras. Tudo está aqui, da maneira mais divertida e leve possível.
Esse espírito do herói oitentista permeia a produção sem torná-la datada. Jason Statham encarna aqui o papel raso do anti-herói com crise de consciência, que só quer voltar para casa (e para a mulher, não podia deixar de ser). Robert de Niro entra no papel do mentor do protagonista, que parece ter ensinado cada golpe para seu aprendiz e exala competência (e que só falha quando o roteiro acha conveniente). Já Clive Owen assume o papel do antagonista super-espião. O imaginário público sobre os atores ajuda a todo momento a produção: Statham é durão e sabemos disso pelo seu rosto sisudo, de Niro volta ao papel de autoridade do crime de Fogo contra Fogo, mas dessa vez do lado dos mocinhos. E Owen, estranhamente, parece só fazer o papel do espião protagonista desde que recusou o 007.
Além disso, temos os coadjuvantes mais diversos possíveis, sempre nos papéis fractais ao sub-gênero da espionagem. Davies é o faz-tudo do grupo, o homem da ação; Meier é o cérebro da equipe, o homem dos equipamentos e estratégias ("Não deu certo da última vez porque eu não estava coordenando!"); o Agente é, como o nome sugere perfeitamente, o contratante enigmático e que, bem vestido e galante, apenas se demonstra intimidado diante de amostra maior de poder; e temos, claro, o chefe supremo, legítimo headhunter, por trás de tudo: o FDPNC (na hilária e espetacular sacada do roteiro).
Ciente do imaginário, Os Especialistas não tenta desenvolver mais do que a figura imponente dos sujeitos com que trabalha. Porém, quando o faz, soa inteligente. Spike, personagem de Owen, tem sua primeira aparição dentro de sua casa, de óculos e robe, com sua esposa acalmando um bebê ao fundo, o que representa uma boa introdução de personagem no roteiro de Matt Sherring. Sherring também é hábil ainda ao simplificar todas as questões mais elaboradas (o que torna o filme mais focado na ação). Como, por exemplo, Danny entrou no campo do SAS? E como o grupo matou tão facilmente o alvo que fez de Niro ser preso?
Alguns erros grotescos acabam passando, obviamente. Um matador, mesmo que iniciante, não seria tão estúpido a ponto de estourar a cabeça do inimigo podendo perfurar a cabeça do amigo; não é normal um homem vivo ficar estatelado no chão com o único propósito de surpreender o público. Danny é muito cauteloso ao não querer matar inocentes, mas não hesita em perseguir um alvo sem saber da veracidade da culpa dele. Porém, Sherring tem como maior acerto o fato de não se levar a sério ao longo da metragem, o que tornam normais esses erros. É uma homenagem a uma época de homens indestrutíveis, afinal. E, de certa maneira, Os Especialistas é um espetáculo do verossímil perto de Comando para Matar.
E justamente ao conferir certa verossimilhança, o filme torna as mortes mais interessantes. Ao trazer um atropelamento e um tiro acidental como momentos catárticos principais, a produção é coerente em causar imprevisibilidade nos destinos de alguns personagens. A fotografia de Simon Duggan acompanha esse pé no real no meio do absurdo, investindo numa atmosfera granulada e que valoriza a natureza perigosa dos locais. Obviamente, cada movimento e reviravolta são esquemáticos e seria preguiça não saber como o confronto dos assassinos irá acabar, mas ao apostar em elementos ocasionais do ambiente hostil em que vivem os personagens para matar seus coadjuvantes, Os Especialistas se sobressai um tanto de seu esquema limitado.
Ainda munido de diálogos que tem como função exaltar o caráter macho de seus personagens (uma característica bem oitentista), o filme se impõe com frases como "Você tem bolas de aço!", "Muita gente já morreu, não entre nessa lista também" ou, a mais inspirada, "Você deixou a matança mas ela não deixou você!". Sherring ainda vai além ao trazer os diversos tiques das intrigas internacionais oitentistas, como a disputa pelo petróleo. Além disso, o roteiro confere ainda um caráter enigmático ás corporações do filme: o SAS é uma organização especial representada por uma pena; nunca sabemos para quem trabalhar Statham; e não há nenhum envolvimento direto de nenhum governo em momento algum da trama, que passa por diversos países ao longo do globo, de Omã até Paris.
Mas se a trama é um bolo de camadas bizarro e sem muito sentido, não se pode dizer o mesmo da ação, bem coordenada por McKendry. A trilha ainda embala bem a correria, evocando os genéricos temas de ação do passado. O caráter operístico e de homenagem se consagra na virada do terceiro ato. Quando o filme parece caminhar para um digno fim, uma reviravolta amalucada se instala. Tudo merece ser revisto e começa a se ensaiar um novo filme. O que em teoria seria um demérito enorme, acaba apenas deixando mais explícita a intenção de homenagem. E quando se percebe que o escritor do livro que deu origem ao filme é personagem fundamental a ele, é justamente quando a tal trama internacional parece ter surtado de vez mesmo.
Não se pode desviar da real intenção, a da ação pela ação. Cena emblemática: mesmo após ter lutado anteriormente com Owen, Statham se vê preso a uma cadeira pelo mesmo Owen. Um minuto depois e Spike já está preso a cadeira, com um terceiro elemento em cena. O que acontece? Uma luta á três. Não ter medo do absurdo não é para muitos.
Em um tempo de super-heróis a cada semana em tela e adaptações á todo momento, é com certa surpresa que chega esse Killer Elite, um filme pipoca que até se denomina adaptação, mas é simplesmente absurdo e esquemático demais para o ser, o que cheira bem a devaneio do escritor ou um mero truque, como o dos Irmãos Coen em Fargo. E implausível, para um projeto que não se leva a sério, é um adjetivo bem divertido.
Sem se deixar perceber a própria piada, Os Especialistas se sai melhor até que Os Mercenários, que soa até uma homenagem de laboratório perto deste. O plot é ridículo, as atuações são canastronas, mas a ação é garantida. Ver de Niro de volta a um papel carismático é um alívio, também. Pode não haver envolvimento emocional ou brilhantismo técnico, mas houve diversão. E das melhores e mais cafajestes possíveis.
Mas vale citar: que Rock You Like a Hurricane fez falta no filme, isso fez.
*** 3 Estrelas - Mediano
O mundo é caótico. O cenário é uma terra de ninguém, um ambiente povoado pela maior gama de mercenários por metro quadrado, onde a tranquilidade não entra em pauta. Um comboio começa a chegar perto de um homem carismático, com costeletas e um cavanhaque forçadíssimo. Então, num estrondo brilhante, o carro da frente explode. Inicia-se uma operação digna de forças especiais. Muito tiroteio, nenhum disfarce evidente e Robert de Niro com uma M4, disparando com toda o estilo possível. Claramente, é uma força black ops, mas nunca secreta.
Como disse o letreiro inicial, estamos em 1980.
Não é um mero truque para conferir veracidade ao projeto; com Os Especialistas, de fato, estamos nos anos 80. Todo uma época do cinema de ação é sintetizada de maneira coerente por Gary McKendry, em seu debute na direção. As explosões, os tiroteios frenéticos, a trama rocambolesca, as reviravoltas bizarras. Tudo está aqui, da maneira mais divertida e leve possível.
Esse espírito do herói oitentista permeia a produção sem torná-la datada. Jason Statham encarna aqui o papel raso do anti-herói com crise de consciência, que só quer voltar para casa (e para a mulher, não podia deixar de ser). Robert de Niro entra no papel do mentor do protagonista, que parece ter ensinado cada golpe para seu aprendiz e exala competência (e que só falha quando o roteiro acha conveniente). Já Clive Owen assume o papel do antagonista super-espião. O imaginário público sobre os atores ajuda a todo momento a produção: Statham é durão e sabemos disso pelo seu rosto sisudo, de Niro volta ao papel de autoridade do crime de Fogo contra Fogo, mas dessa vez do lado dos mocinhos. E Owen, estranhamente, parece só fazer o papel do espião protagonista desde que recusou o 007.
Além disso, temos os coadjuvantes mais diversos possíveis, sempre nos papéis fractais ao sub-gênero da espionagem. Davies é o faz-tudo do grupo, o homem da ação; Meier é o cérebro da equipe, o homem dos equipamentos e estratégias ("Não deu certo da última vez porque eu não estava coordenando!"); o Agente é, como o nome sugere perfeitamente, o contratante enigmático e que, bem vestido e galante, apenas se demonstra intimidado diante de amostra maior de poder; e temos, claro, o chefe supremo, legítimo headhunter, por trás de tudo: o FDPNC (na hilária e espetacular sacada do roteiro).
Ciente do imaginário, Os Especialistas não tenta desenvolver mais do que a figura imponente dos sujeitos com que trabalha. Porém, quando o faz, soa inteligente. Spike, personagem de Owen, tem sua primeira aparição dentro de sua casa, de óculos e robe, com sua esposa acalmando um bebê ao fundo, o que representa uma boa introdução de personagem no roteiro de Matt Sherring. Sherring também é hábil ainda ao simplificar todas as questões mais elaboradas (o que torna o filme mais focado na ação). Como, por exemplo, Danny entrou no campo do SAS? E como o grupo matou tão facilmente o alvo que fez de Niro ser preso?
Alguns erros grotescos acabam passando, obviamente. Um matador, mesmo que iniciante, não seria tão estúpido a ponto de estourar a cabeça do inimigo podendo perfurar a cabeça do amigo; não é normal um homem vivo ficar estatelado no chão com o único propósito de surpreender o público. Danny é muito cauteloso ao não querer matar inocentes, mas não hesita em perseguir um alvo sem saber da veracidade da culpa dele. Porém, Sherring tem como maior acerto o fato de não se levar a sério ao longo da metragem, o que tornam normais esses erros. É uma homenagem a uma época de homens indestrutíveis, afinal. E, de certa maneira, Os Especialistas é um espetáculo do verossímil perto de Comando para Matar.
E justamente ao conferir certa verossimilhança, o filme torna as mortes mais interessantes. Ao trazer um atropelamento e um tiro acidental como momentos catárticos principais, a produção é coerente em causar imprevisibilidade nos destinos de alguns personagens. A fotografia de Simon Duggan acompanha esse pé no real no meio do absurdo, investindo numa atmosfera granulada e que valoriza a natureza perigosa dos locais. Obviamente, cada movimento e reviravolta são esquemáticos e seria preguiça não saber como o confronto dos assassinos irá acabar, mas ao apostar em elementos ocasionais do ambiente hostil em que vivem os personagens para matar seus coadjuvantes, Os Especialistas se sobressai um tanto de seu esquema limitado.
Ainda munido de diálogos que tem como função exaltar o caráter macho de seus personagens (uma característica bem oitentista), o filme se impõe com frases como "Você tem bolas de aço!", "Muita gente já morreu, não entre nessa lista também" ou, a mais inspirada, "Você deixou a matança mas ela não deixou você!". Sherring ainda vai além ao trazer os diversos tiques das intrigas internacionais oitentistas, como a disputa pelo petróleo. Além disso, o roteiro confere ainda um caráter enigmático ás corporações do filme: o SAS é uma organização especial representada por uma pena; nunca sabemos para quem trabalhar Statham; e não há nenhum envolvimento direto de nenhum governo em momento algum da trama, que passa por diversos países ao longo do globo, de Omã até Paris.
Mas se a trama é um bolo de camadas bizarro e sem muito sentido, não se pode dizer o mesmo da ação, bem coordenada por McKendry. A trilha ainda embala bem a correria, evocando os genéricos temas de ação do passado. O caráter operístico e de homenagem se consagra na virada do terceiro ato. Quando o filme parece caminhar para um digno fim, uma reviravolta amalucada se instala. Tudo merece ser revisto e começa a se ensaiar um novo filme. O que em teoria seria um demérito enorme, acaba apenas deixando mais explícita a intenção de homenagem. E quando se percebe que o escritor do livro que deu origem ao filme é personagem fundamental a ele, é justamente quando a tal trama internacional parece ter surtado de vez mesmo.
Não se pode desviar da real intenção, a da ação pela ação. Cena emblemática: mesmo após ter lutado anteriormente com Owen, Statham se vê preso a uma cadeira pelo mesmo Owen. Um minuto depois e Spike já está preso a cadeira, com um terceiro elemento em cena. O que acontece? Uma luta á três. Não ter medo do absurdo não é para muitos.
Em um tempo de super-heróis a cada semana em tela e adaptações á todo momento, é com certa surpresa que chega esse Killer Elite, um filme pipoca que até se denomina adaptação, mas é simplesmente absurdo e esquemático demais para o ser, o que cheira bem a devaneio do escritor ou um mero truque, como o dos Irmãos Coen em Fargo. E implausível, para um projeto que não se leva a sério, é um adjetivo bem divertido.
Sem se deixar perceber a própria piada, Os Especialistas se sai melhor até que Os Mercenários, que soa até uma homenagem de laboratório perto deste. O plot é ridículo, as atuações são canastronas, mas a ação é garantida. Ver de Niro de volta a um papel carismático é um alívio, também. Pode não haver envolvimento emocional ou brilhantismo técnico, mas houve diversão. E das melhores e mais cafajestes possíveis.
Mas vale citar: que Rock You Like a Hurricane fez falta no filme, isso fez.
*** 3 Estrelas - Mediano
domingo, 27 de novembro de 2011
Amanhecer - Parte 1
Quarto filme da série é antiquado em todos os sentidos.
Quando o assunto é Crepúsculo, não é preciso ir muito longe numa análise para o veredito indubitável : não se trata de um produto - tanto cinematográfico, quanto literário - considerado bom . Não pelos seus erros - que são muitos - ou infantilidade , mas pelo simples fato de não conseguir atingir o limiar mínimo de qualidade, quando apenas sua história é avaliada , livre de suas incoerências ou interpretações . Sua trama, por si só, é batida , repetitiva , monótona e previsível . Não há aspectos positivos que possam ser apontados no enredo da ''saga'' (com muitas aspas). Apenas por sua falta de criatividade ou relevância , a série de livros escrita por Stephenie Meyer já merecia pairar próxima da mediocridade . Nada mais justo, já que não possui características dignas de mérito , nem personagens cativantes , ou uma construção de universo bem feita - como em outros best-sellers que fizeram sucesso com os jovens , como Harry Potter e Senhor dos Anéis.
Entretanto , até a mediocridade é demais para o conto de Bella , Edward e Jacob . Não satisfeito em NÃO construir um universo interessante , o sucesso entre as jovens do mundo ainda destrói uma mitologia tão fascinante quanto a dos vampiros . Com seus heróis metrossexuais , e portadores de fobia a vestimentas, ainda sobra para a cultura dos lobisomens . Tudo isso já seria suficiente para decretar a plena nocividade da ''saga'' e seu status inquestionável de ''ruim'' . Mas Crepúsculo não é ruim : está abaixo deste conceito . Podemos atestar claramente isso com a chegada do tão aguardado Amanhecer aos cinemas . O quarto capítulo da franquia cinematográfica chega para tirar mais pontos ainda da mesma . Além de tudo já citado , a série ainda se apresenta incrivelmente retrógrada , em vários sentidos.
Já era possível perceber esse claro estigma machista , infantil e ultraconservador durante os filmes que precedem Amanhecer , mas aqui tudo fica mais evidente e escancarado , conforme o casamento de Bella se aproxima . Na trama da vez , Bella ( Kristen Stewart) e Edward ( Robert Pattinson) preparam seu casamento e enviam seus convites a diversos personagens . O primeiro a receber é Jacob (Taylor Lautner) , que , em mais um momento pomba-gira da franquia, arranca a camisa e vira um lobisomem para extravasar sua revolta licantropa - a cena se passa na chuva, então o calor está descartado como motivo da tirada de camisa , que passa a ser relacionada agora com alguma provável alergia a algodão . Apesar da aparente indecisão , palavra que circunda a série desde o primeiro frame , os dois pombinhos se casam , vêm passar a lua-de-mel no Rio de Janeiro, e aqui consumam seu casamento. Um tempo depois disso, entretanto, Bella tem a ''surpresa'' - isso já não deveria ser esperado? - de estar grávida , e de um feto vampiro .
Dirigido de maneira burocrática, e esteticamente pobre por Bill Condon , Amanhecer é mesmo o pior filme da série . Muito disso causado por seu aspecto monótono - que aliás, sempre acompanhou fielmente a franquia - passando por seus erros técnicos, mas, principalmente, por seu discurso . Este capítulo da série declara, de diversas maneiras, seu machismo, e grande subestimação da classe feminina . Seus recados surgem constatemente, mas ficam cristalinos em determinadas situações, como na gravidez-sacrifício de Bella, que surge como a metáfora clara para aquilo que conhecemos como '' a gravidez é o fim da vida da mulher'' . Ou seja , após o fardo de mãe, não há perspectiva para nenhuma outra meta na vida. Uma visão que se revela errada em qualquer momento da história da humanidade, mas que , em pleno século XXI, é extremamente repreensiva .
Há várias outros momentos que colocam Bella num segundo patamar na relação com Edward : Sua fraqueza - tanto de espírito, já que depende mortalmente daquele homem , quanto física - e também sua inferioridade mental - as cenas em que Edward ganha de Bella no xadrez só servem pra ilustrar a fragilidade da personagem de Stewart , que se demonstra incrivelmente indecisa e frouxa durante toda a exibição . Aliás, minto . Bella se mostra muito determindada num ponto em particular : naquele em que ela precisa se sacrificar pelo filho. As mulheres servem apenas para isso, afinal, correto?
Certamente não. E Amanhecer traria uma boa discussão sobre essa subestimação que ocorre com a mulher caso não fizesse justamente apologia desse fato. Há uma adoração - tanto da escritora , quanto de suas fãs - por esse esquema dito romântico, mas que na verdade só tem de imaturo e antiquado . Ora, Stephenie Meyer não escreve para formar mulheres, mas sim para gerar nas adolescentes uma saudade incrível de serem meras meninas . Repare nas cenas pré-casamento : Bella vive uma indecisão hipoglicêmica, depressiva, sem a menor fagulha de vontade, a acomodação em pessoa . Encarna uma situação similar á de Justine em Melancolia, porém sem nem um por cento do ímpeto da maravilhosa personagem vivida por Kirsten Dunst no filme de Lars Von Trier . O caráter depressivo patológico de Bella chega ao máximo quando nem mesmo seu namorado acredita que ela esteja feliz com o casamento. ''Eu estou'' ,ela diz. Só se for uma felicidade sem semblante - a lá Kimi Raikkonen . Em outro momento do filme, Bella se opõe a usar salto alto, como uma clara criança que recusa o crescimento...Tudo isso só corrobora para o diagnóstico de imensa infantilidade e machismo, presente com maior explicitação do que nunca neste Amanhecer .
