Old School Nerds

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quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Ensaio Sobre a Cegueira

Fernando Meirelles e sua metáfora humana.

José Saramago, autor português ganhador de diversos prêmios incluindo o Nobel de Literatura, sempre aderiu á escrita forte, de conteúdo e linguagem pesada. Em Ensaio Sobre a Cegueira, sua obra mais conhecida, ele retrata a selvageria humana por meio da perda de visão.

Avesso as adaptações cinematográficas de livros, Saramago foi contra a decisão do brasileiro Fernando Meirelles de levar para as telas o Ensaio. Segundo ele, "o cinema acaba com a imaginação literária.)

Mas, inexplicavelmente, Saramago chorou de emoção quando viu o filme finalizado. Disse que era exatamente aquilo nas telas que seu livro era nas páginas. E Meirelles, satisfeito, chorou ao lado do português.
Para quem leu a obra, Ensaio Sobre a Cegueira deve ter sido uma adaptação incrivelmente fiel.
Não li a obra. Então, pra mim, Ensaio não foi uma ótima adaptação. Foi um ótimo filme.

A história narra a trajetória de várias pessoas infectadas por uma inexplicável variação da cegueira, a cegueira branca. Depois de provocar diversos acidentes e implantar o caos no mundo, esse infectados foram postos em quarentena pelo governo(de um país desconhecido, uma exigência de Saramago). Entre esses infectados, está um oftalmologista(Mark Ruffalo). Sua mulher(Julianne Moore) incrivelmente não se infecta, mas vai junto para a quarentena para ajudar seu marido. Sendo a única com visão, a mulher(sem nome, como todos no filme, outra exigência de Saramago) começa a se responsabilizar por todos em sua ala.

As atuações do filme são todas soberbas. Julianne Moore arrebenta e faz uma heroína bastante crível, que tem raiva, desprezo e todos os sentimentos humanos, sem parecer artificial. Mark Ruffalo também faz o típico herói, mas com seus medos e ambições. Todos os outros coadjuvantes e figurantes fazem um ótimo trabalho, angustiando o espectador a cada frame.
O roteiro adaptado por Don McKellar também é único, criando situações verossímeis a partir do material literário e mostrando a realidade humana com uma fidelidade enorme.

Na direção, Fernando Meirelles faz o seu melhor trabalho até aqui. Ele encontra ângulos dificílimos e consegue focar seus personagens de maneira extremamente íntima. Dentro das alas de quarentena, você se sente um dos cegos. Sua direção é tão brilhante quanto a de Darren Aronofsky, outro gênio vivo.
Outro ponto belo do filme é a fotografia de César Charlone, colaborador frequente de Meirelles. Sua aura branca e meio turva é instigante e tem pontos curiosos em que os personagens andam para o vazio branco, emulando a cegueira deles. De repente, surge seu destino, com o sumiço do branco. Ótimo. A trilha sonora do grupo Uakti também não deixa pra menos e cria algo perturbador e angustiante, com alguns "tic-tacs" entre a trama. Outro fator que merece destaque é a mixagem de som, principalmente nas cenas urbanas. É impressionante o efeito que o som da cidade emite na cabeça do espectador. A mixagem aumenta isso ao máximo,criando algo insurdecedor.
Tecnicamente, é um filme brilhante.

Fernando Meirelles se mostrou um diretor cult, trazendo pro cinema um filme difícil de digerir, que revira o estômago. Existem cenas cruéis, como as jornadas pela ala toda suja por excrementos humanos. Mas as cenas que mais impactam são as secas, como o desespero de homens na ONU quando um deles fica repentinamente cego e outra em que a Ministra da Saúde(Sandra Oh, numa pequena participação) fica cega e diz, naturalmente: Como muitos de vocês, eu fiquei cega.

Esqueça tudo o que os protestos á favor de cegos tem dito sobre o filme. Não é porque o sujeito ficou cego que ele ficou irracional. Esse é apenas o meio utilizado por Meirelles, McKellar e Saramago para descrever a natureza do homem como um ser animalesco. Se o filme foi criticado em Cannes, foi por ser duro demais com as pessoas de estômago fraco. Mas o filme é Rated R e está tudo justificado na censura.

Meirelles é um dos caras mais corajosos que conheço. Um enorme parabéns por sua mais nova obra-prima. Se ele preferiu não filmar um estupro coletivo nos seus mínimos detalhes, é porque isso já seria algo corajoso demais pra ser lançado nos Cinemas. Seria banido.

***** 5 Estrelas

Um comentário:

  1. Esse realmente nao ha mais o que falar, uns dos filmes mais espetaculares ja feitos e tambem foi impressionantemente admiravel aquela parceria entre um diretor brasileiro, produtor canadense, autor brasileiro e maravilhosos atores americanos (sinceramente eu nunca vi isso na historia do cinema), e a merda do Brasil crescendo pessoal.

    Apesar de tudo o fime deixa a desejar um pouco com as cenas dentro do ``hospicio`` a que eles sao aprisionados.

    3 para 4 ESTRELAS(como dito antes, voces estao muito bonzinhos)

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