Porém, o filme de Bill Condon possui ainda mais defeitos . Não satisfeito em contradizer sua carreira ao assinar contrato para realizar o filme - afinal Condon comandou , em 2004, Kinsey, onde tabus eram quebrados, e agora dirige esta adaptação, onde tabus são mais do que nunca glorificados - o diretor ainda detona a película com sua participação infeliz . Os comandos de set falham , os cortes são desajeitados, a montagem não ajuda . A direção de atores parece tão quadrada, que beira a vergonha alheia . Também, pudera : com excessão de Anna Kendrick e algum outro gato pingado, o elenco de Amanhecer está pior do que nunca . O índice de teatralidade permanece alto, e a culpa é essencialmente dos atores . Atores, aliás, que fracassam ao tentar demonstrar um mínimo de dramaticidade necessária, ou até mesmo expressividade, principlamente neste capítulo tão importante para a ''saga'' . Taylor Lautner e Robert Pattinson estão meramente ruins - Lautner um pouquinho pior - e Kristen Stewart tem mais problemas ao formular expressões .
Além disso, Amanhecer ainda sofre por ser ultrapassado também esteticamente . Sua fotografia é pedestre, e , não satisfeita em não colaborar com o filme, tem tons que variam bruscamente entre cortes . Um Guilherme Navarro irreconhecível . A direção de arte também falha ao dar ao filme um tom extremamente brega, como na cafoníssima cena em que Bella sonha com o casamento. Pilha de mortos? Vestimentas brancas com detalhes de sangue, num fundo estourado branco? Definitivamente, o discurso obsoleto de Amanhecer combina com seu visual.
Diante de tudo isso, ainda temos problemas de roteiro , meros buracos ,como na parte onde vampiros não sabem o que pode acontecer com o nascimento de um bebê vampiro . Séculos de existência para tanta desinformação ? Tudo fica ainda mais cômico na parte onde Edward vai pesquisar sobre o assunto, e entra no Google imagens...Precário, no mínimo.
São muitos os problemas, e Amanhecer, como os outros filmes com o selo Crepúsculo, ainda sofre por ser extremamente modorrento . Antiquado tanto na narrativa quanto em sua técnica, temos aqui o pior filme dos vampiros brilhantes . Um filme indefensável, e se não for por Jack and Jill - mais um desastre de Adam Sandler que vem por aí - este pode ser considerado o pior filme do ano .
1 estrela *
Quando o assunto é Crepúsculo, não é preciso ir muito longe numa análise para o veredito indubitável : não se trata de um produto - tanto cinematográfico, quanto literário - considerado bom . Não pelos seus erros - que são muitos - ou infantilidade , mas pelo simples fato de não conseguir atingir o limiar mínimo de qualidade, quando apenas sua história é avaliada , livre de suas incoerências ou interpretações . Sua trama, por si só, é batida , repetitiva , monótona e previsível . Não há aspectos positivos que possam ser apontados no enredo da ''saga'' (com muitas aspas). Apenas por sua falta de criatividade ou relevância , a série de livros escrita por Stephenie Meyer já merecia pairar próxima da mediocridade . Nada mais justo, já que não possui características dignas de mérito , nem personagens cativantes , ou uma construção de universo bem feita - como em outros best-sellers que fizeram sucesso com os jovens , como Harry Potter e Senhor dos Anéis.
Entretanto , até a mediocridade é demais para o conto de Bella , Edward e Jacob . Não satisfeito em NÃO construir um universo interessante , o sucesso entre as jovens do mundo ainda destrói uma mitologia tão fascinante quanto a dos vampiros . Com seus heróis metrossexuais , e portadores de fobia a vestimentas, ainda sobra para a cultura dos lobisomens . Tudo isso já seria suficiente para decretar a plena nocividade da ''saga'' e seu status inquestionável de ''ruim'' . Mas Crepúsculo não é ruim : está abaixo deste conceito . Podemos atestar claramente isso com a chegada do tão aguardado Amanhecer aos cinemas . O quarto capítulo da franquia cinematográfica chega para tirar mais pontos ainda da mesma . Além de tudo já citado , a série ainda se apresenta incrivelmente retrógrada , em vários sentidos.
Já era possível perceber esse claro estigma machista , infantil e ultraconservador durante os filmes que precedem Amanhecer , mas aqui tudo fica mais evidente e escancarado , conforme o casamento de Bella se aproxima . Na trama da vez , Bella ( Kristen Stewart) e Edward ( Robert Pattinson) preparam seu casamento e enviam seus convites a diversos personagens . O primeiro a receber é Jacob (Taylor Lautner) , que , em mais um momento pomba-gira da franquia, arranca a camisa e vira um lobisomem para extravasar sua revolta licantropa - a cena se passa na chuva, então o calor está descartado como motivo da tirada de camisa , que passa a ser relacionada agora com alguma provável alergia a algodão . Apesar da aparente indecisão , palavra que circunda a série desde o primeiro frame , os dois pombinhos se casam , vêm passar a lua-de-mel no Rio de Janeiro, e aqui consumam seu casamento. Um tempo depois disso, entretanto, Bella tem a ''surpresa'' - isso já não deveria ser esperado? - de estar grávida , e de um feto vampiro .
Dirigido de maneira burocrática, e esteticamente pobre por Bill Condon , Amanhecer é mesmo o pior filme da série . Muito disso causado por seu aspecto monótono - que aliás, sempre acompanhou fielmente a franquia - passando por seus erros técnicos, mas, principalmente, por seu discurso . Este capítulo da série declara, de diversas maneiras, seu machismo, e grande subestimação da classe feminina . Seus recados surgem constatemente, mas ficam cristalinos em determinadas situações, como na gravidez-sacrifício de Bella, que surge como a metáfora clara para aquilo que conhecemos como '' a gravidez é o fim da vida da mulher'' . Ou seja , após o fardo de mãe, não há perspectiva para nenhuma outra meta na vida. Uma visão que se revela errada em qualquer momento da história da humanidade, mas que , em pleno século XXI, é extremamente repreensiva .
Há várias outros momentos que colocam Bella num segundo patamar na relação com Edward : Sua fraqueza - tanto de espírito, já que depende mortalmente daquele homem , quanto física - e também sua inferioridade mental - as cenas em que Edward ganha de Bella no xadrez só servem pra ilustrar a fragilidade da personagem de Stewart , que se demonstra incrivelmente indecisa e frouxa durante toda a exibição . Aliás, minto . Bella se mostra muito determindada num ponto em particular : naquele em que ela precisa se sacrificar pelo filho. As mulheres servem apenas para isso, afinal, correto?
Certamente não. E Amanhecer traria uma boa discussão sobre essa subestimação que ocorre com a mulher caso não fizesse justamente apologia desse fato. Há uma adoração - tanto da escritora , quanto de suas fãs - por esse esquema dito romântico, mas que na verdade só tem de imaturo e antiquado . Ora, Stephenie Meyer não escreve para formar mulheres, mas sim para gerar nas adolescentes uma saudade incrível de serem meras meninas . Repare nas cenas pré-casamento : Bella vive uma indecisão hipoglicêmica, depressiva, sem a menor fagulha de vontade, a acomodação em pessoa . Encarna uma situação similar á de Justine em Melancolia, porém sem nem um por cento do ímpeto da maravilhosa personagem vivida por Kirsten Dunst no filme de Lars Von Trier . O caráter depressivo patológico de Bella chega ao máximo quando nem mesmo seu namorado acredita que ela esteja feliz com o casamento. ''Eu estou'' ,ela diz. Só se for uma felicidade sem semblante - a lá Kimi Raikkonen . Em outro momento do filme, Bella se opõe a usar salto alto, como uma clara criança que recusa o crescimento...Tudo isso só corrobora para o diagnóstico de imensa infantilidade e machismo, presente com maior explicitação do que nunca neste Amanhecer .
Porém, o filme de Bill Condon possui ainda mais defeitos . Não satisfeito em contradizer sua carreira ao assinar contrato para realizar o filme - afinal Condon comandou , em 2004, Kinsey, onde tabus eram quebrados, e agora dirige esta adaptação, onde tabus são mais do que nunca glorificados - o diretor ainda detona a película com sua participação infeliz . Os comandos de set falham , os cortes são desajeitados, a montagem não ajuda . A direção de atores parece tão quadrada, que beira a vergonha alheia . Também, pudera : com excessão de Anna Kendrick e algum outro gato pingado, o elenco de Amanhecer está pior do que nunca . O índice de teatralidade permanece alto, e a culpa é essencialmente dos atores . Atores, aliás, que fracassam ao tentar demonstrar um mínimo de dramaticidade necessária, ou até mesmo expressividade, principlamente neste capítulo tão importante para a ''saga'' . Taylor Lautner e Robert Pattinson estão meramente ruins - Lautner um pouquinho pior - e Kristen Stewart tem mais problemas ao formular expressões .
Além disso, Amanhecer ainda sofre por ser ultrapassado também esteticamente . Sua fotografia é pedestre, e , não satisfeita em não colaborar com o filme, tem tons que variam bruscamente entre cortes . Um Guilherme Navarro irreconhecível . A direção de arte também falha ao dar ao filme um tom extremamente brega, como na cafoníssima cena em que Bella sonha com o casamento. Pilha de mortos? Vestimentas brancas com detalhes de sangue, num fundo estourado branco? Definitivamente, o discurso obsoleto de Amanhecer combina com seu visual.
Diante de tudo isso, ainda temos problemas de roteiro , meros buracos ,como na parte onde vampiros não sabem o que pode acontecer com o nascimento de um bebê vampiro . Séculos de existência para tanta desinformação ? Tudo fica ainda mais cômico na parte onde Edward vai pesquisar sobre o assunto, e entra no Google imagens...Precário, no mínimo.
São muitos os problemas, e Amanhecer, como os outros filmes com o selo Crepúsculo, ainda sofre por ser extremamente modorrento . Antiquado tanto na narrativa quanto em sua técnica, temos aqui o pior filme dos vampiros brilhantes . Um filme indefensável, e se não for por Jack and Jill - mais um desastre de Adam Sandler que vem por aí - este pode ser considerado o pior filme do ano .
1 estrela *
quinta-feira, 24 de novembro de 2011
Dawson - Ilha 10
Drama histórico glamouriza os fatos e acaba limitado.
Ao início da entrevista, o militar está tenso. Várias perguntas são direcionadas para ele, que tem um linguajar limitado e evidentemente preso. Tudo isso é registrado numa contrastada fotografia em preto-e-branco, com uma inquieta câmera que dá uma aura documental para a cena. Quando uma pergunta é direcionada a um habitante da tal Ilha Dawson do título, a retórica parece mais elaborada, mesmo que a pessoa fale pouco. E a câmera, se espremendo entre diversos jornalistas, acaba glamourizando o documento. No fundo, é sobre isso que se trata Dawson - Ilha 10, drama representante do Chile no Oscar 2010. Uma visão imparcial, ainda que fiel, aos fatos ali apresentados.
Os agressivos violinos de Juan Cristóbal Meza ditam bem a atmosfera pesada que o diretor Miguel Littín tenta propor desde o início. Visivelmente apaixonado pelo evento que ali retrata (o que torna o filme mais nacionalista do que deveria), o chileno tenta causar o desconforto em diversos momentos, com o intuito de colocar o espectador na mesma situação dos personagens. A metástase desse jogo ocorre nos takes em primeira pessoa na chegada dos prisioneiros na ilha de Dawson. Littín assume o ponto de vista de Sergio Bitar, o Ilha 10, que foi o autor do livro que originou o filme, o que acaba sendo um tanto previsível, ainda que eficaz.
O problema é que, com o tempo, o truque cansa. Tentando ao máximo entrar na mesma condição dos prisioneiros, Littín pesa a mão e soa repetitivo. A cada tratamento animalesco que um militar concede ao seu subalterno, o filme mostra um revolucionário debatendo sobre algum assunto relevante sobre o país. Isso seria bom para ambientar e delinear o caráter dos dois lados, se não fosse martelado por toda a projeção.
O foco nos detalhes, para o bem e para o mal, são fractais ao filmes. A morte de ícones como Pablo Neruda são detalhadas com pesar, as memórias do 11 de Setembro (dia do golpe que derrubou Allende no Chile) são lembradas com melancolia. As imagens de arquivo de Salvador Allende são mostradas em câmera lenta, com pesar, com uma dor patriótica que fica muito bonita em tela, ainda que torne o projeto restrito ao povo chileno. Pela riqueza de imagens e discussões ali retratadas, Dawson é eficaz. Porém, como obra fechada, acaba tendo diversos problemas, que vão do desenvolvimento de personagens até a estrutura que a trama adota.
Semelhante a filmes como Ensaio sobre a Cegueira, Dawson procura contar os detalhes de um confinamento desesperador. Mas se Ensaio tinha várias vertentes filosóficas, bons personagens e arcos narrativos, o filme chileno se restringe apenas a contar os fatos, o que o torna bem fiel historicamente, mas opaco como obra de arte. Visto por esse lado, é até um milagre que o filme passe seus 100 minutos sem perda de ritmo ou foco, já que pouca coisa parece acontecer em tela.
É comum a filmes históricos serem bem ideológicos, mas a atmosfera dos anos 70 é algo que compensa a falta de significado do projeto. Passagens ótimas como a canção dos países americanos, que é interrompida quando Cuba é citada, valem a visita. As conversas dos exilados no dormitório são sempre relevantes, ainda que previsíveis. O fato do roteiro ter se baseado no livro de um desses presos acaba sendo explícito, já que tanto a carta narrada na abertura quanto os arroubos nacionalistas nos diálogos são, verídicos ou não, bem inocentes. Seria fácil condenar o filme por "vista grossa" no desenvolvimento dos liberais se liberais em essência não fossem tão parecidos. Não por acaso, o filme, ainda que tenha um protagonista, não opta pela exclusiva visão deste, preferindo investir no ensemble cast. Mas o que em teoria funciona, não tem o mesmo sucesso em tela. Littín não é o melhor dos roteiristas e muito menos o melhor dos diretores, então fica bem difícil de apresentar bem cada peça do quebra-cabeça.
O que nos leva a falta de apego emocional aos cidadãos dali. Ciente de que desenvolve mal seus personagens, o diretor investe na montagem ao reutilizar (dessa vez, em preto-e-branco) um take para relembrar-nos quem é tal personagem depois que este morre. Ainda assim, dilata sua narrativa com a construção da igreja afim de criar maiores laços com o arquiteto preso, o que gera também na humanização do militar. Não é de se espantar que seja complicado lembrar dos nomes de cada prisioneiro, já que a individualidade não dá as cartas aqui. Em suma, não sentimos pena por ninguém em Dawson; sentimos, sim, por todo mundo. Sendo um manifesto pró-passado comunista do país, o filme tem até bastante unidade em não privilegiar ninguém.
Ainda que soe leve na abordagem mesmo não querendo (nem os violinos nem os maus tratos foram suficientemente fortes para o apego que o diretor propôs), Littín tem certa competência. É didático em excesso ("Você teve um pesadelo!"), ideológico em excesso (as frases motivadoras escritas por "A"), mas conhece o necessário para uma boa abordagem visual. Empregando uma câmera tremida nas cenas dos presos, o diretor investe em ângulos observadores e estáticos ao mostrar os militares, o que dá uma boa ideia do contraste das situações sem soar forçado. Dirigindo bem seus atores, todos convincentes, Littín até perde as rédeas de seu filme com certa frequência, mas sempre as toma novamente quando o projeto corre perigo de se tornar enfadonho (como quando introduz as cenas dos presos com um oficial de alta patente, em um escritório).
Utilizando uma fotografia com retenção do prateado, a técnica do Bleach bypass realizada por Roger Deakins em 1984, o diretor (também o fotógrafo) torna sua película muito bonita visualmente, com uma direção de arte que assusta pela veracidade. Retratando com eficiência a atmosfera solitária e depressiva da ilha do título, o filme ainda é humanista suficiente para emocionar em algumas partes, como nas já citadas mortes dos ídolos dos presos e no contato com o habitante de uma cidade vizinha á ilha.
Mas o zelo com os presos e o patriotismo evidente acabam revelando outro truque de Littín. Certo de que o público não conhece os militares e o tratamento quase inumano que os mesmos exercem (contra os inimigos e contra si mesmos), o diretor e roteirista força a barra ao mostrar os carrascos. Enfocando em duas oportunidades as mãos juntas (para trás) de um militar, com o objetivo de estabelecer a personalidade metódica e ferrenha do mesmo, Littín constrói TODAS as interações militar-liberal com o maior conflito possível, justamente para vilanizar ao máximo todos os integrantes do exército. E até mesmo quando um militar fala com outro, o chefe manda ele pagar flexões, por puro exercício de poder. Obviamente, então, o único militar bonzinho tem que ser um alívio cômico. Se o tratamento militar não fosse tão unidimensional por natureza, seria até complicado acompanhar um produto tão crente em um reducionismo. Não se espante se você sair odiando a instituição de defesa armada do país após assistir Dawson.
Fechado e modesto em sua pretensão artística, Dawson não ofende e nem encanta, ficando em um meio termo exato, que encaixa o filme mais do que nunca na categoria "histórico". Se diferenciando apenas no amor exacerbado pela própria h(H)istória, Littín realiza um bom filme, fiel aos fatos, que só escapa da fidelidade quando um fato discutível se torna simples demais (na verdade, Allende se suicidou de maneira discutível, mas para o filme, não há dúvidas sobre o assassinato).
Não que os lados não estejam bem claros (é difícil ser a favor de Pinochet e seus militares), mas utilizar uma narrativa pobre para um discurso histórico tão seguro e centralizado não é a melhor solução. Mas há méritos nisso. Para o bem ou para o mal, limitar uma revolução nacional ao amor ao mocinho e ao ódio ao bandido é um feito notável.
*** 3 Estrelas - Aceitável
Ao início da entrevista, o militar está tenso. Várias perguntas são direcionadas para ele, que tem um linguajar limitado e evidentemente preso. Tudo isso é registrado numa contrastada fotografia em preto-e-branco, com uma inquieta câmera que dá uma aura documental para a cena. Quando uma pergunta é direcionada a um habitante da tal Ilha Dawson do título, a retórica parece mais elaborada, mesmo que a pessoa fale pouco. E a câmera, se espremendo entre diversos jornalistas, acaba glamourizando o documento. No fundo, é sobre isso que se trata Dawson - Ilha 10, drama representante do Chile no Oscar 2010. Uma visão imparcial, ainda que fiel, aos fatos ali apresentados.
Os agressivos violinos de Juan Cristóbal Meza ditam bem a atmosfera pesada que o diretor Miguel Littín tenta propor desde o início. Visivelmente apaixonado pelo evento que ali retrata (o que torna o filme mais nacionalista do que deveria), o chileno tenta causar o desconforto em diversos momentos, com o intuito de colocar o espectador na mesma situação dos personagens. A metástase desse jogo ocorre nos takes em primeira pessoa na chegada dos prisioneiros na ilha de Dawson. Littín assume o ponto de vista de Sergio Bitar, o Ilha 10, que foi o autor do livro que originou o filme, o que acaba sendo um tanto previsível, ainda que eficaz.
O problema é que, com o tempo, o truque cansa. Tentando ao máximo entrar na mesma condição dos prisioneiros, Littín pesa a mão e soa repetitivo. A cada tratamento animalesco que um militar concede ao seu subalterno, o filme mostra um revolucionário debatendo sobre algum assunto relevante sobre o país. Isso seria bom para ambientar e delinear o caráter dos dois lados, se não fosse martelado por toda a projeção.
O foco nos detalhes, para o bem e para o mal, são fractais ao filmes. A morte de ícones como Pablo Neruda são detalhadas com pesar, as memórias do 11 de Setembro (dia do golpe que derrubou Allende no Chile) são lembradas com melancolia. As imagens de arquivo de Salvador Allende são mostradas em câmera lenta, com pesar, com uma dor patriótica que fica muito bonita em tela, ainda que torne o projeto restrito ao povo chileno. Pela riqueza de imagens e discussões ali retratadas, Dawson é eficaz. Porém, como obra fechada, acaba tendo diversos problemas, que vão do desenvolvimento de personagens até a estrutura que a trama adota.
Semelhante a filmes como Ensaio sobre a Cegueira, Dawson procura contar os detalhes de um confinamento desesperador. Mas se Ensaio tinha várias vertentes filosóficas, bons personagens e arcos narrativos, o filme chileno se restringe apenas a contar os fatos, o que o torna bem fiel historicamente, mas opaco como obra de arte. Visto por esse lado, é até um milagre que o filme passe seus 100 minutos sem perda de ritmo ou foco, já que pouca coisa parece acontecer em tela.
É comum a filmes históricos serem bem ideológicos, mas a atmosfera dos anos 70 é algo que compensa a falta de significado do projeto. Passagens ótimas como a canção dos países americanos, que é interrompida quando Cuba é citada, valem a visita. As conversas dos exilados no dormitório são sempre relevantes, ainda que previsíveis. O fato do roteiro ter se baseado no livro de um desses presos acaba sendo explícito, já que tanto a carta narrada na abertura quanto os arroubos nacionalistas nos diálogos são, verídicos ou não, bem inocentes. Seria fácil condenar o filme por "vista grossa" no desenvolvimento dos liberais se liberais em essência não fossem tão parecidos. Não por acaso, o filme, ainda que tenha um protagonista, não opta pela exclusiva visão deste, preferindo investir no ensemble cast. Mas o que em teoria funciona, não tem o mesmo sucesso em tela. Littín não é o melhor dos roteiristas e muito menos o melhor dos diretores, então fica bem difícil de apresentar bem cada peça do quebra-cabeça.
O que nos leva a falta de apego emocional aos cidadãos dali. Ciente de que desenvolve mal seus personagens, o diretor investe na montagem ao reutilizar (dessa vez, em preto-e-branco) um take para relembrar-nos quem é tal personagem depois que este morre. Ainda assim, dilata sua narrativa com a construção da igreja afim de criar maiores laços com o arquiteto preso, o que gera também na humanização do militar. Não é de se espantar que seja complicado lembrar dos nomes de cada prisioneiro, já que a individualidade não dá as cartas aqui. Em suma, não sentimos pena por ninguém em Dawson; sentimos, sim, por todo mundo. Sendo um manifesto pró-passado comunista do país, o filme tem até bastante unidade em não privilegiar ninguém.
Ainda que soe leve na abordagem mesmo não querendo (nem os violinos nem os maus tratos foram suficientemente fortes para o apego que o diretor propôs), Littín tem certa competência. É didático em excesso ("Você teve um pesadelo!"), ideológico em excesso (as frases motivadoras escritas por "A"), mas conhece o necessário para uma boa abordagem visual. Empregando uma câmera tremida nas cenas dos presos, o diretor investe em ângulos observadores e estáticos ao mostrar os militares, o que dá uma boa ideia do contraste das situações sem soar forçado. Dirigindo bem seus atores, todos convincentes, Littín até perde as rédeas de seu filme com certa frequência, mas sempre as toma novamente quando o projeto corre perigo de se tornar enfadonho (como quando introduz as cenas dos presos com um oficial de alta patente, em um escritório).
Utilizando uma fotografia com retenção do prateado, a técnica do Bleach bypass realizada por Roger Deakins em 1984, o diretor (também o fotógrafo) torna sua película muito bonita visualmente, com uma direção de arte que assusta pela veracidade. Retratando com eficiência a atmosfera solitária e depressiva da ilha do título, o filme ainda é humanista suficiente para emocionar em algumas partes, como nas já citadas mortes dos ídolos dos presos e no contato com o habitante de uma cidade vizinha á ilha.
Mas o zelo com os presos e o patriotismo evidente acabam revelando outro truque de Littín. Certo de que o público não conhece os militares e o tratamento quase inumano que os mesmos exercem (contra os inimigos e contra si mesmos), o diretor e roteirista força a barra ao mostrar os carrascos. Enfocando em duas oportunidades as mãos juntas (para trás) de um militar, com o objetivo de estabelecer a personalidade metódica e ferrenha do mesmo, Littín constrói TODAS as interações militar-liberal com o maior conflito possível, justamente para vilanizar ao máximo todos os integrantes do exército. E até mesmo quando um militar fala com outro, o chefe manda ele pagar flexões, por puro exercício de poder. Obviamente, então, o único militar bonzinho tem que ser um alívio cômico. Se o tratamento militar não fosse tão unidimensional por natureza, seria até complicado acompanhar um produto tão crente em um reducionismo. Não se espante se você sair odiando a instituição de defesa armada do país após assistir Dawson.
Fechado e modesto em sua pretensão artística, Dawson não ofende e nem encanta, ficando em um meio termo exato, que encaixa o filme mais do que nunca na categoria "histórico". Se diferenciando apenas no amor exacerbado pela própria h(H)istória, Littín realiza um bom filme, fiel aos fatos, que só escapa da fidelidade quando um fato discutível se torna simples demais (na verdade, Allende se suicidou de maneira discutível, mas para o filme, não há dúvidas sobre o assassinato).
Não que os lados não estejam bem claros (é difícil ser a favor de Pinochet e seus militares), mas utilizar uma narrativa pobre para um discurso histórico tão seguro e centralizado não é a melhor solução. Mas há méritos nisso. Para o bem ou para o mal, limitar uma revolução nacional ao amor ao mocinho e ao ódio ao bandido é um feito notável.
*** 3 Estrelas - Aceitável
sábado, 19 de novembro de 2011
Trespass
Joel Schumacher volta á vergonha alheia.
O diretor americano Joel Schumacher é conhecido por seus trabalhos totalmente opostos entre si. Quando se aventura pelo suspense psicológico, consegue realizar, em iguais proporções, filmes corretos como Por um Fio e desastres como 8MM. Ainda sendo bom condutor de dramas criminais, como O Cliente e Tempo de Matar, o diretor ainda tem dois bons exemplos de estudo da violência no currículo, o elogiado Tigerland e o excelente Um Dia de Fúria. Porém, é como realizador de blockbusters e de filmes independentes que Schumacher mostra toda sua incompetência. Se os Batmans dirigidos por ele são indefensáveis, ainda temos o fraquíssimo Veronica Guerin, passando pelo frustrado guilty-pleasure Em Má Companhia e pelos recentes Blood Creek e Twelve, dois exemplos claros da falta de habilidade de Schumacher como contador de histórias.
Seria até um fôlego interessante ver o americano voltar aos filmes de suspense psicológico. Porém, fica cada vez mais claro que seus bons filmes são fruto dos bons roteiros e dos ângulos interessantes que Schumacher busca. Porque como narrador, o diretor ainda tem muito a aprender. Por isso, não é tão surpreendente que Reféns tenha saído tão ofensivo.
Nicolas Cage, mais histriônico que nunca, chega em seu Porsche á sua luxuosa casa. A visão de um helicóptero é intercalada com o áudio do que se passa no carro de Kyle Miller, o nosso protagonista. Logo ali, é possível obter três constatações sobre os caminhos que Trespass irá seguir: além de Cage investir num sotaque pouco convincente (com uma arrogância ímpar) e esse início seja ironicamente semelhante ao do espetacular Violência Gratuita, ainda se pode ter o primeiro sinal da artificialidade ridícula do roteiro de Karl Gajdusek. Miller dialoga da forma mais rápida possível, com o comprador na linha, com uma falta de habilidade que chama a atenção. Não faltou nem o "Damn it..." quando o comprador desliga abruptamente. Chegando em casa, temos mais dessa artificialidade, mas dessa vez acompanhada de um reducionismo irritante.
Se já é difícil acreditar em uma Nicole Kidman como uma serena dona de casa, mais complicado é acompanhar a introdução da filha adolescente do casal perguntando se pode ir a uma festa. Afinal, o pai acabou de chegar em casa depois de um tempo fora, e a filha é amorosa o suficiente para abordá-lo apenas para perguntar sobre a tal festa. E quando vemos o grande Nic Cage com um óculos retrô, cafona, falando que não vai deixar porque "na festa terão outros garotos, o que é o pesadelo de qualquer pai!", dá pra começar a desconfiar que o roteiro é over o suficiente para tentar explicar o que passa na cabeça do pai de uma adolescente, como se o público já não conhecesse. E ainda por cima, cercado desses reducionismos. Fica muito difícil permanecer no cinema.
E a história nem começou.
Com essa introdução pífia, cheia de pequenos mistérios que Schumacher tenta criar (como mostrar as tais fotos que Kyle coloca no cofre e os cigarros que o mesmo encontra logo que chega em casa), já compromete perigosamente o filme, já que apresentar com destreza os personagens, em filmes que dependem da ligação emocional do espectador com eles, é essencial. Não por acaso, é com indiferença que acompanhamos a chegada dos criminosos. E ali começa, de verdade, o espetáculo do absurdo.
Os criminosos já chegam ameaçando de maneira agressiva os protagonistas, o que é de praxe. Além disso, a gangue demonstra ter um mínimo de senso de segurança ao destruir todos (ou melhor, quase todos, já que o único telefone que continua ativo seja crucial para uma sub-trama). Mas é só o roteiro começar a investir nos diálogos que Trespass volta a afundar gloriosamente. Elias, o líder da gangue vivido por Ben Mendelsohn, pede o código a Miller apenas para revelar, em alto e bom som (quase olhando pra câmera, diga-se de passagem), que já sabia o código e que o código fornecido pelo protagonista era para chamar a polícia. Perguntou pra quê então? Pra surpreender o público? Essa tendência se exemplifica novamente nas ameaças ao cofre. Por que Miller não abre logo? O segredo que está ali só se refere a tensão do público, que não sabe o conteúdo dele. Nada aconteceria se ele revelasse isso aos sequestradores. Não é exagero; ser artificial é a principal característica de Trespass. É como assistir um suspense de situações operístico, cheio de arrogância, que vira para o espectador e clama pela admiração de sua inteligência, mesmo que esta não exista. Raramente se assiste obras tão inorgânicas.
Num filme que se propõe ameaçador, são fundamentais dois fatores: que o espectador se importe com os personagens e que os vilões sejam realmente perigosos. Já estava claro que o desenvolvimento havia falhado, mas ao errar também em introduzir os antagonistas, Trespass parece criar unidade na mediocridade. Schumacher, sem saber exatamente qual tom dar á sua história, resolve investir em todos: a tensão sexual (o assaltante entre as pernas de Kidman), o envolvimento entre mocinha e bandido (com os já horrendos flashbacks editados de maneira porca), o da psicopatia do assalto (como a tentativa de aterrorizar com a história do rim), o do heist-gone-wrong (com o caos generalizado pairando sobre o grupo) e, obviamente, o das milhares de reviravoltas. Ao perceber que seus pasteurizados diálogos não irão sustentar nada, Gajdusek começa a embolar o seu roteiro até não saber o que dizer mais.
E aí as questões começam a deixar de incomodar e passam a fazer rir. Elias declama que os remédios do irmão são Tic-Tacs, logo após descobrirmos subitamente que o segundo é um psicopata em tratamento, quando nada havia apontado pra isso. Após, o brutamontes loiro (ah, claro, não podia deixar de ser: Trespass também é reducionista ao compor seus sujeitos) revela um importante ponto da trama, que desmascara toda a operação. Por que ele não disse isso desde o início? E por que o falido Miller guardava tanto dinheiro em casa? Por que levaram uma seringa para o local se não planejavam usá-la? Por que Miller só foi sacar que não enxerga sem óculos minutos depois de perdê-lo? Por que a namorada drogada de Elias está no filme? E por que, ó Deus, não matam a maldita filha logo? Estaria mentindo quem dissesse que não tem nem um pouco de prazer em ver Trespass. Ver Gajdusek patinar com tanto gosto é bonito, até.
O absurdo é tão vergonhoso que a cada grito de qualquer um temos certa disposição em acompanhar o sofrimento. A fotografia sóbria de Andrezj Bartkowiak ajuda a instalar o clima sério que torna o suspense mais engraçado ainda. Sem deixar de se levar a sério por um instante sequer, o filme só potencializa a piada involuntária. Quando Avery está fugindo de casa embalada por uma trilha típica de filmes de assalto, já se percebe que tem algo de errado. Os deselegantes zooms de Schumacher, dados abruptamente em cenas de impacto, também não colaboram. Pelo menos, ao entortar a câmera para criar desconforto, o diretor se apossa de uma lógica visual que, ainda que previsível, funciona.
A falta de condução de um diretor que tenha noção do que responde por "atuação" acaba prejudicando Cage e, de certo modo, todo o elenco. O sobrinho de Francis Ford Coppola parece querer misturar seu Big Daddy e o Dr. Fu Manchu nesse vendedor de jóias. Se Werner Herzog deixou o ator sem controle em Vício Frenético, é justamente por confiar no talento do mesmo e por querer conceber uma história essencialmente caótica. Matthew Vaughn também deixou Cage livre, mas com o intuito de imitar Adam West. Em Reféns, Schumacher não o controla por não ter noção do que isso significa. Assim como não controla ninguém no filme. Kidman está cada vez mais rígida, Mendelsohn parece realmente determinado em tirar o Framboesa de Ouro de Cage, Cam Gigandet se demonstra mais seguro de sua galantia do que já faz e não resta nada além de pena da talentosa Liana Liberato num papel tão imbecil.
Detentor de algumas das mais estúpidas frases de efeito da história recente do Cinema, o roteiro de Gajdusek nos brinda com diálogos que fariam Tarantino chorar de emoção, como "Hey man, it's still my show!" ou "Motherfucker! You're a m-o-t-h-e-r-f-u-c-k-e-r!". Ainda tentando justificar a psicopatia de Jonah ao retratá-lo como um homem obsessivo e apaixonado (o que não demonstrava ser nem no presente e nem nos flashbacks), Gajdusek erra em absolutamente tudo o que se propõe.
Apostando até em conceitos datados como o da "casa ultra-tecnológica" para transformar o único cenário em um mega-desenvolvido justamente para compensar a falta deles, Trespass consegue ser vergonhoso em tudo ao longo de seus inchadíssimos 91 minutos, desde sua tentativa idiota em se levar á sério até ao utilizar a mesma estrutura que Violência Gratuita tanto criticou. As incongruências saltam tanto aos olhos que se torna impossível ao menos tolerar o filme.
Mas quando se vê Nicolas Cage gritando um "No!" tão intenso, não adianta. Não dá para não admirar um ator que se presta tanto ao ridículo assim. E nem digo apenas pelo overacting, mais descontrolado do que nunca, do ator.
Me refiro ao ridículo que é participar de um produto tão risível, descarado e indefensável quanto esse.
* 1 Estrela - Sofrível
O diretor americano Joel Schumacher é conhecido por seus trabalhos totalmente opostos entre si. Quando se aventura pelo suspense psicológico, consegue realizar, em iguais proporções, filmes corretos como Por um Fio e desastres como 8MM. Ainda sendo bom condutor de dramas criminais, como O Cliente e Tempo de Matar, o diretor ainda tem dois bons exemplos de estudo da violência no currículo, o elogiado Tigerland e o excelente Um Dia de Fúria. Porém, é como realizador de blockbusters e de filmes independentes que Schumacher mostra toda sua incompetência. Se os Batmans dirigidos por ele são indefensáveis, ainda temos o fraquíssimo Veronica Guerin, passando pelo frustrado guilty-pleasure Em Má Companhia e pelos recentes Blood Creek e Twelve, dois exemplos claros da falta de habilidade de Schumacher como contador de histórias.
Seria até um fôlego interessante ver o americano voltar aos filmes de suspense psicológico. Porém, fica cada vez mais claro que seus bons filmes são fruto dos bons roteiros e dos ângulos interessantes que Schumacher busca. Porque como narrador, o diretor ainda tem muito a aprender. Por isso, não é tão surpreendente que Reféns tenha saído tão ofensivo.
Nicolas Cage, mais histriônico que nunca, chega em seu Porsche á sua luxuosa casa. A visão de um helicóptero é intercalada com o áudio do que se passa no carro de Kyle Miller, o nosso protagonista. Logo ali, é possível obter três constatações sobre os caminhos que Trespass irá seguir: além de Cage investir num sotaque pouco convincente (com uma arrogância ímpar) e esse início seja ironicamente semelhante ao do espetacular Violência Gratuita, ainda se pode ter o primeiro sinal da artificialidade ridícula do roteiro de Karl Gajdusek. Miller dialoga da forma mais rápida possível, com o comprador na linha, com uma falta de habilidade que chama a atenção. Não faltou nem o "Damn it..." quando o comprador desliga abruptamente. Chegando em casa, temos mais dessa artificialidade, mas dessa vez acompanhada de um reducionismo irritante.
Se já é difícil acreditar em uma Nicole Kidman como uma serena dona de casa, mais complicado é acompanhar a introdução da filha adolescente do casal perguntando se pode ir a uma festa. Afinal, o pai acabou de chegar em casa depois de um tempo fora, e a filha é amorosa o suficiente para abordá-lo apenas para perguntar sobre a tal festa. E quando vemos o grande Nic Cage com um óculos retrô, cafona, falando que não vai deixar porque "na festa terão outros garotos, o que é o pesadelo de qualquer pai!", dá pra começar a desconfiar que o roteiro é over o suficiente para tentar explicar o que passa na cabeça do pai de uma adolescente, como se o público já não conhecesse. E ainda por cima, cercado desses reducionismos. Fica muito difícil permanecer no cinema.
E a história nem começou.
Com essa introdução pífia, cheia de pequenos mistérios que Schumacher tenta criar (como mostrar as tais fotos que Kyle coloca no cofre e os cigarros que o mesmo encontra logo que chega em casa), já compromete perigosamente o filme, já que apresentar com destreza os personagens, em filmes que dependem da ligação emocional do espectador com eles, é essencial. Não por acaso, é com indiferença que acompanhamos a chegada dos criminosos. E ali começa, de verdade, o espetáculo do absurdo.
Os criminosos já chegam ameaçando de maneira agressiva os protagonistas, o que é de praxe. Além disso, a gangue demonstra ter um mínimo de senso de segurança ao destruir todos (ou melhor, quase todos, já que o único telefone que continua ativo seja crucial para uma sub-trama). Mas é só o roteiro começar a investir nos diálogos que Trespass volta a afundar gloriosamente. Elias, o líder da gangue vivido por Ben Mendelsohn, pede o código a Miller apenas para revelar, em alto e bom som (quase olhando pra câmera, diga-se de passagem), que já sabia o código e que o código fornecido pelo protagonista era para chamar a polícia. Perguntou pra quê então? Pra surpreender o público? Essa tendência se exemplifica novamente nas ameaças ao cofre. Por que Miller não abre logo? O segredo que está ali só se refere a tensão do público, que não sabe o conteúdo dele. Nada aconteceria se ele revelasse isso aos sequestradores. Não é exagero; ser artificial é a principal característica de Trespass. É como assistir um suspense de situações operístico, cheio de arrogância, que vira para o espectador e clama pela admiração de sua inteligência, mesmo que esta não exista. Raramente se assiste obras tão inorgânicas.
Num filme que se propõe ameaçador, são fundamentais dois fatores: que o espectador se importe com os personagens e que os vilões sejam realmente perigosos. Já estava claro que o desenvolvimento havia falhado, mas ao errar também em introduzir os antagonistas, Trespass parece criar unidade na mediocridade. Schumacher, sem saber exatamente qual tom dar á sua história, resolve investir em todos: a tensão sexual (o assaltante entre as pernas de Kidman), o envolvimento entre mocinha e bandido (com os já horrendos flashbacks editados de maneira porca), o da psicopatia do assalto (como a tentativa de aterrorizar com a história do rim), o do heist-gone-wrong (com o caos generalizado pairando sobre o grupo) e, obviamente, o das milhares de reviravoltas. Ao perceber que seus pasteurizados diálogos não irão sustentar nada, Gajdusek começa a embolar o seu roteiro até não saber o que dizer mais.
E aí as questões começam a deixar de incomodar e passam a fazer rir. Elias declama que os remédios do irmão são Tic-Tacs, logo após descobrirmos subitamente que o segundo é um psicopata em tratamento, quando nada havia apontado pra isso. Após, o brutamontes loiro (ah, claro, não podia deixar de ser: Trespass também é reducionista ao compor seus sujeitos) revela um importante ponto da trama, que desmascara toda a operação. Por que ele não disse isso desde o início? E por que o falido Miller guardava tanto dinheiro em casa? Por que levaram uma seringa para o local se não planejavam usá-la? Por que Miller só foi sacar que não enxerga sem óculos minutos depois de perdê-lo? Por que a namorada drogada de Elias está no filme? E por que, ó Deus, não matam a maldita filha logo? Estaria mentindo quem dissesse que não tem nem um pouco de prazer em ver Trespass. Ver Gajdusek patinar com tanto gosto é bonito, até.
O absurdo é tão vergonhoso que a cada grito de qualquer um temos certa disposição em acompanhar o sofrimento. A fotografia sóbria de Andrezj Bartkowiak ajuda a instalar o clima sério que torna o suspense mais engraçado ainda. Sem deixar de se levar a sério por um instante sequer, o filme só potencializa a piada involuntária. Quando Avery está fugindo de casa embalada por uma trilha típica de filmes de assalto, já se percebe que tem algo de errado. Os deselegantes zooms de Schumacher, dados abruptamente em cenas de impacto, também não colaboram. Pelo menos, ao entortar a câmera para criar desconforto, o diretor se apossa de uma lógica visual que, ainda que previsível, funciona.
A falta de condução de um diretor que tenha noção do que responde por "atuação" acaba prejudicando Cage e, de certo modo, todo o elenco. O sobrinho de Francis Ford Coppola parece querer misturar seu Big Daddy e o Dr. Fu Manchu nesse vendedor de jóias. Se Werner Herzog deixou o ator sem controle em Vício Frenético, é justamente por confiar no talento do mesmo e por querer conceber uma história essencialmente caótica. Matthew Vaughn também deixou Cage livre, mas com o intuito de imitar Adam West. Em Reféns, Schumacher não o controla por não ter noção do que isso significa. Assim como não controla ninguém no filme. Kidman está cada vez mais rígida, Mendelsohn parece realmente determinado em tirar o Framboesa de Ouro de Cage, Cam Gigandet se demonstra mais seguro de sua galantia do que já faz e não resta nada além de pena da talentosa Liana Liberato num papel tão imbecil.
Detentor de algumas das mais estúpidas frases de efeito da história recente do Cinema, o roteiro de Gajdusek nos brinda com diálogos que fariam Tarantino chorar de emoção, como "Hey man, it's still my show!" ou "Motherfucker! You're a m-o-t-h-e-r-f-u-c-k-e-r!". Ainda tentando justificar a psicopatia de Jonah ao retratá-lo como um homem obsessivo e apaixonado (o que não demonstrava ser nem no presente e nem nos flashbacks), Gajdusek erra em absolutamente tudo o que se propõe.
Apostando até em conceitos datados como o da "casa ultra-tecnológica" para transformar o único cenário em um mega-desenvolvido justamente para compensar a falta deles, Trespass consegue ser vergonhoso em tudo ao longo de seus inchadíssimos 91 minutos, desde sua tentativa idiota em se levar á sério até ao utilizar a mesma estrutura que Violência Gratuita tanto criticou. As incongruências saltam tanto aos olhos que se torna impossível ao menos tolerar o filme.
Mas quando se vê Nicolas Cage gritando um "No!" tão intenso, não adianta. Não dá para não admirar um ator que se presta tanto ao ridículo assim. E nem digo apenas pelo overacting, mais descontrolado do que nunca, do ator.
Me refiro ao ridículo que é participar de um produto tão risível, descarado e indefensável quanto esse.
* 1 Estrela - Sofrível
domingo, 6 de novembro de 2011
In Time
Andrew Niccol abraça o retrocesso em decepcionante sci-fi.
Quando Truman Burbank descobriu que sua vida era uma mentira, que aquele lindo horizonte era um papel de parede e que a Lua do céu era uma cúpula falsa, o desespero tomou conta de sua alma. Depois de bastante tempo vivendo naquele teatro de mentiras, o espectador sentia a mesma coisa que o protagonista. O cinismo da narração em off de Yuri Orlov, aquele traficante de armas que não se enganava com nada na vida, era válido pois naqueles tempos de Guerra Fria, a sensação de desesperança era maior que tudo. Em 1997, o lançamento da ficção científica Gattaca surpreendeu pela fidelidade com a realidade e pela narrativa envolvente, além de fornecer uma das melhores ambientações que se viu num filme recente do gênero.
Por isso, é tão decepcionante perceber que O Preço do Amanhã, novo filme do roteirista e diretor Andrew Niccol, vai de encontro á todos os fatores que faziam do australiano um dos mais surpreendentes diretores do Cinema recente. Mal desenvolvido, apressado, inocente e inverossímil (mas nunca modorrento), a nova sci-fi de Niccol é o maior fracasso do ano, já que almeja tanto com sua premissa espetacular.
Logo no início, Will Salas já começa falando em uma narração em off. O recurso, quando bem utilizado, é um fator muito bom para representar o que o protagonista pensa, a sua visão diante de uma situação. Curioso saber como Niccol, que abusou do recurso em Senhor das Armas ao retratar brilhantemente o que se passava na mente conturbada do protagonista, resulta tão primário aqui. Estabelecendo toda a ambientação do mundo em um travelling que sai do número no braço até mostrar o corpo de Will, o diretor cria sua realidade inteira em 30 segundos. Niccol nunca soou tão reducionista e preguiçoso. Após a cena inicial, o protagonista encontra sua mãe na cozinha e troca algumas informações nada gratuitas de seu mundo, falando sobre despesas a serem pagas e como sua mãe está fazendo aniversário de 50 anos, mesmo que ela esteja na pele de Olivia Wilde. Assim, rapidamente, nós somos fisgados para a realidade construída sem ter a mínima necessidade da didática narração inicial. É como se Niccol só tivesse escrito a cena da cozinha.
Essa preguiça em desenvolver as ideias criadas consome e implode O Preço do Amanhã da pior maneira possível: por culpa de ser criador. O exímio e paciente idealizador de mundos Niccol acaba soando abrupto em todos os segmentos. Provando estranhamente ser um autor desmedido, que mesmo tendo 6 anos desde seu último trabalho não consegue desenvolver uma ideia sequer com parcimônia, o diretor demonstra aqui uma perda do equilíbrio que confunde a mente do espectador que já o conhecia de seus filmes anteriores. Antes frio e constante tanto na criação quanto na utilização do mundo, Niccol aqui consegue destruir sua fantástica ideia conceitual, do dinheiro que foi substituído pelo tempo, para criar atalhos para um thriller de ação que se julga esperto. Cria bem, mas desenvolve dolorosamente mal.
Desenvolvimento, por sinal, é o que acaba com os personagens também. Um filme tão preocupado em estabelecer um paralelo com a situação do mundo atual não pode acreditar em absurdos; e deles, In Time tem aos montes. O proletário que nunca viu o mar sabe dirigir carros como ninguém, atira como um espião e prefere se divertir um pouco com seu dinheiro antes de "lutar contra o Sistema". A patricinha quasi-idealista nunca atirou, mas acerta na primeira vez. E como todo mundo é jovem, Niccol acha que todos são super-humanos. Em todos os momentos do filme, temos alguém correndo em 2 minutos o que qualquer um faria em 10. Em In Time, todo mundo é maratonista. E mesmo assim, alguns vão além, já que a Sylvia de Amanda Seyfried, de saltos 15 centímetros, se mostra uma corredora melhor que Olivia Wilde (num paralelo desnecessário que a trama faz). Bonnie e Clyde tinham um bando e viviam nos tranquilos anos 20. Logo, era mais fácil assaltar. Porém, na realidade alternativa do filme, não existe segurança, já que um humilde trabalhador e uma bem-vestida socialite roubam, sozinhos, bancos intransponíveis sem nunca passarem por um perigo real.
Se não bastasse as incongruências, In Time ainda tem uma séria tendência á inocência, que nada tem a ver com o tema cético proposto pelos conceitos trabalhados. O choque que o protagonista toma ao descobrir que - ó! Surpresa! - os ricos detém milhares de anos enquanto os pobres morrem sem Tempo. Qualquer um com um mínimo de senso geográfico poderia detectar isso, mesmo sem aparecer nenhum riquíssimo para dizer (como foi o caso de Will). Ainda assim, o filme insiste no idealismo exacerbado ao achar que uma dúzia de roubos irá adiantar alguma coisa para quebrar o poderoso sistema social do filme (esse qual, aliás, não temos noção da magnitude, já que Niccol se mostra péssimo em estabelecer seu cenário). Em certo ponto, o casal 20 percebe que o que está fazendo de nada adianta, já que os banqueiros estão aumentando os juros da população, o que equilibra a balança comercial novamente. Então, qual é a ideia para acabar de vez com o sistema? Roubar mais. Você já foi mais inventivo, Andrew Niccol. E menos preguiçoso e reducionista também.
Ao ver o trailer do filme, já é possível constatar que uma análise sobre o sistema econômico atual será feito. Aliando isso ao cinismo contagiante de Show de Truman e Senhor das Armas, era esperado um espetáculo do verossímil, um filme que não tem medo de aguçar um debate muito polêmico. Não é por acaso; o projeto tem suas melhores cenas justamente quando toca na ferida, quando analisa a política geo-econômica. Quando a população enfurecida ataca um Timekeeper, com questionamentos típicos de cidadãos que não aguentam mais, a emoção até se faz presente, mas ela é rapidamente diluída, seja num passeio bobo de carro ou num idiota treino de pontaria. O interessante é como um profissional desse gabarito consegue perder a oportunidade de realizar um filme global, esplêndido e panorâmico, e resolve ser apressado a ponto de dividir o mundo entre New Greenwich e Gueto. Sim, apesar de divididos em diversos distritos, o roteiro se restringe a reduzir o conglomerado mundial a dois meros lugares. Ainda que antagonais, transformar Ricos e Pobres em um micro-cosmo da situação política é tão inocente quanto estúpido.
Mesmo no excelente trailer, é possível perceber um erro que temos no filme. A prévia é embalada pela música Destiny, de Syntax. Destino, afinal, é o que mantém Will fadado á luta contra o sistema, já que o pai fazia o mesmo. Predestinado ou Escolhido, tanto faz; no cinema de Niccol, nunca houve espaço para arquétipos reducionistas e logo na melhor ideia que já teve, o diretor comete esse erro primário.
E quando constatamos que In Time, mesmo como filme politizado que adora ação, erra feio, é difícil apreciar e engolir o que está em tela. Buracos de roteiro se enfileram, mesmo numa narrativa tão trivial. O experiente Minuteman sabe que se atirar no alvo, ele vai perder o Tempo que contém nele, mas mesmo assim atira, pra depois se lamentar que o desperdiçou. Henry Hamilton se coloca numa ponte para morrer e cair, mas deixa Will no meio do fogo cruzado sem nem deixar algo que provasse a inocência do protagonista. No bar, Henry é avisado que não pode fazer uma transferência de dinheiro muito grande pois pode morrer bem no meio dela. Porém, na hora de transferir para Will, não acontece nada com ele.
O acaso dá as cartas em In Time e se faz presente justamente quando o roteiro se vê num beco sem saída. Se precisam fugir, pulem de uma janela, afinal deve haver uma regra que diz que policiais não pulam de janelas. Depois de surgirem abruptamente em New Greenwich, o casal protagonista conversa depois sobre quantas pessoas tiveram que subornar para entrar ali. Pra que didatizar, quando o mais válido sempre é mostrar? Comentar sobre o take final dá até tristeza, de tão infantil que o mesmo representa. Pelo visto, duas pessoas entrando num banco são realmente ameaçadoras. Existem pessoas com 10 mil anos em conta, mas na realidade de In Time, acabaram os seguranças.
Ao menos, Niccol tem um bom senso estético e sabe cercar-se de profissionais capacitados. Os ótimos figurinos concebidos por Colleen Atwood e a brilhante direção de arte de Alex McDowell só não são melhores que a excepcional fotografia do veterano mestre Roger Deakins. Um clima meio esverdeado, um tanto econômico, de retratar um futuro que soa bem plausível, ainda que alternativo. Até mesmo os carros setentistas se encaixam bem na trama, já que dão uma aura ameaçadora aos Timekeepers. Mas se Niccol está irreconhecível, Zach Staenberg também está. O brilhante montador do supra-citado Senhor das Armas faz um trabalho capenga aqui, ao acompanhar a afobação do filme e montar com desleixo cenas que precisavam de um cuidado maior, uma reflexão maior por parte dos personagens. E dali, sobram os cross-fades de meio segundo, que transitam as cenas da maneira mais feia e menos funcional possível.
Um clima estranho toca a narrativa de In Time. Uma atmosfera que cheira a pressa, como se o estúdio estivesse interferindo no controle criativo a cada 2 takes. Autor de um dos créditos iniciais mais interessantes do Cinema recente, Niccol aqui realiza um direção amadora, que se alterna entre os ângulos ridículos e a necessidade de cortar 3 vezes uma mera cena de beijo, compromete até as cenas de ação, que raramente empolgam, com destaque apenas para o bom plano-sequência em que Timberlake e Seyfried correm para fugir de noite (que por sua vez, é embalada pela previsível trilha de Craig Armstrong). Raramente vemos um momento espetacular em tela, mas quando ocorre, é marcante. É como se Niccol estivesse sufocado e ganhasse fôlego uma vez ou outra, como nas mãos em volta do doador de Tempo ou no final, na morte plausível de um Timekeeper.
Ao abusar de frases impactantes mesmo que não façam sentido no momento da narrativa ("Ele não deve estar correndo. Quem tem tantos anos não deve estar com pressa", afinal um fugitivo não deve fugir porque quer ser pego, então), o filme se perde diversas vezes em suas ideias e consegue realizar o pior filme já concebido de um conceito genial. Na saída do Cinema, meu irmão de 10 anos (que gostou do filme) descreveu o filme como "um Encontro Explosivo de ficção". Dizer que a descrição, apesar de simplória é ótima, é doloroso. Casal com armas, amor contra o sistema do mal, é isso aí!
In Time já nasce pedindo por uma refilmagem. O ruim é constatar que, analisando o currículo, o diretor ideal para conduzir o remake seria o mesmo do original.
Tem alguma coisa errada com Andrew Niccol.
** 2 Estrelas - Fraco
Quando Truman Burbank descobriu que sua vida era uma mentira, que aquele lindo horizonte era um papel de parede e que a Lua do céu era uma cúpula falsa, o desespero tomou conta de sua alma. Depois de bastante tempo vivendo naquele teatro de mentiras, o espectador sentia a mesma coisa que o protagonista. O cinismo da narração em off de Yuri Orlov, aquele traficante de armas que não se enganava com nada na vida, era válido pois naqueles tempos de Guerra Fria, a sensação de desesperança era maior que tudo. Em 1997, o lançamento da ficção científica Gattaca surpreendeu pela fidelidade com a realidade e pela narrativa envolvente, além de fornecer uma das melhores ambientações que se viu num filme recente do gênero.
Por isso, é tão decepcionante perceber que O Preço do Amanhã, novo filme do roteirista e diretor Andrew Niccol, vai de encontro á todos os fatores que faziam do australiano um dos mais surpreendentes diretores do Cinema recente. Mal desenvolvido, apressado, inocente e inverossímil (mas nunca modorrento), a nova sci-fi de Niccol é o maior fracasso do ano, já que almeja tanto com sua premissa espetacular.
Logo no início, Will Salas já começa falando em uma narração em off. O recurso, quando bem utilizado, é um fator muito bom para representar o que o protagonista pensa, a sua visão diante de uma situação. Curioso saber como Niccol, que abusou do recurso em Senhor das Armas ao retratar brilhantemente o que se passava na mente conturbada do protagonista, resulta tão primário aqui. Estabelecendo toda a ambientação do mundo em um travelling que sai do número no braço até mostrar o corpo de Will, o diretor cria sua realidade inteira em 30 segundos. Niccol nunca soou tão reducionista e preguiçoso. Após a cena inicial, o protagonista encontra sua mãe na cozinha e troca algumas informações nada gratuitas de seu mundo, falando sobre despesas a serem pagas e como sua mãe está fazendo aniversário de 50 anos, mesmo que ela esteja na pele de Olivia Wilde. Assim, rapidamente, nós somos fisgados para a realidade construída sem ter a mínima necessidade da didática narração inicial. É como se Niccol só tivesse escrito a cena da cozinha.
Essa preguiça em desenvolver as ideias criadas consome e implode O Preço do Amanhã da pior maneira possível: por culpa de ser criador. O exímio e paciente idealizador de mundos Niccol acaba soando abrupto em todos os segmentos. Provando estranhamente ser um autor desmedido, que mesmo tendo 6 anos desde seu último trabalho não consegue desenvolver uma ideia sequer com parcimônia, o diretor demonstra aqui uma perda do equilíbrio que confunde a mente do espectador que já o conhecia de seus filmes anteriores. Antes frio e constante tanto na criação quanto na utilização do mundo, Niccol aqui consegue destruir sua fantástica ideia conceitual, do dinheiro que foi substituído pelo tempo, para criar atalhos para um thriller de ação que se julga esperto. Cria bem, mas desenvolve dolorosamente mal.
Desenvolvimento, por sinal, é o que acaba com os personagens também. Um filme tão preocupado em estabelecer um paralelo com a situação do mundo atual não pode acreditar em absurdos; e deles, In Time tem aos montes. O proletário que nunca viu o mar sabe dirigir carros como ninguém, atira como um espião e prefere se divertir um pouco com seu dinheiro antes de "lutar contra o Sistema". A patricinha quasi-idealista nunca atirou, mas acerta na primeira vez. E como todo mundo é jovem, Niccol acha que todos são super-humanos. Em todos os momentos do filme, temos alguém correndo em 2 minutos o que qualquer um faria em 10. Em In Time, todo mundo é maratonista. E mesmo assim, alguns vão além, já que a Sylvia de Amanda Seyfried, de saltos 15 centímetros, se mostra uma corredora melhor que Olivia Wilde (num paralelo desnecessário que a trama faz). Bonnie e Clyde tinham um bando e viviam nos tranquilos anos 20. Logo, era mais fácil assaltar. Porém, na realidade alternativa do filme, não existe segurança, já que um humilde trabalhador e uma bem-vestida socialite roubam, sozinhos, bancos intransponíveis sem nunca passarem por um perigo real.
Se não bastasse as incongruências, In Time ainda tem uma séria tendência á inocência, que nada tem a ver com o tema cético proposto pelos conceitos trabalhados. O choque que o protagonista toma ao descobrir que - ó! Surpresa! - os ricos detém milhares de anos enquanto os pobres morrem sem Tempo. Qualquer um com um mínimo de senso geográfico poderia detectar isso, mesmo sem aparecer nenhum riquíssimo para dizer (como foi o caso de Will). Ainda assim, o filme insiste no idealismo exacerbado ao achar que uma dúzia de roubos irá adiantar alguma coisa para quebrar o poderoso sistema social do filme (esse qual, aliás, não temos noção da magnitude, já que Niccol se mostra péssimo em estabelecer seu cenário). Em certo ponto, o casal 20 percebe que o que está fazendo de nada adianta, já que os banqueiros estão aumentando os juros da população, o que equilibra a balança comercial novamente. Então, qual é a ideia para acabar de vez com o sistema? Roubar mais. Você já foi mais inventivo, Andrew Niccol. E menos preguiçoso e reducionista também.
Ao ver o trailer do filme, já é possível constatar que uma análise sobre o sistema econômico atual será feito. Aliando isso ao cinismo contagiante de Show de Truman e Senhor das Armas, era esperado um espetáculo do verossímil, um filme que não tem medo de aguçar um debate muito polêmico. Não é por acaso; o projeto tem suas melhores cenas justamente quando toca na ferida, quando analisa a política geo-econômica. Quando a população enfurecida ataca um Timekeeper, com questionamentos típicos de cidadãos que não aguentam mais, a emoção até se faz presente, mas ela é rapidamente diluída, seja num passeio bobo de carro ou num idiota treino de pontaria. O interessante é como um profissional desse gabarito consegue perder a oportunidade de realizar um filme global, esplêndido e panorâmico, e resolve ser apressado a ponto de dividir o mundo entre New Greenwich e Gueto. Sim, apesar de divididos em diversos distritos, o roteiro se restringe a reduzir o conglomerado mundial a dois meros lugares. Ainda que antagonais, transformar Ricos e Pobres em um micro-cosmo da situação política é tão inocente quanto estúpido.
Mesmo no excelente trailer, é possível perceber um erro que temos no filme. A prévia é embalada pela música Destiny, de Syntax. Destino, afinal, é o que mantém Will fadado á luta contra o sistema, já que o pai fazia o mesmo. Predestinado ou Escolhido, tanto faz; no cinema de Niccol, nunca houve espaço para arquétipos reducionistas e logo na melhor ideia que já teve, o diretor comete esse erro primário.
E quando constatamos que In Time, mesmo como filme politizado que adora ação, erra feio, é difícil apreciar e engolir o que está em tela. Buracos de roteiro se enfileram, mesmo numa narrativa tão trivial. O experiente Minuteman sabe que se atirar no alvo, ele vai perder o Tempo que contém nele, mas mesmo assim atira, pra depois se lamentar que o desperdiçou. Henry Hamilton se coloca numa ponte para morrer e cair, mas deixa Will no meio do fogo cruzado sem nem deixar algo que provasse a inocência do protagonista. No bar, Henry é avisado que não pode fazer uma transferência de dinheiro muito grande pois pode morrer bem no meio dela. Porém, na hora de transferir para Will, não acontece nada com ele.
O acaso dá as cartas em In Time e se faz presente justamente quando o roteiro se vê num beco sem saída. Se precisam fugir, pulem de uma janela, afinal deve haver uma regra que diz que policiais não pulam de janelas. Depois de surgirem abruptamente em New Greenwich, o casal protagonista conversa depois sobre quantas pessoas tiveram que subornar para entrar ali. Pra que didatizar, quando o mais válido sempre é mostrar? Comentar sobre o take final dá até tristeza, de tão infantil que o mesmo representa. Pelo visto, duas pessoas entrando num banco são realmente ameaçadoras. Existem pessoas com 10 mil anos em conta, mas na realidade de In Time, acabaram os seguranças.
Ao menos, Niccol tem um bom senso estético e sabe cercar-se de profissionais capacitados. Os ótimos figurinos concebidos por Colleen Atwood e a brilhante direção de arte de Alex McDowell só não são melhores que a excepcional fotografia do veterano mestre Roger Deakins. Um clima meio esverdeado, um tanto econômico, de retratar um futuro que soa bem plausível, ainda que alternativo. Até mesmo os carros setentistas se encaixam bem na trama, já que dão uma aura ameaçadora aos Timekeepers. Mas se Niccol está irreconhecível, Zach Staenberg também está. O brilhante montador do supra-citado Senhor das Armas faz um trabalho capenga aqui, ao acompanhar a afobação do filme e montar com desleixo cenas que precisavam de um cuidado maior, uma reflexão maior por parte dos personagens. E dali, sobram os cross-fades de meio segundo, que transitam as cenas da maneira mais feia e menos funcional possível.
Um clima estranho toca a narrativa de In Time. Uma atmosfera que cheira a pressa, como se o estúdio estivesse interferindo no controle criativo a cada 2 takes. Autor de um dos créditos iniciais mais interessantes do Cinema recente, Niccol aqui realiza um direção amadora, que se alterna entre os ângulos ridículos e a necessidade de cortar 3 vezes uma mera cena de beijo, compromete até as cenas de ação, que raramente empolgam, com destaque apenas para o bom plano-sequência em que Timberlake e Seyfried correm para fugir de noite (que por sua vez, é embalada pela previsível trilha de Craig Armstrong). Raramente vemos um momento espetacular em tela, mas quando ocorre, é marcante. É como se Niccol estivesse sufocado e ganhasse fôlego uma vez ou outra, como nas mãos em volta do doador de Tempo ou no final, na morte plausível de um Timekeeper.
Ao abusar de frases impactantes mesmo que não façam sentido no momento da narrativa ("Ele não deve estar correndo. Quem tem tantos anos não deve estar com pressa", afinal um fugitivo não deve fugir porque quer ser pego, então), o filme se perde diversas vezes em suas ideias e consegue realizar o pior filme já concebido de um conceito genial. Na saída do Cinema, meu irmão de 10 anos (que gostou do filme) descreveu o filme como "um Encontro Explosivo de ficção". Dizer que a descrição, apesar de simplória é ótima, é doloroso. Casal com armas, amor contra o sistema do mal, é isso aí!
In Time já nasce pedindo por uma refilmagem. O ruim é constatar que, analisando o currículo, o diretor ideal para conduzir o remake seria o mesmo do original.
Tem alguma coisa errada com Andrew Niccol.
** 2 Estrelas - Fraco
quarta-feira, 21 de setembro de 2011
Elefante
Voyeur de um Réquiem.
John é um adolescente comum. Algo o aflige, mas não se sabe o que é. Ele está chegando no colégio, dirigindo o carro, pois seu pai não está bem o bastante pra conduzir. Elias também é comum, gosta de fotografia e passear no parque. Sua afeição pela arte é grande a ponto de abordar um casal desavisado para uma breve sessão de fotos. Acadia, amiga de John, o consola pelo seu choro contido, mesmo sem saber porque. Depois, vai para seu seminário sobre opção sexual. Nathan, garoto atlético e jogador de futebol, sai do campo para falar com sua namorada. Ainda que levemente assediado por três amigas populares, ele parece gostar de sua namorada. Percebe o elogio e deixa ele para trás, sem foco. Não teve importância. O que é importante fica em foco.
Já Michele é uma "freak". Ela não está satisfeita com algo, mas também, no fundo, é comum. Insatisfeita com seu modo de vida, um dilema crescente. Porém, ela percebe algo no campo de futebol. O céu está bonito e enigmático hoje. Ele passa normalmente, tranquilo. Está como qualquer outro dia, comum, mas carrega de alguma forma, uma atmosfera.
Parece que alguma coisa importante vai acontecer.
Elefante, o brilhante filme de Gus Van Sant, coloca sua alma nos adolescentes de Portland em um dia normal no High School americano. Angustiados, felizes ou indiferentes, todos ali compartilham da tal atmosfera. Muitos a presenciam, poucos a sentem. O palco é o Colégio, mas o que é um palco além de uma mera alegoria? Comuns ou não, os personagens são o que importa. Eles é que ficam no foco das lentes de Van Sant.
Num ambiente tão vasto quanto o colégio, é difícil manter o controle sobre tudo. O plano fantástico no campo de futebol se foca em um ponto só. De vez em quando, aparece um ou outro jogador, mas o jogo está acontecendo à direita da câmera. Não adianta, pode-se tentar o quanto quiserm, nem tudo fica no enquadramento. Algo pode estar acontecendo por aqui e não se pode nem prever ou imaginar. É aqui que Michele toma o plano, no seu centro. Temos alguém importante o suficiente. Tão importante que o foco vai para ela.
Essa lógica visual de Van Sant com o magistral fotógrafo Harris Savides é precisa. Seus personagens, sempre, estão no plano principal, no foco. Como David Fincher fez em A Rede Social, o fundo é distorcido. Porém, se na obra-prima do ano passado a distorção era para ilustrar que o mundo exterior não importava para o egocentrista Mark Zuckerberg, aqui em Elefante o fundo não é focado porque simplesmente ele não importa.
A narrativa não convencional, que mais observa seus personagens que os analisa, que mais retrata um dia normal do que conta uma história, acaba dando liberdades para Van Sant utilizar da criatividade para montar, dirigir e desenvolver a sua crônica. Armado de uma montagem inventiva, dele próprio, Van Sant vai e volta com frequência no tempo. Dando margem para diversos pontos de vista, o diretor divide a estrutura em capítulos não-numerados com o nome dos personagens-chave. Cada passo que John, Nathan, Elias, as amigas e Michelle dão, é motivo de registro. A foto que Elias tirou de John pode ter sido agora para eles, mas para Michelle, essa foto só é vista perto do final. John pode ter brincado com o cachorro agora, mas só depois que as amigas viram. O longa não tem pressa: conta os momentos de cada personagem dando total atenção, se desviando apenas para ir para outro.
Essa observação é rica e executada de maneira incrível, porém numa tragédia, o motivo é o mais triste. E em Elefante, saber o final da projeção torna a experiência muito mais angustiante. Como o Irreversível do genial Gaspar Noé, o filme utiliza dos sentimentos do público com a tragédia para tornar a experiência, em teoria catártica, em uma tristeza crescente. Como disse Hitchcock uma vez (adaptado) "um susto é momentâneo, mas a expectativa de saber dele dura eternamente." Ambos os filmes utilizam de uma montagem rebuscada para impor sua motivação. Se distanciam, porém, na abordagem delas; se Noé inverte seu filme para emocionar, Van Sant usa de seu final conhecido para o mesmo. Para quem conhece, não há problema: o diretor encaixa a entrada dos atiradores no colégio pouco antes de introduzí-los na película.
E para criar expectativa, há o apego á imagem. Van Sant e Savides vão seguindo seus personagens com parcimônia, indo á todos os cantos do colégio, porque não querem perder um só detalhe. Não têm para um cineasta algo mais belo que uma imagem. Os planos-sequência são, em sua essência, a demonstração máxima de amor á imagem. O corte seria, interpretando, a morte de um instante. Em Elefante, a urgência é pertinente: a morte não seria só do instante.
A tal atmosfera do dia, estranha, começa a ganhar contornos aos 45 minutos. Já havíamos visto Alex e Eric, mas não os conhecíamos. O primeiro, apenas um estranho no ninho, vítima do bullying, provavelmente novo no colégio. Observador, inteligente, frio. O colégio o incomoda. O segundo é pouco abordado, distante, desligado, pouco inteligente. Ambos gostam de cultura. E de armas.
Porém, quando vamos para a casa de Alex, Van Sant começa uma jogada interessante. Além de desenvolver seu clímax, o diretor e roterista especula os motivos daquilo. Alex vê um documentário sobre nazismo passando na TV. Toca seu piano com competência, mas com raiva. Lê livros. Odeia o Bullying. Joga games violentos (Van Sant mostra um trecho do massacre em primeira pessoa, sendo sugestivo brilhantemente). E, principalmente, como dito anteriormente, gosta de armas. Sem ter uma resposta definitiva, Van Sant sugere todas. Mas não é por isso que não tem uma preferida. Após entrar no site de venda de armas, o tempo se fecha. Começa o fim, o tempo de mudança, a melancolia se instala. Começa a Agnus Dei da missa Elefante.
E quando conhecemos o porquê disso tudo, momentos se tornam eternos na mente. O desenvolvimento de personagens em Elefante é tão esplêndido porque ele não precisa de arcos para existir; só precisa de singelos instantes. É John tendo seu último instante inocente no filme, devidamente registrado na precisa câmera lenta do filme. É ver Michelle, sempre enquadrada de perto, num plano aberto na quadra, sabendo que ali é que ganha sua liberdade. É ver Elias revelando suas amadas fotos. Ver as três amigas almoçando, aparentemente de maneira trivial. Ou Nathan conversando com sua namorada. Ou Alex tapando seus ouvidos para evitar o barulho caótico e uníssono do espetáculo farreliano das aparências: o refeitório do colégio. E, até mesmo, o instante mais honesto da produção; nunca beijados, Alex e Eric se beijam. Não por serem homossexuais ou por desejo, mas por simples conveniência. A morte é certa, pra que pudores? Há apenas o momento.
No massacre, o caos se instala de verdade. Os planos teóricos se tornam práticos. A falta de ética se torna imoralidade. Por amar cada vítima ali, Van Sant tenta ser frio para não privilegiar ninguém. É nesse clímax que conhecemos a personificação da mensagem do diretor. Benny surge, assim, com uma hora de filme, ajudando Acadia. Ele anda em seu traje amarelo, curioso, para saber o que está acontecendo. Ele acabou de surgir. E se torna, perigosamente, o foco do enquadramento. Triste saber o quão efemêra essa tal de Vida é.
E se há frieza, é porque todos, sem exceção, são vítimas. Alex anda no corredor com seu fuzil de assalto. Ele mira no campo do enquadramento. Ele fica ao fundo, pois o foco é a arma. Se a High School é vítima de Alex, não seria Alex uma vítima da arma?
Assim, Elefante convida seu espectador para sua missa fúnebre. Te convida para ser o voyeur de um réquiem para um sonho. Van Sant ama seus personagens incondicionalmente, não quer se distanciar deles, mas quando é necessário, a câmera tem que ir embora. Se distanciar, vagarosamente, porque não quer ir, mas precisa. O personagem, dentro de um conveniente freezer, se tornou frio demais para ser visto. O personagem em foco não é mais alguém para se amar ou observar. É alguém que não dá pra compreender, um monstro, um ser que não pode ser explicado porque não tem uma só explicação. É alguém que pode ser diferente a cada visão, que pode ser sentido por um grupo de homens*, mas que não pode ser entendido porque pode haver diversos motivos, mas pode não haver nenhum. Ele tem diversas formas, mas nenhuma é definitiva. Nada além de especulações. Alguém que observamos, mas não enxergamos; que tocamos, mas não entendemos.
Um Elefante.
***** 5 Estrelas
* Obs.: http://migre.me/5KYYN
John é um adolescente comum. Algo o aflige, mas não se sabe o que é. Ele está chegando no colégio, dirigindo o carro, pois seu pai não está bem o bastante pra conduzir. Elias também é comum, gosta de fotografia e passear no parque. Sua afeição pela arte é grande a ponto de abordar um casal desavisado para uma breve sessão de fotos. Acadia, amiga de John, o consola pelo seu choro contido, mesmo sem saber porque. Depois, vai para seu seminário sobre opção sexual. Nathan, garoto atlético e jogador de futebol, sai do campo para falar com sua namorada. Ainda que levemente assediado por três amigas populares, ele parece gostar de sua namorada. Percebe o elogio e deixa ele para trás, sem foco. Não teve importância. O que é importante fica em foco.
Já Michele é uma "freak". Ela não está satisfeita com algo, mas também, no fundo, é comum. Insatisfeita com seu modo de vida, um dilema crescente. Porém, ela percebe algo no campo de futebol. O céu está bonito e enigmático hoje. Ele passa normalmente, tranquilo. Está como qualquer outro dia, comum, mas carrega de alguma forma, uma atmosfera.
Parece que alguma coisa importante vai acontecer.
Elefante, o brilhante filme de Gus Van Sant, coloca sua alma nos adolescentes de Portland em um dia normal no High School americano. Angustiados, felizes ou indiferentes, todos ali compartilham da tal atmosfera. Muitos a presenciam, poucos a sentem. O palco é o Colégio, mas o que é um palco além de uma mera alegoria? Comuns ou não, os personagens são o que importa. Eles é que ficam no foco das lentes de Van Sant.
Num ambiente tão vasto quanto o colégio, é difícil manter o controle sobre tudo. O plano fantástico no campo de futebol se foca em um ponto só. De vez em quando, aparece um ou outro jogador, mas o jogo está acontecendo à direita da câmera. Não adianta, pode-se tentar o quanto quiserm, nem tudo fica no enquadramento. Algo pode estar acontecendo por aqui e não se pode nem prever ou imaginar. É aqui que Michele toma o plano, no seu centro. Temos alguém importante o suficiente. Tão importante que o foco vai para ela.
Essa lógica visual de Van Sant com o magistral fotógrafo Harris Savides é precisa. Seus personagens, sempre, estão no plano principal, no foco. Como David Fincher fez em A Rede Social, o fundo é distorcido. Porém, se na obra-prima do ano passado a distorção era para ilustrar que o mundo exterior não importava para o egocentrista Mark Zuckerberg, aqui em Elefante o fundo não é focado porque simplesmente ele não importa.
A narrativa não convencional, que mais observa seus personagens que os analisa, que mais retrata um dia normal do que conta uma história, acaba dando liberdades para Van Sant utilizar da criatividade para montar, dirigir e desenvolver a sua crônica. Armado de uma montagem inventiva, dele próprio, Van Sant vai e volta com frequência no tempo. Dando margem para diversos pontos de vista, o diretor divide a estrutura em capítulos não-numerados com o nome dos personagens-chave. Cada passo que John, Nathan, Elias, as amigas e Michelle dão, é motivo de registro. A foto que Elias tirou de John pode ter sido agora para eles, mas para Michelle, essa foto só é vista perto do final. John pode ter brincado com o cachorro agora, mas só depois que as amigas viram. O longa não tem pressa: conta os momentos de cada personagem dando total atenção, se desviando apenas para ir para outro.
Essa observação é rica e executada de maneira incrível, porém numa tragédia, o motivo é o mais triste. E em Elefante, saber o final da projeção torna a experiência muito mais angustiante. Como o Irreversível do genial Gaspar Noé, o filme utiliza dos sentimentos do público com a tragédia para tornar a experiência, em teoria catártica, em uma tristeza crescente. Como disse Hitchcock uma vez (adaptado) "um susto é momentâneo, mas a expectativa de saber dele dura eternamente." Ambos os filmes utilizam de uma montagem rebuscada para impor sua motivação. Se distanciam, porém, na abordagem delas; se Noé inverte seu filme para emocionar, Van Sant usa de seu final conhecido para o mesmo. Para quem conhece, não há problema: o diretor encaixa a entrada dos atiradores no colégio pouco antes de introduzí-los na película.
E para criar expectativa, há o apego á imagem. Van Sant e Savides vão seguindo seus personagens com parcimônia, indo á todos os cantos do colégio, porque não querem perder um só detalhe. Não têm para um cineasta algo mais belo que uma imagem. Os planos-sequência são, em sua essência, a demonstração máxima de amor á imagem. O corte seria, interpretando, a morte de um instante. Em Elefante, a urgência é pertinente: a morte não seria só do instante.
A tal atmosfera do dia, estranha, começa a ganhar contornos aos 45 minutos. Já havíamos visto Alex e Eric, mas não os conhecíamos. O primeiro, apenas um estranho no ninho, vítima do bullying, provavelmente novo no colégio. Observador, inteligente, frio. O colégio o incomoda. O segundo é pouco abordado, distante, desligado, pouco inteligente. Ambos gostam de cultura. E de armas.
Porém, quando vamos para a casa de Alex, Van Sant começa uma jogada interessante. Além de desenvolver seu clímax, o diretor e roterista especula os motivos daquilo. Alex vê um documentário sobre nazismo passando na TV. Toca seu piano com competência, mas com raiva. Lê livros. Odeia o Bullying. Joga games violentos (Van Sant mostra um trecho do massacre em primeira pessoa, sendo sugestivo brilhantemente). E, principalmente, como dito anteriormente, gosta de armas. Sem ter uma resposta definitiva, Van Sant sugere todas. Mas não é por isso que não tem uma preferida. Após entrar no site de venda de armas, o tempo se fecha. Começa o fim, o tempo de mudança, a melancolia se instala. Começa a Agnus Dei da missa Elefante.
E quando conhecemos o porquê disso tudo, momentos se tornam eternos na mente. O desenvolvimento de personagens em Elefante é tão esplêndido porque ele não precisa de arcos para existir; só precisa de singelos instantes. É John tendo seu último instante inocente no filme, devidamente registrado na precisa câmera lenta do filme. É ver Michelle, sempre enquadrada de perto, num plano aberto na quadra, sabendo que ali é que ganha sua liberdade. É ver Elias revelando suas amadas fotos. Ver as três amigas almoçando, aparentemente de maneira trivial. Ou Nathan conversando com sua namorada. Ou Alex tapando seus ouvidos para evitar o barulho caótico e uníssono do espetáculo farreliano das aparências: o refeitório do colégio. E, até mesmo, o instante mais honesto da produção; nunca beijados, Alex e Eric se beijam. Não por serem homossexuais ou por desejo, mas por simples conveniência. A morte é certa, pra que pudores? Há apenas o momento.
No massacre, o caos se instala de verdade. Os planos teóricos se tornam práticos. A falta de ética se torna imoralidade. Por amar cada vítima ali, Van Sant tenta ser frio para não privilegiar ninguém. É nesse clímax que conhecemos a personificação da mensagem do diretor. Benny surge, assim, com uma hora de filme, ajudando Acadia. Ele anda em seu traje amarelo, curioso, para saber o que está acontecendo. Ele acabou de surgir. E se torna, perigosamente, o foco do enquadramento. Triste saber o quão efemêra essa tal de Vida é.
E se há frieza, é porque todos, sem exceção, são vítimas. Alex anda no corredor com seu fuzil de assalto. Ele mira no campo do enquadramento. Ele fica ao fundo, pois o foco é a arma. Se a High School é vítima de Alex, não seria Alex uma vítima da arma?
Assim, Elefante convida seu espectador para sua missa fúnebre. Te convida para ser o voyeur de um réquiem para um sonho. Van Sant ama seus personagens incondicionalmente, não quer se distanciar deles, mas quando é necessário, a câmera tem que ir embora. Se distanciar, vagarosamente, porque não quer ir, mas precisa. O personagem, dentro de um conveniente freezer, se tornou frio demais para ser visto. O personagem em foco não é mais alguém para se amar ou observar. É alguém que não dá pra compreender, um monstro, um ser que não pode ser explicado porque não tem uma só explicação. É alguém que pode ser diferente a cada visão, que pode ser sentido por um grupo de homens*, mas que não pode ser entendido porque pode haver diversos motivos, mas pode não haver nenhum. Ele tem diversas formas, mas nenhuma é definitiva. Nada além de especulações. Alguém que observamos, mas não enxergamos; que tocamos, mas não entendemos.
Um Elefante.
***** 5 Estrelas
* Obs.: http://migre.me/5KYYN
terça-feira, 20 de setembro de 2011
Confiar
O distópico conto de fadas de David Schwimmer.
Annie é uma menina de 14 anos. Ela é esportiva, feliz, gosta de se exercitar, cuida de sua saúde muito bem. Mas gosta de chats também. A eficiente sequência pré-título funciona justamente para nos mostrar bem a personalidade da adolescente. E é esse chat, aparentemente inofensivo, que se tornará o motivo de uma ruína. Uma extensão da vida real, já que Annie não consegue encontrar um menino bom fora do computador. A falta de confiança na sociedade, a descrença em sua geração. E essa descrença a leva a caminhos extremos. Não apenas a garota, mas sua família inteira.
E é sobre isso que Confiar fala. Ele fala de inocência perdida, melodrama, obsessão e amor. Mas fala, sobretudo, sobre confiança.
A família de Annie é feliz. Dá à menina o suporte, tanto emocional quanto de criação, máximo que ela precisa. Porém, se o tópico envolvendo sexualidade é bem natural com o filho mais velho, com a menina, dos recém-completados 14 anos, é mais difícil. Não que seja algo intocável, que é proibido até mesmo de comentar, mas o sexo torna-se desnecessário ao debate devido á personalidade fechada da adolescente. Meiga, retraída, reservada, Annie não gosta do senso comum das garotas mais "maduras" que discutem o sexo em suas minúcias com uma naturalidade estranha aos olhos dela. Não que ela seja a nerdy freak maniqueísta tipíca dos filmes reducionistas (o que, com certeza, mataria um projeto como Confiar desde a concepção), mas apenas uma garota diferente das outras. Por isso mesmo que, ao ver uma garota de sua idade com os seios de fora, em cima de um touro mecânico, a reação não é de repulsa; é de graça.
Porém, existe Charlie. Compreensivo, atlético, bonito. E o único que entende os dilemas e questionamentos de Annie. Trocando confidências com o garoto de 16 anos, a menina vê na sua vida pacata e calma um refúgio. Vendo naquele relacionamento virtual um futuro promissor (e é angustiante ver a felicidade meiga de Annie ao pensar com carinho no "menino"), a adolescente começa a se abrir mais sentimentalmente para o garoto de 20 anos. "Por quê você continua mentindo?", ela pergunta chorando para a voz inacessível do telefone, quando revela ter 25 anos. Mas o amor e inocência são maiores que isso e o encontro se torna inevitável. Para o cético espectador, não é surpreendente quando avistamos o homem de meia idade no shopping. Mas o rosto sofrido de Annie não poderia ser mais doloroso.
O homem ganha voz e expressão. E um rosto. Seu poder coercitivo é enorme e não tarda para Annie entrar em seu carro. A pacata trilha da vida da garota encontrava um novo caminho, que não poderia ser mais doloroso (filmar o extenuante exame no corpo de Annie através dos passos em relatório é uma sacada excepcional). O maniqueísmo não dá as caras. A dor é visceral.
Aliás, é em maniqueísmo que Confiar encontra seu extremo oposto. O filme, realista na construção de seus personagens e situações, não cria máscaras nos diálogos referentes aos adolescentes. Diferente de um filme como As Melhores Coisas do Mundo, Confiar demonstra a futilidade de maneira mais sutil, sem jogar tão na cara. Se no exemplar brasileiro a futilidade é perigosamente romantizada, aqui a imparcialidade é essencial, ao analisar o conceito sem julgá-lo certo ou errado. E isso já evita que o filme, com um tema pungente e vigente, imploda em sua falta de transparência. Portanto, não se estranha o imediatismo que o filme passa. Quando o filme começa, Charlie já é amigo de Annie e tem uma relação próxima á ela. David Schwimmer, investindo no melodrama, está mais interessado nas fraturas que o pedófilo deixará do que no ato de aproximação da vítima com o criminoso. Se há um erro ou outro (habilidoso agente do FBI esquece sua maleta num encontro?), é pouco para destruir a interessante crônica com tom de fábula distópica. Todos os arcos na introdução, emocionais ou narrativos, são diretos ao ponto, o que é fruto da cautela (e compromisso com o realismo) dos realizadores.
O que nos leva à técnica apurada do projeto. Essa fidelidade com o conceito da Verossimilhança não se restringe apenas ao bom roteiro escrito por Andy Bellin e Robert Festinger. O diretor Schwimmer, dando aqui seu primeiro grande passo como diretor após o fraco Maratona do Amor, consegue utilizar uma eficaz lógica interna ao focar nos seus personagens com enquadramentos rígidos, sempre retratando bem a frieza necessária ao filme. Além disso, Schwimmer é competente ao usar de um realismo sem utilizar a câmera na mão, um recurso que qualquer diretor com senso técnico menos apurado usaria. O diretor também é eficaz ao utilizar a montagem de Douglas Crise, acrescida com soluções visuais, para causar momentos emocionais, como o dilema de Annie ao ser convidada para se encontrar com Charlie pela primeira vez. Soberba também é a passagem em que Annie insiste em manter as aparências do que ocorreu, ao falar em off que está tudo bem, mesmo chorando compulsivamente no vestiário feminino. Schwimmer demonstra habilidade nessas passagens e encaixa um perfeito equilíbrio entre técnica e emoção.
Fundamental também, na ótica verossímel de Schwimmer, é a fotografia do ótimo Andrzej Sekula, que utiliza de uma iluminação mais sutil para registrar os momentos mais tensos dos dias de tempestade da família Cameron. Guardando uma linguagem visual mais elaborada apenas pros momentos de impacto (o foco de Annie na luz durante o estupro, a luz divina que banha o rosto ainda virginal da garota em seu quarto), o que demonstra a inteligência do casamento entre técnica e roteiro, em prol do realismo. Tudo para tornar mais pesado o drama de Annie.
O choque na família é mais forte ainda. Fugindo de um esquemático e óbvio caminho que o filme poderia tomar, se focar apenas no estupro, Schwimmer acha mais interessante estudar as consequências do ato. Lynn, a mãe, se entrega a dor ao ficar de mãos atadas. Como mulher, o sofrimento é mais captado pela figura materna. Will, o pai, encara enraivecido o fato e, em busca de uma cruzada desesperada por vingança, se esquece que a maior vítima está no quarto ao lado do seu. Não respeita os pedidos clementes da filha (como não contar ao irmão o que ocorreu), não entende a dor real do imbróglio (seriam as fraturas apenas carnais?). O terror de sua personalidade acaba retratado por uma sequência-delírio exagerada, em que Will finalmente se vinga. Bem mais brilhante, porém, é a festa de seu trabalho, em que vemos um Clive Owen com os olhos desgastados, "vendo" um cartaz de sua filha, com roupas íntimas. O orgulho de pai, que se considera culpado por não proteger seu bem maior, acaba ultrapassando o senso urgente de compreensão. Annie perdeu sua virgindade, sim, mas precisa de apoio. Está apaixonada.
O apoio da psicóloga, as reflexões angustiadas da protagonista e seu olhar perdido. Tudo é importante para reconstruir uma personalidade que conheceu, da maneira mais pesada possível, a crueldade do ser humano. Crueldade essa que acaba acometendo seu pai, tão animalesco quanto o desprezível pedófilo. Porém, quando o baque é entendido, quando o choque de realidade atinge em cheio o coração da menina, não é o abraço da psicóloga que vai curá-la. Não é o amor incondicional de sua mãe, que tenta lidar com a tragédia da melhor maneira possível. É o amor ao seu pai perdido, que se deixou destruiu por um erro incontrolável. O pai está certo em ter raiva? Sim, com certeza. Ele viu uma face mais chocante da filha, ao ler a conversa do chat ("Nossa filha parece uma atriz pornô!" grita Owen, com um ódio retumbante e medonho). Mas um pai, mesmo na situação mais extrema, deve saber que nenhuma vingança substitui o amor pela sua prole. Nada corrompe o senso de um homem correto. E isso é o que torna, como demonstra o breve tape nos créditos, Will e Charlie como nêmesis.
A conversa na escada é fantástica por fechar o problema, mesmo que da maneira mais difícil possível, marcada á ferro e fogo na alma do espectador. Liana Liberato, brilhante e digna de diversas premiações, demonstra mais maturidade que todos em cena nos 104 minutos de projeção. Racional, mesmo com ódio, a menina ensina a seu pai o que deve ser feito na situação. E o abraço na beira da piscina, depois do parecer emocionado de Will, não poderia ser mais bonito. A confiança deve voltar. Will deve se lembrar de quem é sua filha e Annie deve se lembrar que é seu pai. Ambos devem voltar a ser confidentes.
O bom Confiar pode até ter seus problemas estruturais esporádicos, mas sabe o que pensa e o que tem para dizer.
**** 4 Estrelas
Annie é uma menina de 14 anos. Ela é esportiva, feliz, gosta de se exercitar, cuida de sua saúde muito bem. Mas gosta de chats também. A eficiente sequência pré-título funciona justamente para nos mostrar bem a personalidade da adolescente. E é esse chat, aparentemente inofensivo, que se tornará o motivo de uma ruína. Uma extensão da vida real, já que Annie não consegue encontrar um menino bom fora do computador. A falta de confiança na sociedade, a descrença em sua geração. E essa descrença a leva a caminhos extremos. Não apenas a garota, mas sua família inteira.
E é sobre isso que Confiar fala. Ele fala de inocência perdida, melodrama, obsessão e amor. Mas fala, sobretudo, sobre confiança.
A família de Annie é feliz. Dá à menina o suporte, tanto emocional quanto de criação, máximo que ela precisa. Porém, se o tópico envolvendo sexualidade é bem natural com o filho mais velho, com a menina, dos recém-completados 14 anos, é mais difícil. Não que seja algo intocável, que é proibido até mesmo de comentar, mas o sexo torna-se desnecessário ao debate devido á personalidade fechada da adolescente. Meiga, retraída, reservada, Annie não gosta do senso comum das garotas mais "maduras" que discutem o sexo em suas minúcias com uma naturalidade estranha aos olhos dela. Não que ela seja a nerdy freak maniqueísta tipíca dos filmes reducionistas (o que, com certeza, mataria um projeto como Confiar desde a concepção), mas apenas uma garota diferente das outras. Por isso mesmo que, ao ver uma garota de sua idade com os seios de fora, em cima de um touro mecânico, a reação não é de repulsa; é de graça.
Porém, existe Charlie. Compreensivo, atlético, bonito. E o único que entende os dilemas e questionamentos de Annie. Trocando confidências com o garoto de 16 anos, a menina vê na sua vida pacata e calma um refúgio. Vendo naquele relacionamento virtual um futuro promissor (e é angustiante ver a felicidade meiga de Annie ao pensar com carinho no "menino"), a adolescente começa a se abrir mais sentimentalmente para o garoto de 20 anos. "Por quê você continua mentindo?", ela pergunta chorando para a voz inacessível do telefone, quando revela ter 25 anos. Mas o amor e inocência são maiores que isso e o encontro se torna inevitável. Para o cético espectador, não é surpreendente quando avistamos o homem de meia idade no shopping. Mas o rosto sofrido de Annie não poderia ser mais doloroso.
O homem ganha voz e expressão. E um rosto. Seu poder coercitivo é enorme e não tarda para Annie entrar em seu carro. A pacata trilha da vida da garota encontrava um novo caminho, que não poderia ser mais doloroso (filmar o extenuante exame no corpo de Annie através dos passos em relatório é uma sacada excepcional). O maniqueísmo não dá as caras. A dor é visceral.
Aliás, é em maniqueísmo que Confiar encontra seu extremo oposto. O filme, realista na construção de seus personagens e situações, não cria máscaras nos diálogos referentes aos adolescentes. Diferente de um filme como As Melhores Coisas do Mundo, Confiar demonstra a futilidade de maneira mais sutil, sem jogar tão na cara. Se no exemplar brasileiro a futilidade é perigosamente romantizada, aqui a imparcialidade é essencial, ao analisar o conceito sem julgá-lo certo ou errado. E isso já evita que o filme, com um tema pungente e vigente, imploda em sua falta de transparência. Portanto, não se estranha o imediatismo que o filme passa. Quando o filme começa, Charlie já é amigo de Annie e tem uma relação próxima á ela. David Schwimmer, investindo no melodrama, está mais interessado nas fraturas que o pedófilo deixará do que no ato de aproximação da vítima com o criminoso. Se há um erro ou outro (habilidoso agente do FBI esquece sua maleta num encontro?), é pouco para destruir a interessante crônica com tom de fábula distópica. Todos os arcos na introdução, emocionais ou narrativos, são diretos ao ponto, o que é fruto da cautela (e compromisso com o realismo) dos realizadores.
O que nos leva à técnica apurada do projeto. Essa fidelidade com o conceito da Verossimilhança não se restringe apenas ao bom roteiro escrito por Andy Bellin e Robert Festinger. O diretor Schwimmer, dando aqui seu primeiro grande passo como diretor após o fraco Maratona do Amor, consegue utilizar uma eficaz lógica interna ao focar nos seus personagens com enquadramentos rígidos, sempre retratando bem a frieza necessária ao filme. Além disso, Schwimmer é competente ao usar de um realismo sem utilizar a câmera na mão, um recurso que qualquer diretor com senso técnico menos apurado usaria. O diretor também é eficaz ao utilizar a montagem de Douglas Crise, acrescida com soluções visuais, para causar momentos emocionais, como o dilema de Annie ao ser convidada para se encontrar com Charlie pela primeira vez. Soberba também é a passagem em que Annie insiste em manter as aparências do que ocorreu, ao falar em off que está tudo bem, mesmo chorando compulsivamente no vestiário feminino. Schwimmer demonstra habilidade nessas passagens e encaixa um perfeito equilíbrio entre técnica e emoção.
Fundamental também, na ótica verossímel de Schwimmer, é a fotografia do ótimo Andrzej Sekula, que utiliza de uma iluminação mais sutil para registrar os momentos mais tensos dos dias de tempestade da família Cameron. Guardando uma linguagem visual mais elaborada apenas pros momentos de impacto (o foco de Annie na luz durante o estupro, a luz divina que banha o rosto ainda virginal da garota em seu quarto), o que demonstra a inteligência do casamento entre técnica e roteiro, em prol do realismo. Tudo para tornar mais pesado o drama de Annie.
O choque na família é mais forte ainda. Fugindo de um esquemático e óbvio caminho que o filme poderia tomar, se focar apenas no estupro, Schwimmer acha mais interessante estudar as consequências do ato. Lynn, a mãe, se entrega a dor ao ficar de mãos atadas. Como mulher, o sofrimento é mais captado pela figura materna. Will, o pai, encara enraivecido o fato e, em busca de uma cruzada desesperada por vingança, se esquece que a maior vítima está no quarto ao lado do seu. Não respeita os pedidos clementes da filha (como não contar ao irmão o que ocorreu), não entende a dor real do imbróglio (seriam as fraturas apenas carnais?). O terror de sua personalidade acaba retratado por uma sequência-delírio exagerada, em que Will finalmente se vinga. Bem mais brilhante, porém, é a festa de seu trabalho, em que vemos um Clive Owen com os olhos desgastados, "vendo" um cartaz de sua filha, com roupas íntimas. O orgulho de pai, que se considera culpado por não proteger seu bem maior, acaba ultrapassando o senso urgente de compreensão. Annie perdeu sua virgindade, sim, mas precisa de apoio. Está apaixonada.
O apoio da psicóloga, as reflexões angustiadas da protagonista e seu olhar perdido. Tudo é importante para reconstruir uma personalidade que conheceu, da maneira mais pesada possível, a crueldade do ser humano. Crueldade essa que acaba acometendo seu pai, tão animalesco quanto o desprezível pedófilo. Porém, quando o baque é entendido, quando o choque de realidade atinge em cheio o coração da menina, não é o abraço da psicóloga que vai curá-la. Não é o amor incondicional de sua mãe, que tenta lidar com a tragédia da melhor maneira possível. É o amor ao seu pai perdido, que se deixou destruiu por um erro incontrolável. O pai está certo em ter raiva? Sim, com certeza. Ele viu uma face mais chocante da filha, ao ler a conversa do chat ("Nossa filha parece uma atriz pornô!" grita Owen, com um ódio retumbante e medonho). Mas um pai, mesmo na situação mais extrema, deve saber que nenhuma vingança substitui o amor pela sua prole. Nada corrompe o senso de um homem correto. E isso é o que torna, como demonstra o breve tape nos créditos, Will e Charlie como nêmesis.
A conversa na escada é fantástica por fechar o problema, mesmo que da maneira mais difícil possível, marcada á ferro e fogo na alma do espectador. Liana Liberato, brilhante e digna de diversas premiações, demonstra mais maturidade que todos em cena nos 104 minutos de projeção. Racional, mesmo com ódio, a menina ensina a seu pai o que deve ser feito na situação. E o abraço na beira da piscina, depois do parecer emocionado de Will, não poderia ser mais bonito. A confiança deve voltar. Will deve se lembrar de quem é sua filha e Annie deve se lembrar que é seu pai. Ambos devem voltar a ser confidentes.
O bom Confiar pode até ter seus problemas estruturais esporádicos, mas sabe o que pensa e o que tem para dizer.
**** 4 Estrelas
domingo, 18 de setembro de 2011
Bridesmaids
Produção de Judd Apatow subverte a comédia feminina .
Quando vamos falar de comédia, um tópico já precisa ser deixado bem claro : de modo geral , aquelas voltadas ao público feminino - as famosas comédias românticas - são terrivelmente ruins. Pode parecer uma generalização , mas na verdade é pura estatística . A cada Diário de Bridget Jones lançado , temos hordas de mediocridades - vide A Proposta - e também verdadeiros atentados terroristas á intelectualidade - consulte os trabalhos recentes de Katherine Heigl . Atualmente , não podemos dizer que a situação melhorou de forma agradável - a moda de filmes ''mulher bomba-relógio'' , chegou até no Brasil , com desastres lamentáveis como Qualquer Gato Vira-Lata . Moda essa, aliás , que surgiu justamente dos longas protagonizados por Heigl .
Ironicamente , a atriz que cometeu pérolas como A Verdade Nua e Crua e Par Perfeito, foi revelada nas telonas justamente por um dos criadores mais inventivos e originais da atualidade : o aclamado Judd Apatow . Detentor de personagens verdadeiros e que roubam a atenção do espectador justamente por sua tridimensionalidade singular , - algo difícil de se encontrar no mercado do cinema - Apatow mal sabia que estava trazendo ao mundo em Ligeiramente Grávidos uma atriz que viria a produzir - e atuar - comédias femininas desprezíveis e imbecis . Com Bridesmaids , em 2011, o produtor parece vir trazer um pedido de desculpas , e também um desvio necessário ao fluxo que as comédias destinadas ás mulheres seguiam .
Escrito por Annie Mumolo e Kristen Wigg - esta também protagoniza a película - Bridesmaids trás um tema surradíssimo, clássico de comédias destinadas ao público feminino, trabalhado anteriormente em diversas ocasiões : o dilema da mulher balzaquiana e o casamento . Justamente por estabelecer uma premissa já tão conhecida pelos espectadores , Bridesmaids trás desde sua concepção um espírito de subverter o gênero, ainda mais tendo alguém do estilo de Apatow apadrinhando a produção . A trama , como já é de costume dos filmes de Judd Apatow , não representa grandes diferenciais na sua estrutura , mas ao revelar seus personagens e suas interações minuciosas, ganha grandeza .
Nela , conhecemos Annie (Kristen Wigg) uma mulher solteira de 30 e poucos anos , que não tem um relacionamento sério , e apenas é a ''peguete'' de Ted ( Jon Hamm , em aparição hilária e não creditada) . Ainda frustrada pela falência de sua loja de doces , Annie encontra felicidade na companhia da amiga de infância Lilian (Maya Rudolph) . Tudo começa a mudar , entretanto , quando Lilian é pedida em casamento . Quando os preparitivos começam , também se iniciam os pesadelos de Annie , que se entristece por não ter um namorado . Helen ( Rose Byrne) dondoca arrogante que preparará o casamento, vira amiga inseparável de Lilian , gerando desgoto e ciúmes por parte de Annie . Então , entre reuniões para damas de honra e chás de panela, começam as gags .
Num cenário atual onde comédias para macho fazem sucesso de público e por ventura também de crítica - Se Beber, Não Case ! é o exemplo mais citado - entra em cena uma comédia destinada ao público feminino , mas que trás um bom humor e gags de qualidade tão elevada quanto aquelas do filme de Todd Phillips . É explícito de onde Bridesmaids bebe da fonte . A cena emblemática : O grupo de mulheres que protagoniza o filme (a noiva mais 5 damas de honra) anda em câmera lenta , unido , com uma música estilosa ao fundo . Sobra espaço até pra gordinha engraçada do grupo levar uma pochete cruzada na barriga - algo que o personagem de Zack Galifianakis já eternizou em Hangover . Além dessas referências claríssimas , é também muito interessante ver como um filme teoricamente ''feito pra mulher'' usa e abusa de palavrões sem pudor , otimizando todos para construções de ótimas gags . Há até humor escatológico bem utilizado - e sabemos a linha tênue que separa o hilário do estúpido , quando o assunto é gross humor .
Mas o que nos faz comprar a idéia de Bridesmaids é sua verdade . Realismo que não encontramos em enlatados - os da TV e os do cinema . Não é a toa que Judd Apatow topou produzir o projeto . Seu olhar tridimensional ao retratar personagens encontra reflexo no roteiro do longa . Por seus trunfos de criar personas cristalinas , o script de Bridesmaids só aumenta em comparação com similares . Só para tomar um exemplo, comparemos este filme com Sex and The City - e aqui me prenderei a avaliar apenas a obra cinematográfica , e não a série de TV . Ora , os dois produtos tem tramas semelhantes - a ''já não tão balzaquiana'' Sarah Jessica Parker também estava a procura de um marido no longa de 2008 - mas desenvolvimentos completamente diferentes . Sex and The City se mostra extremamente superficial em duas vias : tanto naquela que se refere ao sexo , mas também naquela que trata de suas personagens - que , convenhamos , são meras peruas que não despertam muito além do que pena , por suas vidas fúteis . Em Bridesmaids , o elo criado com o espectador é mais fundo, pois a construção das personas é mais verdadeira . É possível perceber isso nos diversos diálogos sinceros entre as protagonistas . São toques sutis , mas muito significativos .
Só que nem tudo são flores, em Bridesmaids . Apesar de , desde já , ser uma comédia importantíssima por subverter um gênero que andava muito mal das pernas , o roteiro estrutural é levado por uma estrada que não inventa , e se demonstra um tanto quanto comum . Se na hora de desenvolver personagens há o sucesso , com atuações muito interessantes - destaque para o talento de Kristen Wigg para a comédia - o mesmo brilho não surge na hora de prender cada gag e cada personagem numa história em si . Entre momentos hilariantes e diálogos interessantes , há um vazio de história , que se baseia simplesmente na disputa entre duas mulheres pela amizade de uma terceira . Assim , o longa perde fôlego ao longo da exibição , se tornando uma obra mais modesta do que dava a impressão de ser .
Usando a linguagem de televisão desde o primeiro frame do filme , o diretor egresso dos seriados de TV , Paul Feig , consegue sucesso ao aplicar seu modo de dirigir séries como The Office , em diversas sequências de Bridesmaids . Afinal, em The Office a vergonha alheia dita as risadas , e aqui também funciona assim .
Nada de negativo, entretanto, tira a força simbólica que Bridesmaids tem . Em tempos onde há roteiristas cretinos fazendo humor fácil e babaca para encaixar no suposto '' gosto'' das mulheres em geral , é muito bom ver obras subvertendo gêneros e ganhando reconhecimento com isso - Bridesmaids faturou muito nos EUA , tanto em crítica , como em público . Em vez de preparar cotas para um tipo de comédia ''para mulheres'' no mercado do cinema , é muito melhor retratar o quanto de humor tipicamente masculino elas conseguem desenvolver por si próprias . Afinal, não é isso que é igualdade dos sexos?
3 Estrelas ***
Quando vamos falar de comédia, um tópico já precisa ser deixado bem claro : de modo geral , aquelas voltadas ao público feminino - as famosas comédias românticas - são terrivelmente ruins. Pode parecer uma generalização , mas na verdade é pura estatística . A cada Diário de Bridget Jones lançado , temos hordas de mediocridades - vide A Proposta - e também verdadeiros atentados terroristas á intelectualidade - consulte os trabalhos recentes de Katherine Heigl . Atualmente , não podemos dizer que a situação melhorou de forma agradável - a moda de filmes ''mulher bomba-relógio'' , chegou até no Brasil , com desastres lamentáveis como Qualquer Gato Vira-Lata . Moda essa, aliás , que surgiu justamente dos longas protagonizados por Heigl .
Ironicamente , a atriz que cometeu pérolas como A Verdade Nua e Crua e Par Perfeito, foi revelada nas telonas justamente por um dos criadores mais inventivos e originais da atualidade : o aclamado Judd Apatow . Detentor de personagens verdadeiros e que roubam a atenção do espectador justamente por sua tridimensionalidade singular , - algo difícil de se encontrar no mercado do cinema - Apatow mal sabia que estava trazendo ao mundo em Ligeiramente Grávidos uma atriz que viria a produzir - e atuar - comédias femininas desprezíveis e imbecis . Com Bridesmaids , em 2011, o produtor parece vir trazer um pedido de desculpas , e também um desvio necessário ao fluxo que as comédias destinadas ás mulheres seguiam .
Escrito por Annie Mumolo e Kristen Wigg - esta também protagoniza a película - Bridesmaids trás um tema surradíssimo, clássico de comédias destinadas ao público feminino, trabalhado anteriormente em diversas ocasiões : o dilema da mulher balzaquiana e o casamento . Justamente por estabelecer uma premissa já tão conhecida pelos espectadores , Bridesmaids trás desde sua concepção um espírito de subverter o gênero, ainda mais tendo alguém do estilo de Apatow apadrinhando a produção . A trama , como já é de costume dos filmes de Judd Apatow , não representa grandes diferenciais na sua estrutura , mas ao revelar seus personagens e suas interações minuciosas, ganha grandeza .
Nela , conhecemos Annie (Kristen Wigg) uma mulher solteira de 30 e poucos anos , que não tem um relacionamento sério , e apenas é a ''peguete'' de Ted ( Jon Hamm , em aparição hilária e não creditada) . Ainda frustrada pela falência de sua loja de doces , Annie encontra felicidade na companhia da amiga de infância Lilian (Maya Rudolph) . Tudo começa a mudar , entretanto , quando Lilian é pedida em casamento . Quando os preparitivos começam , também se iniciam os pesadelos de Annie , que se entristece por não ter um namorado . Helen ( Rose Byrne) dondoca arrogante que preparará o casamento, vira amiga inseparável de Lilian , gerando desgoto e ciúmes por parte de Annie . Então , entre reuniões para damas de honra e chás de panela, começam as gags .
Num cenário atual onde comédias para macho fazem sucesso de público e por ventura também de crítica - Se Beber, Não Case ! é o exemplo mais citado - entra em cena uma comédia destinada ao público feminino , mas que trás um bom humor e gags de qualidade tão elevada quanto aquelas do filme de Todd Phillips . É explícito de onde Bridesmaids bebe da fonte . A cena emblemática : O grupo de mulheres que protagoniza o filme (a noiva mais 5 damas de honra) anda em câmera lenta , unido , com uma música estilosa ao fundo . Sobra espaço até pra gordinha engraçada do grupo levar uma pochete cruzada na barriga - algo que o personagem de Zack Galifianakis já eternizou em Hangover . Além dessas referências claríssimas , é também muito interessante ver como um filme teoricamente ''feito pra mulher'' usa e abusa de palavrões sem pudor , otimizando todos para construções de ótimas gags . Há até humor escatológico bem utilizado - e sabemos a linha tênue que separa o hilário do estúpido , quando o assunto é gross humor .
Mas o que nos faz comprar a idéia de Bridesmaids é sua verdade . Realismo que não encontramos em enlatados - os da TV e os do cinema . Não é a toa que Judd Apatow topou produzir o projeto . Seu olhar tridimensional ao retratar personagens encontra reflexo no roteiro do longa . Por seus trunfos de criar personas cristalinas , o script de Bridesmaids só aumenta em comparação com similares . Só para tomar um exemplo, comparemos este filme com Sex and The City - e aqui me prenderei a avaliar apenas a obra cinematográfica , e não a série de TV . Ora , os dois produtos tem tramas semelhantes - a ''já não tão balzaquiana'' Sarah Jessica Parker também estava a procura de um marido no longa de 2008 - mas desenvolvimentos completamente diferentes . Sex and The City se mostra extremamente superficial em duas vias : tanto naquela que se refere ao sexo , mas também naquela que trata de suas personagens - que , convenhamos , são meras peruas que não despertam muito além do que pena , por suas vidas fúteis . Em Bridesmaids , o elo criado com o espectador é mais fundo, pois a construção das personas é mais verdadeira . É possível perceber isso nos diversos diálogos sinceros entre as protagonistas . São toques sutis , mas muito significativos .
Só que nem tudo são flores, em Bridesmaids . Apesar de , desde já , ser uma comédia importantíssima por subverter um gênero que andava muito mal das pernas , o roteiro estrutural é levado por uma estrada que não inventa , e se demonstra um tanto quanto comum . Se na hora de desenvolver personagens há o sucesso , com atuações muito interessantes - destaque para o talento de Kristen Wigg para a comédia - o mesmo brilho não surge na hora de prender cada gag e cada personagem numa história em si . Entre momentos hilariantes e diálogos interessantes , há um vazio de história , que se baseia simplesmente na disputa entre duas mulheres pela amizade de uma terceira . Assim , o longa perde fôlego ao longo da exibição , se tornando uma obra mais modesta do que dava a impressão de ser .
Usando a linguagem de televisão desde o primeiro frame do filme , o diretor egresso dos seriados de TV , Paul Feig , consegue sucesso ao aplicar seu modo de dirigir séries como The Office , em diversas sequências de Bridesmaids . Afinal, em The Office a vergonha alheia dita as risadas , e aqui também funciona assim .
Nada de negativo, entretanto, tira a força simbólica que Bridesmaids tem . Em tempos onde há roteiristas cretinos fazendo humor fácil e babaca para encaixar no suposto '' gosto'' das mulheres em geral , é muito bom ver obras subvertendo gêneros e ganhando reconhecimento com isso - Bridesmaids faturou muito nos EUA , tanto em crítica , como em público . Em vez de preparar cotas para um tipo de comédia ''para mulheres'' no mercado do cinema , é muito melhor retratar o quanto de humor tipicamente masculino elas conseguem desenvolver por si próprias . Afinal, não é isso que é igualdade dos sexos?
3 Estrelas ***
quinta-feira, 8 de setembro de 2011
Estrada para Ythaca
O Homem e o Luto na terra do Sol.
A Natureza, em sua essência gloriosa, é implacável. Ainda que sempre em equilíbrio, numa harmonia de fazer inveja ao Homem (como Terrence Malick nos ensinou), Ela nunca se desviou de algum plano para ajudar o humano. Quando estamos em paz com ela, claro que há a retribuição, mas quando vamos de encontro com a mesma, estamos perdidos.
O que nos leva ao fabuloso Estrada para Ythaca. Aqui, a Natureza deixa o Homem de lado para ele amadurecer sozinho, por sua conta. Ainda que seja um constante plano de fundo (como provam os belos enquadramentos rígidos, que abrem o epílogo), a Natureza não toma partido aqui. Ela é responsável por ser palco para as lamentações dos 4 protagonistas, mas não interrompe nunca a jornada existencial dos amigos. Porém, mesmo que não tenha papel central na trama (se é que há alguma), a mesma é claramente uma fonte de conhecimento, digna de respeito, para os Irmãos Pretti e Primos Parente. Quando é necessário saber a vastidão da Natureza, o plano é aberto. Mas basta que o sofrimento de um personagem se torne evidente, que a câmera se fecha nele, com um zoom incisivo.
O que abre o interessante e complexo estudo da tristeza proposto pelos diretores. O foco é nessas pessoas, perdidas na vida, após a perda de seu grande amigo. Pessoas essas que, falíveis como as outras, tentam esquecer a dor com o que podem: a bebida e a música.
Até logo, até logo, companheiros/O nosso afastamento passageiro/É sinal de um encontro no futuro. A perda foi triste, sofrida para os amigos, mas não parece ter sido tão trágica quanto parece. Júlio, o amigo feliz, da foto da abertura, parece ser o dono do poema inicial. Ele sai tranquilo, mas não deixa os quatro numa boa situação. Claramente deprimidos, com um visual desleixado, barbas desgrenhadas e roupas jogadas, os homens se entregam ao Luto sem pensar duas vezes. A música é melancólica, não ajuda de jeito algum. Mas a bebida, aqueles 4 copos de cerveja, é a responsável pela partida para a tal Ythaca, o centro de reabilitação humana, esse misterioso lugar que é mais enigmático que aparenta.
E no início, logo se dá o primeiro sinal do papel que a bebida tem no filme. Um elemento usado para esquecer, claro, mas principalmente um transformador de caráter. Ao beber, os 4 amigos roubam o Corsa de algum desafortunado. O carro, transporte mágico para Ythaca, conduz os homens ao local. A jornada não é fácil (nem todos querem adentrar no desconhecido), mas basta um pouco de racionalidade para entender que o Luto é complicado - e uma jornada para combatê-lo é tão intrincada como.
Sendo intrincada, é necessário abrir mão de alguns luxos para viver. Recorrendo á Natureza em seus mais miúdos exemplos (os gravetos e o fogo), os amigos já começam a espiritual entrada no âmago humano. Além disso, os Irmãos e Primos diretores vão mais além ao optar por uma fotografia que, ainda que impecável, é bem econômica, servindo como uma bela metáfora para seu Luto e Descoberta filmado (e para seu paupérrimo orçamento). É necessário abrir mão de certos excessos, como narrativa convencional, fotografia iluminada, nomes dos personagens ou mesmo uma trilha elaborada.
O que nos leva ao filme-manifesto. Funcionando como um verdadeiro movimento de cinematografia, inspirado no Cinema contemporâneo sensorial dos asiáticos, Estrada para Ythaca alcança ainda a difícil proeza de lutar por um novo modo de fazer filmes e encaixar isso no próprio roteiro. Filmes puramente ideológicos, como Os Idiotas de von Trier, acabam soando catárticos pela catarse, o que não poderia ser pior. Já Ythaca adentra o Cinema Novo brasileiro sem medo algum, sem medir suas consequências, sem se amarrar a qualquer trivialidade. A novidade, que é o grande motivo desse argumento, é que nós somos tão novatos nesse tipo de filme quanto os amigos são na Estrada do título. Enquanto eles adentram a espiral confusa para Ythaca, nós adentramos o Cinema perigoso, divino e maravilhoso.
O fato da viagem ser tão mental quanto física é vital. Assim como temos a tristeza, que volta e meia volta, arrasadora, temos também o problema físico, como um pneu furado na estrada. A viagem é lenta, porque tem que ser, porque a dor demora a curar. Enquanto mentalmente o estímulo é crescente, fisicamente o esforço é mínimo. Pouco acontece visualmente em tela porque muito acontece espiritualmente em Estrada para Ythaca.
"Se morrer, nessa vida, não é novo/tampouco há novidade em estar vivo". Não há mesmo novidade em estar vivo, o que o ritmo lentíssimo e cuidadoso prova. Há muita novidade, sim, quando se trata dos dilemas filosóficos humanos. A bebida volta a se manifestar na emblemática dança das sombras, iluminada pelos faróis. O Luto parece ter sumido, com a alegria momentânea dos pobres homens. Porém, é só o dia raiar que a melancolia volta. E é com dor que acompanhamos o desajeitado consolo de um amigo ao outro, desesperado, sentado no chão de terra. Aquelas sombras são apenas... sombras. Sombras dos verdadeiros homens, que por sua vez são aqueles que aparecem de dia, reunindo-se, seja para uma refeição ou para trocar o já citado pneu do carro.
A alegria das sombras pode ter sido por um motivo banal (o fator de sempre, a bebida), mas ela é contagiante. Após a dança, tudo muda. A tristeza permanesce, mas a razão começa a aflorar. A emoção, antes na profunda depressão, agora se torna uma melancólica nostalgia. A refeição final é a preparação máxima, o preparatório para o ritual principal, a corrida na estrada de terra. Pouco importa a profusão de luzes enigmáticas que testemunhamos; o que importa é que os quatro saíram renovados. A barba assume o papel de mártir e some assim que necessário o seu afastamento.
Júlio observa, tranquilamente, a paz interior dos seus queridos amigos. Quando eles se livram do único fator que ainda os prendia à melancolia, fica claro que a jornada foi completada - com sucesso. Agora, a regra é usar esse fator para celebrar. Um abraço cela tudo. Afinal, "É preciso estar atento e forte/não temos tempo de temer a morte".
"Eu não tenho a menor ideia de onde nós vamos", diz um amigo num trecho do filme. Nem nós, espectadores. Onde é Ythaca, e como ela nos influencia, não importa. O importante é que a jornada valeu a pena.
"Mantenha sempre Ythaca em sua mente/Chegar lá é sua meta final,/Mas não tenha pressa na viagem/Ythaca terá lhe dado a linda viagem/Sem ela você nunca teria partido/E ela não poderia dar-lhe mais.../Tão sábio que serás, com todo conhecimento,/Já terás entendido o que significa Ythaca"
É na terra do Sol que o Luto vira Saudade. Aproveite a viagem. O caminho não é fácil, mas a recompensa é eterna.
A Estrada é a da Vida, mas o que seria Ythaca? Ythaca é qualquer lugar. É a transcendência do ser humano. É o ápice de tudo.
**** 4 Estrelas
A Natureza, em sua essência gloriosa, é implacável. Ainda que sempre em equilíbrio, numa harmonia de fazer inveja ao Homem (como Terrence Malick nos ensinou), Ela nunca se desviou de algum plano para ajudar o humano. Quando estamos em paz com ela, claro que há a retribuição, mas quando vamos de encontro com a mesma, estamos perdidos.
O que nos leva ao fabuloso Estrada para Ythaca. Aqui, a Natureza deixa o Homem de lado para ele amadurecer sozinho, por sua conta. Ainda que seja um constante plano de fundo (como provam os belos enquadramentos rígidos, que abrem o epílogo), a Natureza não toma partido aqui. Ela é responsável por ser palco para as lamentações dos 4 protagonistas, mas não interrompe nunca a jornada existencial dos amigos. Porém, mesmo que não tenha papel central na trama (se é que há alguma), a mesma é claramente uma fonte de conhecimento, digna de respeito, para os Irmãos Pretti e Primos Parente. Quando é necessário saber a vastidão da Natureza, o plano é aberto. Mas basta que o sofrimento de um personagem se torne evidente, que a câmera se fecha nele, com um zoom incisivo.
O que abre o interessante e complexo estudo da tristeza proposto pelos diretores. O foco é nessas pessoas, perdidas na vida, após a perda de seu grande amigo. Pessoas essas que, falíveis como as outras, tentam esquecer a dor com o que podem: a bebida e a música.
Até logo, até logo, companheiros/O nosso afastamento passageiro/É sinal de um encontro no futuro. A perda foi triste, sofrida para os amigos, mas não parece ter sido tão trágica quanto parece. Júlio, o amigo feliz, da foto da abertura, parece ser o dono do poema inicial. Ele sai tranquilo, mas não deixa os quatro numa boa situação. Claramente deprimidos, com um visual desleixado, barbas desgrenhadas e roupas jogadas, os homens se entregam ao Luto sem pensar duas vezes. A música é melancólica, não ajuda de jeito algum. Mas a bebida, aqueles 4 copos de cerveja, é a responsável pela partida para a tal Ythaca, o centro de reabilitação humana, esse misterioso lugar que é mais enigmático que aparenta.
E no início, logo se dá o primeiro sinal do papel que a bebida tem no filme. Um elemento usado para esquecer, claro, mas principalmente um transformador de caráter. Ao beber, os 4 amigos roubam o Corsa de algum desafortunado. O carro, transporte mágico para Ythaca, conduz os homens ao local. A jornada não é fácil (nem todos querem adentrar no desconhecido), mas basta um pouco de racionalidade para entender que o Luto é complicado - e uma jornada para combatê-lo é tão intrincada como.
Sendo intrincada, é necessário abrir mão de alguns luxos para viver. Recorrendo á Natureza em seus mais miúdos exemplos (os gravetos e o fogo), os amigos já começam a espiritual entrada no âmago humano. Além disso, os Irmãos e Primos diretores vão mais além ao optar por uma fotografia que, ainda que impecável, é bem econômica, servindo como uma bela metáfora para seu Luto e Descoberta filmado (e para seu paupérrimo orçamento). É necessário abrir mão de certos excessos, como narrativa convencional, fotografia iluminada, nomes dos personagens ou mesmo uma trilha elaborada.
O que nos leva ao filme-manifesto. Funcionando como um verdadeiro movimento de cinematografia, inspirado no Cinema contemporâneo sensorial dos asiáticos, Estrada para Ythaca alcança ainda a difícil proeza de lutar por um novo modo de fazer filmes e encaixar isso no próprio roteiro. Filmes puramente ideológicos, como Os Idiotas de von Trier, acabam soando catárticos pela catarse, o que não poderia ser pior. Já Ythaca adentra o Cinema Novo brasileiro sem medo algum, sem medir suas consequências, sem se amarrar a qualquer trivialidade. A novidade, que é o grande motivo desse argumento, é que nós somos tão novatos nesse tipo de filme quanto os amigos são na Estrada do título. Enquanto eles adentram a espiral confusa para Ythaca, nós adentramos o Cinema perigoso, divino e maravilhoso.
O fato da viagem ser tão mental quanto física é vital. Assim como temos a tristeza, que volta e meia volta, arrasadora, temos também o problema físico, como um pneu furado na estrada. A viagem é lenta, porque tem que ser, porque a dor demora a curar. Enquanto mentalmente o estímulo é crescente, fisicamente o esforço é mínimo. Pouco acontece visualmente em tela porque muito acontece espiritualmente em Estrada para Ythaca.
"Se morrer, nessa vida, não é novo/tampouco há novidade em estar vivo". Não há mesmo novidade em estar vivo, o que o ritmo lentíssimo e cuidadoso prova. Há muita novidade, sim, quando se trata dos dilemas filosóficos humanos. A bebida volta a se manifestar na emblemática dança das sombras, iluminada pelos faróis. O Luto parece ter sumido, com a alegria momentânea dos pobres homens. Porém, é só o dia raiar que a melancolia volta. E é com dor que acompanhamos o desajeitado consolo de um amigo ao outro, desesperado, sentado no chão de terra. Aquelas sombras são apenas... sombras. Sombras dos verdadeiros homens, que por sua vez são aqueles que aparecem de dia, reunindo-se, seja para uma refeição ou para trocar o já citado pneu do carro.
A alegria das sombras pode ter sido por um motivo banal (o fator de sempre, a bebida), mas ela é contagiante. Após a dança, tudo muda. A tristeza permanesce, mas a razão começa a aflorar. A emoção, antes na profunda depressão, agora se torna uma melancólica nostalgia. A refeição final é a preparação máxima, o preparatório para o ritual principal, a corrida na estrada de terra. Pouco importa a profusão de luzes enigmáticas que testemunhamos; o que importa é que os quatro saíram renovados. A barba assume o papel de mártir e some assim que necessário o seu afastamento.
Júlio observa, tranquilamente, a paz interior dos seus queridos amigos. Quando eles se livram do único fator que ainda os prendia à melancolia, fica claro que a jornada foi completada - com sucesso. Agora, a regra é usar esse fator para celebrar. Um abraço cela tudo. Afinal, "É preciso estar atento e forte/não temos tempo de temer a morte".
"Eu não tenho a menor ideia de onde nós vamos", diz um amigo num trecho do filme. Nem nós, espectadores. Onde é Ythaca, e como ela nos influencia, não importa. O importante é que a jornada valeu a pena.
"Mantenha sempre Ythaca em sua mente/Chegar lá é sua meta final,/Mas não tenha pressa na viagem/Ythaca terá lhe dado a linda viagem/Sem ela você nunca teria partido/E ela não poderia dar-lhe mais.../Tão sábio que serás, com todo conhecimento,/Já terás entendido o que significa Ythaca"
É na terra do Sol que o Luto vira Saudade. Aproveite a viagem. O caminho não é fácil, mas a recompensa é eterna.
A Estrada é a da Vida, mas o que seria Ythaca? Ythaca é qualquer lugar. É a transcendência do ser humano. É o ápice de tudo.
**** 4 Estrelas
Assinar:
Postagens (Atom)